Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
589/21.0T8AVV-A.G1
Relator: MARGARIDA FERNANDES
Descritores: INSPECÇÃO JUDICIAL
RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
OPOSIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O critério que deve presidir à decisão de proceder à inspecção ao local é o da sua conveniência para a formação da convicção a formar.
II – No procedimento cautelar de restituição provisória da posse, em que a lei determina a não audição da parte contrária, caso o requerido opte pela dedução de oposição pode alegar novos factos (que consubstanciem excepções ou impugnação motivada) e/ou pretender que se produzam novas provas que terão a virtualidade de afastar ou reduzir a medida cautelar decretada.
III – Neste caso existem duas decisões: uma decisão provisória em face dos factos alegados pelo requerente e que atende aos meios probatórios por ele apresentados; e uma decisão final em que o julgador pondera o conjunto da prova produzida em ambas as fases e em que conclui pela manutenção ou não da providência decretada ou pela sua redução.
IV – No que concerne à fixação da matéria de facto deve o tribunal na decisão final, por um lado, elencar os factos da oposição que considera indiciariamente provados e não provados e, por outro, elencar os factos dados como indiciariamente provados na decisão inicial que se mantêm inalterados e aqueles que resultaram modificados ou não provados (ainda que não os reproduza) procedendo à análise crítica do conjunto da prova produzida.
V – O procedimento de restituição provisória da posse tem como requisitos a posse (posse em nome próprio e em nome alheio, esta nos casos expressamente previstos na lei), o esbulho (perda da posse) e a violência (segundo a tese maioritária exercida sobre pessoas ou coisas, neste caso desde que seja um meio de coagir o esbulhado a suportar uma situação contra a sua vontade).
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

AA e BB, residentes na Rua ..., ... ..., instauraram o presente Procedimento Cautelar de Restituição Provisória de Posse contra CC e DD, residentes no Lugar ..., freguesia ... ..., ... ..., pedindo:

A - Se ordene a restituição aos Requerentes da posse e fruição da sua água que brota da mina;
B - Requerem se ordene ao requerido que respeite os direitos de propriedade dos requerentes à mina em causa e à sua parte da água que dela brota e de imediato reponha o abastecimento de água e a situação tal como se encontrava anteriormente;
C – Mais requerem que aos Requeridos seja estabelecida uma sanção pecuniária compulsória no montante de € 250,00 euros por cada dia de atraso na reposição do abastecimento de água e de reconstrução do frontispício da mina a iniciar 10 dias após a notificação da decisão que assim lho ordene.
Para tanto alegam, em síntese, que são donos e legítimos possuidores da água que brota da mina por a ter adquirido por compra e por usucapião. Que os requeridos têm adoptado condutas que impedem o acesso e uso pelos requerentes da aludida água.
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Não se procedeu à audição da parte contrária.
Procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas
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Em 28/07/2022 foi proferida a seguinte decisão:

“FACE AO EXPOSTO, julgo o presente procedimento cautelar procedente e, em consequência:
a) determina-se a restituição da posse aos requerentes da água que brota da mina referida em 8 a 10 da petição inicial.
b) determina-se que os requeridos se abstenham da prática de quaisquer atos que impeçam ou dificultem o acesso dos requerentes ao identificado prédio/mina, devendo para o efeito repor o abastecimento da o abastecimento de água e a situação tal como se encontrava anteriormente, sob pena de pagamento da quantia de 150,00€ (cento e cinquenta euros) por cada acto impeditivo desse acesso e utilização, a título de sanção pecuniária compulsória. (…)”
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O requerido deduziu OPOSIÇÃO alegando, em síntese, que não vendeu a EE a água da mina ou a mina pelo que, por mera tolerância, permitido a este e depois aos requerentes o aproveitamento das águas em causa. Não admitiu que os requerentes aí realizassem quaisquer obras.
É falso que o requerido tenha destruído, no dia 29/05/2022 o frontispício da mina, que aliás não existe, nem existiu. Em dia que não pode precisar diversas árvores caíram e alguns muros de suporte de terras da quinta também ruíram, designadamente parte do muro de suporte de terras, que tem árvores, que está por cima da mina. Nega ter feito qualquer ameaça.
Termina pedindo a revogação da providência decretada.
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Por requerimento de 20/08/2022 os requerentes requereram que os requeridos fossem compelidos a cumprimento a decisão proferida, se necessário com o uso da força pública. Mais requereram a notificação do requerido para, no prazo máximo de 10 dias, pagar aos requerentes os valores correspondentes aos quatro impedimentos por ele protagonizados no restabelecimento e reconstrução da mina acima indicados, sob pena da execução imediata das quantias em dívida no montante actual de € 600,00 euros.
O requerido pronunciou-se pedindo o indeferimento do requerido.
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Foi designada data para produção de prova, após a qual, em 04/11/2022 foi proferida a seguinte decisão:
“Pelo exposto, julgo improcedente a oposição deduzida pelos requeridos e, em consequência, decido manter a providência decretada nestes autos. (…)”
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Não se conformando com a decisão veio o requerido dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“1. Entende o Recorrente que o tribunal a quo, na sentença proferida a 28 de julho de 2020 deu como provados factos, para os quais no entendimento do Recorrente, não há suporte probatório e como tal, deverão ser considerados como não provados, nomeadamente, os pontos 13, 15, 16, 17, 18, 19 e 20:
“13. Recentemente, devido à diminuição constante e progressiva do caudal da sua água, os Requerentes deslocaram-se à mina e constataram que ali dentro, no lugar de captação da água, estava o corpo de um canídeo em decomposição, facto que constitui um atentado à saúde pública, tendo em conta que a sua propriedade é abastecida com a referida água também para consumo humano e animal. (…)
15. Sucede que no dia 29/05/2022 os Requerentes constataram que o Requerido CC estava a destruir o frontispício da mina em pedra, fazendo perigar a sua estabilidade com o intuito de a derribar.
16. No dia seguinte em 30/05/2022, os Requerentes ordenaram aos seus funcionários que se deslocassem à mina para efectuar a reparação da parede frontal, no sentido de evitar a sua iminente derrocada e assim prevenir a segurança de pessoas e bens.
17. Ali chegados os funcionários dos Requerentes foram recebidos pelo Requerido CC que os ameaçou que iria buscar uma arma de fogo, instando-os a sair dali de imediato.“
18. Temendo a ameaças do Requerido CC como séria e passível de se concretizar os trabalhadores dos Requerentes abandonaram o local.
19. Os dois funcionários dos Requerentes e estes constataram que após esse episódio de ameaça o Requerido CC completou a destruição total do frontispício da mina que agora se encontra totalmente em ruínas, impedindo definitivamente o abastecimento de água à propriedade dos Requerentes.
20. Actos de destruição que deixaram os Requerentes sem abastecimento de água da mina causando prejuízos ainda não contabilizados.”
2. Do depoimento da testemunha FF, não se retira qualquer suporte probatório para os factos elencados pelos AA e, que na sentença a quo foram dados como provados.
3. De facto, em algum momento no seu depoimento a Testemunha FF refere que encontraram na mina qualquer canídeo (ponto 13 da sentença a quo).
4. Ao contrário do que se dá como provado no ponto 15 e 17 da sentença a quo, em momento algum a Testemunha FF, afirma que tenha sido o Recorrente a destruir a mina, limita-se a dizer que “um dia o Sr. CC não sei o porque, resolveu, é assim eu parto do pressuposto de que foi ele … “ e que “alguém chegou lá, supostamente o Sr. CC, acredito eu”, isto é, meras suposições.
5. De igual forma, depoimento impreciso e confuso é o da Testemunha FF, no que concerne à data dos factos.
6. De facto, a testemunha não consegue dizer com certeza, que os factos descritos terão ocorrido no dia 29 de maio, aliás, inicialmente, até reporta os factos ao 27 de maio (“ um dia”, “Acho que foi mais ao menos dois meses, aquilo foi no 27 ou 29 de Maio acho eu …”).
7. Ao qual acresce, uma enorme imprecisão no que diz respeito aos dias da semana, em que supostamente se deslocou à mina e, o que teria feito na mina em cada um deles (“Não tenho bem a certeza”; E, nesse domingo, foi um domingo não, depois na segunda-feira”).
8. Não se verificando, qualquer sustento probatório dos factos atinentes ao ponto 15 e 16 dados como provados na sentença “a quo”.
9. Relativamente ao ponto 19 e 20 da matéria dada como provada, diga-se que a água que corre da mina, já há muito tempo escasseava e era utilizada somente para finalidades concretas e reduzidas.
10. Deste modo, deverá a matéria pontos 13, 15, 16,18, 19 e 20 da matéria dada como provada ser considerada como não provada.
11. Na sentença proferida a 4 de Novembro de 2022, vem o Tribunal a quo, julgar improcedente a oposição deduzida pelos requeridos e, em consequência, manter a providencia decretada nos presentes autos.
12. Do depoimento da Autora BB é clara a evidente contradição, com o que é afirmado na petição inicial e, que o Tribunal a quo dá como provado na sentença proferida em Julho de 2022.
13. Do depoimento da Autora BB, retira-se que o aparecimento de animais morte não é um facto recente, bem pelo contrário é o antigo dono, EE, que aquando da venda da propriedade, os alerta para a possibilidade de aparecimento de animais e dejetos e animais na mina.
14. Como a própria Autora reconhece, à data dos factos, vivenciou-se um período de seca excessiva, estando por sinal em causa uma mina, em que como já demonstrou anteriormente, corria pouca água.
15. Permitindo as pedras que desabaram da mina o continuo fluxo da água, que corre escassamente, não por qualquer obstrução daí resultante, mas como expressamente diz a Autora GG fruto das “as condições climáticas.”
16. À semelhança da testemunha FF ouvido a 27 de julho de 2022, também demonstrou a Autora BB desconhecer a data concreta dos factos.
17. Do mesmo modo, não consegue afirmar que foi o Requerido que destruiu o frontispício da mina.
18. Factos que, o Tribunal a quo e bem, aquando da sentença proferida a 4 de novembro de 2022, não deu como provados, apurando que houve efetivamente “a queda de uma árvore e o aluimento do muro, por si, sem que se tenha apurado a causa de tais episódios”.
19. Relativamente ao ponto 17 da sentença que proferiu a providência em julho de 2022, é necessário atentar no testemunho do Sr. FF, nas duas vezes em que foi ouvido e que, em nada são coincidentes.
20. Na primeira vez em que é ouvido, por meio de alguma imprecisão, dá a indicação que os factos ocorreram num período de tempo, correspondente ao final de maio de 2022.
21. Ouvido pela segunda vez, a Testemunha FF, confrontando com a mesma data, que ele próprio indiciou como a provável à ocorrência dos factos alegados, frisou sempre que “o dia específico”, “a data especifica” não sabia.
22. Se no primeiro depoimento prestado a testemunha a FF, ainda que com dificuldades em se situar no tempo afirma convictamente que o muro foi destruído por “mão humana” e,
23. Ainda que, sem nunca o declarar com certeza, lança umas meras suposições de que tal ato foi feito praticado pelo Recorrente ( “ um dia o Sr. CC não sei o porque, resolveu, é assim eu parto do pressuposto de que foi ele … “ e que “alguém chegou lá, supostamente o Sr. CC, acredito eu”).
24. No seu segundo testemunho prestado em Outubro, a testemunha relativamente ao muro da mina, em todas as vezes que a este se refere utiliza apenas e só as expressões “caiu” e/ou “ruiu”.
25. Mais, no primeiro depoimento a Testemunha relata com grande precisão o encontro que teve no dia 30 de maio de 2022, com o Recorrente na mina, quando este supostamente o surpreendeu ameaçando-o ir buscar uma arma de fogo (caçadeira).
26. O que despoletou na testemunha um grande medo e receio do Recorrente, tanto mais que se retirou logo da sua propriedade e nunca mais lá voltou, muito menos sozinho.
27. Questionado desta situação, aquando do seu segundo depoimento, a testemunha parece não se recordar deste evento traumático.
28. Aliás, nega a testemunha ter alguma vez se encontrado com o Recorrente nesse dia na mina e, muito menos que este o tenha ameaçado.
29. A única coisa que nos diz é que, várias vezes em conversa com o Recorrente, ele dizia em tom de brincadeira, que qualquer dia os colocava para fora do que era dele com uma arma de fogo (caçadeira).
30. Ao contrário do que o que referiu anteriormente não nutria por este qualquer medo ou receio, aliás é a própria testemunha que diz, pelo menos duas vezes, que o “homem” (o recorrente) dizia aquilo “na brincadeira “ e que ele “não acreditava”.
31. o Tribunal a quo não se pronunciou, nem teve em conta a matéria de facto anteriormente dada como provada, sendo certo que, existindo, nos autos, depoimentos testemunhais, totalmente opostos, quanto á mesma realidade.
32. Ao contrário do que deu como provada a sentença de Julho de 2022, que decretou a providencia cautelar de restituição da posse, em momento algum ficou demonstrado que o Recorrente praticou qualquer ato de violência sobre os AA.
33. O Recorrente não permitiu, que encapotados pelas ditas “obras ou atos de conservação”, os AA. se apossassem do que é seu.
34. Nunca esteve em causa o acesso à mina, que aliás como os próprios AA., e os seus funcionários reconhecem, nunca foi impedido.
35. Está em causa sim, os Recorridos, detentores de um direito, neste caso direito de metade da água da mina, enquanto comproprietários, quererem exercitar tal direito fora do que é o seu “objetivo natural e da razão justificativa da sua existência. “
36. Deveria ter o Tribunal a quo reapreciado os factos alegados na Petição Inicial, sobre os quais foi feito contraditório, que deveria ter sido valorizado.
37. Porquanto a matéria de facto dada como provada no decretamento do procedimento cautelar está em contradição com a matéria de facto dada como provada no que respeita à oposição deduzida pelos requeridos.
38. O Recorrente requereu a inspeção judicial ao local quando foram admitidos os meios de prova o tribunal relegou para a audiência de discussão e julgamento a admissão desse meio de prova.
39. Na audiência de julgamento o tribunal indeferiu a realização da inspeção judicial ao local com o fundamento de que “estava suficientemente esclarecido”.
40. Tendo em conta a matéria alegada pelo Requerido na oposição, factos que são na sua totalidade ou em parte, apreensíveis através de inspeção judicial.
41. Ao perfilhar entendimento diverso, o Tribunal recorrido fez errada interpretação e aplicação do direito violando o disposto nos artº.s 341º e 390º C.C., e 413º do Cód. Proc. Civil.
42. Nunca os aqui AA., estiveram sem acesso à mina ou água da mina e, nunca este acesso foi impedido por meio algum, não se justificando a providência de restituição provisória da posse.
43. Têm os AA., como sempre tiveram, acesso à mina e à água que dela continua a brotar.
44. Aliás, continuam os AA., por si ou por intermédios dos seus empregados a ir à mina, como o próprio trabalhador FF afirma no seu depoimento.
45. Em momento algum, foi praticado qualquer ato de esbulho pelo Recorrente.
46. Os AA., enquanto comproprietários tem e sempre tiveram acesso à mina e à água.
47. Nunca o Recorrente praticou qualquer ato que impedisse os AA. de acederem à mina ou de terem direito água dela proveniente.
Pugna pela revogação da sentença que deve ser substituída por acórdão nos termos supra referidos.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (art. 635º nº 3 e 4 e 639º nº 1 e 3 do C.P.C.), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, observado que seja, se necessário, o disposto no art. 3º nº 3 do C.P.C., as questões a decidir são:

A) Apurar se ocorreu erro de julgamento no que concerne ao despacho que recaiu sobre o pedido de inspecção ao local;
B) E, na negativa, se se verificou erro na apreciação da matéria de facto indiciariamente provada;
C) Por fim, apurar se ocorreu na subsunção jurídica.
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II – Fundamentação

Na decisão de 28/07/2022 foram considerados indiciariamente provados os seguintes factos:

1. Os Requerentes são donos e legítimos possuidores do seguinte Imóvel: Prédio Urbano composto por morada de casas de ..., primeiro e segundo andares, para habitação, com jardim e quintal, Norte ...; Nascente e Sul, CC; Poente, Estrada, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... onde está registada a sua aquisição a favor dos vendedores pela apresentação ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...55 com origem no anterior artigo ..., com o valor patrimonial tributário de € 22.486.28.
2. Desde a data de aquisição em 23/07/2009 e mesmo antes, por si e pelos seus ante possuidores, os Requerentes possuem o prédio melhor descrito em 1 há mais de 20, 30, 40 e mais anos, dele cuidando e fruindo, ali fazendo a sua vida com normalidade, cultivando os respectivos rossios, pagando as contribuições e impostos devidos, o que fazem à vista de todos e por todos considerados como os legítimos donos e possuidores com exclusão de outrem.
3. Fruição que se iniciou há muitas dezenas de anos sem qualquer violência e se mantém até hoje, sem perturbação ou impedimento, numa demonstração pública de posse incontestada sobre o referido imóvel.
4. Por via essa posse, (exercida de forma constante e ao longo das últimas dezenas de anos) os Requerentes adquiriram também pela via originária, com fundamento na usucapião o imóvel acima melhor descrito em 1 deste requerimento, facto que desde já invoca para os legais efeitos.
5. Do mesmo passo, como consta do documento nº ... agora junto, do objecto do contrato de compra e venda faz parte integrante o direito a metade da água que brota de uma mina propriedade de Requerentes e Requeridos, situada num prédio adjacente pertencente ao denunciado CC e a sua mulher DD e que se destina ao abastecimento do referido prédio para rega e consumo.
6. Água que os Requerentes consomem e usam há mais de 20, 30, 40 e mais anos, por si e pelos seus ante possuidores com posse de metade da água que brota da referida mina, propriedade de Requerentes e Requeridos.
7. Por essa via, para além da aquisição derivada da compra e venda, os Requerentes adquiriram também a referida mina e a água que dela por aquisição originária fundada na usucapião, o que expressamente se invoca para os legais efeitos.
8. Por outro lado, como acima se referiu, os dois Requeridos CC e mulher DD são donos e possuidores do seguinte prédio: Prédio Misto, composto de casa de cave, ... para habitação com dependência e rossios, pinhal, mato, mata mista, eucaliptal e cultura arvense de regadio, denominado “Quinta ...”, sito no Lugar ... ou Faquelo da U.F. ... e ..., Concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...71º da extinta Freguesia ... (...) e inscrito na matriz predial rustica sob os artigos ...88, ...98, ...00 e ...01, correspondentes aos anteriores artigos ..., ..., ..., ... e ... rústicos da extinta Freguesia ... (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...28 da Freguesia ... (...).
9. No prédio acima referido em 8 desemboca a referida mina de exploração de água (cuja nascente se situa num outro prédio propriedade de terceiros) e que desde tempos imemoriais abastece de água dos prédios de Requerentes e Requeridos, em igualdade e durante todo o tempo, na proporção de metade para cada imóvel.
10. A referida mina de água, composta por um frontispício em pedra e com uma entrada aberta sem qualquer porta ou tapume.
11. Com a sua água os Requerentes regam as suas plantas e colheitas sazonais na sua propriedade, abastecem e enchem os tanques e reservatórios existentes, usando se necessário tal água para consumo humano e de animais.
12. Assim, a referida mina e a água que dela brota são propriedade dos Requerentes e dos Requeridos que dela usufruem em partes iguais para os referidos prédios, o que fazem por si e pelos seus ante possuidores desde tempos imemoriais.
13. Recentemente, devido à diminuição constante e progressiva do caudal da sua água, os Requerentes deslocaram-se à mina e constataram que ali dentro, no lugar de captação da água, estava o corpo de um canídeo em decomposição, facto que constitui um atentado à saúde pública, tendo em conta que a sua propriedade é abastecida com a referida água também para consumo humano e animal.
14. Os Requerentes constataram também que o tubo de metal que lhes abastecia o imóvel estava corroído, pelo que tomaram a iniciativa de o substituir por um tubo novo em plástico, fazendo-o apenas para sua segurança sem qualquer prejuízo para os Requeridos.
15. Sucede que no dia 29/05/2022 os Requerentes constataram que o Requerido CC estava a destruir o frontispício da mina em pedra, fazendo perigar a sua estabilidade com o intuito de a derrubar.
16. No dia seguinte em 30/05/2022, os Requerentes ordenaram aos seus funcionários que se deslocassem à mina para efectuar a reparação da parede frontal, no sentido de evitar a sua iminente derrocada e assim prevenir a segurança de pessoas e bens.
17. Ali chegados os funcionários dos Requerentes foram recebidos pelo Requerido CC que os ameaçou que iria buscar uma arma de fogo, instando-os a sair dali de imediato.
18. Temendo a ameaça do Requerido CC como séria e passível de se concretizar os trabalhadores dos Requerentes abandonaram o local.
19. Os dois funcionários dos Requerentes e estes constataram que após esse episódio de ameaça o Requerido CC completou a destruição total do frontispício da mina que agora se encontra totalmente em ruinas, impedindo definitivamente o abastecimento de água à propriedade dos Requerentes.
20. Actos de destruição que deixaram os Requerentes sem abastecimento de água da mina causando prejuízos ainda não contabilizados.
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Na decisão de 04/11/2022 “Em face da prova (…) produzida, e com interesse para a decisão da oposição”, o Tribunal considerou sumariamente provados os seguintes factos:

1. O Requerido foi dono e legítimo possuidor do prédio identificado no art. 1º da petição inicial até 24 de Outubro de 1995, data em que o vendeu.
2. O Requerido é dono e legítimo possuidor do prédio misto composto de casa de cave, ... para habitação com uma dependência e rossios, pinhal, mato, mata mista, eucaliptal e cultura arvense de regadio, denominado Quinta ..., sito no Lugar ... ou ..., união de Freguesia ... (...) e ..., Concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob artigo ...71º da extinta Freguesia ... (...) e inscrito na matriz predial rústica sob os artigos ...88, ...98, ...99, ...00 e ...01 (anteriores artigos ..., ..., ..., ... e ...78º rústicos da extinta Freguesia ... (...)) e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...28 da Freguesia ... (...).
3. O aludido prédio veio à posse do Requerido por o ter adquirido por escritura de compra e venda outorgada em 09/02/1979.
4. O prédio identificado no art. 1º da petição inicial fazia parte da Quinta ..., sito no Lugar ... ou ..., união de Freguesia ... (...) e ..., Concelho ....
5. O Requerido é comproprietário de uma nascente e mina de água que se encontra sob o solo do prédio descrito em 2.
6. A mina está registada na APA – Agência Portuguesa do Ambiente – em nome do Requerido.
7. Em data que o Requerido não pode precisar, mas que se situa na década de 80, fez o aproveitamento das referidas águas para o prédio identificado no art. 1º da petição inicial, colocando um tubo que conduzia as águas a um tanque situado no topo nascente do referido prédio.
8. O Requerido vendeu o prédio identificado no art. 1º da petição inicial em 24 de Outubro de 1995 a EE, HH e II.
9. O requerido nunca permitiu a execução de obras ou actos de conservação por ter percebido que os Requerentes dela se querem apossar.
10. A mina estende-se ao longo da propriedade identificado no precedente artigo 3º e desemboca num muro de suporte de terras ou muro de arrimo.
11. A mina desenvolve-se a partir de uma abertura no referido muro.
12. Em dia não apurado, uma arvore caiu.
13. Parte do muro por cima da mina ruiu.
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A) Da inspecção judicial

Insurgem o apelante contra a decisão proferida aquando da inquirição das testemunhas em 06/10/2022, nos termos da qual o tribunal recorrido indeferiu a inspecção ao local por se considerar “integralmente esclarecido” cfr. acta respectiva. Para tal refere que parte dos factos alegados na oposição apenas são apreensíveis mediante inspecção judicial.
Os apelados pronunciaram-se no sentido de bem ter andado o tribunal uma vez que, a seu ver, a mencionada diligência era desnecessária.

Vejamos.
Antes de mais, importa deixar claro que, nos termos do art. 644º nº 2 d) do C.P.C., diploma a que pertencerão os preceitos a citar sem menção de origem, o recurso da acima referida decisão consubstancia uma apelação autónoma a subir em separado. Contudo, atendendo à simplicidade da questão e ao facto de nos encontrarmos perante um procedimento cautelar que tem natureza urgente, vamos conhecer a mesma na presente apelação.
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Não obstante o recorrente não o ter suscitado, afigura-se-nos que no caso em apreço não ocorre nulidade da decisão, nem por omissão de pronúncia, nem por falta de fundamentação (art. 615º nº 1 b) e d)) dado que o tribunal conheceu do pedido de inspecção ao local e indeferiu com fundamento no facto de se encontrar esclarecido, i.e., na sua desnecessidade (como, aliás, é referido pela sra. juíza).
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Dispõe o art. 490º, nº 1, sob a epígrafe “Fim da inspecção”: O tribunal, sempre que o julgue conveniente, pode, por sua iniciativa ou a requerimento das partes, (…) inspecionar coisas (…) a fim de se esclarecer sobre qualquer facto que interesse à decisão da causa, podendo deslocar-se ao local em questão (…).
Deste preceito resulta que o critério que deve presidir à decisão de proceder à inspecção ao local é o da sua conveniência para a formação da convicção a formar.
No caso em apreço verificamos, antes de mais, que o apelante, não obstante ter afirmado que há factos alegados na oposição que apenas são apreensíveis mediante inspecção judicial, não concretiza nenhum destes factos.
No mais, entendemos que, com efeito, a requerida inspecção ao local não era, nem conveniente, nem necessária, uma vez que, em face da prova produzida – depoimentos de parte, declarações de parte, prova testemunhal e documental (designadamente fotos juntas aos autos) - o tribunal recorrido entendeu que estava esclarecido acerca da localização da mina em questão, suas características e do local circundante e, com base na mencionada prova, formou a sua convicção. Saber se ocorreu erro nesta convicção é matéria a apreciar infra.
Pelo exposto, é de manter esta decisão.
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B) Reapreciação da matéria de facto

Insurge-se o apelante contra os factos indiciariamente provados nº 13, 15, 16 a 20 da decisão de 28/07/2023 defendendo que os mesmos devem ser considerados não provados. Mais referiu que o tribunal a quo devia ter reapreciado, em face do contraditório, a matéria de facto alegada na petição de maneira a evitar a contradição existente entre a matéria de facto dada como indiciariamente provada nas decisões de 28/07/2022 e de 04/11/2022.
Vejamos.
Nos termos do art. 662º nº 1 do C.P.C., diploma a que pertencerão os preceitos a citar sem menção de origem, A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
O Tribunal da 1ª Instância, ao proferir sentença, deve, em sede de fundamentação “(…) declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas de factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência” (art. 607º nº 4) e “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes” (art. 607º nº 5).
Sendo certo que o julgador aprecia a prova de acordo com a sua livre convicção, salvo algumas limitações, a análise crítica da prova é da maior importância do ponto de vista da fundamentação de facto da decisão. Com efeito, esta deve ser elaborada por forma a que, através da sua leitura, qualquer pessoa possa perceber quais os concretos meios de prova em que o Tribunal se baseou para considerar determinado facto provado ou não provado e a razão pela qual tais meios de prova foram considerados credíveis e idóneos para sustentar tal facto. Esta justificação terá de obedecer a critérios de racionalidade, de lógica, objectivos e assentes nas regras da experiência.
A exigência de análise crítica da prova nos termos supra referidos permite à parte não convencida quanto à bondade da decisão de facto tomada pelo tribunal da 1ª instância interpor recurso contrapondo os seus argumentos e justificar as razões da sua discordância.
Caso seja requerida a reapreciação da matéria de facto incumbe, desde logo, ao Tribunal da Relação verificar se os ónus previstos no acima art. 640º se mostram cumpridos, sob pena de rejeição do recurso.
Não havendo motivo de rejeição procede este tribunal à reapreciação da prova nos exactos termos requeridos. Incumbe a este Tribunal controlar a convicção do julgador da primeira instância verificando se esta se mostra contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos e sindicar a formação da sua convicção. i.e., o processo lógico. Não deixando de ter presente que o tribunal da 1ª instância, por força da imediação, é o tribunal melhor posicionado para proceder ao julgamento de facto, nada impede que, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, o tribunal superior conclua de forma diversa da do tribunal recorrido desde que tenha bases sólidas e objectivas.
Estas considerações valem para os procedimentos cautelares não obstante os mesmos se bastarem com a prova sumária e terem o procedimento previsto nos art. 362º a 409º e 293º a 295º.
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Antes de mais, importa fazer algumas considerações acerca do contraditório diferido aplicável ao presente procedimento cautelar de restituição provisória da posse e às suas consequências na fixação da matéria de facto.
Não obstante a regra nos procedimentos cautelares ser a audição da parte contrária previamente à prolacção da decisão, existem situações em que tal audiência põe em risco sério o fim e a eficácia da providência e em que a mesma é dispensada – art. 366º, nº 1. A estas situações juntam-se os procedimentos cautelares especificados em que a lei expressamente determina a não audição, como a restituição provisória da posse (art. 378º) e o arresto (art. 393º, nº 1).
Em face de decisão proferida sem audiência da parte contrária pode o requerido recorrer ou deduzir oposição – 372º, nº 1.
No Ac. da R.L. de 09/03/2021 (José Capacete), in www.dgsi.pt, endereço a que pertencerão os acórdãos a citar sem menção de origem, acórdão que remete para Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, (2.ª Edição), pp. 251-256, lê-se:
“(…) A utilização de um ou outro dos referidos meios é feita em alternativa, pelo que, confrontada com a decisão cautelar de arresto, à requerida cabia optar por um deles.

A oposição consiste:

a) na alegação de novos factos; e,
b) na apresentação de meios de prova (quer os já anteriormente produzidos, quer novos meios de prova), suscetíveis de infirmar os factos fundamentadores da primeira decisão, de modo revertê-la, total ou parcialmente;

O recurso, por sua vez, consiste na discordância:

a) quanto à integração jurídica que o tribunal fez dos factos que indiciariamente considerou provados; ou,
b) quanto à própria decisão da matéria de facto indiciariamente provada a partir dos meios de prova que o tribunal teve ao seu dispor aquando da prolação da primeira decisão. (…)”.

A decisão tomada sem audiência da parte contrária tem em conta a matéria de facto alegada pelo requerente e os meios de prova por ele apresentados, que naturalmente lhe são favoráveis.
Se optar pela dedução da oposição o requerido pode alegar novos factos (que consubstanciem excepções ou impugnação motivada) e/ou pretender que se produzam novas provas que, na sua óptica, terão a virtualidade de afastar ou reduzir a medida cautelar decretada.
Incumbe ao julgador ponderar o conjunto da prova produzida, quer na fase inicial, quer nesta, e concluir pela manutenção ou não da providência decretada ou pela sua redução, sendo que esta nova decisão é complemento e parte integrante da inicialmente proferida (art. 372º nº 3). Esta decisão é tomada como se o requerido tivesse sido ouvido inicialmente e aí tivesse deduzido oposição e apresentado os seus meios de prova. A este propósito refere Abrantes Geraldes, ob cit, p. 240: “A nova decisão proferida vai ajustar-se à decisão anterior, reforçando-a, anulando-a ou introduzindo-lhe as modificações consideradas convenientes face aos novos elementos a que o juiz teve acesso”.
Embora a lei não seja clara entendemos que, no que à fixação da matéria de facto diz respeito, deve o tribunal na decisão final, por um lado, elencar os factos da oposição que considera indiciariamente provados e não provados e, por outro, elencar os factos dados como indiciariamente provados na decisão inicial que se mantêm inalterados e aqueles que resultaram modificados ou não provados (ainda que não os reproduza) procedendo à análise crítica do conjunto da prova produzida. Neste sentido vide Ac. da R.G. de 04/12/2008 (Rosa Tching). Esta metodologia evitará dúvidas acerca da manutenção de factos que se mostrem contraditórios ou incompatíveis com os novos factos dados como assentes, não obstante tal contradição e incompatibilidade ser meramente aparente uma vez que a primeira decisão (e seus factos) é “provisória” e não forma caso julgado pelo que prevalece a segunda decisão e os segundos factos. Esta é uma excepção ao princípio da extinção do poder jurisdicional quanto à matéria da causa previsto no art. 613º, nº 1. E por tal razão a decisão final não é, com este fundamento, nula por contradição entre os fundamentos de facto e a decisão (art. 615º nº 1 c)).
Desta “decisão final unitária” cabe recurso que abrange todas as questões suscitadas em ambas as fases do procedimento.
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Revertendo ao caso em apreço, antes de mais, importa referir a ausência de cuidado na fixação da matéria de facto indiciariamente provada na primeira decisão uma vez que esta contém conceitos de direito e conclusões que naturalmente terão que ser desconsiderados.
O apelante deu cumprimento ao disposto no art. 640º nº 1 do C.P.C..
Assim, ouvida toda a prova produzida vejamos então os pontos de discordância do apelante.

- Facto nº 13 da decisão de 28/07/2022
Não se percebe como este facto foi dado como indiciariamente provado uma vez que a testemunha EE (antigo proprietário do prédio dos autores) não referiu ter-se deslocado à mina em questão em Maio de 2022 e, muito menos, que aí tenha visto um animal em decomposição. E a testemunha FF afirmou ter lá ido por essa altura, mas não aludiu à presença de um cadáver de um cão.
Apenas o Requerente, ouvido após a oposição, aludiu a tal facto, mas, de modo algum, disse que isso se tenha verificado no momento acima referido.

Pelo exposto, é de eliminar o facto nº 13 e de molde a tornar compreensível o facto nº 14 altera-se a redacção deste nos seguintes termos:
“14. Recentemente, devido à diminuição constante e progressiva do caudal da sua água, os Requerentes deslocaram-se à mina e constataram que o tubo de metal que lhes abastecia o imóvel estava corroído pelo que tomaram a iniciativa de o substituir por um tubo novo em plástico, fazendo-o apenas para sua segurança sem qualquer prejuízo para os Requeridos.”
- Facto nº 15 da decisão de 28/07/2022
Não obstante nenhuma testemunha ter presenciado a destruição do frontispício da mina em pedra resulta do conjunto da prova produzida que o requerido ou alguém a seu mando levou a cabo tal acção.
Desde logo, do depoimento do anterior proprietário do prédio dos requerentes, da testemunha FF e das declarações dos requerentes resulta que a mina estava junto de um muro de suporte de terras, tinha um frontispício em pedra e tinha uma abertura.
Não são minimamente credíveis as declarações do requerido e o depoimento da testemunha JJ, nos termos das quais em Maio de 2022 houve um temporal que levou à queda de árvores e muros na propriedade do requerido tanto mais que nenhum documento do IPMA ou outra entidade análoga comprovativo do referido foi junto. Inexiste contradição com o facto de se ter apurado que caiu uma árvore sem se precisar aonde e porquê ou com o facto de parte do muro por cima da mina ter ruído igualmente sem se apurar as circunstâncias.
Assim, conclui-se que foi por acção humana que parte de tal frontispício foi destruído. Tendo ocorrido a mencionada destruição na propriedade do requerido, e tendo em atenção as suas declarações, em que é patente uma forte animosidade contra os requerentes (com o uso de expressões como “têm vindo a abusar da minha propriedade constantemente”, “a mina é minha” ainda que admita que os requerentes têm direito a metade da água) e as regras da experiência conclui-se que a destruição da mina, ou foi feita pelo requerido, ou por alguém a seu mando, pois apenas este poderia ter tal interesse (veja-se que se apurou a existência de várias minas na propriedade do requerido, o que permite concluir que aquela água não lhe faz falta).
Da prova produzida não resultou com exactidão a data em que estes factos ocorreram pelo que, também nessa parte, há que corrigir a redacção deste facto.

Assim, este facto passa a ter a seguinte redacção:

“15. No final de Maio de 2022 os Requerentes constataram que o frontispício da mina em pedra estava parcialmente destruído, o que tinha sido feito pelo Requerido ou por alguém a seu mando.”
- Facto nº 16 da decisão de 28/07/2022
Do depoimento da testemunha FF e das declarações do Requerente, ainda que com algumas imprecisões, e sem se apurar uma data com exactidão, resulta que os Requerentes mandaram lá empregados para reparar a parte frontal da mina.
É de eliminar a parte final deste facto uma vez que, por um lado, não se apurou se a derrocada era iminente e, por outro, a referência à prevenção da segurança é conclusiva.
Assim, este facto passa a ter a seguinte redacção:
“16. Após o referido em 15 os Requerentes ordenaram aos seus funcionários que se deslocassem à mina para efectuar a reparação da sua parede frontal.”
- Factos nº 17 e 18 da decisão de 28/07/2022
Reconhecemos que as declarações da testemunha FF em Julho de 2022 e em Outubro do mesmo ano não são coincidentes a este propósito, contudo mereceram-nos maior credibilidade as primeiramente prestadas até por se reportarem a factos vivenciados mais recentemente.
Nesse depoimento tal testemunha afirmou, de forma convincente, que o requerido apareceu e disse “que nos queria de lá para fora” e que “ía buscar a espingarda” tendo aquele e o colega obedecido. A testemunha acrescentou: “não sei se ele a puxava ou não, mas ele é nervoso…já o conheço de outras situações”. E disse ter dito ao patrão que “não voltava a lá pôr os pés sem autorização” do requerido. Ora, afigura-se-nos que a simples alusão a uma arma de fogo num contexto como este não pode ser considerada normal e aceitável sendo de admitir que a testemunha, ou alguém no seu lugar, receie pela sua vida. A mesma testemunha, aquando das segundas declarações, referiu que, por várias vezes, ouviu o requerido dizer: “um dia ponho-vos de lá para fora com uma caçadeira”! Ainda que o requerido tenha negado tais ameaças, das suas declarações, como se referiu supra, resulta uma forte animosidade contra os requerentes com constantes referências ao facto da mina estar na sua propriedade (o que não se contesta) e ao facto daqueles não poderem lá entrar e efectuar obras sem a sua autorização.
Pelo exposto, é de manter estes factos como provados.
- Factos nº 19 e 20 da decisão de 28/07/2022
É de manter estes factos como provados porquanto a testemunha FF referiu que constatou que o frontispício da mina foi totalmente destruído, o que impediu o abastecimento de água à propriedade dos requerentes (sendo irrelevante que seja pouca ou muita água) com os inerentes prejuízos daí advenientes.
Assim, é de manter o facto nº 20 e corrigir a redacção do nº 19 nos seguintes termos:
“19. Os dois funcionários dos Requerentes constataram que o Requerido, ou alguém a seu mando, completou a destruição total do frontispício da mina que agora se encontra totalmente em ruinas, impedindo definitivamente o abastecimento de água à propriedade dos Requerentes.”
- Contradição
Por fim, como ficou acima referido, tendo em atenção o escopo da oposição, pode acontecer que os factos dados como provados na segunda decisão estejam em contradição com os da primeira, contudo tal contradição é aparente prevalecendo os segundos.
De qualquer modo, comparando uns e outros não vislumbramos qualquer contradição, designadamente entre os acima referidos factos nº 16 e 17 e o facto nº 9 da decisão de 04/11/2022.
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Por uma questão metodológica passa-se a transcrever a matéria de facto indiciariamente provada conforme foi fixada nesta instância:

(decisão de 28/07/2022)
1. Os Requerentes são donos e legítimos possuidores do seguinte imóvel: Prédio Urbano composto por morada de casas de ..., primeiro e segundo andares, para habitação, com jardim e quintal, Norte ...; Nascente e Sul, CC; Poente, Estrada, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... onde está registada a sua aquisição a favor dos vendedores pela apresentação ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...55 com origem no anterior artigo ..., com o valor patrimonial tributário de € 22.486.28.
2. Desde a data de aquisição em 23/07/2009 e mesmo antes, por si e pelos seus ante possuidores, os Requerentes possuem o prédio melhor descrito em 1 há mais de 20, 30, 40 e mais anos, dele cuidando e fruindo, ali fazendo a sua vida com normalidade, cultivando os respectivos rossios, pagando as contribuições e impostos devidos, o que fazem à vista de todos e por todos considerados como os legítimos donos e possuidores com exclusão de outrem.
3. Fruição que se iniciou há muitas dezenas de anos sem qualquer violência e se mantém até hoje, sem perturbação ou impedimento, numa demonstração pública de posse incontestada sobre o referido imóvel.
4. Por via essa posse, (exercida de forma constante e ao longo das últimas dezenas de anos) os Requerentes adquiriram também pela via originária, com fundamento na usucapião o imóvel acima melhor descrito em 1 deste requerimento, facto que desde já invoca para os legais efeitos.
5. Do mesmo passo, como consta do documento nº ... agora junto, do objecto do contrato de compra e venda faz parte integrante o direito a metade da água que brota de uma mina propriedade de Requerentes e Requeridos, situada num prédio adjacente pertencente ao denunciado CC e a sua mulher DD e que se destina ao abastecimento do referido prédio para rega e consumo.
6. Água que os Requerentes consomem e usam há mais de 20, 30, 40 e mais anos, por si e pelos seus ante possuidores com posse de metade da água que brota da referida mina, propriedade de Requerentes e Requeridos.
7. Por essa via, para além da aquisição derivada da compra e venda, os Requerentes adquiriram também a referida mina e a água que dela por aquisição originária fundada na usucapião, o que expressamente se invoca para os legais efeitos.
8. Por outro lado, como acima se referiu, os dois Requeridos CC e mulher DD são donos e possuidores do seguinte prédio: Prédio Misto, composto de casa de cave, ... para habitação com dependência e rossios, pinhal, mato, mata mista, eucaliptal e cultura arvense de regadio, denominado “Quinta ...”, sito no Lugar ... ou Faquelo da U.F. ... e ..., Concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...71º da extinta Freguesia ... (...) e inscrito na matriz predial rustica sob os artigos ...88, ...98, ...00 e ...01, correspondentes aos anteriores artigos ..., ..., ..., ... e ... rústicos da extinta Freguesia ... (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...28 da Freguesia ... (...).
9. No prédio acima referido em 8 desemboca a referida mina de exploração de água (cuja nascente se situa num outro prédio propriedade de terceiros) e que desde tempos imemoriais abastece de água dos prédios de Requerentes e Requeridos, em igualdade e durante todo o tempo, na proporção de metade para cada imóvel.
10. A referida mina de água, composta por um frontispício em pedra e com uma entrada aberta sem qualquer porta ou tapume.
11. Com a sua água os Requerentes regam as suas plantas e colheitas sazonais na sua propriedade, abastecem e enchem os tanques e reservatórios existentes, usando se necessário tal água para consumo humano e de animais.
12. Assim, a referida mina e a água que dela brota são propriedade dos Requerentes e dos Requeridos que dela usufruem em partes iguais para os referidos prédios, o que fazem por si e pelos seus ante possuidores desde tempos imemoriais.
14. Recentemente, devido à diminuição constante e progressiva do caudal da sua água, os Requerentes deslocaram-se à mina e constataram que o tubo de metal que lhes abastecia o imóvel estava corroído pelo que tomaram a iniciativa de o substituir por um tubo novo em plástico, fazendo-o apenas para sua segurança sem qualquer prejuízo para os Requeridos.
15. No final de Maio de 2022 os Requerentes constataram que o frontispício da mina em pedra estava parcialmente destruído, o que tinha sido feito pelo Requerido ou por alguém a seu mando.
16. Após o referido em 15 os Requerentes ordenaram aos seus funcionários que se deslocassem à mina para efectuar a reparação da sua parede frontal.
17. Ali chegados os funcionários dos Requerentes foram recebidos pelo Requerido CC que os ameaçou que iria buscar uma arma de fogo, instando-os a sair dali de imediato.
18. Temendo a ameaça do Requerido CC como séria e passível de se concretizar os trabalhadores dos Requerentes abandonaram o local.
19. Os dois funcionários dos Requerentes constataram que o Requerido, ou alguém a seu mando, completou a destruição total do frontispício da mina que agora se encontra totalmente em ruinas, impedindo definitivamente o abastecimento de água à propriedade dos Requerentes.
20. Actos de destruição que deixaram os Requerentes sem abastecimento de água da mina causando prejuízos ainda não contabilizados.
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Na decisão de 04/11/2022 “Em face da prova (…) produzida, e com interesse para a decisão da oposição”, o Tribunal considerou sumariamente provados os seguintes factos:

1. O Requerido foi dono e legítimo possuidor do prédio identificado no art. 1º da petição inicial até 24 de Outubro de 1995, data em que o vendeu.
2. O Requerido é dono e legítimo possuidor do prédio misto composto de casa de cave, ... para habitação com uma dependência e rossios, pinhal, mato, mata mista, eucaliptal e cultura arvense de regadio, denominado Quinta ..., sito no Lugar ... ou ..., união de Freguesia ... (...) e ..., Concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob artigo ...71º da extinta Freguesia ... (...) e inscrito na matriz predial rústica sob os artigos ...88, ...98, ...99, ...00 e ...01 (anteriores artigos ..., ..., ..., ... e ...78º rústicos da extinta Freguesia ... (...)) e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...28 da Freguesia ... (...).
3. O aludido prédio veio à posse do Requerido por o ter adquirido por escritura de compra e venda outorgada em 09/02/1979.
4. O prédio identificado no art. 1º da petição inicial fazia parte da Quinta ..., sito no Lugar ... ou ..., união de Freguesia ... (...) e ..., Concelho ....
5. O Requerido é comproprietário de uma nascente e mina de água que se encontra sob o solo do prédio descrito em 2.
6. A mina está registada na APA – Agência Portuguesa do Ambiente – em nome do Requerido.
7. Em data que o Requerido não pode precisar, mas que se situa na década de 80, fez o aproveitamento das referidas águas para o prédio identificado no art. 1º da petição inicial, colocando um tubo que conduzia as águas a um tanque situado no topo nascente do referido prédio.
8. O Requerido vendeu o prédio identificado no art. 1º da petição inicial em 24 de Outubro de 1995 a EE, HH e II.
9. O requerido nunca permitiu a execução de obras ou actos de conservação por ter percebido que os Requerentes dela se querem apossar.
10. A mina estende-se ao longo da propriedade identificado no precedente artigo 3º e desemboca num muro de suporte de terras ou muro de arrimo.
11. A mina desenvolve-se a partir de uma abertura no referido muro.
12. Em dia não apurado uma árvore caiu.
13. Parte do muro por cima da mina ruiu.
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C) Subsunção jurídica

Insurge-se o apelante também contra a subsunção jurídica defendendo a ausência de esbulho alicerçando-se na acima pretendida alteração da matéria de facto.
Uma vez que, no essencial, a mesma foi mantida é de manter a subsunção jurídica que se mostra correcta.
De qualquer modo, sempre se dirá o seguinte:
As providências cautelares visam impedir que a situação de facto se altere de modo a que a sentença que venha a ser proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o periculum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo) a fim de que a sentença se não torne uma decisão puramente platónica.
As providências cautelares podem distinguir-se em conservatórias – as que têm como objectivo, como o próprio nome refere, conservar a situação existente assegurando ao requerente a manutenção da titularidade de um direito, o exercício de um direito ou o gozo de um bem – e as antecipatórias – as que permitem adiantar os efeitos próprios de tutela jurídica pretendida pelo requerente, que visam prevenir a ocorrência de um dano.
Têm como características: 1) carácter instrumental relativamente à acção destinada a tutelar em definitivo o direito que o requerente invoca (salvo se tiver sido decretada a inversão do contencioso); 2) provisoriedade (dura até que seja proferida a decisão definitiva, que a confirme ou não, e é autónoma face à tutela definitiva); 3) urgência.
Nestes procedimentos basta a probabilidade séria da existência de um direito - fumus bonis juris. Quer este, quer o periculum in mora, aferem-se mediante prova sumária, i.e., não aprofundada, mas minimamente consistente (summaria cognitio).
O procedimento cautelar de restituição provisória da posse encontra-se previsto no art. 377º e art. 1279º do C.C. e, em princípio, é dependente de uma acção possessória ou de reivindicação.

A propósito da protecção possessória refere José Alberto Vieira, in A Posse, Almedina, p. 667:
“A protecção possessória justifica-se por uma razão simples: estando subjacente a ela a exteriorização de um direito, a ordem jurídica protege a posição do possuidor na presunção de que o direito existe e lhe pertence, O controlo da coisa e a exteriorização do direito conferem a base de facto para essa presunção. (…)
A presunção mantém-se enquanto o possuidor não for derrotado judicialmente por aquele que tem um melhor direito. Até lá todos os outros estão inibidos de perturbar ou esbulhar a sua posição, podendo o possuidor defender a sua posse pelos meios de defesa previsto no ordenamento
A protecção possessória tem sempre natureza provisória quando não acompanhada da titularidade do direito exteriorizado. (…)”.

O procedimento em causa tem os seguintes requisitos:

a) Posse
O conceito de posse encontra-se previsto no art. 1251º do C.C. e consiste no poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.
Além dos possuidores em nome próprio esta tutela é extensível a alguns possuidores em nome alheio, como o locatário (art. 1037º, nº 2 do C.C.), o comodatário (art. 1133º nº 2 do C.C.) ou depositário (art. 1188º nº 2 do C.C.).

b) Esbulho
Como conceito de esbulho tem-se adoptado a tese de Manuel Rodrigues, in A Posse, Almedina, Ed. 1981, p. 363, nos termos do qual “há esbulho sempre que alguém foi privado do exercício de retenção ou fruição do objecto possuído, ou da possibilidade de o continuar”.
Refere Marco Carvalho Gonçalves, in Providências Cautelares, 4ª Ed., Almedina, p. 275-276: “O esbulho abrange, por isso, os atos que impliquem a perda da posse contra a vontade do possuidor e que assumam proporções de tal modo significativas que impeçam a sua conservação.”

c) Violência.
No que concerne este requisito existem na doutrina e jurisprudência duas teses.
A primeira, com um âmbito mais restritivo, defende que a violência que releva é aquela que é exercida directamente contra a pessoa do possuidor através do uso de coacção física ou moral (art. 1261º nº 2 e 255º do C.C.).
A segunda, com um âmbito mais amplo, e cremos que maioritária, refere que a violência tanto pode ser exercida sobre pessoas, como sobre coisas, desde que, neste caso, seja um meio de coagir o esbulhado a suportar uma situação contra a sua vontade, de intimidá-lo, de o constranger física ou psicologicamente. Acompanhamos Marco Carvalho, ob. cit., p. 277, onde se lê: “(…) entendemos ser de perfilhar a segunda corrente, isto é, para além dos casos em que a violência é exercida sobre a própria pessoa do possuidor, o esbulho será igualmente violento quando, sendo exercido de forma direta e imediata sobre uma coisa, atinja de algum modo, ainda que por via indireta ou reflexa, designadamente pelo seu cariz ameaçador ou intimidatório, a pessoa do possuidor.”
Importa referir que, em caso de não preenchimento deste requisito, podem mostrar-se reunidos os requisitos de que depende o decretamento de uma providência cautelar comum.

No caso em apreço, é incontestável que os requerentes actuam em relação à água da mina, situada na propriedade dos requeridos, por forma correspondente ao direito de compropriedade sobre a mesma ou, pelo menos, de servidão de águas adquirida por usucapião (art. 1547º nº 1) ou por destinação do pai de família (art. 1548º).
Os mesmos, na sequência da destruição do frontispício da mina, ficaram privados de fruir da água que antes corria (muita ou pouca) contra a sua vontade.
Por fim, quer este acto de destruição, quer as ameaças contra a integridade física efectuadas pelo requerido contra os empregados dos requerentes na sequência da entrada destes no prédio daquele para reparação do frontispício da mina, permite qualificar o esbulho como violento.
Assim sendo, improcede a apelação.
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As custas da apelação são da responsabilidade do requerido apelante face ao seu decaimento (art. 527º, nº 1 e 2 do C.P.C.).
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III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
A presente decisão é elaborada conforme grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
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Guimarães, 09/02/2023

Relatora: Margarida Almeida Fernandes
Adjuntos: Afonso Cabral de Andrade
Alcides Rodrigues