Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
919/13.9TBVVD.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
SUBSIDIARIEDADE
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/26/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: JULGADA PROCEDENTE
Sumário: 1 - A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa, pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos: que haja um enriquecimento, que esse enriquecimento careça de causa justificativa e, finalmente, que tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição.
2 – O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de caráter patrimonial, podendo a mesma traduzir-se num aumento do ativo patrimonial ou numa diminuição do passivo, ou, até, no uso ou consumo de coisa alheia ou exercício de direito alheio, ou poupança de despesas.
3 – Quando o cumprimento é efetuado por terceiro, na errónea convicção de estar obrigado a efetuá-lo, ocorre a diminuição do passivo do enriquecido/devedor, que se traduz numa vantagem de caráter patrimonial, à custa do empobrecimento daquele terceiro.
4 – Ainda que, originariamente, a lei não permita o exercício da ação de enriquecimento, em virtude de o interessado dispor de outro direito/ação (caráter subsidiário), posteriormente, em consequência da caducidade ou prescrição deste direito, torna-se lícito socorrer-se daquela.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO
“… Companhia de Seguros, SA” intentou ação declarativa contra Fundo de Garantia Automóvel pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 31.947,48, acrescida de juros vincendos contados desde a citação até total e efetivo pagamento.
Alegou o seguinte:
No exercício da sua atividade e por força do contrato de seguro celebrado com N…, aceitou a transferência da responsabilidade civil por danos decorrentes da circulação do ligeiro de passageiros com matrícula …-AP, dentro dos limites legais, pela Apólice n.º ….
Em 20 de junho de 2004 ocorreu um acidente de viação na estrada nacional que liga a cidade de Braga à vila de Ponte da Barca, em Covas, Vila Verde, em que foram intervenientes o AP e um veículo ligeiro misto, de matrícula portuguesa, mas cujo número de matrícula, proprietário e condutor são desconhecidos.
P… era gratuitamente transportado no AP, à data do acidente, seguindo, sentado, no assento de trás.
Como consequência direta e necessária do acidente, resultaram, para o P…, lesões corporais. O sinistrado foi transferido para o Centro Hospitalar do Alto Minho, S.A., de Viana do Castelo. Foi transferido para o Hospital de São Marcos, da cidade de Braga. Foi assistido no Serviço de Neurologia e de Neurocirurgia, do Hospital de São Marcos. No dia 25 de junho de 2004, o P… regressou ao Centro Hospitalar do Alto Minho, onde se manteve internado. A partir do mês de agosto de 2004, o P… passou a ser acompanhado, assistido e tratado, nos serviços clínicos da autora, nos Hospitais Privados de Portugal, na Boavista, cidade do Porto.
Em consequência do aludido acidente, o P…, intentou ação declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra a ora autora – então designada por Companhia de Seguros…, SA -, e a ora Ré, que correu seus termos pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde, autos registados sob o n.º 561/06.0TBVVD. Por douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 18 de dezembro de 2012 – Revista n.º 651/06.0TBVVD.G1.S1 -, a culpa exclusiva na produção do aludido acidente foi imputada ao condutor do veículo automóvel ligeiro misto, de matrícula portuguesa, mas cujos número de matrícula, proprietário e condutor são desconhecidos.
Consequentemente, a ré …Companhia de Seguros, SA, foi absolvida do pedido. E a ora ré ficou com a total responsabilidade pelos danos sofridos pelo autor, P….
No pressuposto da responsabilidade do condutor do veículo seguro, ainda na fase pré-contenciosa, a autora fez adiantamentos ao P…, no montante de 5400,00 €. E liquidou despesas hospitalares ao Centro Hospitalar do Alto Minho, SA, Hospital de São Marcos e Hospitais Privados de Portugal, Boavista, no montante de 26 547,48 €, pela assistência àquele prestada. O que tudo perfaz o montante global de 31 947,48 €.
A ré viu entrar no seu património o valor de 31 947,48 €, correspondente a igual valor pago indevidamente ao sinistrado e que àquele competia liquidar. Havendo, entre o enriquecimento da ré e o empobrecimento da autora uma relação de causa e efeito (aquela enriqueceu à custa desta).
Contestou o réu invocando a prescrição da obrigação, por estarem decorridos mais de três anos sobre a sua constituição, mais impugnando os danos alegados. Alega ainda não ser aplicável ao caso dos autos o instituto jurídico do enriquecimento sem causa.
Replicou a autora para dizer que só teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável a partir de Dezembro de 2012, data do Acórdão do STJ que atribuiu a culpa exclusiva na produção do acidente ao condutor do veículo de matrícula desconhecida, pelo que não está prescrito o seu direito.
Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador no qual se julgou verificada a exceção da prescrição do direito da autora, absolvendo o réu do pedido.
Discordando da sentença, dela interpôs recurso a autora, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:
1- No dia 20 de Junho de 2004, ocorreu um acidente de viação na estrada nacional que liga a cidade de Braga à vila de Ponte da Barca, em Covas, Vila Verde, em que foram intervenientes o AP e um veículo ligeiro misto, de matrícula portuguesa, mas cujo número de matrícula, proprietário e condutor são desconhecidos;
2 - P… era gratuitamente transportado no AP, à data do acidente, seguindo, sentado, no assento de tràs;
3 - Em consequência do aludido acidente, o P…, intentou acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra a ora autora – então designada por Companhia de Seguros…, SA – e a ora ré, que correu seus termos pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde, autos registados sob o n.º 561/06.0TBVVD;
4 - Por douto Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 18 de Dezembro de 2012 – Revista n.º 651/06.0TBVVD.G1.S1 -, a culpa exclusiva na produção do aludido acidente foi exclusivamente imputada ao condutor do veículo automóvel ligeiro misto, de matrícula portuguesa, mas cujos números de matrícula, proprietário e condutor são desconhecidos;
5 - Consequentemente, a ré … Companhia de Seguros, SA, foi absolvida do pedido;
6 - E o Fundo de garantia Automóvel ficou com a total responsabilidade pelos danos sofridos pelo autor, P…;
7 – Do acidente resultaram, entre outros, danos corporais na pessoa do P…;
8 - A apelante fez adiantamentos ao sinistrado e procedeu ao pagamento dos tratamentos que lhe foram ministrados, porquanto este era passageiro transportado gratuitamente no veículo seguro na altura e na convicção de poder ser atribuida ao condutor deste a responsabilidade do acidente, que era discutível, acabando, na acção judicial por ser atribuida ao condutor do veículo desconhecido e que se pôs em fuga na totalidade;
9 – Nos adiantamentos e tratamentos a apelante desembolsou a quantia de 31.947,48 €,
10 – A Autora interpelou o Fundo de Garantia Automóvel no sentido de ser reembolsada das despesas efectuadas;
11 - Ora, como o Fundo de Garantia Automóvel foi condenado na totalidade a pagar ao sinistrado a indemnização dos danos por este sofridos, inclusivé os tratamentos futuros a liquidar em execução de sentença, deveria ser condenado a restituir à apelante o que esta pagou ao sinistrado com tratamentos e adiantamentos que lhe foram feitos, e que, como se veio a concluir na acção judicial, sempre seriam da responsabilidade da Apelada;
12 - Nos termos do artº 498º do C.C., a prescrição do direito de indemnização não importa a prescrição da acção de restituição por enriquecimento sem causa. Ora,
13 - Nos termos do disposto no artº 482º do mesmo diploma legal, “ o direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do enriquecimento”.
14 - Assim, o direito à restituição por enriquecimento só prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que a apelante teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, ou seja, a partir do trânsito em julgado do Acordão do STJ.
15 – Ao não reembolsar a Apelante das despesas que esta indevidamente pagou, é manifesto que o Fundo de Garantia Automóvel se locupletou à custa da Apelante integrando na sua esfera patrimonial a quantia de de 31 947,48 €, a esta devida.
16 – Por isso, ao absolver o Fundo de Garantia Automóvel do pedido contra ele formulado, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 473º a 482º e 498º do C.C.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida e que seja proferida decisão que condene o Fundo de Garantia Automóvel a reembolsar a apelante na quantia de € 31.947,48.

O réu contra alegou pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
A única questão a resolver traduz-se em saber se está ou não prescrito o direito da autora.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença foram considerados provados os seguintes factos:
A. Em 20 de junho de 2004 ocorreu um acidente de viação na estrada nacional que liga a cidade de Braga à vila de Ponte da Barca, em Covas, Vila Verde, em que foram intervenientes o AP e um veículo ligeiro misto, de matrícula portuguesa, mas cujo número de matrícula, proprietário e condutor são desconhecidos.
B. P… era gratuitamente transportado no AP, à data do acidente, seguindo, sentado, no assento de trás.
C. Em consequência do aludido acidente, o P…, intentou ação declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra a ora autora – então designada por Companhia de Seguros…, SA -, e a ora ré, que correu seus termos pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde, autos registados sob o n.º 561/06.0TBVVD.
D. Por douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 18 de dezembro de 2012 – Revista n.º 651/06.0TBVVD.G1.S1 -, a culpa exclusiva na produção do aludido acidente foi exclusivamente imputado ao condutor do veículo automóvel ligeiro misto, de matrícula portuguesa, mas cujos número de matrícula, proprietário e condutor são desconhecidos.
E. Consequentemente, a ré …Companhia de Seguros, SA, foi absolvida do pedido.
F. E a ora ré ficou com a total responsabilidade pelos danos sofridos pelo autor, P….
G. Do acidente resultaram, entre outros, danos corporais na pessoa do P….
H. A autora interpelou a ré no sentido de ser reembolsada das despesas.
I. A Ré, porém, recusa-se a reembolsar as peticionadas despesas, invocando a prescrição do direito da autora.
J. Os pagamentos foram feitos nas seguintes datas:
a) - P…:
550,00 € 17/11/2004;
550,00 € 11/01/2005;
1650,00 € 10/04/2005;
1000,00 € 15/07/2005;
1650,00 € 19/12/2005;
b) – CENTRO HOSPITLAR DO ALTO MINHO:
1235,64 € 30/09/2004;
c) – HOSPITAL DE SÃO MARCOS:
12 465,74 € 13/11/2004;
d) – HOSPITAL PARTICULAR DA BOAVISTA:
672,60 € 30/11/2004;
100,15 € 16/05/2005;
43,26 € 31/05/2005;
43,26 € 30/01/2013;
100,15 € 30/01/2013;
121,78 € 30/01/2013;
572,17 € 30/01/2013;
206,36 € 30/0172013;
120,76 € 30/01/2013;
43,26 € 30/01/2013;
416,67 € 13/02/2013;
4177,06 € 13/02/2103;
4064,49 € 09/03/2005;
4177,06 € 08/04/2005;
2277,49 € 17/06/2005;
2101.86 € 30/06/2005;

Na sentença ora posta em crise, decidiu-se pela prescrição do direito da autora com base na seguinte fundamentação:
«Invoca o réu a prescrição da obrigação atento o prazo de três anos previsto no artigo 498.º do Código Civil, uma vez que o acidente ocorreu em 2004 e a réu apenas foi citado para esta ação em 2013.
Na sua réplica a autora defende que o prazo de prescrição apenas começa a contar-se desde a data da prolação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que ocorreu em 2012.
A autora baseia a sua pretensão no instituto jurídico do enriquecimento sem causa, surgindo-nos tal instituto como fonte autónoma de obrigações - secção IV, do capítulo II, do Título I, do Livro II do Código Civil.
Preceituando a respeito o art.º 473º deste mesmo diploma legal:
“1. Aquele que sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.
2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.”
Sendo, assim, pressupostos do enriquecimento sem causa:
a) a existência de um enriquecimento;
b) a obtenção desse enriquecimento à custa de outrem;
c) a ausência de causa justificativa para o enriquecimento.
De acordo com o princípio da subsidiariedade, o empobrecido só poderá recorrer à ação de enriquecimento à custa de outrem, quando não tenha outro meio para cobrir os seus alegados prejuízos.
Com efeito, dispõe o artigo 474.º do C.C. que “não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”.
Resulta, pois, de tal normativo que a ação baseada nas regras do instituto do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, só podendo a recorrer-se a ela quando a lei não faculte ao empobrecido outros meios de reação (o que, no fundo, funcionará como um novo pressuposto ou requisito legal para o recurso à ação de restituição com base no instituto do enriquecimento sem causa).
Como escrevem os profs. Pires de Lima e Antunes Varela (in “Ob. cit., pág. 433”) “a subsidiariedade da acção de enriquecimento tem, no entanto, de ser entendida em termos hábeis. Pode originariamente a lei não permitir o exercício da acção de enriquecimento, em virtude de o interessado dispor de outro direito e, posteriormente, facultar o recurso àquela acção, em consequência da caducidade desse direito”.
O caso reconduz-se ao direito de sub-rogação, cujo regime está previsto nos artigos 590.º e seguintes do Código Civil, sendo efetivamente aplicável o prazo de prescrição do artigo 498.º do Código de Processo Civil que, poderia eventualmente ser estendido a cinco anos atento o disposto no artigo 498.º n.º 3 do Código Civil.
Ora, tal prazo de prescrição começa a contar-se desde o primeiro pagamento que foi feito, resultando dos autos que tal sucedeu em 2004.
Assim, se conclui que o exercício do direito de sub-rogação se encontra prescrito.
Importa notar que quem enriqueceu sem justa causa foi P… e as entidades hospitalares que foram recebendo quantias de quem não era responsável por esse pagamento. A autora nunca foi responsável pelos pagamentos efetuados, pelo que deveria ter interpelado a entidade que consideraria responsável, eventualmente o réu, de modo a interromper o prazo de prescrição em curso.
Contudo, nada fez, deixou que fosse um terceiro, o lesado P…, a decidir intentar uma ação em Tribunal e esperou que transcorresse o prazo do trânsito em julgado dessa mesma ação para vir exercer o seu direito.
Pelo exposto, julgo verificada a prescrição do direito da autora, absolvendo o réu Fundo de Garantia Automóvel do pedido».

Como resulta da fundamentação transcrita, entendeu-se na sentença sob recurso que ocorreu a prescrição do direito da autora. Para o efeito aduziu-se que, baseando-se o direito da autora na sub-rogação (ainda que sem descriminar a que tipo de sub-rogação se refere), é aplicável o prazo de prescrição do artigo 498.º do Código Civil (uma vez mais sem indicar o número do artigo a que se reporta), começando tal prazo a contar desde o primeiro pagamento, que ocorreu em 2004. Mais se entendeu que não era aplicável o instituto do enriquecimento sem causa porque quem enriqueceu sem justa causa foi o P… e não o réu.
Não podemos concordar com tal entendimento.
Vejamos porquê.
O enriquecimento sem causa – artigos 473.º e seguintes do Código Civil – ou melhor dito, a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa, pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos, a saber, em primeiro lugar, que haja um enriquecimento, em segundo lugar que esse enriquecimento careça de causa justificativa e, finalmente, que tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição.
Relativamente ao enriquecimento, e seguindo de perto a lição dos Professores Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, volume I, 4.ª edição revista e atualizada, páginas 454 e seguintes, deve dizer-se que o mesmo consiste na obtenção de uma vantagem de caráter patrimonial “seja qual for a forma que essa vantagem revista”. Pode a mesma traduzir-se num aumento do ativo patrimonial ou numa diminuição do passivo, ou, até, no uso ou consumo de coisa alheia ou exercício de direito alheio, ou poupança de despesas.
No caso que nos interessa, a obtenção de vantagem de caráter patrimonial, traduziu-se, por parte do réu, numa diminuição do seu passivo, que ocorre quando “o cumprimento é efetuado por terceiro, na errónea convicção de estar obrigado a efetuá-lo”. A atuação da autora, pagando despesas que eram responsabilidade do réu, convencida como estava que eram sua responsabilidade, fez com que o réu tivesse enriquecido à sua custa, uma vez que não teve que despender aquelas quantias a favor do sinistrado, ou seja, viu diminuído o seu passivo em função dos pagamentos que devia ter efetuado mas não efetuou porque outro (a autora) o fez por si e, nessa medida, obteve uma vantagem de caráter patrimonial.
Discorda-se, assim, em absoluto, da sentença recorrida, quando aí se diz que quem enriqueceu sem justa causa foi o P… (sinistrado). Este tinha e tem direito à indemnização que lhe foi paga (adiantamentos e pagamento das despesas hospitalares), ainda que o pagamento lhe tenha sido feito pela seguradora, na convicção de que a isso estava obrigada, convicção essa que só foi desfeita aquando do acórdão do STJ que decidiu, com trânsito em julgado, que a responsabilidade exclusiva na produção do acidente se ficou a dever ao condutor do veículo não identificado (leia-se, Fundo de Garantia Automóvel). Não há, assim, qualquer enriquecimento e, muito menos, sem causa justificativa, pois a indemnização pretende apenas colocar o lesado na situação em que estaria caso não tivesse sofrido o acidente, sendo este a sua causa.
Não há dúvida, também que o enriquecimento carecia de causa justificativa, uma vez que a autora não era a responsável pelo pagamento, inexistindo, assim, a relação que legitima o enriquecimento e, do mesmo modo, se verifica que a vantagem patrimonial obtida pelo réu resulta do sacrifício económico correspondente suportado pela autora.
Daí que se mostrem preenchidos todos os requisitos (de verificação cumulativa) inerentes á figura do enriquecimento sem causa.
De igual forma não se acompanha a sentença recorrida quando deixa de aplicar este instituto devido ao seu caráter subsidiário.
É que, ainda que, originariamente, a lei não permitisse o exercício da ação de enriquecimento, em virtude de o interessado dispor de outro direito/ação, posteriormente, e, designadamente, nos casos de caducidade ou prescrição, é facultado o recurso àquela ação. Tal resulta do disposto nos artigos 474.º e 498.º, n.º 4 do Código Civil – cfr. autores e obra citada, pág. 460.
E é neste ponto, exatamente, que se torna essencial o recurso ao instituto do enriquecimento sem causa, pois, a considerar-se, como na sentença recorrida, que o caso se reconduz a uma situação de sub-rogação (legal, acrescentaremos nós), o direito da autora estaria prescrito, face ao que resulta do disposto no artigo 498.º, n.º 1 do Código Civil.
De acordo com este normativo, o direito prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos. Assim, o prazo prescricional, para exigir ao responsável pelo acidente a satisfação do indevidamente pago, contar-se-ia a partir do momento em que foram efetuados os pagamentos ao lesado. Este foi o caminho seguido na sentença sob recurso, ainda que sem extrair todas as conclusões do mesmo, pois, se verificarmos, nos factos provados, há pagamentos que foram efetuados em 2013, pelo que, relativamente a estes (pelo menos) não teria ocorrido a prescrição.
Contudo o caminho terá que ser outro.
De acordo com o disposto no artigo 482.º do Código Civil, “o direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável…”.
Ora, só após o trânsito em julgado do Acórdão do STJ que se pronunciou sobre a responsabilidade no sinistro em causa, imputando-a, exclusivamente, ao condutor do veículo de matrícula portuguesa, mas cujos número de matrícula, proprietário e condutor são desconhecidos (sendo o réu responsável em seu lugar), é que a autora ficou a conhecer a pessoa do responsável e, portanto, só a partir daí começa a contar o prazo de prescrição.
Datando aquele acórdão de dezembro de 2012 e tendo esta ação sido intentada em julho de 2013, não haviam ainda decorrido os três anos a que se refere o citado artigo 482.º do Código Civil, pelo que improcede a invocada exceção de prescrição.
Assim, na procedência das conclusões da alegação da apelante, haverá que ser revogada a sentença recorrida, com a sua substituição por outra que condene o réu a restituir à autora a quantia de € 31 947,48, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Sumário:
1 - A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa, pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos: que haja um enriquecimento, que esse enriquecimento careça de causa justificativa e, finalmente, que tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição.
2 – O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de caráter patrimonial, podendo a mesma traduzir-se num aumento do ativo patrimonial ou numa diminuição do passivo, ou, até, no uso ou consumo de coisa alheia ou exercício de direito alheio, ou poupança de despesas.
3 – Quando o cumprimento é efetuado por terceiro, na errónea convicção de estar obrigado a efetuá-lo, ocorre a diminuição do passivo do enriquecido/devedor, que se traduz numa vantagem de caráter patrimonial, à custa do empobrecimento daquele terceiro.
4 – Ainda que, originariamente, a lei não permita o exercício da ação de enriquecimento, em virtude de o interessado dispor de outro direito/ação (caráter subsidiário), posteriormente, em consequência da caducidade ou prescrição deste direito, torna-se lícito socorrer-se daquela.

III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida, que se substitui por outra que condena o réu na restituição à autora da quantia de € 31.947,48, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.
Custas pelo réu/apelado.
Guimarães, 26 de junho de 2014
Ana Cristina Duarte
Fernando F. Freitas
Purificação Carvalho