Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | CONCEIÇÃO BUCHO | ||
Descritores: | SOCIEDADE COMERCIAL EXCLUSÃO DE SÓCIO LEGITIMIDADE ACTIVA | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 03/14/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
Sumário: | I - Se a sociedade tem apenas dois sócios, a exclusão de qualquer deles só pode ser decidida pelo Tribunal. II - Tem assim legitimidade para instaurar acção de exclusão de sócio nos termos do artigo 242.º, n.º1, do Código das Sociedades Comerciais, a sociedade requerente, representada pelo outro sócio. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães. I - "A…, Lda.", representada pelo seu sócio gerente B…, intentou contra C…, nos termos do artigo 242.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, a presente acção especial de exclusão de sócio (art. 1484º do C.P.C.), em que pediu que o Réu fosse condenado "a ser excluído de sócio da sociedade Autora e a ver a sua quota amortizada nos termos legais" e ainda que fosse "condenado a indemnizar a A. pelo montante de €202.204,00 acrescido de juros legais, desde a citação até efectivo pagamento". Mais peticionou que o Réu fosse "condenado a reembolsar a Autora de todos os valores, remunerações e despesas indevidamente recebidos e alegados em 85º a 87º e 110º supra, acrescidos dos juros vencidos e vincendos, a liquidar em execução de sentença, por ainda não ser possível determinar o seu montante.". Alegando para tanto nos termos constantes de fls. 5 a 47, que aqui se dão por integralmente reproduzidos e integrados. Regularmente citado o Réu apresentou contestação de fls. 97 a 189 alegando, por um lado, que a Autora é parte ilegítima, por inexistência de deliberação social que legitime a sociedade a propor a acção, por outro lado, por igual falta de deliberação carece o sócio B… de legitimidade para representar a sociedade. Impugna ainda a matéria alegada pela Autora, concluindo pela improcedência da presente acção. Por despacho de fls. 276 a 278, não foi admitida a réplica apresentada pela Autora, despacho do qual pende recurso de agravo. Foi decidido ainda notificar as partes para indicarem os meios de prova - cfr. despacho de fls. 293 - após o que se admitiram as provas apresentadas, incluindo uma perícia colegial às contas da sociedade, cujo relatório apenas foi junto a fls. 1984 e seguintes. Os autos prosseguiram e, após a inquirição de testemunhas, foi proferida sentença na qual se decidiu: «Pelo exposto, julga-se verificada a alegada excepção dilatória da falta de deliberação dos sócios e por isso se decide absolver o requerido da instância.» Inconformada a requerente interpôs recurso, cujas alegações terminam com a s seguintes conclusões: 1) Considerou o tribunal ad quo que a acção contra o sócio gerente foi proposta sem a prévia deliberação exigida pela al. c) n°1 do art. 246.° CSC, e que estamos perante uma excepção dilatória que conduz à absolvição da instância do requerido - tudo conforme o n°2 do art, 25°, ai. c) do n°1 do art. 288°, n°2 do art. 493°, e ai. d) do art. 494.° e ainda doutrina densamente plasmada na decisão recorrida. 2) O direito invocado pela requerente com a acção de exclusão de sócio e que fundamenta o pedido nele inserto, encontra-se estipulado no artigo 242.° do Código das Sociedades Comerciais (doravante CSC), onde se pode lar que “pode ser excluído por decisão judicial o sócio, que com o seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos relevantes”. 3) Nos termos conjugados do n°2 do artigo 242.° do CSC e do disposto na ai. g) do n°1 do artigo 246.° do CSC, alguns autores defendem que a acção em causa deve ser proposta pela sociedade contra o sócio a excluir, e só por ela, sempre após deliberação tomada pelos sócios, em assembleia geral (tal como a decisão ora recorrida) 4) O sócio pode ser excluído da sociedade nos casos e nos termos previstos na lei ou fixados no contrato ou poderá ainda ser excluído por decisão judicial quando o seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, cause a esta ou possa vir a causar prejuízos relevantes. 5) A exclusão de sócio por deliberação social terá lugar “Nos casos e nos termos previstos da presente lei, bem como nos casos respeitantes à sua pessoa ou ao seu comportamento fixado no contrato”. 6) Já a exclusão de sócio por sentença judicial, terá lugar com o fundamento no comportamento desleal ou gravemente perturbador do sócio no funcionamento da sociedade e que lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos relevantes. - neste sentido Ac. do TRC de 11/11/2003, publicado in www.dgsi.pt, 7) A sociedade requerente é constituída apenas por dois sócios, ambos gerentes, com diferentes participações sociais. 8) O requerido é sócio maioritário da requerente (60%) e o sócio que a representa para a presente acção, minoritário atento o valor da sua quota (40%). 9) Neste tipo de sociedades, quando existe uma perda de entendimento e confiança essenciais à persecução dos objectivos sociais, as queixas e as acusações são recíprocas, o que justifica o afastamento do regime normal de destituição de gerente e de exclusão de sócio, sob pena da vontade do sócio maioritário prevalecer em detrimento do outro sócio. 10) Assim, a exclusão e a destituição com fundamento em justa causa, conforme se vislumbra no caso dos autos, não pode ser efectuada por deliberação social, sendo indispensável a intervenção do tribunal, uma vez que seria intolerável que por se tratar de uma sociedade com apenas dois sócios, um deles tivesse de suportar o comportamento prejudicial do outro sócio em relação à sociedade (e, consequentemente, prejudicial ao valor da sua participação social). 11) Não existe disposição expressa sobre o assunto no CSC, relativamente às situações como a dos autos, nas quais existem apenas dois sócios e um pretende a destituição do outro, pelo que nos termos do n°2 do artigo 3° deste diploma, deve valer o que estabelece o n.°3 do artigo 1005° do Código Civil (de ora adiante CC). 12) Segundo este preceito, se a sociedade tiver apenas dois sócios, a exclusão de qualquer deles só pode ser pronunciada pelo tribunal” — Neste sentido, Ac. TRL de 5/7/2000 e AC. do TRC de 11/11/2003, ambos publicados in www.dgsi.pt. 13) A requerente carreou para os autos, factos concretos de onde se afere um comportamento desleal bem como gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, susceptível de causar efectivos/potenciais prejuízos para a sociedade, nomeadamente: O requerido violou reiteradamente o acesso ao direito de informação por parte do requerente, impedindo-o de saber o estado das contas da sociedade e de ter acesso às pastas de documentação da empresa relativamente a clientes e à banca; O requerido constituiu juntamente com a sua filha uma sociedade denominada “D…, Lda.” com objecto social e designação coincidente ao da requerente (A…, Lda”); Recebimento de comissões por parte do requerido, alheios à sociedade, e em seu beneficio pessoal por via da utilização de instalações e material da sociedade requerente: Nomeação de um novo gerente para a sociedade, contrariamente ao que o requerente sugeria para a viabilização da empresa: Entre outros, e tudo conforme se encontra explanado na petição inicial. 14) Verifica-se que estão reunidos os requisitas para exclusão judicial de um sócio: em primeiro lugar, comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade; em segundo, que esse comportamento cause ou possa vir a causar prejuízos à sociedade e precisando estes conceitos o AC. do TRL de 18/12/2010 (in, CJ, ano XXVII, tomo V, pág. 111) entende por comportamento desleal, devem entender-se todos os actos que revelem infidelidade para com a empresa e que a conduta gravemente perturbadora deve factualizar-se por seu turno, em actos que alterem ou desorganizem a actividade da empresa e o escopo social que ela prossegue”, sendo de salientar que na parte atinente aos prejuízos, a lei não exige a sua verificação efectiva, antes se basta com a sua potencial verificação, desde que esses prejuízos possam ser relevantes’. 15) O Ac. do TRC, de 14/03/2000 (in, CJ, ano XXV, tomo II, pág. 15), ‘estando legalmente excluída a via da deliberação social para se obter exclusão do sócio, em sociedade com apenas dois sócios, não é exigível qualquer deliberação social com pressuposto da acção judicial de exclusão de sócio designadamente a que alude o art. 242°, n°2 do CSC.” 16) À sociedade com apenas dois sócios não é exigível qualquer deliberação social, podendo um sócio propor acção judicial de exclusão de outro sócio, então também não faz sentido impedir um sócio gerente de propor tal acção em representação e no interesse da sociedade. 17) In casu, tal deliberação seria um acto meramente inútil e demasiado formalista, uma vez que a deliberação da exclusão considera-se tomada por maioria dos votos emitidos, conforme n°3 do artigo 250° CSC, e estando o sócio a excluir, neste caso o requerido, impedido de votar (devido a uma situação de conflito de interesses entre o sócio a excluir e a sociedade, ai. d) n°1 do artigo 251.0 do CSC), no final de contas a vontade que prevalecia era a do outro sócio. 18) Assim, a deliberação prévia à propositura da acção de exclusão de sócio mostra-se prescindível, formalmente inútil e desprovida de sentido. 19) Mesmo sem deliberação prévia, o direito de participação e discussão não se mostra violado, uma vez que o sócio que se pretende excluir poderá e terá oportunidade para se defender em juízo, vislumbrando-se cumprido o direito ao contraditório, na sua plenitude. 20) De acordo de Avelãs Nunes, (in, “Direito de Exclusão dos Sócios nas Sociedades Comerciais”) “a exclusão de sócios é uma manifestação dos princípios fundamentais do moderno direito comercial: a protecção da empresa, a garantia da sua continuidade, a defesa dela contra tudo o que possa destruir o seu valor de organização”. 21) Outros autores defendem que funcionalmente a exclusão visa defender a sociedade de um sócio cuja presença possa provocar perturbações graves na vida social, justificando-se assim a exclusão pela necessidade de defesa da empresa social. 22) Assim sendo, estamos perante um interesse directo da sociedade em demandar, uma vez que está em causa a protecção da sociedade em si. 23) Daí que, verificando-se o papel inútil da deliberação e estando em causa interesses directos da sociedade, a mesma por intermédio do seu gerente, tem legitimidade activa para intentar a acção de exclusão de sócio - nesse sentido Ac. do TRG, de 20/07/2005, proferido nos autos de providência cautelar que acompanhou a acção especial de exclusão do sócio aqui em causa. ** O recorrido apresentou contra-alegações, nas quais pugna pela manutenção do decidido. Colhidos os vistos, cumpre decidir. II – É pelas conclusões do recurso que se refere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso - artigos 684º e 685-A Código de Processo Civil -. Na decisão não foram dados como provados quaisquer factos. A única questão a decidir é a de saber se a autora tem legitimidade para propor a presente acção. O tribunal recorrido considerou que não tendo havido deliberação social no sentido de legitimar a sociedade a propor a acção, o autor é parte ilegítima. Nos termos do artigo 241º n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais “um sócio pode ser excluído da sociedade nos casos e termos previstos na presente lei, bem como nos casos respeitantes à sua pessoa ou ao seu comportamento fixado no contrato”. Refere o citado artigo 242º n.º 1 que “pode ser excluído por decisão judicial o sócio que, pelo seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, lhe tenha causado ou possa vir a causa-lhe prejuízos relevantes”. Quer isto dizer que um sócio pode ser excluído da sociedade nos casos e nos termos previstos na lei ou fixados no contrato. Pode, além disso, ser ainda excluído por decisão judicial quando o seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, cause a esta ou possa vir a causa-lhe prejuízos relevantes. Ou por outras palavras, a exclusão de sócio por deliberação social terá lugar “nos casos e termos previstos na presente lei, bem como nos casos respeitantes à sua pessoa ou ao seu comportamento fixado no contrato”. A exclusão de sócio por sentença terá lugar por sentença judicial com o fundamento no comportamento desleal ou gravemente perturbador (do sócio) no funcionamento da sociedade e que lhe tenha causado ou possa vir a causa-lhe prejuízos relevantes”. No caso dos autos, a sociedade tem apenas dois sócios. Grande parte da jurisprudência vai no sentido de aplicar, por analogia, à situação de exclusão de um sócio numa sociedade com apenas dois sócios, o regime previsto no n.º 5 do art. 257º do CSC para o caso da destituição de gerente em sociedades com apenas dois sócios. Também a doutrina vai no mesmo sentido. Assim, Raul Ventura, segundo o qual "no caso de sociedades por quotas com apenas dois sócios está excluída a via da deliberação social para se obter a exclusão de sócio, não sendo exigível, nem tendo mesmo qualquer sentido uma deliberação social como pressuposto da respectiva acção judicial de exclusão de sócio a que alude o art. 242° n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais. Relativamente à exclusão de sócio compreende-se a aplicação, por analogia, do disposto no n.º 5 do art. 257º do CPC, relativo à destituição do gerente, uma vez que numa e noutra as razões justificativas são em tudo semelhantes. Com efeito, atento o número de sócios e a possibilidade de não se conseguir obter uma deliberação dos sócios, tal como o art. 242º do Código das Sociedades Comerciais exige, com vista à propositura da acção de exclusão do sócio, caso não se atribuísse legitimidade aos sócios, poder-se-iam verificar situações inultrapassáveis, susceptíveis de, no mínimo, paralisar a vida societária, tomando-se impossível ao sócio não gerente opor-se a uma gerência danosa por parte do sócio gerente. Por outro lado, caso houvesse deliberação a mesma seria inválida. Com efeito, existindo apenas dois sócios só através de decisão judicial é que se pode decidir a exclusão. Isto porque não existindo disposição expressa sobre o assunto no Código das Sociedades Comerciais, nos termos do art. 3º nº 2 deste diploma, deve valer o que estabelece o art. 1005 nº 3 do Código Civil, segundo o qual “se a sociedade tiver apenas dois sócios, a exclusão de qualquer deles só pode ser pronunciada pelo tribunal” (neste sentido Ac. da Rel. de Lisboa de 5-7-00, in www.djsi.pt). Como se decidiu no Ac desta Relação de 20/07/05, proferido na providência cautelar prévia à presente acção “mas se em sociedade com apenas dois sócios não é de exigir qualquer deliberação social, podendo um sócio propor acção judicial de exclusão de outro sócio, então também não faz sentido impedir um sócio-gerente de propor tal acção em representação da sociedade (…)". Assim sendo e porque está em causa a protecção da sociedade em si manifesto se torna o interesse da sociedade em demandar (cfr. art. 26º n.º 1 e 2 do CRP). Temos assim, que considerar a legitimidade da recorrente para propor a acção, devendo os autos prosseguir os seus termos. III – Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar a apelação procedente e, em consequência revogam a decisão recorrida nos termos referidos. Custas pelo apelado Guimarães, 14 de Março de 2013 Conceição Bucho Antero Veiga Maria Luísa Ramos |