Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2480/22.4T8BRG.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MARTINS MOREIRA DIAS
Descritores: INCIDENTE DE INTERVENÇÃO PROVOCADA
ADMISSIBILIDADE
SUBSTITUIÇÃO SUBJECTIVA DA INSTÂNCIA
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
FALTA DA CAUSA DE PEDIR
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
PESSOA COLECTIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/22/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- Por força dos princípios do dispositivo, do contraditório e da autorresponsabilidade das partes e com vista a reduzir perturbações injustificadas na ação pendente decorrentes de uma alteração subjetiva da instância, o art. 316º do CPC limita a admissão do incidente de intervenção principal provocada aos casos em que entre as partes da ação pendente e o(s) chamado(s) interceda uma relação de litisconsórcio necessário que tenha sido preterido e que se imponha sanar, a fim de se suprir a ilegitimidade ativa ou passiva das partes originárias dessa ação (art. 316º, n.º 1 do CPC), ou quando entre as partes dessa ação e o(s) chamado(s) ocorra uma situação de litisconsórcio voluntário, conquanto, neste caso, sendo o incidente deduzido pelo autor, se encontrem preenchidos os pressupostos do n.º 2, do art. 316º, ou no seu n.º 3, quando seja deduzido pelo réu.
2- Daí que o incidente de intervenção principal provocada não seja legalmente admissível quando o autor pretenda operar uma substituição subjetiva da instância na ação que intentou, substituindo os réus que demandou pelo(s) interveniente(s) que pretenda chamar à ação mediante a dedução de incidente de intervenção principal provocada.
3- Ocorrendo total falta de causa de pedir, por o autor não ter alegado, na petição inicial, os factos essenciais constitutivos do direito onde faz assentar o pedido indemnizatório que deduz contra os réus (causa de pedir), verifica-se o vício de ineptidão da petição inicial por falta de alegação da causa de pedir, o qual, por ser insuprível, não admite convite ao aperfeiçoamento, gerando nulidade do processo e a absolvição dos réus da instância.
4- Apesar de a lei reconhecer às pessoas coletivas alguns direitos de personalidade, como os relativos à liberdade, ao bom nome, ao crédito e à consideração social, os quais, quando violados, ilícita e culposamente, e dessa violação emirjam para a sociedade coletiva danos não patrimoniais, são suscetíveis de serem compensados, nos termos do n.º 1, do art. 496º do CC, os danos não patrimoniais decorrentes de perdas de tempo, incómodos e mal-estar emergentes da deslocação, presença e do que foi presenciado pelo gerente de uma sociedade por quotas numa assembleia de condóminos de que a sociedade é condómina, alegadamente irregularmente convocada e cujas deliberações serão alegadamente inválidas, além de não se inserirem no elenco dos direitos de personalidade ou direitos equiparados que a lei tutela em relação às pessoas coletivas, e de se tratar de danos não patrimoniais que não assumem os foros de gravidade pressupostos pelo art. 496º, n.º 1 do CC para que sejam compensáveis, trata-se de pretensos danos não patrimoniais que não foram sofridos pela sociedade, mas sim pela pessoa do seu gerente, que foi quem se deslocou à dita assembleia, nela esteve presente e presenciou o que aí se passou e que, consequentemente, sofreu as pretensas perdas de tempo, incómodos e sentimentos de mal-estar.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

I- RELATÓRIO

V... – Compra e Vende de Bens Imóveis, S.A., com sede da Rua ..., ..., ..., ..., representada pelo seu administrador único, AA, que figura como subscritor da petição inicial, instaurou ação declarativa, de condenação, sob a forma comum, contra BB, residente na Rua ..., ..., ..., e CC, residente na Rua ..., ..., apartado ...33, ..., ..., ..., pedindo que se:

a- declarasse que a Autora tem direito legítima deste pedido;
b- responsabilizasse solidariamente os Réus pelos incómodos que esta falta de obrigações causou à Autora pelas perdas de tempo;
c- condenasse solidariamente os Réus ao pagamento dos danos morais de valor nunca inferior a 2.000,00 euros causados à Autora;
d- anulasse a ata 27 aqui impugnada;
e- condenasse solidariamente os Réus ao pagamento no valor nunca inferior a 2.000,00 euros pelos danos patrimoniais;
f- condenasse solidariamente os Réus nas custas do processos; e
g- condenasse os Réus por litigância de má fé, num valor que o tribunal entenda adequado.
Para tanto alegou (reproduzindo-se aqui, em parte, ipsis verbis a alegação da Autora vertida na petição inicial, dada a sua pertinência para a decisão a proferir no âmbito da presente apelação) ser legítima proprietária das frações designadas pelas letras ... e ..., ambas localizadas no prédio sito na Rua ..., ..., freguesia ..., ....
Em 11/02/2022, recebeu uma convocatória para uma reunião de condomínio “com a ordem de trabalhos nela constante e que aqui se anexa como Doc. ..., supostamente convocadas pelas frações ..., ..., ..., ... e ..., para 28/2/2022, pelas 21h00, sem qualquer documento que suportasse as rúbricas/assinaturas constantes dessa convocatória”.
As referidas frações são propriedade: a fração ..., de DD e EE; a “O”, de FF e GG; a “S”, de HH e II; a “R”, de JJ e ...; e a “Q”, de KK;
“Parecendo estar reunidas as condições por dizerem que estavam presentes ou representados a maioria dos condóminos, iniciou-se a assinatura da lista de presenças”.
“Primeiro assinaram as frações ..., ..., ..., ..., ... e ..., que se identificaram com cartões de cidadão, a Autora com certidão permanente e cartão de cidadão do administrador, e o representante da fração ... com procuração e cartão de cidadão das partes”.
“Os Réus, “enquanto os restantes presentes iam assinando a lista de presenças, sem qualquer identificação, o Sr. DD, a “D” Dª BB e “R” CC (presente sem justificar a sua presença), constituíram a mesa da assembleia.
“Quando se verificou que não estavam a conferir e a identificar os presentes e ou representados, se tinham ou não poderes de representação, eu representante da “A” pedi que fossem exibidos os documentos de identificação e/ou cartão de cidadão e procuração com poderes para o ato”.
“Num ato de má fé insistiram e não apresentaram”.
A 1ª Ré assinou a lista de presenças em representação das frações ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ....
Porque insistiram em não apresentar comprovativos de representação, as frações ..., ..., ..., ..., ... e ... abandonaram a assembleia depois de ver que a 1ª Ré, que se dizia representar as frações antes identificas, não tinha poderes para representação.
“As frações ... LL e “E” MM não passaram procuração à 1ª Ré”.
“Não se verificou a regularidade da convocatória tanto nas assinaturas, se são ou não dos proprietários, com uma permilagem mínima de 25%, tendo em atenção que, conforme se pode verificar nas certidões do registo predial anexas, algumas são de mais que um proprietário e tem apenas uma rubrica sem se saber se dos próprios, por não ser conferida pela mesa”.
“Devem assim na próxima convocatória as assinaturas serem reconhecidas”.
“Requerer-se assim a impugnação da convocatória e a sua anulação”.
“Todas as deliberações tomadas na ata 27 ficam aqui impugnadas, e se requer a sua anulação por falta de quórum e da irregularidade da assembleia”.
 “Devem também serem reconhecidas as assinaturas da procuração dos representados caso continuem a insistir que por lei não é permitido ou obrigatório apresentar cópia do cartão de cidadão. Neste caso deve ser tomada a decisão que o governo tomou na votação dos imigrantes que ou apresentavam cópia do cartão ou não era aceite o voto pelo correio”.
“Caso assim não fosse entendido o que não se requer nem aceita deve ser também a ata nula por falta da assinatura dos elementos da mesa”.
“Com esta atitude causaram à Autora incómodos, perdas de tempo e criaram mau estar na reunião, caso único em todas as assembleias realizadas desde o início do prédio até à data desta assembleia”.
Indicou, na petição inicial, como valor da causa quatro mil euros.
Juntou prova documental e arrolou testemunhas, encontrando-se a petição inicial assinada pelo administrador da Autora.
Os Réus contestaram invocando a exceção da ilegitimidade passiva, sustentando que o 2º Réu nem sequer é condómino e que a presente ação de impugnação de deliberação de assembleia de condomínio, como é a situação em apreço nos autos, a legitimidade passiva cabe ao condomínio, representado pelo administrador.
Invocaram (implicitamente) a exceção da ineptidão da petição inicial ao alegarem que o Autor nem sequer alega que normativo possa ter sido violado com o comportamento da mesa que descreve.
Suscitaram o incidente de valor sustentando que a presente causa respeita a interesses materiais e que, por isso, o valor da mesma tem de ser fixado em 30.000,01 euros.
Concluem pedindo que se julgasse procedente as exceções que invocam já no saneador e se absolvesse os mesmos da instância e se condenasse a Autora como litigante de má fé em multa e em indemnização não inferior a dois mil euros, posto que, por e-mail dirigido aos condóminos, o suposto representante legal da Autora confessa que não intentou a presenta ação contra o condomínio para poupar custos a este e não hesitou em demandar injustamente o 2º Réu, que nem é condómino e, bem assim, em demandar a 2ª Ré, cujo único erro foi não aceitar os desmandos de AA.
Em 26/05/2022, o Centro Distrital da Segurança Social informou nos autos que, por decisão de 18/01/2022, fora deferido o pedido de concessão do benefício do apoio judiciário formulado pela Autora, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e, bem assim, nomeação e pagamento de compensação de patrono e atribuição de agente de execução.
Em 13/07/2022, a patrona nomeada à Autora juntou aos autos o comprovativo dessa nomeação.
Por despacho de 26/09/2022, ordenou-se a notificação da Autora para se pronunciar “quanto à matéria de exceção suscitada pelos Réus na contestação e, bem assim, quanto ao incidente de valor que foi igualmente suscitado” e, adicionalmente, para se pronunciar “quanto à eventual ineptidão da petição inicial, no que tange ao pedido indemnizatório, uma vez que da factualidade alegada não se alcança que haja a Autora incorrido em prejuízo de ordem patrimonial”.
O despacho que antecede foi notificado à Autora, na pessoa da sua patrona, a quem passaram a ser notificados, via Citius, todos os ulteriores termos processuais em representação da Autora.
Por requerimento de 11/10/2022, a Autora limitou-se a pronunciar-se quanto à exceção da ilegitimidade passiva suscitada pelos Réus, requerendo a intervenção principal provocada da administração do condomínio – A... – Gestão de Condomínios, Lda., “nos termos do disposto nos arts. 316º e seguintes do CPC, por forma a sanar qualquer ilegitimidade que se entenda existir”.
Os Réus opuseram-se ao deferimento do incidente requerido pela Autora.
Em 15/11/2022, determinou-se a notificação das partes para se pronunciarem “quanto à eventual ineptidão da petição inicial no que concerne aos pedidos formulados sob as alíneas a) e e)”, devendo ainda a Autora esclarecer “se poderão os pedidos b) e c) ser um só pedido (liquidado em c)” e pronunciar-se “quanto à invocada exceção de ilegitimidade passiva dos Réus para a presente ação”.
Nesse seguimento a Autora pronunciou-se no sentido de que o pedido formulado em a) se prende com a mera legitimidade ativa, sustentando que, “verificando-se que a legitimidade ativa da Autora para a propositura da ação não foi colocada em causa, a Autora retira o pedido por si formulado em a);  quando à eventual ineptidão da petição inicial quanto ao pedido formulado na alínea e), manteve esse pedido, concluindo não existir a invocada exceção dilatória quanto ao mesmo; no que respeita aos pedidos formulados em b) e c) declarou não se opor “que os mesmos sejam um só pedido, sendo o mesmo liquidado nos termos formulados na alínea c), devendo o mesmo passar a ler-se: “Serem os Réus condenados solidariamente no pagamento dos danos morais, de valor nunca inferior a 2.000,00 euros, causados à Autora, pelos diversos incómodos que lhe foram causados, designadamente, pela necessidade de recurso à via judicial”; e, finalmente, quanto à exceção dilatória da ilegitimidade passiva, renovou o incidente de intervenção principal provocada que antes deduzira.
Por sua vez, os Réus responderam alegando que os pedidos formulados nas als. c) e e) devem ser julgados ineptos.
Por despacho de 11/01/2023, determinou-se que fosse cumprido o disposto no art. 318º, n.º 2 do CPC, quanto ao incidente de intervenção principal provocada deduzido pela Autora.
Com fundamento de que “os autos encerram elementos que possibilitam o conhecimento do mérito da causa”, ordenou-se o cumprimento do contraditório quanto “à eventual dispensa de audiência prévia para tal efeito”.
Mais se ordenou a notificação da patrona da Autora para “dizer expressamente (porque parece decorrer das suas intervenções processuais que assim é) se ratifica o processado pela sua patrocinada”.
Nessa sequência, a patrona da Autora declarou expressamente nos autos que ratifica o processado pela sua patrocinada.
Nada tendo sido dito pelas partes a propósito da sugerida não convocação de audiência prévia, em 15/02/2023, proferiu-se saneador-sentença, em que se dispensou a realização daquela audiência.
Conheceu-se do incidente de valor suscitado pelos Réus, julgando-o procedente e fixando o valor da presente causa em 34.000,01 euros.
Conheceu-se da exceção dilatória da ineptidão da petição inicial, julgando-a procedente por ininteligibilidade, quanto ao pedido formulado sob a alínea a), e por falta de causa de pedir quanto ao pedido formulado sob a alínea b) e, em consequência, absolveu-se os Réus da instância quanto a esses pedidos.
Conheceu-se da exceção da ilegitimidade passiva suscitada pelos Réus, julgando-a procedente quanto ao pedido formulado sob a alínea d) e, em consequência, absolveu-se estes da instância quanto a esse pedido.
Indeferiu-se o incidente de intervenção principal provocada formulado pela Autora com fundamento de que não é legalmente admissível deduzir esse incidente para operar a substituição dos Réus pelo interveniente; acresce que “não invocando sequer a autora uma qualquer dúvida quanto à titularidade da relação material controvertida, ao que acresce que a aludida empresa só seria parte legítima conquanto agisse na qualidade de representante do condomínio, o que sequer resulta do pedido de intervenção principal formulado”.
Conheceu-se de mérito quanto aos pedidos formulados pela Autora sob as alíneas b) e c) e julgou-se os mesmos improcedentes e absolveu-se os Réus desses concretos pedidos.
Finalmente, conheceu-se do pedido de condenação das partes como litigantes de má fé, julgando-o improcedente quanto a ambas as partes.

O saneador-sentença que se acaba de referir consta da seguinte parte dispositiva:

“Nestes termos, e face ao exposto, julga-se a ação totalmente improcedente e em consequência:

a) Julgo procedente o incidente de verificação do valor suscitado e, consequentemente, fixo à presente ação o valor de € 34.000,01;
b) Julgo a PI inepta no que concerne aos pedidos formulados sob as als. a) e e), e, consequentemente, absolvo os réus da instância quanto a tais pedidos;
c) Julgo procedente a exceção de ilegitimidade passiva dos réus quanto ao pedido deduzido sob a al. d), absolvendo-os, consequentemente, da instância quanto a tais pedidos, mais indeferindo o incidente de intervenção principal provocada deduzido; d) Absolvo os réus do pedido contra si formulado sob as als. b) e c) do petitório pela autora.
e) Absolvo as duas partes dos pedidos de condenação como litigante de má fé que reciprocamente formularam, sem custas nesta parte.
Custas pela autora (cfr. artigo 527º do CPC)”.

Inconformada com o assim decidido, a Autora interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as conclusões que se seguem:

I – A Autora/Recorrente intentou a ação que corre termos nos presentes autos, com vista à anulação de assembleia de condóminos irregularmente convocada e ferida de anulabilidade.
II – A Autora/Recorrente não possui os conhecimentos técnicos necessários, nem é obrigada a tal, por forma a entender o alcance dos pressupostos processuais e todos os elementos cruciais e que se devem encontrar devidamente preenchidos para que uma ação processual seja julgada procedente.
III – Foi a Autora, por si mesma e ainda antes de lhe ser nomeado Patrono Oficioso que intentou a ação judicial que nos ocupa, não tendo de ter a destreza que um profissional da área detém, não podendo os Tribunais ser cegos quanto a tal facto.
IV – Bem assim, a Autora/Recorrente intentou a ação no seguimento do comportamento abusivo dos Réus, que se apresentaram como alegados representantes de condóminos, sem contudo apresentarem a procuração devida para o efeito.
V – Contudo, e como bem a Autora posteriormente alegou, o R./Recorrido NN, na verdade, atuou de má fé e camufladamente, pois este é o Administrador da sociedade Administradora do Condomínio – e que, por sinal, foi reeleita na assembleia de condóminos aqui em crise.
VI – O que o R./Recorrido CC foi criar confusão nos condóminos e ter, como resultado, o desaguamento de potencial ação judicial na fase em que ora nos encontramos.
VII – Sendo o próprio a admitir na sua contestação as decisões judiciais existentes no sentido da sua ilegitimidade, pois que este é já o modus operandi do R..
VIII – Com a intervenção principal provocada requerida, no caso de a mesma ser deferida, esta sanaria a alegada ilegitimidade, pois que a administração de condomínio é representante bastante do condomínio e demais condóminos – salvo melhor opinião e com todo o respeito pelo entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo.
IX – Pelo que deve a decisão proferida ser revogada no sentido de ser admitida a intervenção principal provocada, considerando-se legítimas as partes intervenientes e, por tal, determinar-se o prosseguimento dos autos.
X – Ainda, no que concerne à alegada ineptidão da petição inicial no que concerne aos pedidos indemnizatórios formulados, sempre o Tribunal a quo poderia ter atuado no sentido de requerer o aperfeiçoamento dos pedidos, o que, desde logo, se absteve de fazer.
XI – E, sem prejuízo de tal possibilidade, considera a Autora/Recorrente encontrarem-se preenchidos todos os pressupostos de responsabilidade – porque demonstrou um facto, ilícito, com culpa, danos (patrimoniais e patrimoniais) e nexo de causalidade, pois que os danos existentes são prementes, bem como os incómodos que uma ação judicial acarreta, bem como o mau-estar na vivência do condomínio - para que tais pedidos possam proceder, ou, no mínimo, serem apreciados pelo Tribunal.
XII – Bem assim, deve a decisão ser revogada e ser substituída por uma outra que admita a intervenção principal provocada requerida e, bem assim, considerar-se a legitimidade das Partes da ação, bem como considerar-se a aptidão da petição inicial no que concerne aos pedidos indemnizatórios formulados ou ser determinado o seu aperfeiçoamento, com o consequente prosseguimento dos autos.

Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e ser esta substituída por uma outra que admita a intervenção principal provocada requerida e, bem assim, considerar-se a legitimidade das partes da ação, bem como considerar-se a aptidão da petição inicial no que concerne aos pedidos indemnizatórios formulados ou ser determinado o seu aperfeiçoamento, com o consequente prosseguimento dos autos, assim fazendo V.(as) Ex.(as), a mais inteira JUSTIÇA!.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido pela 1ª Instância como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam do conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.

No seguimento desta orientação, a apelante submeteu à apreciação do tribunal ad quem uma única questão que consiste em saber se o saneador-sentença sob sindicância padece de erro de direito:

a- ao nele se ter indeferido o incidente de intervenção principal provocada deduzido pela apelante e ao se ter julgado procedente a exceção dilatória da ilegitimidade passiva suscitada pelos apelados quanto ao pedido formulado sob a alínea d), com a consequente absolvição destes da instância quanto a esse pedido, e  se, por via disso, se impõe revogar o decidido e admitir o referido incidente de intervenção principal provocada deduzido, determinando-se a citação da interveniente A..., Lda., enquanto administradora do condomínio, conforme previsto no art. 319º, n.ºs 1 e 2 do CPC, e revogar o segmento decisório do saneador-sentença em que se julgou procedente a exceção dilatória da ilegitimidade passiva quanto ao pedido da alínea d);
b- ao nele se ter julgado procedente a exceção dilatória da ineptidão da petição inicial quanto ao pedido indemnizatório formulado pela apelante sob a alínea e) e, em consequência, ao se absolver da instância os apelados quanto a esse pedido, quando se impunha que a 1ª Instância tivesse convidado a apelante a suprir o vício da deficiência quanto à alegação dos factos essenciais integrativos da causa de pedir que aduziu na petição iniciar para suportar esse pedido indemnizatório e se, consequentemente, se impõe revogar o saneador-sentença recorrido, na parte em que se julgou procedente a identificada exceção dilatória, e determinar que seja proferido o referido despacho de convite ao aperfeiçoamento; e
c- ao nele se ter julgado improcedentes os pedidos indemnizatórios formulados sob as alíneas b) e c) e, em consequência, se ter absolvido os apelados desses pedidos e se, consequentemente, se impõe revogar essa decisão e condenar os apelados em tais pedidos indemnizatórios.
Note-se que apesar de na conclusão X a apelante escrever que: “(…) no que concerne à alegada ineptidão da petição inicial no que concerne aos pedidos indemnizatórios formulados, sempre o tribunal a quo poderia ter atuado no sentido de requerer o aperfeiçoamento dos pedidos, o que, desde logo, se absteve fazer”, a questão que esta suscita nesta concreta conclusão refere-se apenas à exceção dilatória da ineptidão da petição inicial quanto ao pedido indemnizatório que formulou na alínea e) do petitório, conforme se assinalou supra em b), e não também quanto ao demais pedidos indemnizatórios que deduziu.
Na verdade, a apelante é expressa em referir que o erro de direito que assaca nessa conclusão X à decisão recorrida refere-se “aos pedidos indemnizatórios formulados” que nesta foram julgados ineptos.
Ora, conforme decorre da simples leitura do saneador-sentença sob sindicância, nele apenas se julgou procedente a exceção dilatória da ineptidão da petição inicial quanto aos pedidos formulados pela apelante nas alíneas a) (este por ininteligibilidade) e e) (este por falta de alegação de causa de pedir).
Acontece que, no pedido formulado sob a alínea a), a apelante não formulou qualquer pedido indemnizatório, mas sim que se declarasse “que a Autora tem direito legítima deste pedido”. Daí que a questão por ela suscitada na dita conclusão X não se refira a este concreto pedido.
Os únicos pedidos indemnizatórios formulados pela apelante constam das alíneas b) – em que pede que os “Réus sejam solidariamente responsabilizados pelos incómodos que esta falta de obrigação causou à Autora pelas perdas de tempo” –, c) – em que pede que os “Réus sejam condenados solidariamente ao pagamento dos danos morais de valor nunca inferior a 2.000,00 euros causados à Autora” – e e) – em que pede que os “Réus sejam condenados solidariamente ao pagamento no valor nunca inferior a 2.000,00 euros, pelos danos patrimoniais”.
Sucede que, quanto aos pedidos indemnizatórios formulados sob as alíneas b) e c), no saneador-sentença recorrido não se julgou procedente a exceção dilatória da ineptidão da petição inicial quanto aos mesmos, mas antes se julgou esses pedidos improcedentes e absolveu-se os apelados dos mesmos.
O único pedido indemnizatório formulado pela apelante de que os apelados foram efetivamente absolvidos da instância, por se ter julgado procedente a exceção dilatória da ineptidão da petição inicial, conforme antedito, respeita ao pedido indemnizatório por ela formulado sob a alínea e), pelo que o erro de direito que a apelante imputa, na conclusão X das suas alegações de recurso ao saneador-sentença recorrido, respeita unicamente a esse concreto pedido formulado na alínea e), conforme, aliás, se consignou supra em b) na elencagem do “objeto da presente apelação”.
Acresce dizer que do objeto da presente apelação não faz parte a apreciação da exceção dilatória da falta ou da irregularidade do patrocínio judiciário da apelante, apesar do teor das conclusões I a IV apresentadas pela apelante, as quais constam do seguinte: “I – A Autora/Recorrente intentou a ação que corre termos nos presentes autos, com vista à anulação de assembleia de condóminos irregularmente convocada e ferida de anulabilidade. II – A Autora/Recorrente não possui os conhecimentos técnicos necessários, nem é obrigada a tal, por forma a entender o alcance dos pressupostos processuais e todos os elementos cruciais e que se devem encontrar devidamente preenchidos para que uma ação processual seja julgada procedente. III – Foi a Autora, por si mesma e ainda antes de lhe ser nomeado Patrono Oficioso que intentou a ação judicial que nos ocupa, não tendo de ter a destreza que um profissional da área detém, não podendo os Tribunais ser cegos quanto a tal facto.  IV – Bem assim, a Autora/Recorrente intentou a ação no seguimento do comportamento abusivo dos Réus, que se apresentaram como alegados representantes de condóminos, sem, contudo, apresentarem a procuração devida para o efeito”.
Com efeito, essa exceção dilatória não foi suscitada pela apelante, nem pelos apelados junto da 1ª Instância e, apesar de se tratar de questão que é do conhecimento do tribunal, basta ler as alegações de recurso para se concluir que o sentido interpretativo a dar a essa sua alegação não é no sentido de pretender invocar essa exceção, mas antes de que, tendo a petição inicial sido apresentada e subscrita pelo próprio legal representante da apelante, o qual não tem os conhecimentos técnicos e jurídicos necessários que lhe permitam elaborar uma petição inicial nos termos que são exigidos pela lei processual civil, nomeadamente, nos termos estabelecidos pelo art. 552º do CPC, na apreciação dessa peça processual fundamentadora da ação o tribunal não deverá usar do critério de exigência que é aplicável a um profissional do foro.
Neste sentido aponta-se o facto de a apelante nunca ter suscitado expressamente, junto da 1ª Instância, a exceção dilatória da falta ou da irregularidade do mandato decorrente da petição inicial não ter sido subscrita por advogado, mas sim pelo próprio legal representante da apelante (que ao que tudo indica, não é advogado), conforme lhe era consentido fazer, uma vez que atribuiu naquela à presente causa o valor de quatro mil euros (cfr. fls. 6 do processo físico), pelo que, nos termos do disposto no art. 40º, n.º 1, a contrario, do CPC, atento esse valor, esta podia ser realmente ser subscrita pela própria parte, dado não ser obrigatória a constituição de advogado; o facto da apelante nunca ter invocado expressamente essa exceção dilatória ao longo das suas alegações de recurso, nem faria qualquer sentido que o fizesse, uma vez que, entretanto, foi nomeado patrono oficioso à apelante, que passou a patrociná-la ao longo da presente ação, ainda antes de ter sido julgada procedente o incidente de valor neles suscitados pelos apelados e de se ter fixado o valor da presente ação em 34.000,01 euros, e quando, inclusivamente, esse patrono, ainda antes da fixação desse valor, declarou expressamente nos autos ratificar todo o processado pelo seu representado, com o que, qualquer falta ou irregularidade do patrocínio judiciário que eventualmente se verificasse ficou sanada; e, finalmente, aponta-se a alegação da apelante que fez verter, na conclusão III das suas alegações de recurso, onde expressamente consigna que: “Foi a Autora, por si mesma e ainda antes de lhe ser nomeado Patrono Oficioso que intentou a ação judicial que nos ocupa, não tendo a destreza que um profissional da área detém, não podendo os Tribunais ser cegos quanto a tal facto”, (sublinhado e destacado nosso), o que tudo aponta inequivocamente que o sentido interpretativo a dar a essa sua alegação é o de que o tribunal, na apreciação da petição inicial,  designadamente, em sede de aferição de pressupostos processuais, não pode usar dos critérios de exigência que seriam aplicáveis a um profissional do foro.  
Daí que não se conhecerá da exceção dilatória da falta ou da irregularidade do patrocínio judiciário da apelante, dado que essa questão não faz parte do objeto do presente recurso.
No que respeita à menor exigência que o tribunal, na perspetiva da apelante, tem de aplicar na apreciação da petição inicial, nomeadamente, em sede de verificação do preenchimento (ou não) dos pressupostos processuais, que o que seria aplicável aos profissionais do foro, decorrente da petição inicial não ter sido elaborada por advogado, mas sim pelo próprio legal representante da apelante (Autora), urge dizer que essa alegação não tem qualquer suporte à luz do ordenamento jurídico adjetivo.
Na verdade, se é certo que nas ações que não caiam no âmbito da previsão da norma do art. 40º, n.º 1 do CPC, não é obrigatória a constituição de advogado, pelo que, as partes podem subscrever por si articulados e requerimentos, conquanto neles não se levantem questões de direito (n.º 2, do art. 40º), e podem pleitear por si ou representadas por advogado, advogado estagiário ou solicitador (art. 42º), com exceção das normas especiais previstas no CPC (como é o caso do n.º 3, do art. 40º), no RCP (v.g. n.º 6, do art. 14º do RCP), ou noutros diplomas ou legislação avulsa que sujeitem aquelas a um regime jurídico específico, as partes que não se façam representar por advogado em juízo encontram-se submetidas às mesmas normas processuais que são aplicáveis a quem se faça representar por advogado, pelo que, encontrando-se o tribunal submetido ao princípio da legalidade,  não poderá naturalmente usar de uma indulgência para as partes não representadas por profissionais do foro que não tenha cabimento legal.
*
III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que relevam para apreciar as questões suscitadas na presente apelação são os que constam do “Relatório” acima elaborado.
*
IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A- Do indeferimento do incidente de intervenção principal provocada.

Tendo a apelante instaurado a presente ação contra BB e CC, pedindo, além do mais, que se declare nula a ata n.º ...7 da assembleia de condóminos realizada em 28 de fevereiro de 2022, os apelados invocaram a exceção dilatória da ilegitimidade passiva, sustentando não disporem de legitimidade para nela serem demandados quanto a esse pedido, uma vez que a ação de impugnação de deliberação de assembleia de condomínio, como é a situação em apreço quanto a esse pedido, a legitimidade passiva cabe ao condomínio, representado pelo administrador, e não aos condóminos, como é o caso da 2ª Ré, mas já não quanto ao 1º Réu, que nem sequer é condómino.

Acontece que, tendo a 1ª Instância notificado a apelante para se pronunciar, ente outros, quanto à identificada exceção dilatória da ilegitimidade passiva suscitada pelos apelados, aquela deduziu incidente de intervenção principal provocada da administração do condomínio, A... – Gestão de Condomínios, Lda., “nos termos do disposto nos arts. 316º e seguintes do CPC, por forma a sanar qualquer ilegitimidade que se entenda existir”, incidente esse que acabou por não ser admitido pela 1ª Instância, no âmbito do saneador-sentença recorrido, com fundamento de que a “ação tendente a obter a anulação de deliberação da assembleia de condóminos tem de ser instaurada contra o condomínio, representado pelo seu administrador” e que, “não é legalmente admissível” deduzir incidente de intervenção principal provocada para operar uma “substituição dos réus”, a que se reconduz o objetivo prosseguido pela apelante com a dedução daquele incidente. Acresce que a apelante, não invoca, “sequer uma qualquer dúvida quanto à titularidade da relação material controvertida, ao que acresce que a aludida empresa (isto é, a interveniente A... – Gestão de Condomínios, Lda.) só seria parte legítima conquanto agisse na qualidade de representante do condomínio, o que sequer resulta do pedido de intervenção principal formulado”.  
Com os enunciados fundamentos que se acabam de elencar, a 1ª Instância indeferiu o incidente de intervenção principal provocada deduzido pela apelante e julgou procedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva dos apelados quanto ao pedido formulado sob a alínea d), absolvendo os últimos da instância quanto a esse concreto pedido.
Sem colocar em crise o entendimento jurídico da 1ª Instância, segundo o qual a ação tendente a obter a anulação de deliberação da assembleia de condóminos deve ser instaurada contra o condomínio, representado pelo seu administrador (encontrando-se, por isso, o saneador-sentença recorrido, quanto a este segmento decisório, transitado em julgado) imputa, contudo, a apelante erro de direito à decisão recorrida quando nela não se admitiu o incidente de intervenção principal provocada que requereu e, por via dessa não admissão do incidente em causa, se julgou procedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva quanto ao pedido que formulou na alínea d), advogando que, o 2º Réu, OO “é o administrador da sociedade do condomínio” e que,  “com a intervenção principal provocada requerida, no caso de a mesma ser deferida, esta sanaria a alegada ilegitimidade, pois que a administração de condomínio é representante bastante do condomínio e demais condóminos”.
Conclui a apelante impor-se revogar a decisão recorrida, no sentido de ser admitida a intervenção principal provocada, considerando-se legítimas as partes intervenientes e, por tal, determinar-se o prosseguimento dos autos”.

Vejamos se assiste fundamento legal à apelante para as críticas que assaca à decisão recorrida.
No âmbito da lei processual civil nacional vigora o princípio da estabilidade da instância, nos termos do qual, citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir (art. 260º), de onde decorre, que cabendo ao autor, na petição inicial, delinear subjetivamente (quanto aos sujeitos) e objetivamente (quanto ao pedido e à causa de pedir) a relação jurídica material controvertida que submete à apreciação e decisão do tribunal, identificando-se e identificando quem demanda (al. a), do n.º 1, do art. 552º), formulando o pedido (al. e), desse n.º 1) e alegando os factos essenciais que constituem a causa de pedir  que elegeu para ancorar esse pedido (al. d), do mesmo n.º 1), uma vez citado o réu, em homenagem aos princípios do dispositivo, do contraditório e da autorresponsabilidade das partes, esses elementos essenciais devem manter-se imutáveis ao longo da instância, uma vez que não só foi o autor quem escolheu quem pretendia demandar, como qual a concreta pretensão de tutela judiciária que pretendia lhe fosse reconhecida pelo tribunal (pedido), como também foi ele quem escolheu a concreta causa de pedir (fundamento) de onde fez derivar o direito de que se arroga titular perante a pessoa por si demandada e em que faz assentar o pedido (princípio do dispositivo – art. 3º, n.º 1, 1ª parte, do CPC), como é perante esses concretos elementos essenciais da relação jurídica material controvertida que o autor desenhou na petição inicial que o demandado se tem de defender e se defendeu (princípio do contraditório – art. 3º, n.ºs 1, in fine, e 3) .
Por isso, são esses elementos essenciais delineados pelo autor na petição inicial que terão necessariamente de delimitar o campo de cognição, de instrução e de decisão do tribunal, o qual apenas será complementado pelas eventuais exceções ou pela reconvenção que venham a ser deduzidas pelo réu na contestação (arts. 569º, n.º 1, 572º, als. b) e c), 573º e 583º, n.º 1) e pela eventuais contra exceções (ou exceções opostas ao pedido reconvencional) que venham a ser opostas pelo autor na réplica (art. 584º, n.º 1 e 587º) ou, no caso desta não ser legalmente admissível - por não ter sido deduzido pedido reconvencional -, no início da audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final (n.º 4, do art. 3º).
Daí que se compreenda que, a partir da citação do réu, por força do princípio da estabilidade da instância, a relação jurídica material controvertida delineada pelo autor na petição inicial se deva manter imutável quanto aos seus elementos essenciais, ou seja, sujeitos, pedido e causa de pedir, sob pena de se postergar os identificados princípios do dispositivo, do contraditório, da autorresponsabilidade das partes e se causar grave perturbação no processo.
No entanto, o princípio da estabilidade da instância não é um princípio absoluto, na medida em que é logo o próprio art. 260º que ao consagrar o mesmo prevê que este admite “as exceções consignadas na lei”.
Com efeitos, são várias as situações em que a lei prevê expressamente que, verificando-se determinados requisitos legais, a relação material controvertida delineada pelo autor na petição inicial, e complementada pelo réu na contestação e pelas contra exceções que o autor venha a opor a essas exceções ou as exceções que venha a opor ao pedido reconvencional, pode ser modificada quanto aos sujeitos, pedido e/ou causa de pedir.
Quanto aos elementos objetivos, a relação jurídica material controvertida pode ser modificado quanto ao pedido e à causa de pedir por via de uma desistência parcial do pedido ou da instância (arts. 283º, 285º e 286º), em que a relação jurídica material controvertida sofrerá assim uma ablação do pedido e da causa de pedir em relação àqueles sobre que incidiu a desistência do pedido ou da instância, tendo de prosseguir para efeitos de apreciação dos restantes pedidos nela deduzidos. E independentemente de uma desistência parcial do pedido ou da instância, o pedido e a causa de pedir podem ser alterados ou ampliados, em 1ª ou 2ª instância, por acordo das partes, salvo se essa alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito (art. 264º); ou, na ausência de acordo das partes, sempre que se verifiquem os requisitos legais previstos no art. 265º.
Quanto aos elementos subjetivos (sujeitos), a instância pode modificar-se, nos termos do art. 262º, em consequência da substituição de alguma das partes por sucessão ou por ato entre vivos (al. a)) ou, em virtude dos incidentes da intervenção de terceiros (al. b)), quer esses terceiros sejam chamados à causa para nela assumirem a qualidade de parte principal (autor ou réu), quer acessória.
Centrando-nos no incidente de principal provocada, dado que é este a que a apelante recorreu, trata-se de incidente que se encontra regulado nos arts. 316º e 318º a 320º do Cód. Civil, permitindo que, em determinados condicionalismos legais, qualquer das partes possa chamar a juízo qualquer interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária, operando-se, assim, mediante a admissão desse incidente, uma modificação subjetiva da instância, uma vez que, admitido que seja o  incidente de intervenção principal, o interveniente é citado para a ação pendente (art. 319º) e passa a deter nela a qualidade de autor ou de réu, conforme tenha sido chamado pelo autor ou pelo réu originais da ação (conforme o incidente tenha sido deduzido por um ou por outro) para intervir a seu lado ou ao lado da parte contrária.
Com o deferimento do incidente de intervenção principal provocada e a citação do interveniente para os termos da ação que se encontra em curso, independentemente deste intervir realmente nela na sequência da sua citação, essa ação passa, assim, a ter esse interveniente como autor ou como réu, ao lado do autor ou do réu originais, e a sentença de mérito que venha a ser nela proferida terá de apreciar a relação jurídica em cujo âmbito ocorreu o chamamento (condenando-o ou absolvendo-o), constituindo, quanto a ele, caso julgado (art. 320º)[1].
Decorre do exposto que, para que o incidente de intervenção principal seja admissível, o terceiro chamado à ação tem de, antes de mais, de deter legitimidade para intervir na causa, ou seja, tem de nela poder figurar com o estatuto jurídico-processual de parte principal, seja como autor ou como réu, fazendo na ação valer um direito próprio, paralelo ao do autor ou do réu (art. 312º do CPC).
No entanto, porque os incidentes da instância são ocorrências que, em maior ou menor escala, perturbam o desenvolvimento da ação que se encontra em curso e perante os supra enunciados princípios do dispositivo, do contraditório e da autorresponsabilidade das partes, compreende-se que o legislador apenas admita o incidente de intervenção principal de terceiros, com os inerentes inconvenientes para a ação pendente e entorses aos enunciados princípios, em determinadas circunstâncias que expressamente elenca.
Porque assim é, o incidente de intervenção principal provocada (quer se trate de intervenção principal espontânea ou provocada) apenas é admitido quando entre o autor e o réu da ação pendente e o chamado interceda uma relação litisconsorcial, ou seja, que entre eles interceda uma única relação jurídica (a que está a ser discutida na ação em que o incidente é deduzido), de que seja também titular o chamado do lado ativo dessa relação jurídica (no caso de litisconsórcio ativo) ou do lado passivo desta (no caso de litisconsórcio passivo - arts. 311º e 316º. Ou seja, contrariamente ao que sucedia na versão do CPC antes da revisão  operada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, em que se admitia o incidente de intervenção principal no caso de coligação, atualmente, apenas se admite esse incidente no caso de interceder uma relação litisconsorcial entre as partes da ação pendente e o chamado[2].
Acresce que, no incidente de intervenção principal provocada, o legislador é compreensivelmente mais exigente para admitir o incidente de intervenção principal provocada quando este é deduzido pelo autor do que quando é deduzido pelo réu, o que se justifica pela circunstância de que, enquanto o autor teve oportunidade de escolher a pessoa ou pessoas que demandou, já o réu não teve essa oportunidade de escolha, mas antes viu-se demandado.
Daí que, enquanto o réu possa deduzir incidente de intervenção principal provocada no caso de preterição de litisconsórcio necessário ativo ou passivo, com vista a assegurar a legitimidade ativa ou passiva das partes originárias da ação pendente (art. 316º, n.º 1) e também no caso de litisconsórcio voluntário, quando mostre ter interesse atendível em chamar outros litisconsórcios voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida (al. a), do n.º 3, do art. 316º), ou quando pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor (al. a), do n.º 3, do art. 316º), os casos em que o autor pode deduzir incidente de intervenção principal provocada chamando um terceiro à ação que instaurou para nela assumir, juntamente consigo, a qualidade de autor, ou para nela assumir, a par do réu ou réus que demandou, a qualidade de réu, são mais restritos.
Com efeito, o autor apenas pode deduzir incidente de intervenção principal provocada no caso de preterição de litisconsórcio necessário, a fim de assegurar a sua legitimidade ativa ou para assegurar legitimidade passiva do réu ou réus que demandou (art. 361º, n.º 1) ou, no caso de litisconsórcio voluntário, quando pretenda provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não tenha inicialmente demandado mas que agora também pretende demandar para obter a sua eventual condenação com o réu que originariamente demandou, ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do art. 39º, isto é, quando, perante a contestação apresentada pelo réu ou réus que demandou, fique numa situação de “dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida”, e pretenda evitar o risco de ação prosseguir em exclusivo contra alguém (o réu ou réus que demandou) que, a final, poderá não ser o verdadeiro titular dessa relação jurídica material controvertida e, com vista a contornar o risco da ação que intentou naufragar, deduz incidente de intervenção principal provocada contra esse terceiro (possível titular dessa relação) e deduz contra este, a título subsidiário, o mesmo pedido que deduziu contra o réu ou réus por si demandados, ou pedidos subsidiários distintos[3].    
Delimitado que está os termos em que o legislador admite o incidente de intervenção principal, no sentido de que esse incidente apenas é admissível quando entre as partes primitivas da ação em que o incidente é deduzido e o chamado  a essa ação exista uma relação litisconsorcial, e que o incidente de intervenção principal provocada só é admitido no caso de entre as partes primitivas daquela ação e o chamado a essa ação através daquele incidente existir uma relação litisconsorcial necessária ou, em certos casos (mais restritivos para o autor que para o réu), no caso de relação litisconsorcial voluntária, impõe-se agora esclarecer o que se entender por relação litisconsorcial.
Por relação litisconsorcial entende-se a existência de uma única relação jurídica com pluralidade de sujeitos, do lado ativo, passivo, ou de ambos os lados dessa relação.
Assim, sempre que a relação jurídica material controvertida delineada numa determinada ação respeita a uma única relação jurídica mas em que esta  tenha vários sujeitos, do lado ativo, passivo ou de ambos os lados existe uma relação litisconsorcial[4].
Acontece que nuns casos, para que essa relação litisconsorcial possa ser discutida em juízo, exige-se a intervenção na ação de todos os titulares dessa relação jurídica, em que a falta de um deles determina a ilegitimidade do(s) demandante(s) ou do(s) demandado(s), dizendo-se então o litisconsórcio de necessário, e noutros casos, que é a regra, não se exige a presença de todos os titulares da relação jurídica para que esta possa ser discutida numa determinada ação, em que se diz que o litisconsórcio é voluntário.
Assim, enquanto no litisconsórcio necessário, todos os sujeitos da relação jurídica material controvertida têm de demandar (caso se trate de litisconsórcio necessário ativo) ou de ser demandados (no caso de se tratar de litisconsórcio necessário passivo), sob pena de a falta de um deles determinar a ilegitimidade, respetivamente, dos que figuram na ação intentada como demandantes ou demandados (art. 33º, n.º 1, in fine)[5], no litisconsórcio voluntária, apesar de se estar na presença de uma única relação jurídica material controvertida com vários titulares do lado ativo, passivo ou de ambos os lados, para que essa relação jurídica possa ser discutida numa ação judicial não se exige que todos os titulares do lado ativo dessa relação jurídica (no caso de litisconsórcio voluntário ativo) tenham de instaurar a ação para que esta possa ser discutida em juízo, ou que  a ação tenha de ser instaurada contra todos os titulares passivos dessa relação (no caso de litisconsórcio voluntário passivo) para que a relação possa ser discutida, podendo a ação ser instaurada apenas por um titular ativo da relação em presença, contra um, vários ou todos os titulares passivos desta, o que significa caber ao autor a escolha por demandar apenas um desses titulares passivos da relação jurídica material controvertida que delineou na petição inicial, parte desses titulares, ou contra todos (art. 32º)[6].
O litisconsórcio necessário pode ser imposto por lei, negócio ou pela própria natureza da relação jurídica (art. 33º).
Quando o litisconsórcio necessário resultar de uma imposição legal estamos perante um litisconsórcio necessário legal, como é o caso de ações de que possa resultar a perda ou a oneração de direitos que só por ambos os cônjuges possam ser exercidos e aquelas que tenham por objeto, direta ou indiretamente, a casa de morada de família, que o art. ...4º, n.º 1 determina apenas poderem ser propostas por ambos os cônjuges, ou por um deles com o consentimento do outro; de ação de preferência baseado em direito de preferência pertencente a vários contitulares, em que o art. 419º, n.º 2 do CC, impõe que essa ação só pode ser proposta por todos os contitulares do direito de preferência, etc..
Já quando o litisconsórcio resultar de uma imposição contratual estamos perante uma situação de litisconsórcio necessário convencional, em que, apesar de não existir qualquer norma que imponha que a ação em que se discuta determinada relação jurídica material controvertida, com vários titulares do lado ativo, passivo ou de ambos os lados, tenha de ser intentada por todos os titulares ativos dessa relação ou contra todos os seus titulares passivos desta, são as próprias partes que, por acordo, convencionam essa imposição, no sentido de que a ação que tenha por objeto determinada relação jurídica que enunciam nesse acordo apenas possa ser proposta por todos os sujeitos ativos e/ou contra todos os sujeitos passivos dessa relação.
Finalmente, o litisconsórcio necessário pode não ser imposto por lei nem por convenção das partes, mas antes ser imposto pela própria natureza da relação jurídica material controvertida que está a ser discutida numa determinação ação judicial, o que se reconduz ao denominado litisconsórcio necessário natural. Neste, é essencial a intervenção de todos os sujeitos ativos e/ou passivos da relação jurídica material controvertida que está em discussão nessa ação para que a decisão que nela venha a ser proferida possa produzir o seu efeito útil normal, que é o de regular definitivamente e erga omines o litígio explanado naquela (art. 33º) – v.g. ação de divisão de coisa comum, em que apesar de não existir comando legal que o imponha, têm de figurar como partes da ação em causa todos os comproprietários, posto que, de contrário, a sentença que visse a ser proferida não poria termo à indivisão da coisa, porquanto, não operaria caso julgado em relação aos comproprietários que não foram partes da ação de divisão de coisa comum, o mesmo se afirmando quanto à ação anulatória de partilha, em que atento o pedido e causa de pedir, todos os interessados na partilha que se pretende ver anulada, têm de figurar como partes na ação anulatória desta, sob pena de a sentença que nela viesse a ser proferida não operar caso julgado quanto aos interessados que nela não foram partes[7].
Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, revertendo ao caso dos autos, tendo a apelante (Autora) instaurado a presente ação contra os apelados BB e CC (Réus) em que pede, além do mais, que se anule a ata n.º ...7, aprovada na assembleia de condóminos que teve lugar no dia 28/02/2022, a relação jurídica material controvertida sobre que versam os presentes autos, no que a esse pedido anulatória respeita, não tem como sujeitos passivos os apelados (Réus) e a sociedade A... – Gestão de Condomínios, Lda., administradora do condomínio.
Na verdade, de acordo com o entendimento jurisprudencial maioritário, que foi sufragado no saneador-sentença recorrido, e com o qual a apelante se conformou, que neste conspecto transitou em julgados, as ações tendentes a apreciar a existência, validade e eficácia de deliberações das assembleias de condómino, como é o caso da presenta ação em relação ao pedido formulado pela apelante sob a alínea d), a legitimidade  passiva para essa concreta ação cabe ao condomínio, representado pelo administrador, e não aos condóminos (como é o caso da 1ª Ré) ou a terceiros (como será o caso do 2º Réu).
Daí que os únicos sujeitos da relação jurídica material controvertida sobre que versam os presentes autos, no que àquele pedido anulatório da deliberação da assembleia de condomínio respeita, será a apelante (na qualidade de condómina) e o condomínio, representada pela sociedade chamada, sua administradora, mas nunca os apelados (Réus), ainda que ambos fossem condóminos.
Na verdade, é a lei que impõe (tratando-se, portanto, de uma situação de litisconsórcio necessário passivo) que quando a relação jurídica material controvertida respeite à anulação de deliberação de assembleia de condóminos, essa concreta ação apenas possa ser instaurada contra o condomínio, representada pelo seu administrador.
Note-se que embora o condomínio seja formado pelo conjunto dos condóminos de determinado prédio constituído em regime de propriedade horizontal e aquele não disponha de personalidade e capacidade jurídica, a al. e), do art. 12º, estendeu-lhe excecionalmente a personalidade judiciária nos casos que enuncia nessa alínea, como é o caso de ação de anulação de deliberação da assembleia de condóminos, em que, para efeitos dessa ação o condomínio, representado pelo seu administrador (e não o conjunto dos condóminos) pode ser parte naquela ação, seja como autor ou como réu.
Daí que na ação de impugnação de deliberação de assembleia de condomínio, como é o caso da presente ação no que tange ao pedido deduzido pela apelante sob a alínea d), os sujeitos da relação jurídica material controvertida sejam a apelante (autora) e o condomínio, representado pelo administrador, e não os condóminos, nomeadamente, os apelados, que não são titulares dessa relação jurídica e, como tal, entre condomínio e apelados não existe qualquer relação litisconsorcial.
E muito menos existe uma relação litisconsorcial necessária que tivesse sido preterida pela apelante quando propôs a presente ação contra os apelados que a legitime que possa, nos termos do n.º 1, do art. 316º do CPC, recorrer ao incidente de intervenção principal provocada, chamando à presente ação o condomínio, representado pela sociedade A..., Lda., sua administradora, para que aquele condomínio passe a figurar na presente ação enquanto réu, ao lado dos réus originários contra quem a apelante propôs a presente ação (os apelados), de modo a assegurar a legitimidade destes para os termos da ação, passando esta a correr termos contra os apelados (réus originários) e contra o condomínio (o chamado), representado pela sociedade A..., Lda., sua administradora.
É que, conforme resulta do que se vem dizendo, mas aqui se reafirma, os apelados, contra quem a apelante instaurou a presente ação pedindo a anulação da supra já identificada deliberação da assembleia de condomínio não dispõem de legitimidade passiva para a presente ação no que respeita a esse pedido anulatório, porque não são titulares da relação jurídica material controvertida, mas essa legitimidade passiva cabe, única e exclusivamente, ao condomínio, representado pela sua sociedade A..., Lda., enquanto sua administradora.
Daí que, ainda que se entendesse que a apelante, ao deduzir o incidente de intervenção provocado em análise, pretendia fazer intervir nos presentes autos como réu o condomínio, representado pela sua administradora (a sociedade chamada), a intervenção principal provocada em causa não se destinava a assegurar a legitimidade passiva dos réus originários demandados pela apelante (os apelados), conforme é intuito do legislador ao estabelecer a norma do n.º 1, do art. 316º do CPC, mas sim, conforme bem foi intuído pela 1ª Instância, substituir os apelados pelo condomínio, representado pela sociedade A..., Lda., enquanto sua administradora.
É que os apelados (réus originários que a apelante demandou) teriam de ser julgados partes ilegítimas e absolvidos da instância por não serem sujeitos da relação jurídica material controvertida que se encontra a ser discutida na presente ação, no que ao pedido anulatório respeita, e a ação prosseguiria para efeitos de apreciação desse pedido, com um novo réu (o condomínio, representada pela sociedade A..., Lda., sua administradora), consequência do deferimento do incidente de intervenção principal em análise, o que naturalmente a lei não consente[8], até porque, para além da grave perturbação processual que semelhante solução acarretaria para o processo, consubstanciaria uma violação frontal aos princípios do dispositivo, do contraditório e da autorresponsabilidade que impende sobre a apelante, a qual, enquanto autora é responsável pelas escolhas que fez quanto a quem demandar e demandou.
Daí que, salvo melhor opinião, não colha a alegação da apelante quando defende que, “com a intervenção principal provocada requerida, no caso de a mesma ser deferida, esta sanaria a alegada ilegitimidade”, pela simples circunstância de que o deferimento desse incidente, além de violar o disposto no art. 316º, n.º 1 do CPC, dos inconvenientes que traria para o processo pendente e de consubstanciar a já apontada violação frontal aos princípios do dispositivo, do contraditório e da autorresponsabilidade da apelante, não sanaria a ilegitimidade passiva dos apelados que demandou, mas isso sim, operaria uma substituição dos réus originários pelo condomínio, representada pela sociedade A..., sua administradora.
E também não procede a alegação da apelante quando pretende que o 2º Réu é o administrador da sociedade administradora do condomínio, na medida em que aquela demandou CC a título pessoal, e não na qualidade de administrador da sociedade A..., administradora do condomínio.
Resulta do exposto que, ao indeferir o incidente de intervenção principal provocada da sociedade A..., Lda., enquanto administradora do condomínio e ao julgar procedente a exceção dilatória da ilegitimidade passiva quanto ao pedido deduzido sob a alínea d), a 1ª Instância não incorreu em nenhum dos erros de direito que a apelante lhe imputa, improcedendo este fundamento de recurso.

B- Da ineptidão da petição inicial, por falta de alegação de causa de pedir quanto ao pedido formulado pela apelante sob a alínea e).

A 1ª Instância julgou procedente a exceção dilatória da ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir quanto ao pedido indemnizatório formulada pela apelante sob a alínea e), em que pede que se condenasse solidariamente os apelados (Réus) a pagar-lhe quantia nunca inferior a 2.000,00 euros pelos danos patrimoniais sofridos, entendimento esse com o qual não se conforma a apelante, sustentando que se impunha que o tribunal a convidasse a suprir o vício da deficiência da causa de pedir que alegou com vista a suportar esse pedido.
A questão colocada pela apelante à apreciação deste tribunal, como é bom de ver, passa pela distinção entre petição inepta e petição deficiente, sabendo-se que, nos termos do disposto nos arts. 186º, n.º 1, 278º, n.º 1, al. b), 576º, n.ºs 1 e 2 e 577º, al. b), o vício de ineptidão constitui um vício de tal modo grave que, acarretando a nulidade de todo o processado, origina uma exceção dilatória, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição dos réus da instância, enquanto a petição deficiente, nos termos do art. 590º, n.ºs 2, 3 e 4, constitui o juiz de, em sede de despacho de pré-saneador, num verdadeiro dever legal (poder-dever) de convidar o autor a suprir as deficiências que afetem a petição inicial[9].
Uma das causas determinativas de ineptidão da petição inicial é a falta de alegação da causa de pedir que suporta o pedido (al. a), do n.º 2, do art. 186º).
A causa de pedir é o ato ou facto jurídico concreto em que o autor se baseia para formular o pedido, representando, portanto, o fundamento fáctico concreto que por ele é alegado na petição inicial de onde emerge ou faz derivar o direito de que se arroga titular e no qual faz ancorar o pedido[10].
Na petição inicial, nos termos dos arts. 5º, n.º 1 e 552º, n.º 1, al. b), o autor tem de alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir, mas já não os complementares e os instrumentais. E são factos essenciais constitutivos da causa de pedir os que exercem uma função constitutiva do direito invocado pelo autor em que este faz ancorar o pedido, sem os quais, o direito que ele se arroga titular e onde faz assentar a pretensão que pretende que o tribunal lhe reconheça não se encontra individualizado e daí que a falta da alegação desses factos essenciais determina a ineptidão da petição inicial por falta de alegação de causa de pedir[11].

No caso dos autos, pretende a apelante que se condene solidariamente os apelados a pagar-lhe quantia nunca inferior a dois mil euros, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos.

Contudo, analisada a petição inicial verifica-se que, tal como foi decidido pela 1ª Instância, a apelante não alegou qualquer facticidade concreta relativamente aos pretensos danos patrimoniais que pretende ter sofrido em consequência das condutas dos apelados descritas naquele articulado e que pretende ver indemnizados pelos apelados, na medida em que, no ponto 16º da petição inicial, se limitou a alegar: “Com esta atitude os Réus causaram à Autora incómodos, perdas de tempo e criaram mau estar na reunião”, sem que tivesse cuidado em individualizar que concretas “perdas de tempo” são essas (único facto alegado de onde possam eventualmente ter emergido para a apelante, que é uma sociedade por quotas, danos patrimoniais, já que a restante alegação – “incómodos e mau estar” – reportam-se a danos não patrimoniais por ela alegadamente sofridos e em relação infra teremos de regressar).
Note-se que as “perdas de tempo” que a apelante alega e  de onde terão emergido os pretensos danos patrimoniais que pretende lhe sejam indemnizados, sendo a mesma uma pessoa coletiva, mais concretamente, uma sociedade, cujo escopo é o lucro, são necessariamente “pretensas perdas” de tempo que o seu legal representante teve com a sua deslocação à assembleia de condóminos de 28/02/2022 e permanência desta nessa assembleia, com reflexos na atividade da sociedade (a apelante), demandando para esta eventuais danos emergentes e/ou lucros cessantes.
Ora, a apelante, na petição inicial omite qualquer alegação sobre o período de tempo perdido pelo seu legal representante com a sua deslocação e presença na assembleia de condóminos cujas deliberações pretende sejam anuladas (minutos, horas?) e sobre os reflexos dessas perdas de tempo do seu gerente na atividade ou negócios da apelante e prejuízos patrimoniais que daí decorreram para esta.
Em suma, a apelante omitiu, na petição inicial, a facticidade essencial que permita individualizar o direito indemnizatório, a título de pretensos danos patrimoniais, a que se arroga titular perante os apelados por via das alegadas perdas de tempo sofridas pelo seu gerente com a deslocação deste e presença na assembleia de condóminos, sendo, por isso, a petição inicial totalmente falha de causa de pedir quanto a essa pretensão indemnizatória por danos patrimoniais.
E ocorrendo falta de alegação de causa de pedir quanto aos danos patrimoniais que aquela pretende lhe sejam indemnizados pelos apelados, não podia naturalmente a 1ª Instância dirigir à apelante convite ao aperfeiçoamento para que suprisse essa falta de alegação de causa de pedir, carreando para os autos, ex novo, a facticidade essencial integrativa da causa de pedir que na petição inicial não cuidou em alegar, conforme lhe era imposto pelos arts. 5º, n.º 1 e 552º, n.º 1, al. b).
Resulta do exposto, que ao julgar inepta a petição inicial por falta de alegação de causa de pedir quanto ao pedido formulado pela apelante sob a alínea e) e ao, consequentemente, ter absolvido os apelados da instância em relação a esse pedido, o tribunal a quo não incorreu em nenhum dos erros de direito invocados pelo apelante, improcedendo este fundamento de recurso.

C- Da improcedência dos pedidos formulados pela apelante sob as alíneas b) e c)    

A 1ª Instância julgou improcedentes os pedidos formulados pela apelante nas alíneas b) e c), em que pede se responsabilizasse solidariamente os apelados pelos “incómodos que esta falta de obrigação causou à Autora pelas perdas de tempo” e, bem assim, se condenasse solidariamente os mesmos “ao pagamento dos danos morais de valor nunca inferior a 2.000,00 euros causados ao Autor”.
Os fundamentos aduzidos pela 1ª Instância para concluir pela improcedência desses pedidos são dois, a saber: a) os sentimentos de que a apelante se arroga titular “são sentimentos alegadamente vivenciados pelo seu alegado legal representante, que não se confunde com a própria, que deles não se pode apropriar até porque são pessoas jurídicas distintas”; e b) os incómodos alegados “não têm gravidade que reclame, à luz do art. 46º, n.º 1 do CC, proteção jurídica, sendo, outrossim, consequência da pluralidade de entendimento e da liberdade de os dar a conhecer”.
Imputa a apelante erro de direito ao assim decidido, advogando que os factos por si alegados, na petição inicial, a propósito de tais pedidos “preenchem todos os pressupostos de responsabilidade – porque demonstrou um facto, ilícito, com culpa, danos (patrimoniais e não patrimoniais) e nexo de causalidade, pois que os danos existentes são prementes, bem  como os incómodos que uma ação judicial acarreta, bem como o mau estar na vivência do condomínio” e conclui, pretendendo que se condene os apelados naqueles pedidos, mas, antecipe-se, desde já, sem razão.
Na verdade, os danos morais que a apelante pretende ser compensada são pretensos “incómodos” que “a atitude dos Réus causaram à Autora, perdas de tempo” e “criação de mau estar na reunião”.
Se é certo que, por força do disposto no art. 160º, n.º 1 do CC, ou por efeito de disposição específica, se impõe reconhecer às pessoas coletivas alguns direitos de personalidade, como os relativos à liberdade, ao bom nome, ao crédito e à consideração social, os quais, quando violados e dessa violação decorram danos não patrimoniais para a pessoa coletiva são suscetíveis de serem compensados, nos termos do art. 496º do CC[12], os concretos danos não patrimoniais que são alegados pela apelante não se inserem em nenhum dos direitos especiais de personalidade a que a lei confere tutela também às pessoas coletivas, na medida que sendo aquela uma criação jurídica, não é suscetível de “sofrer incómodos, perdas de tempo ou sentir mau estar” decorrentes de se deslocar a uma assembleia de condóminos e de nela ter estado presente e de ter presenciaado tudo o quanto aí se passou, mas quem sofre esses inconvenientes é a concreta pessoa física que, em representação da apelante, se deslocou, esteve presente e vivenciou o que se passou nessa assembleia de condóminos.
Daí que, como bem ponderado pela 1ª Instância, os pretensos danos não patrimoniais (morais) que vêm alegados pela apelante não podem ter sido sofridos por esta, mas sim pelo seu gerente, que é uma pessoa jurídica distinta daquela e que, consequentemente, só ele poderia ser indemnizado por esses alegados danos de natureza não patrimonial sofridos.
Acresce referir que “perdas de tempo”, não são de per se um dano não patrimonial, mas antes um facto do qual poderá (ou não) decorrer para a pessoa que as sofra danos não patrimoniais e/ou patrimoniais.
Além disso, conforme bem salientado pelo tribunal a quo, os simples “incómodos” e “mau-estar” percecionados pelo gerente da sociedade apelante (que não pela própria), não assumem a gravidade que é pressuposta pelo n.º 1, do art. 496º do CC, para que sejam suscetíveis de compensação, conforme é entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência, ainda que esses pretensos incómodos  e mal-estar seja consequência direta e necessária de qualquer conduta ilícita e culposa dos apelados na convocação dessa assembleia de condóminos e no decurso desta.
Por último, dir-se-á que as eventuais perdas de tempos, custos e incómodos decorrentes da alegada necessidade da apelante de ter de instaurar a presente ação, nunca seriam suscetíveis de serem indemnizados os compensados em sede de instituto de responsabilidade civil extracontratual (art. 483º do CC), uma vez que a instauração de uma ação judicial é o meio que a lei considera ser legítimo para quem entenda estar lesado nos seus direitos e os pretende exercer e fazer valer, não podendo esse direito à ação jamais ser coartado.
Quanto aos prejuízos que sofra por via de ter de recorrer a tribunal para fazer valer os seus legítimos direitos, esses prejuízos são-lhe abonados de acordo com as normas específicas previstas nos arts. 527º a 541º do CPC e, bem assim, do regime do Regulamento das Custas Processuais atinente às custas de parte. E em caso de mau uso do processo, isto é, ocorrendo litigância de má fé, essa indemnização é fixada de acordo com o regime legal específico dos arts. 542º, n.º 1 e 543º a 545º do CPC.
Decorre do que se vem dizendo, que ao julgar improcedente os pedidos deduzidos pela apelante sob as alíneas b) e c), a 1ª Instância não incorreu em erro de direito, improcedendo igualmente este fundamento de recurso.
Destarte e em suma, na improcedência de todos os fundamentos de recurso invocados pela apelante, impõe-se julgar improcedente a presente apelação e confirmar o saneador-sentença recorrido.
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Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).

1- Por força dos princípios do dispositivo, do contraditório e da autorresponsabilidade das partes e com vista a reduzir perturbações injustificadas na ação pendente decorrentes de uma alteração subjetiva da instância, o art. 316º do CPC limita a admissão do incidente de intervenção principal provocada aos casos em que entre as partes da ação pendente e o(s) chamado(s) interceda uma relação de litisconsórcio necessário que tenha sido preterido e que se imponha sanar, a fim de se suprir a ilegitimidade ativa ou passiva  das partes originárias dessa ação (art. 316º, n.º 1 do CPC), ou quando entre as partes dessa ação e o(s) chamado(s) ocorra uma situação de litisconsórcio voluntário, conquanto, neste caso, sendo o incidente deduzido pelo autor, se encontrem preenchidos os pressupostos do n.º 2, do art. 316º, ou no seu n.º 3, quando seja deduzido pelo réu.
2- Daí que o incidente de intervenção principal provocada não seja legalmente admissível quando o autor pretenda operar uma substituição subjetiva da instância na ação que intentou, substituindo os réus que demandou pelo(s) interveniente(s) que pretenda chamar à ação mediante a dedução de incidente de intervenção principal provocada.
 3- Ocorrendo total falta de causa de pedir, por o autor não ter alegado, na petição inicial, os factos essenciais constitutivos do direito onde faz assentar o pedido indemnizatório que deduz contra os réus (causa de pedir), verifica-se o vício de ineptidão da petição inicial por falta de alegação da causa de pedir, o qual, por ser insuprível, não admite convite ao aperfeiçoamento, gerando nulidade do processo e a absolvição dos réus da instância.
4- Apesar de a lei reconhecer às pessoas coletivas alguns direitos de personalidade, como os relativos à liberdade, ao bom nome, ao crédito e à consideração social, os quais, quando violados, ilícita e culposamente, e dessa violação emirjam para a sociedade coletiva danos não patrimoniais, são suscetíveis de  serem compensados, nos termos do n.º 1, do art. 496º do CC, os danos não patrimoniais decorrentes de perdas de tempo, incómodos e mal-estar emergentes da deslocação, presença e do que foi presenciado pelo gerente de uma sociedade por quotas numa assembleia de condóminos  de que a sociedade é condómina, alegadamente irregularmente convocada e cujas deliberações serão alegadamente inválidas, além de não se inserirem no elenco dos direitos de personalidade ou direitos equiparados que a lei tutela em relação às pessoas coletivas, e de se tratar de danos não patrimoniais que não assumem os foros de gravidade pressupostos pelo art. 496º, n.º 1 do CC para que sejam compensáveis, trata-se de pretensos danos não patrimoniais que não foram sofridos pela sociedade, mas sim pela pessoa do seu gerente, que foi quem se deslocou à dita assembleia, nela esteve presente e presenciou o que aí se passou e que, consequentemente, sofreu as pretensas perdas de tempo, incómodos e sentimentos de mal-estar.
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V- Decisão:

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, acordam em julgar a presente apelação improcedente e, em consequência:
- confirmam o saneador-sentença recorrido.
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Custas da apelação pelo apelante (arts. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Guimarães, 22 de junho de 2023
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores:

José Alberto Moreira Dias – Relator
Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade – 1ª Adjunta
Fernando Manuel Barroso Cabanelas – 2º Adjunto. --

 

[1] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 393, em que expendem: “Com uma diferença marcante face ao regime anterior, justificada pela reconfiguração do incidente de intervenção provocada, que tem como matriz a figura do litisconsórcio (e não já a coligação, excluindo-se ainda o chamamento promovido pelo autor quanto a eventuais litisconsortes ativos), o regime ora instituído acerca do valor da sentença mostra que, uma vez citado para o processo, é indiferente se o chamado intervém realmente nos autos. Com efeito, intervindo ou não, a sentença que julgar materialmente a causa apreciará a relação jurídica em cujo âmbito ocorreu o chamamento e valerá como caso julgado quanto ao chamado, o que se justifica, desde logo porque o mesmo, uma vez citado, passa a ter o estatuto de parte”. (sublinhado e destacado nosso); Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 4ª ed., Almedina, págs. 639 a 641, o art. 320º “deixou de exprimir um caso de extensão do caso julgado a terceiro para significar apenas a constituição do chamado como parte, com a inerente consequência de o caso julgado o abranger”.
[2] Ac. R.P. de 15/04/2021, Proc. 1471/17.1T8PRT.P2, in base de dados da DGSI, onde constam todos os acórdãos que se venha a citar sem menção em contrário.
[3] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., págs. 75 a 76 e 388; Ac. R.G., de 30/06/2022, Proc. 5157/21.4T8VNF-A.G1.
[4] Ac. R.L. de 15/03/2006, Proc. 11920/2005-4, em que se lê: “O litisconsórcio configura-se quando a relação controvertida respeita a uma pluralidade de partes principais que se unem no mesmo processo para discutirem uma só relação jurídica material”.
[5] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Noção de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, pág. 165.
[6] Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, pág. 154: “Sempre que existe uma pluralidade de interessados, ativos ou passivos, opera, quanto à constituição do litisconsórcio, uma regra de coincidência, pois que a ação pode ser proposta por todos esses titulares ou contra todos eles. Assim, se, por exemplo, forem vários os devedores de uma prestação, o credor pode sempre demandá-los conjuntamente (mesmo que a obrigação seja solidária, art. 517º, n.º 1 do CC). O litisconsórcio voluntário verifica-se por iniciativa da parte ou das partes em causa: são os vários interessados que decidem instaurar a ação conjuntamente; é o autor da ação que resolve propor a ação contra vários Réus”.
[7] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., págs. 165 a 169; Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, págs. 159 a 164.
[8] No sentido de que não é possível ao autor recorrer ao incidente de intervenção principal provocada a fim de substituir o réu contra quem, por erro ou opção, dirigiu a ação, vide Acs. R.G., de 24/11/2016, Proc. 130/15.4T8MTR.G1; de 06/01/2011, Proc. 5907/09.7TBBRG-A.G1; R.E., de 28/01/2010, Proc. 2845/09.7TBSTB.E1.
[9] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., págs. 235, nota 18, onde ponderam: “Impõe-se distinguir as situações em que o teor da petição inicial é de tal modo deficitário que se reconduza à falta ou inteligibilidade de pedido ou de causa de pedir, gerando a ineptidão da petição e a correspondente absolvição da instância, dos casos em que, estando embora presentes esses elementos objetivos da instância, há insuficiência ou imprecisões na formulação do pedido ou na exposição ou concretização da matéria de facto, as quais devem ser remediadas mediante a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, nos termos do art. 590º, n.º 4”. Adiantando a fls. 703 e 704, que o convite ao aperfeiçoamento é “um verdadeiro legal do juiz”. “Não se trata, como é óbvio, de salvar petições afetadas por ineptidão resultante da falta ou da ininteligibilidade da causa de pedir (art. 186º), mas apenas de corrigir articulados que, cumprindo os requisitos mínimos, se revelem, contudo, insuficientes, deficientes ou imprecisos em termos de fundamentação da pretensão”. “O convite ao aperfeiçoamento procura completar o que é insuficiente ou corrigir o que é impreciso, na certeza de que a causa de pedir existe (na petição) e é percetível (inteligível); apenas sucede que não foram alegados todos os elementos fácticos que a integram, ou foram-no em termos pouco precisos. Daí o convite ao aperfeiçoamento, destinado a completar ou a corrigir um quadro fáctico já traçado nos autos. Coisa diversa, e afastada do âmbito do art. 590º, n.º 4, seria permitir à parte, na sequência desse despacho, apresentar, ex novo, um quadro fáctico até então inexistente ou de todo impercetível”. Ainda Acs. STJ, de 15/01/2002, AD, 502º, pág. 1537; R.P., de 23/02/2007, Proc. 0003887.
[10] Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. 2º, Coimbra Editora, 1945, pág. 369 a 375: A causa de pedir é “o ato ou facto jurídico em que o autor se baseia para formular o pedido”, “…o que interessa, no ponto de vista da apresentação da causa de pedir, é que o ato ou facto de que o autor quer fazer derivar o direito em litígio esteja suficientemente individualizado na petição”; “a causa de pedir em qualquer ação não é o facto jurídico abstrato, mas o facto jurídico concreto de que emerge o direito que o autor se propõe fazer declarar”. “…podem dar-se dois casos distintos: a) a petição ser inteiramente omissa quanto ao ato ou facto de que o pedido procede; b) expor o ato ou facto, fonte do pedido, em termos de tal modo confusos, ambíguos ou ininteligíveis, que não seja possível apreender com segurança a causa de pedir. Num e noutro caso a petição é inepta, porque não pode saber-se qual a causa de pedir. Imposta, porém, não confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente. (…). Quando a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite factos ou circunstâncias para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta; o que sucede é que a ação naufraga”.
[11] Teixeira de Sousa, ob. cit., págs. 70 e 71.
[12] Acs. STJ., de 08/03/2007, Proc. 07B566; RG., de 16/02/2017, Proc. 364/12.3TCGMR.G1; R.L., de 23/09/2007, Proc. 8509/2006-7; de 09/03/2006, Proc. 774/2005-6.