Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
198/13.8TBGMR.G1
Relator: ESPINHEIRA BALTAR
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
MONTANTE DA PENSÃO
EQUIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: Mesmo numa situação de sobrevivência, o progenitor não guardião deverá contribuir com uma pensão de alimentos para o seu filha menor, determinada segundo critérios de equidade.
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães

M… veio requerer contra C… a presente acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente ao menor R….
Realizada a conferência de pais a que alude o art. 175.º OTM, foi conseguido o acordo entre os progenitores quanto à guarda e às visitas – acordo esse homologado por sentença –, não tendo o Tribunal entendido ser de homologar, na altura, qualquer acordo no que tange aos alimentos, ante a aparente impossibilidade de o progenitor os prestar.
Notificados os progenitores nos termos e para os efeitos do disposto no art. 178.º OTM, ambos apresentaram alegações, a progenitora entendendo que a prestação de alimentos a cargo do requerido deveria ser fixada nos €225/mês, já que o requerido é agricultor, recebeu quantia não inferior a €20.000 em herança e ela, requerente, encontra-se desempregada. O requerido nada teve a opôr a tal pretensão, mas invocando a sua incapacidade para, no momento, proceder ao pagamento do valor em causa.

Foram elaborados inquéritos a que alude o art. 177.º/2 OTM.
Foi proferida sentença em que o tribunal decidiu não condenar o requerido no pagamento de qualquer prestação de alimentos a favor do R….

Inconformada com o decidido, a requerente interpôs recurso de apelação, formulando conclusões.
Houve contra-alegações que pugnaram pelo decidido.
O MP. apresentou as suas conclusões.
Das conclusões do recurso ressaltam as seguintes questões, a saber:
1.Se é nula a sentença por falta de fundamentação, por ininteligibilidade e omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615 n.º 1 al. b), c) e d) do CPC.
2. Se é de fixar alimentos no montante de 80€ face ao rendimento do requerido de 180€ mensais.

Vamos fixar a matéria de facto consignada na decisão impugnada, que passamos a transcrever:
1.1. Factos provados
a) O R… nasceu em 07.01.2000 e é filho da requerente e do requerido (CAN a fls. 8);
b) Os progenitores nunca foram casados entre si;
c) A requerente encontra-se desempregada, não lhe sendo conhecidas fontes de rendimento (doc. fls. 34);
d) O requerido encontra-se desempregado, sendo beneficiário de RSI no valor mensal de €178,15(doc. fls. 34);
e) O menor tem um irmão de 24 anos de idade, C…, residente no mesmo edifício onde habita com a mãe, propriedade da avó materna, sem que pague qualquer montante a título de habitação;
f) O C… é solteiro, não tem filhos e aufere mensalmente cerca de €700;
g) O menor tem cinco tios paternos (relatórios de fls. 75ss);
h) O tio A…, de 49 anos de idade, é sócio-gerente de uma empresa, declarando auferir mensalmente €500; reside com a esposa e 2 filhas menores em casa própria, pagando mensalmente ao banco €269,14 para amortização do empréstimo contraído para a sua aquisição; a esposa é escriturária, auferindo €800/mês (relatório de fls. 75ss);
i) O tio A…, de 63 anos de idade, é pensionista, auferindo mensalmente €1.058,44; reside com a esposa em casa própria; a esposa é pensionista, auferindo€673/mês (relatório de fls. 79ss);
j) O tio J…, de 59 anos de idade, declarou não ter qualquer fonte de rendimento; reside com a esposa, pensionista, em casa de uma filha; a esposa aufere€256,78/mês (relatório de fls. 81ss);
k) O tio J…, de 61 anos de idade, encontra-se reformado, auferindo mensalmente €1.400; reside com a esposa e 1 filha maior em casa própria, pagando mensalmente ao banco €403,52 para amortização do empréstimo contraído para a sua aquisição; a esposa é docente, auferindo €1.880/mês; este agregado familiar suporta ainda a propina com a frequência universitária da filha bem como as despesas de alojamento desta no valor de€125/mês (relatório de fls. 92ss);
l) A tia M…, de 62 anos de idade, encontra-se reformada, auferindo mensalmente €1.700 líquidos; reside sozinha em casa própria (relatório de fls. 105ss).

Vamos conhecer das questões enunciadas.
1.A apelante iniste em que o tribunal não fundamentou a decisão, não discorrendo, logicamente, o seu discurso, para concluir como fez sobre a não fixação de alimentos a cargo do requerido. E suscita as nulidades previstas no artigo 615 n.º 1 als.b), c) e d) do CPC.
Analisando o teor da decisão, verificamos que foram fixados os factos dado como provados e não provados, que há um discurso lógico na fundamentação de direito, em que o tribunal indica as normas jurídicas aplicáveis ao caso e decide a questão que formulou - fixar ou não alimentos no caso em análise. E conlcuiu pela não fixação, por entender que o requerido não tinha meios suficientes para contribuir, face ao seu rendimento de 180€ do RSI, havendo familiares que o poderiam.
Daqui se pode concluir que o tribunal fundamentou a decisão na vertente do facto e do direito, que conheceu das questões a que estava adestrito e fê-lo com um discurso lógico, e bem explícito, que a requerente não aceita, daí o recurso, mas que não está ferida das nulidades que apontou.

2. O tribunal entendeu que não devia fixar alimentos porque o requerido não dispunha de meios para os prestar, face ao seu rendimento de 180€, emergente do RSI. A requerente entende que, mesmo nesta situação, deveria ser fixado o montante de 80€ e o MP. o mínimo de 75€. Questiona-se se é de fixar alimentos quando o progenitor, não guardião, tem como fonte de rendimentos o rendimento social de inserção.
A jurisprudência está dividida quando a questão incide sobre a ausência de factos determinantes dos rendimentos do progenitor não guardião.
Estão bem delineadas duas posições antagónicas, cada uma com os seus argumentos.
Uma delas centra-se na não fixação dos alimentos, mesmo reconhecendo que os menores têm direito a eles, mas, por falta de elementos concretizadores, não os fixa, fazendo valer o disposto no artigo 2004 n.º1do C. Civil.
A outra assenta, essencialmente, no interesse superior dos menores, como valor fundamental, para evidenciar o dever de prestar alimentos por parte dos progenitores, com consagração constitucional, infraconstitucional e reconhecido internacionalmente, por convenções e resoluções que Portugal ratificou. E esse dever, que tem como reverso o direito dos menores a receberem alimentos dos progenitores impõe-se, cuja concretização se fará com os dados existentes nos autos, e, se forem inexistentes ou insuficientes, deve lançar-se mão de critérios legais, como seja o rendimento mínimo mensal garantido, garantia mínima de vivência com dignidade, para determinar o montante adequado dentro deste quadro económico.
Esta posição é dominante no STJ. que já se pronunciou, várias vezes, neste sentido, como se pode constatar pelos acórdãos publicados em www.dgsi.pt – de 10/07/2008, 30/09/2008, 12/11/2009, 12/07/2011, 27/09/2011, 29/03/2012, 15/05/2012, 22/05/2012.
E aderimos a tal posição dominante por ser a mais consentânea com os valores em causa, apesar de reconhecermos que a outra também tem argumentos ponderosos, que já defendemos, mas que, em termos de equidade, não protege os interesses dos menores.
Estamos perante uma situação em que o menor, vivendo com a mãe e o seu irmão, na mesma habitação, estão numa situação de sobrevivência, porque a requerente está desempregada, desconhecendo-se fontes de rendimento e o requerido recebe cerca de 180€ do Rendimento Social de Inserção, consderado o mínimo de subsistência. E é em face desta situação de sobrevivência entre o R… e o seu pai, que devem prevalecer as regras de equidade.Neste caso, o R… apenas tem sobrevivido à custa da sua mãe. E o requerido tem o dever de contribuir, dentro das suas possibilidades, para o sustento do seu filho menor. Mesmo do seu parco rendimento, deve dispor de algum montante de molde a contribuir para o sustento do filho, sem que ponha em risco a sua sobrevivência. E julgamos, que neste caso, é de sã justiça que o requerido contribua com 50 euros do seu rendimento, para que o menor possa viver melhor, que, apesar de ser insuficiente, já altera um pouco a sua situação, não pondo em risco a sobrevivência do progenitor, apesar de ter de fazer mais sacrifícios.
Em face de tudo isto, é de condenar o requerido a pagar ao menor, seu filho, a quantia de 50€ a título de alimentos.

Concluindo: 1 – Mesmo numa situação de sobrevivência, o progenitor não guardião deverá contribuir com uma pensão de alimentos para o seu filha menor, determinada segundo critérios de equidade.

Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, revogam a decisão recorrida e condenam o requerido a pagar ao filho Rui Pedro, a título de alimentos, a quantia de 50€.
Custas a cargo da apelante e apelado na proporção do decaimento.
Guimarães, 29 de setembro de 2014
Espinheira Baltar
Henrique Andrade
Eva Almeida