Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2185/15.2T8GMR-D.G1
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: CONTESTAÇÃO
TAXA DE JUSTIÇA INICIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: Nos termos do artº 570º, nº 3, do CPC, só decorrido o prazo de 10 dias após a apresentação da contestação sem com ela ser comprovado o pagamento prévio da taxa de justiça devida, a Secretaria deve proceder à notificação para o contestante a pagar com multa, e só depois, caso tal exortação não surta efeito, se seguindo, no momento processual adequado, o convite a que se refere o nº 5.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

Nuns autos de Embargos de Executado pendentes no Tribunal de Execuções de Guimarães em que é Embargante (executada) B. e Embargado (exequente) o C., a que foi atribuído o valor de 1.326,93€ (da causa), este, em 02-11-2015, apresentou, via Plataforma Citius, contestação (aos Embargos).

Com ela juntou “D.U.C. e respectivo documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça” mediante a “autoliquidação”, no valor de 102,00€ (fls. 32).

No dia imediato, 3 de Novembro, a Secretaria, a coberto da letra do artº 570º, nº 3, do CPC, e entendendo que a taxa devida era não aquela mas a de 3 UC´s, preencheu uma guia para pagamento de Multa, no montante igual de 306,00€ (fls. 34) e, através do Citius, elaborou e expediu, endereçada ao Exmº Mandatário do Embargado/contestante, notificação para, em 10 dias, mediante “autoliquidação”, “efectuar o pagamento da taxa de justiça devida pela contestação, acrescida de uma multa de igual montante (€306,00) e juntar aos autos o respectivo documento comprovativo”, advertindo-o, ainda, “de que o DUC apresentado com a contestação não foi registado/associado aos presentes autos”.

Perante isso, no dia 06-11-2015, o mesmo Contestante/embargado apresentou nos autos requerimento dirigido ao Exmº Juiz do processo, expondo que:

-emitiu o DUC pela Tabela I-A do RCP para pagamento da taxa de justiça que julgou ser a devida, respeitante às acções declarativas (como considera ser esta) e em função do valor dos embargos e pagou-o;
-pareceu-lhe ser entendimento da Secção de Execução que a taxa deveria ser paga em função da Tabela II, como “Oposição à Execução…”;
-todavia, não é desse articulado que se trata, mas de uma contestação como em acção declarativa;
-é a prática seguida noutros Tribunais;
-a tal não obsta o facto de na Tabela II apenas se prever a Oposição e não a contestação e de tal gerar desigualdade com o Exequente, pois este já pagou entretanto a Taxa pela apresentação do requerimento executivo;
-requereu, por conseguinte, que fosse dada sem efeito a notificação;
-subsidiariamente, alegou que agiu de boa-fé, crente de que é aquela a taxa devida, não havendo propriamente omissão, pelo que não lhe pode ser exigida multa mas apenas o complemento;
-ainda subsidiariamente, acrescentou que, então, a multa deve ser fixada pelo valor omitido e supostamente em falta (204,00€) e não pelo de 306€ resultante da referida Tabela II, nessa hipótese requerendo a passagem da guia.

Juntou DUC e talão de pagamento (fls. 43) comprovativos do depósito da quantia complementar de 204,00€.

Resulta da certidão de fls. 2 e da anotação manuscrita nos “DUC´s” de fls. 32 e 43, respectivamente de 102€ e de 204€, que os mesmos foram “registados”
Conforme fls. 45 a 48, foi lavrado, em 12-11-2015, o seguinte despacho:
“I - O exequente veio deduzir oposição, efectuando o pagamento de € 102,00 de taxa de justiça.
Notificado nos termos do disposto no artigo 570º, nº 3, do CPC, para em 10 dias efectuar o pagamento devido (€ 306,00), acrescido de multa de igual montante, o exequente apresentou requerimento, sustentando que a taxa devida é de € 102,00 e, se assim não se entender, deve o exequente desonerado de proceder ao pagamento da multa, ou ainda, dar-se sem efeito a guia emitida, emitindo-se outra no valor de € 204,00.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Não se questiona que se esteja no âmbito de uma oposição à execução, cujo valor é de € 1.326,93, mediante embargos de executado instaurados em 15-09-2015, sendo aplicável aos autos a Portaria nº 419-A/2009, de 17-04, com as alterações introduzidas pela Portaria nº 82/2012, de 29-03, e o Regulamento das Custas Processuais (RCP) aprovado pelo DL 34/2008, de 26-02, com as alterações da Lei nº 7/2012, de 13-02.
De igual modo, não se questiona que se trata de uma contestação a uma oposição à execução por embargos.
Dispõe o artigo 7º, nº1, do RCP que a taxa de justiça nos processos especiais fixa-se nos termos da tabela I, salvo os casos expressamente referidos na tabela II, que fazem parte integrante do presente regulamento.
Por outro lado, por força do disposto no artigo 7º, nº 4, do RCP, a taxa devida pelos incidentes e pelas execuções é determinada de acordo com a aludida tabela II.
Ora, consta da aludida tabela II que a «oposição à execução por embargos, oposição à penhora ou embargos de terceiro e respectivas contestações:
Até €30.000, 00 - 3 UC (taxa de justiça normal)
Execuções de valor igualou superior a C 30.000,00 - 6 UC (taxa de justiça normal)».
Assim, não há dúvidas que a taxa de justiça devida pela contestação apresentada seja de 3 UC (C 306,00).
Sucede que o exequente pagou de taxa de justiça o valor de €102,00.
E por força do disposto no artigo 145º, nº2, do CPC, a junção de documento comprovativo do pagamento de taxa de justiça de valor inferior ao devido, nos termos do Regulamento das Custas Processuais, equivale à falta de junção, devendo o mesmo ser devolvido ao apresentante.
Assim, não há dúvidas que o exequente não juntou aos autos o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça.
Por outro lado, dispõe o artigo 570º, nº 3, do CPC, que na falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou de comprovação desse pagamento, no prazo de 10 dias, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, com acréscimo da multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC, nem superior a 5 UC.
Acontece que a secretaria notificou o interessado para efectuar o pagamento da taxa de justiça devida (€306,00), acrescida de multa de igual montante, o que o exequente não fez, apresentando o requerimento em análise.
Não merece, pois, qualquer censura a notificação efectuado ao exequente.
Ora, os pedidos formulados em tal requerimento não têm, como se viu, qualquer fundamento legal.
No entanto, apesar de o exequente ter podido efectuar o pagamento para que foi notificado pela secretaria e apresentar reclamação, o certo é que preferiu não efectuar tal pagamento e apresentar reclamação.
Mas sendo indeferida tal reclamação, o exequente não pode beneficiar de nova notificação prevista no artigo 570º, nº 3, do CPC.
O que sucede é que se aplica o disposto no artigo 570º, nº5, do CPC.
Isto é, verificando-se, como é o caso, que após a notificação prevista no aludido 570º, nº 3, do CPC, não foi junto o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e da multa por parte do exequente/contestante, o juiz convida-o a proceder ao pagamento da taxa de justiça e da multa em falta, agora acrescida de outra multa de valor igual ao da taxa de justiça inicial, mas com o limite mínimo de 5 ue (€ 306,00 + € 306,00 + € 510,00).
III - Decisão:
Face ao exposto,
1. Confirmo, por ser a legalmente devida, a notificação efectuada pela secretaria e indefiro o requerido; e
2. Convido o exequente/contestante, ao abrigo do disposto no artigo 570º, nº 5, do CPC, a proceder ao pagamento da taxa de justiça e da multa em falta, agora acrescida de outra multa com o valor mínimo de 5 UC (€ 306,00 + € 306,00 + € 510,00), no prazo de 10 dias, com a advertência de que se não o fizer será desentranhada a contestação, mas sem ser devida qualquer multa (cfr. artigo 570º, nºs 6 e 7, do CPC).
Sem custas (artigo 7º, nº 8, do RCP).”
O expoente/embargado/exequente não se conformou e interpôs recurso (peça de fls. 51 a 73) para esta Relação, concluindo assim as suas alegações:
“1.a) O douto despacho proferido violou o artigo 570.°, n.ºs 3 e 5, e o artigo 145.°, n.º 3, ambos do C.P.C.
2.a) No dia 02/11/2015, o Exequente, remeteu, por transmissão electrónica de dados, o articulado "Contestação à oposição", tendo, com este, junto o D.U.C emitido pela Tabela l-A do RC.P., respeitante às acções declarativas e em função do valor dos embargos, que é €1.326,93. bem como juntou o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça, acreditando ser esse o modo devido de autoliquidação e a taxa devida.
3.a) No dia 03/11/2015, foi expedida notificação pela secretaria com o seguinte teor: «Com referência ao processo acima identificado, fica notificado, na qualidade de Mandatário do Exequente C., para, no prazo de /0 dias, efectuar o pagamento da taxa de justiça devida pela contestação, acrescida de uma multa de igual montante (€ 306,00) e juntar aos autos o respectivo documento comprovativo»:
4.a) Atenta tal notificação, no dia 06/11/2015, o aqui Recorrente juntou ao processo um requerimento onde explanava o motivo da emissão do D.U.C. e pagamento pela Tabela l-A do R.C.P., e, a final, requeria o seguinte: «a) Considere que a taxa de justiça paga com o articulado contestação a oposição é a devida e, consequentemente, seja dada sem efeito a notificação em crise; b) Caso assim se não entenda, atenta a manifesta boa-fé do Exequente e o pagamento do complemento da taxa de justiça para acerto da taxa fixada pela Tabela II do RCP dentro dos 10 (dez) dias a contar da apresentação da contestação, determine fique o Exequente desonerado de proceder ao pagamento de multa; c) Caso ainda assim se não entenda, deve ser dada sem efeito a guia cível com o n. º 703380050088912 e emitida uma outra pelo valor de €204,00 (duzentos e quatro euros), por ser este o valor omitido».
5.a) Nesse mesmo dia, o Exequente procedeu ao pagamento do complemento da taxa de justiça para acerto da taxa de justiça devida, fixada pela Tabela II do RCP, tendo junto o respectivo documento comprovativo com o seu requerimento/reclamação, tendo, assim, sido sanada a cometida falta de pagamento da taxa de justiça devida.
6.a) O Exequente, todavia, não procedeu ao pagamento da multa aplicada pela secretaria.
7.a) Após apreciação do requerimento do Exequente, o Meretíssimo Juiz a quo proferiu o seguinte despacho, ora em sindicância: [supra transcrito no relato]
8.a) Apesar de o Exequente, Advogado, no exercício da sua profissão, sempre ter liquidado as taxas de justiça devidas pelas contestações às oposições apresentadas em nome dos seus clientes pela Tabela l-A do RCP, é, admite-se, jurisprudência maioritária que o pagamento devia ter sido realizado pela Tabela II.
9.a) Determina o nº 3, do artigo 145.° do C.P.C que «Sem prejuízo das disposições relativas á petição inicial, a falta de junção do documento referido no n.º1 não implica a recusa da peça processual devendo a parte proceder a sua junção nos 10 dias subsequentes a prática do ato processual sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 570. ° e 642.»
1O.a) Este normativo legal terá de ser observado em consonância com o artigo 570.°, n. 3 do CP.C., que preceitua que «Na falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou de comprovação desse pagamento, no prazo de 10 dias a contar da apresentação da contestação, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efetuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC».
11.a) No caso sub judice, tendo o Exequente apresentado a sua contestação em 02/11/2015, só a partir do dia 13/11/2015 (10 dias depois do envio do articulado pelo Exequente), inclusive, é que a secretaria podia notificar o ora Apelante nos termos e para os efeitos do artigo 570.°, n.º 3 do C.P.C..
12.a) É o que resulta claro das citadas disposições legais, sendo que só seria aplicável a cominação prevista no n.º 3 do artigo 570.° do C.P.C. se decorridos 10 dias sobre a apresentação da contestação à oposição o Exequente não tivesse comprovado o pagamento da taxa de justiça devida.
13.a) A notificação pela secretaria para pagamento da taxa de justiça devida acrescido de multa de igual montante foi, pois, extemporânea por prematura.
14.a) O Tribunal a quo não colocou qualquer entrave ao facto de o Exequente ter liquidado o valor omitido da taxa de justiça através do complemento de taxa de justiça, como Autoliquidações Diversas, tendo este, tal como o pagamento inicial, sido associados/registados ao processo.
15.a) O Recorrente, por iniciativa própria, cumpriu com o pagamento do remanescente e comprovação do mesmo dentro dos 10 (dez) dias subsequentes à apresentação da contestação, pelo que não podia ser aplicada ou exigida qualquer multa pela secretaria.
16.a) A multa não resulta automaticamente, só podendo ser aplicada no caso da parte não ter, nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual, junto o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça.
17.a) A este título veja-se o referido no Guia das Custas Processuais, publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, DGAJ (Divisão de Formação), em Fevereiro de 2014, na página 115; o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 07/01/2008 e proferido no Processo n." 0755285, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no Processo n.º 4054/0g.6TCLRS-A.LH em 14-0g-2010, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no âmbito do Processo n.º 1658/06.2TAVCT-B.Gl em 25-03-2010, todos in www.dgsi.pt.
18.a) O despacho recorrido de indeferimento da reclamação apresentada não se pode manter na ordem jurídica, devendo, por conseguinte, ser revogado e substituído por outro que decida pela nulidade da notificação efectuada pela secretaria por acção prematura.
19.a) Sem prescindir, caso não colha o propugnado supra, sempre terá de se considerar que a multa aplicada pela secretaria é ilegal, porquanto o montante exigido teria de ser igual ao omitido (€306,00 - €102,00 = €204,00), e não igual ao da taxa de justiça considerada devida pela peça processual em causa, ou seja, pela Tabela II do R.C.P.. (€306,oo).
20.a) Veja-se: o Exequente, com a apresentação do seu articulado, liquidou prévia e erradamente, já se admitiu, a taxa de justiça pelo montante de €102,00. Estamos, assim, perante um pagamento de taxa de justiça em montante inferior ao devido. Não houve uma omissão total mas, e pelos motivos já narrados, uma omissão parcial. Sendo situações distintas, não podem ser tratadas de forma igual.
21.a) Nesta senda, cita-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no Processo n.º 2094/11.4TBALMQ-B.Ll-S em 19-06-2014, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no Processo n.º 0852232, de 19/05/2008, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 21-06-2011 no âmbito do Processo n.º 512/07.5TBFVN-CC1, todos in www.dgsi.pt.
22.a) Ainda sem prescindir, caso também não colha o vertido supra, sempre se invoca que, atenta a apresentação do requerimento em análise no dia 06/11/2015, ou seja, dentro dos 10 dias concedidos para pagamento, sempre devia tal prazo ser suspenso até que fosse proferido despacho e o Exequente notificado do mesmo.
23.a) Determina o n.º 5 do artigo 570.° do C.P.C que «Findos os articulados e sem prejuízo do prazo concedido no n. º 3, se não tiver sido junto o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e da multa por parte do réu, ou não tiver sido efetuada a comprovação desse pagamento, o juiz pretere despacho nos termos da alínea c) do n.o 2 do artigo 590. º convidando o réu a proceder, no prazo de 10 dias, ao pagamento da taxa de justiça e da multa em falta, acrescida de multa de valor igual ao da taxa de justiça inicial, com o limite mínimo de 5 ue e máximo de 15 UC».
24.a) O Exequente, antes da prolação do douto despacho recorrido, já havia procedido ao pagamento da taxa de justiça devida (e o Tribunal/secretaria aceite o mesmo pagamento).
25.a) Dentro do prazo dos 10 dias concedidos pela secretaria para pagamento da taxa de justiça devida e de multa de igual montante, o Exequente apresentou um requerimento peticionando fosse dada sem efeito a guia enviada e remetida uma outra pelo valor de €204,OO.
26.a) A reclamação apresentada pelo Exequente não era sobre um despacho judicial sendo que nesse caso aceitar-se-ia um efeito meramente devolutivo - mas sobre uma notificação emanada pela secretaria.
27.a) Tal-qualmente por este facto o despacho em sindicância enferma de erro de interpretação e aplicação do preceituado nos artigos 570.°, n.ºs 3 e 5, e 145.°, nº 3, ambos do C.P.C., pelo que não pode manter-se.
NESTES TERMOS, e noutros que V.as Ex.as sabiamente suprirão, deve o douto despacho do- Tribunal a quo ser revogado, com as demais consequências legais, dando-se assim provimento ao presente recurso.
Assim decidindo, mais uma vez, Venerandos Desembargadores, será feita a ACOSTUMADA E NECESSÁRIA JUSTIÇA.”

Não há contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado, e efeito meramente devolutivo – contudo, liminarmente, já nesta Relação corrigido para suspensivo.
Corridos os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.
II. QUESTÕES A RESOLVER
É pelas conclusões que, sem prejuízo dos poderes oficiosos, se fixa o thema decidendum e se definem os limites cognitivos deste tribunal – como era e continua a ser de lei e pacificamente entendido na jurisprudência (artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC).

No caso, importa saber se:

-Apresentada pelo exequente contestação aos embargos, comprovado o pagamento de uma taxa de justiça menor que a legalmente devida e tendo-o imediatamente a Secretaria notificado para pagar esta, com multa, comunicando-lhe não ter registado/associado aquela, tal não se conforma com a correcta interpretação do nº 3, do artº 570º, do CPC, pois antes devia a Secretaria ter aguardado, para aplicar tal sanção, o prazo de 10 dias aí referido, durante o qual o contestante podia espontaneamente pagar, como pagou (após a notificação mas dentro de tal prazo), a quantia em falta.
-De todo o modo, a multa não devia exceder os 204€ em falta; e
-Nunca podia ter sido logo feito o convite nos termos do artº 570º, nº 5, como foi feito no despacho recorrido.

III. FUNDAMENTAÇÃO

Relevam os factos acima relatados, emergentes dos autos.

IV. APRECIAÇÃO/SUBSUNÇÃO JURÍDICA

São concordantes o recorrente e o tribunal recorrido quanto ao entendimento de que os embargos deduzidos têm a estrutura de uma acção declarativa e, bem assim, que a oposição aos mesmos tem a natureza e função de qualquer contestação num processo declarativo comum.

É assim, de facto.

Daí que também devam ser os mesmos o regime adjectivo e tributário, salvo naturalmente as especialidades que a lei contemplar para os Embargos.

E daí também que não se perceba por que razão insiste o apelante em, contraditoriamente, invocar jurisprudência relativa a situações congéneres mas tratadas a propósito da petição inicial de embargos, cujo regime de pagamento da taxa e falta da sua comprovação também tem dado azo a polémica nos tribunais, escusada se nestas matérias interviesse um legislador razoável e capaz.

Ora, à data da prática do acto aqui em apreço (apresentação da contestação), vigoravam e eram aplicáveis ao caso o novo Código de Processo Civil (CPC) aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho, e o Regulamento das Custas Processuais (RCP), aprovado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro, já remendado com várias alterações, prevalecendo a última versão introduzida pela Lei nº 72/2014, de 2 de Setembro.

À luz deles, analisemos a decisão recorrida e ponderemos a crítica dela feita.

Não se trata aqui, observe-se, de típico processo especial, na acepção resultante dos artºs 546º, nº 2, e 549º. Tão só, isso sim, da espécie de acção executiva, derivada de uma injunção, à qual é deduzido o processo de embargos, e que, de acordo com o disposto nos artºs 550º e 732º, nº 2, segue a forma de processo comum declarativo sumário.

Daí que a alusão, pelo tribunal recorrido, a tal tipo de processo e ao disposto no nº 1, do artº 7º, do RCP, não pareça, salvo o devido respeito, oportuna ou, pelo menos, clara.

É-o, sim, a invocação, também por ele feita, do nº 4, do artº 7º, segundo a qual a taxa de justiça devida, entre outros procedimentos aí referidos, “…pelas execuções, é determinada de acordo com a tabela II, que faz parte integrante do presente Regulamento”.

Nessa tabela II, lá está realmente previsto que “na oposição à execução por embargos … e respectivas contestações” a taxa de justiça normal, quando o valor do processo seja inferior a 30.000€, é de 3 UC´s.(1)

Não era assim, ou pelo menos o texto legal, não explicitava isso, antes das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 126/2013, de 30 de Agosto, em cujo preâmbulo se anuncia precisamente a intenção de proceder “à clarificação de algumas normas que têm suscitado dúvidas na sua aplicação prática”, caso da tabela II do Regulamento, relativamente ao “montante da taxa de justiça devida pela apresentação de contestação à oposição à execução”, clarificação feita, diz o legislador, nos “termos em que tem vindo a ser prática nos tribunais portugueses”.

Não era esta a prática, pelos vistos, segundo o apelante, em muitos Tribunais do Norte de Portugal que cita, dizendo que, no exercício da sua profissão de Advogado, sempre a seguiu, pagando pela Tabela I-A.

A ter sido assim, a verdade é que nem essa prática faz lei nem, mesmo como interpretação, ela agora tem qualquer cabimento, uma vez que a referida alteração legislativa, de que – acredita-se – não se terá dado conta e em cujo alçapão agora ele próprio caiu como parte pessoalmente interessada, resolveu este aspecto do problema.

Ainda assim, foi nesse contexto, como reconhece, que só autoliquidou, na qualidade de apelante/exequente/contestante, a quantia de 102€ correspondente a 1 UC, quando devia tê-lo feito pela quantia de 306€ correspondente às 3 UC´s.

Esbracejando com o problema, aceita agora que, afinal, isso corresponde à “jurisprudência maioritária” e que assim devia ter procedido.

No entanto, enfatiza que pagou, de boa fé e espontaneamente, a diferença quando reclamou da notificação recebida da Secretaria, argumenta que tal sucedeu dentro do prazo de 10 dias que, contado a partir da prática do acto, a lei ainda lhe facultava e que, por isso, discorda é das sanções aplicadas, por inoportunas e indevidas, seja, a seu ver, a (prematuramente) comunicada pela Secretaria seja a ora (ilegalmente) cominada pelo Despacho recorrido.

Apreciemos.

Sendo aplicável à contestação, por força do nº 1, do artº 570º, as regras dos nºs 3 e 4, do artº 552º, segundo os quais deve ao articulado (no caso de contestação) juntar a parte respectiva o “documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida” ou comprovar este electronicamente nos termos que estão regulamentados, ou seja, através do envio simultâneo com a peça, do ficheiro digital anexo do documento comprovativo de ter feito a autoliquidação, não há dúvida que, no meio de outras facilidades concedidas pelo legislador às partes e aos seus mandatários, subsiste para eles um sério e importante ónus no cumprimento esmerado e demonstração expedita das obrigações tributárias associadas à prática de actos do processo sujeita a taxa de justiça.

O próprio artº 14º, do RCP (em sintonia, aliás, com o disposto nos nºs 2, do artº 529º, e nº 1, do artº 530º, do CPC), é, quanto a isso, muito claro: o pagamento faz-se até ao momento da prática do acto processual a ela sujeito e comprova-se pelo modo e na ocasião descritos.

Apesar de todo este rigor aparente, diversas normas conduzem a dificuldades interpretativas, logo de complicada observância na prática, pelos hoje chamados “operadores judiciários” e sobretudo pelas partes interessadas, dos seus pretendidos comandos.

Do seu cruzamento, resulta que, afinal, o legislador, no fundo, é mais complacente do que parece.

Tal sucede, desde logo, quanto à contestação, e em face do nº 3 do mesmo artº 570º, que estabelece:

“Na falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou de comprovação desse pagamento, no prazo de 10 dias a contar da apresentação da contestação, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5UC”.

Todavia:

- O complemento circunstancial de tempo “no prazo de 10 dias a contar da apresentação da contestação” refere-se à “falta de junção” ou de “comprovação”, significando, assim, que a sua verificação e tolerância pela Secretaria, não obstante aquele ónus, pode e deve ainda protelar-se por esse prazo e que, portanto, o faltoso ainda pode sanar a falha sem ser sancionado?

- Ou refere-se impositivamente à dita Secretaria delimitando-lhe o prazo imediato para ela proceder à notificação a seguir prevista aplicando a multa?

A redacção não é clara. É o velho problema das vírgulas!

O artº 145º, do CPC, que parece ter querido, no nº 1, definir, como regra geral, o mesmo procedimento (maxime de comprovação) quanto a qualquer outro acto processual que, não sendo petição, contestação ou alegações de recurso, todavia também exija o pagamento prévio de taxa de justiça, estabelece, no nº 2, que:

“A junção de documento comprovativo do pagamento de taxa de justiça de valor inferior ao devido, nos termos do Regulamento das Custas Processuais, equivale à falta de junção, devendo o mesmo ser devolvido ao apresentante”.

Ou seja: mesmo que a parte efectue, como deve, previamente, o pagamento, se não for feita, nos termos estabelecidos, a comprovação deste ou ele tiver sido inferior ao devido, considera-se falta de junção.

Não obstante, o nº 3, do mesmo artigo 145º, parece abrir pistas para se desvendar o que terá estado na mente do legislador e inspirado as diversas normas reguladoras da matéria em causa, nas diversas hipóteses.

E é isso que, para cumprirmos o disposto no artº 8º, do Código Civil, temos de descobrir, atendendo às regras traçadas no seu artº 9º.

Desde logo, tal norma ressalva as disposições relativas à petição inicial, em que, avultando embora a de a Secretaria dever liminarmente recusar recebê-la se não for feita a comprovação do prévio pagamento da taxa (artº 558º, alínea f), no entanto, contemporizando, possibilita que o autor ainda junte o documento em falta dentro dos 10 dias subsequentes à recusa, obstaculizando assim o efeito desta e as consequências fulminantes para o exercício do direito de acção.

Além disso, prevê, como regra geral, a impossibilidade de recusa imediata da peça processual pretendida apresentar quando não comprovado o pagamento da taxa de justiça de que dependa.

Para tal, claramente, admite a possibilidade de o interessado ainda cumprir o seu ónus sem sanções em prazo suplementar: “devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual”.

Só depois de esgotada esta oportunidade, operam as penalizações: “sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 570º e 642º” (no caso da contestação, multa pela Secretaria, novo convite e multa pelo Juiz e, finalmente, desentranhamento).

É este o espírito do legislador.

Outro não terá sido o que norteou a redacção do nº 3, do artº 570º.

Com efeito, atendendo a que os prazos para a secretaria executar o seu expediente estão já consignados no artº 162º, CPC, não faz sentido que a norma tenha querido estabelecer, para o caso, um outro, diverso e tão dilatado, com nefastas consequências.

Faz mais sentido que o legislador também naquela tenha querido deixar impregnado o seu espírito de tolerância para com a parte, na tarefa de demonstrar no processo o cumprimento da sua obrigação tributária que o Estado sempre recebe de bom grado, sem prejudicar gravemente o que, para o andamento daquele, é essencial.

É, aliás, curioso notar a propósito do artº 642º, relativo às alegações de recurso, que parecendo literalmente impor com certeza a imediata actuação da Secretaria, no entanto esta também aparece condicionada na parte final do nº 3, do artº 145º, por forma que a sanção naquele prevista só é aplicável após a concessão à parte do tal prazo suplementar de 10 dias subsequente à prática do acto, para juntar o documento comprovativo em falta.

Aquele espírito é o que melhor se harmoniza e confere coerência sistemática às diversas normas implicadas.

Tudo indica, pois, que, em cumprimento do nº 3, do artº 570º, “a secretaria – só – notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante” caso “no prazo de 10 dias a contar da apresentação da contestação” a parte obrigada o não faça espontaneamente.

Assim, a falta de devida junção do documento comprovativo (físico) do pagamento – prévio – da taxa, ou de regular comprovação (electrónica) do mesmo ou, ainda, a verificação de pagamento insuficiente, só desencadeiam a actuação da secretaria ao cabo de 10 dias a contar da apresentação desse articulado.

Não foi esta a interpretação seguida pela Secretaria do tribunal recorrido.

Invocando o nº 3, do artº 570º, ela, no dia imediato à apresentação da contestação, tendo detectado a falta, logo procedeu à notificação do embargado – comunicando-lhe, conforme fls. 35 que o “DUC” de 102€ então junto não foi registado/associado aos autos e para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido (3 UC´s = 306€) com acréscimo de multa de igual montante.

Não interpretou, pois, daquela maneira a dita norma.

O Tribunal recorrido corroborou tal posição.

O apelante refuta esta e defenda aquela.

De facto, uma vez notificado pela Secretaria, ele, além do mais, no dia 06-11-2015, ou seja, dentro do tal prazo subsequente de 10 dias em curso e que terminaria em 12-11-2015, pagou o complemento de 2 UC´s e pediu o seu registo/associação aos autos, perfazendo, com 1 UC que já havia pago previamente, a taxa total devida.

Registo/associação que acabou por ser feito, como se disse e consta da certidão.

Não podemos sequer pressupor que o apelante só agiu aproveitando o impulso dado pela notificação adiantada pela Secretaria. Temos de admitir que, mesmo sem isso e dentro do prazo legalmente facultado, sempre, ele ou seu Mandatário, teriam dado conta do erro porventura induzido pelo desconhecimento da referida alteração legislativa, e sanaria, como sanou, a omissão.

Ora, cientes da dificuldade interpretativa das diferentes normas, por vezes aparentemente contraditórias e sucessivamente alteradas, não podemos esquecer que o Código, em variadas situações privilegia e determina mesmo a sanação de variadas irregularidades, até de excepções dilatórias mais graves, na clara e afirmada intenção de evitar que, por via de fatais preclusões de natureza adjectiva, se comprometa a realização da concreta justiça material.

Estas dificuldades já existiam em termos e por razões semelhantes no Código velho e que, infelizmente, não foram removidas por inépcia legislativa, persistindo assim a teia de regras de difícil harmonização, compreensão e observância para os juristas, quanto mais para as partes nos processos, bem patente também quanto à petição inicial e, ainda e pior, na sua concatenação com o regime do apoio judiciário. Basta observar a jurisprudência.

Sobretudo quando em causa está um crédito exequendo de 1.326,93€ que, na situação concreta, atenta a postura processual assumida e a, pelo menos, discutível precipitação da Secretaria a aplicar a multa, a enveredar-se por rígida, literal e excessivamente severa interpretação da norma, conduziria a que o Estado engolisse em taxas e multas parte significativa do crédito, se não todo, assim conduzindo a gritante injustiça, que deve ser repelida pelos julgadores, por ofensiva do sentimento dominante na comunidade jurídica e dos cidadãos.

A aceitação do “convite” formulado, com fundamento no nº 5, do artº 570º, implicaria, na verdade, pagar 1.122,00 Euros! Além de 204€ pagos pelo requerimento inicial executivo…

Neste contexto, cremos que a melhor e mais justa interpretação do regime resultante do artº 570º, nº 3, do CPC, é a que o apelante preconiza, ou seja, a de que só decorrido o prazo de 10 dias após a apresentação da contestação sem com ela ser comprovado o pagamento prévio da taxa de justiça devida, a Secretaria deve proceder à notificação para o contestante a pagar com multa, só depois, caso tal exortação não surta feito, se seguindo, no momento processual adequado, o convite a que se refere o nº 5.

A propósito de norma similar do velho Código de Processo Civil, afigura-se-nos que ela era a já defendida pelo Consº Salvador da Costa, no RCP, Anotado e Comentado, 4ª edição, 2012, página 530.

E foi na mesma linha, experimentando idênticas dificuldades, que se orientou o Acórdão desta Relação de 25-03-2010, no processo 1658/06.2TAVCT-B.G1, relatado pelo seu actual Presidente Desembargador António Ribeiro, em contexto similar de pagamento inferior ao devido e embora a propósito da petição de embargos para o efeito aí equiparada à contestação, do texto respectivo se depreendendo que o prazo de 10 dias para a parte pagar o resto da taxa devia ser apenas considerado desde a notificação da devolução.

Eis o seu sumário:

“I – Constatada a falta de apresentação do DUC (comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida), no prazo de dez dias a contar da apresentação da oposição à execução a secretaria notificará o interessado para, em dez dias, efectuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC’s, sem prejuízo do preceituado nos nºs 5, 6 e 7 do art. 486º-A, se for caso disso.
II – Na situação em apreço, porém, tento a Recorrente liquidado a taxa de justiça, embora de valor inferior ao devido, e apresentado o respectivo comprovativo, deveria ter-lhe sido dada oportunidade para completar o valor em falta, sem aplicação de multa, tanto mais quanto é patente a dificuldade de interpretação e de compreensão do novo regime instituído pelo novo RCP, designadamente no que se refere à vigência e aplicação desse diploma em alternativa ao CCJ, tendo presente a pouco feliz redacção do art. 27º do Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro, como é demonstrado pela abundante produção de soft-law (circulares e memorandos) nesta matéria por parte da Direcção-Geral da Administração da Justiça, para esclarecimento e uniformização dos procedimentos por parte dos Oficiais de Justiça.”

Por isto, não pode manter-se o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que, verificando o registo/associação das duas taxas pagas pelo apelante e por forma a perfazer a devida, afaste qualquer sanção.

Fica assim prejudicada a apreciação dos demais argumentos.

V. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar totalmente procedente o recurso e, em consequência, dando provimento à apelação, revogam a decisão recorrida a qual deverá ser substituída por outra que, confirmando o registo/associação das duas taxas de justiça pagas pelo apelante e por forma a perfazer a devida pelo acto, elimine qualquer sanção e determine o prosseguimento dos autos em conformidade.

Custas da apelação pela parte vencida a final.

Notifique.

Guimarães, 15 de Março de 2016

José Fernando Cardoso Amaral
Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo
Maria Isabel Sousa Ribeiro Silva

Sumário:
Nos termos do artº 570º, nº 3, do CPC, só decorrido o prazo de 10 dias após a apresentação da contestação sem com ela ser comprovado o pagamento prévio da taxa de justiça devida, a Secretaria deve proceder à notificação para o contestante a pagar com multa, e só depois, caso tal exortação não surta efeito, se seguindo, no momento processual adequado, o convite a que se refere o nº 5.


(1) No caso, o pedido exequendo é de 1.326,96€. A taxa a pagar pelo exequente ao Estado, só para contestar os embargos, é de 306€, quando já lhe pagou pela apresentação do requerimento executivo 204€!