Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
84/21.8T8PVL-A.G1
Relator: EVA ALMEIDA
Descritores: INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
INTERESSE ATENDÍVEL NO CHAMAMENTO
EMPREITEIRA
VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO
INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A intervenção principal provocada pode destinar-se a sanar a preterição de litisconsórcio necessário, assegurando a legitimidade activa ou passiva, mas não se destina exclusivamente a esse efeito. Também no caso de litisconsórcio voluntário, autor e réu podem requerer a intervenção principal provocada de outros sujeitos passivos, embora as condições para tal sejam diferentes consoante se trate do autor ou do réu.
II - O réu pode provocar a intervenção principal, nomeadamente e no que ao caso interessa, “quando mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida” ou quando for condevedor solidário da prestação que lhe está a ser exigida e pretenda fazer intervir o outro condevedor solidário, a fim de obter o reconhecimento e a condenação na satisfação do direito de regresso que lhe possa vir a assistir, se tiver de realizar a totalidade da prestação
III - No caso em apreço, a lei confere à sociedade, cuja intervenção se pretende provocar (empreiteira), legitimidade para ser demandada, isoladamente ou a par da vendedora do imóvel (cfr. art.º 1225º n.º 1 do Código Civil), por ser igualmente responsável pelo prejuízo causado ao terceiro adquirente. Legitimidade para ser demandada que também lhe confere o Decreto-Lei n.º 67/2003 (VENDA DE BENS DE CONSUMO E DAS GARANTIAS A ELA RELATIVAS), nos seus art. ºs 4º, nº 6 e 6º. Diploma que igualmente prevê o direito de regresso do vendedor contra o produtor.
IV – Sendo o vendedor do imóvel demandado pelo comprador, por vícios de construção, é manifesto e atendível o interesse daquele em fazer intervir a construtora (empreiteira), em razão não só do eventual direito de regresso contra a construtora, mas também como auxiliar na defesa.
V - Contudo, nas concretas circunstâncias do presente caso, face à jurisprudência fixada pelo AUJ 1/2014 (DR, I Série, nº 39, de 25.02.2014), e especificamente a sua fundamentação, concluímos que a intervenção principal provocada requerida pela ré, aqui recorrente, não pode ser admitida, porque a sociedade construtora do imóvel, que se pretende fazer intervir, foi declarada insolvente e, como tal, não poderia ser aqui demandada pelos autores, que apenas poderiam exercer contra ela o seu direito de crédito na insolvência, através do meio processual próprio (reclamação de créditos). Ora, tal como a insolvente não poderia aqui ser demandada pelos autores, também a ré não a pode chamar a intervir a título principal, com fundamento no nº3 do art.º 316º do CPC (inutilidade).
VI - Do mesmo modo, não pode a ré, aqui recorrente, através desta acção, acautelar ou ver reconhecido o seu direito de regresso (art.º 317º do CPC), pois, mesmo que existisse sentença nesse sentido, ela não produziria qualquer efeito no processo de insolvência.
VII - Em suma, além de inadmissível, seria absolutamente inútil o chamamento da insolvente, carecendo assim a ré de qualquer interesse atendível nessa intervenção, inclusivamente a de auxiliar da sua defesa.
VIII – As mesmas razões ditam a inadmissibilidade de chamar a insolvente como parte acessória, acrescendo que a construtora (insolvente), tendo originariamente legitimidade para intervir como parte principal, nunca poderia ser chamada como parte acessória – cfr. art.º 321º nº 1 (parte final) do CPC.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO

A. C. e O. S., instauraram acção declarativa com processo comum contra X Lda., alegando, em suma, que, por contrato de compra e venda celebrado entre as partes, em Janeiro de 2020, adquiriram à ré um prédio urbano (casa destinada a habitação dos autores). Após a sua aquisição detectaram “infiltrações, humidade e degradação de materiais”. Concluem pedindo que a ré seja condenada a eliminar os defeitos/vícios, que estão na origem dos problemas de infiltrações e humidade, que o prédio apresenta.
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A ré contestou, por excepção, invocando a sua ilegitimidade passiva e a caducidade do direito dos autores, bem como por impugnação. No final requereu a intervenção principal provocada da empreiteira, entretanto declarada insolvente, por isso da massa insolvente, representada pelo respectivo administrador. Ou, subsidiariamente, a sua intervenção acessória.
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Os autores exerceram o contraditório.
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Foi proferido despacho saneador, em que se afirmou a validade da instância e do processado, julgando-se improcedente a excepção da ilegitimidade da ré.
De seguida proferiu-se o seguinte despacho:
« 2.2.
Resolvida que se mostra a questão da legitimidade passiva, é manifesto que a pretensão da R. de fazer intervir a título principal a sociedade construtora C. C. – Arquitetura, Engenharia e Construção, Lda. (a fim de assegurar precisamente a alegada - e inverificada - ilegitimidade passiva) tem que ser indeferida, o que se decide – cf. art. 316 do CPC.
2.3.
A fim de se estabilizar subjetivamente a instância, resta apreciar a pretensão da R. de fazer intervir acessoriamente a referida sociedade C. C. – Arquitetura, Engenharia e Construção, Lda. a fim de garantir, se for caso disso, o respetivo direito de regresso (que lhe assistirá, na sua tese, em caso de condenação).
Acontece, porém, que essa sociedade foi declarada insolvente por sentença de 12.8.2020.
E após consulta à base de dados, verifica-se que a aludida sociedade se mostra “dissolvida”.
Qualquer que seja a configuração jurídica de tal “dissolução” não é necessário para a decisão de indeferimento da requerida intervenção a declaração de extinção (e seu registo) da pessoa coletiva.
Na verdade, a admissão de uma massa insolvente (ainda para mais em liquidação, como alega a R.) só deve ser admitida em circunstâncias excecionais – apenas e só a título principal (e se a ação puder correr autonomamente ao abrigo das disposições do CIRE).
Ora, é manifesto que uma intervenção acessória tal como gizada pela R. não cumpre o disposto no art. 322, nº 2, do CPC, nomeadamente por vir a perturbar indevidamente o normal andamento do processo.
Pelo exposto, indefiro a requerida intervenção acessória
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Inconformada com o assim decidido, a ré interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões:

«I. Vem o presente recurso interposto do despacho proferido em 03/03/2022, o qual indeferiu o incidente de intervenção principal provocada formulado pela R./Recorrente na sua contestação.
II. Salvo o devido respeito, a decisão em crise consagra uma incorreta interpretação e aplicação das normas que regulam a intervenção de terceiros e a legitimidade processual.
III. Autor e réu são partes legítimas quando têm interesse direto em demandar e em contradizer, respetivamente. O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha. Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor (art. 30.º do Código de Processo Civil).
IV. Alegam os AA./Recorridos que em 31/01/2020 celebraram com a R./Recorrente um contrato de compra e venda de um imóvel e que em meados de novembro de 2020 começaram a aparecer sinais de infiltrações, humidades e degradação de materiais. Mais argumentam que a R./Recorrente, enquanto entidade que se dedica à compra e venda de bens imóveis, agiu no exercício da sua atividade profissional e eles, Autores, como “consumidores”.
V. Por sua vez, a R./Recorrente admite o negócio de compra venda, refutando, contudo, qualquer responsabilidade por eventuais danos no imóvel, desde logo por não ter sido ela quem construiu/edificou o imóvel objeto da compra e venda, mas antes a mencionada C. C. – Arquitetura, Engenharia e Construção, Lda., suscitando a sua intervenção principal provocada do lado passivo.
VI. No incidente de intervenção deduzido a R./Recorrente sustenta que o imóvel em causa, antes de ser vendido aos AA./Recorridos, foi por si adquirido em janeiro de 2019 à sociedade “C. C. – Arquitetura, Engenharia e Construção, Lda.”, tendo sido esta sociedade quem concluiu a construção do imóvel, atuando como construtor e empreiteiro, vendendo-o e entregando-o à R./Recorrente totalmente acabado e apto a ser habitado, de modo que o imóvel foi transmitido aos AA./Recorridos nas mesmas condições em que foi adquirido pela R./Recorrente, isto é, sem que esta tenha feito qualquer intervenção.
VII. De acordo com o art. 1225.º do Código Civil, “se a empreitada tiver por objeto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente”.
VIII. Daqui resulta que o empreiteiro, aquele que realizou a obra, é responsável pelos defeitos de construção do imóvel perante o terceiro adquirente. Terceiro adquirente e empreiteiro têm, portanto, legitimidade processual ativa e passiva, respetivamente.
IX. Apesar de os tribunais não estarem sujeitos às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, no caso dos presentes autos o Tribunal a quo admitiu – bem ou mal - a configuração jurídica levada a cabo pelos AA./Recorridos para dar como verificada a legitimidade da R./Recorrente para a presente ação: “na verdade, tendo em conta a relação material controvertida tal como ela é configurada pelos AA. (e a configuração jurídica por eles levada a cabo – cf. art. 59 e ss. da p.i. – defendendo a aplicação ao caso do DL. nº 67/2003 de 8 de abril) a R. é parte legítima – cf. art. 30, nº 3, do CPC” – cfr. 2.1. do despacho.
X. E ao mesmo tempo estatuiu: “resolvida que se mostra a questão da legitimidade passiva, é manifesto que a pretensão da R. de fazer intervir a título principal a sociedade construtora C. C. – Arquitetura, Engenharia e Construção, Lda. (a fim de assegurar precisamente a alegada - e inverificada - ilegitimidade passiva) tem que ser indeferida, o que se decide – cf. art. 316 do CPC” – cfr. 2.2. do despacho recorrido.
XI. Ora, a legitimidade de uma das partes não exclui a legitimidade de outras entidades para a ação. Se a relação material controvertida respeitar a várias pessoas, todas elas são partes legítimas na ação respetiva.
XII. O Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, determina, no seu art. 6.º/1, que “sem prejuízo dos direitos que lhe assistem perante o vendedor, o consumidor que tenha adquirido coisa defeituosa pode optar por exigir do produtor a sua reparação ou substituição”.
XIII. No artigo 1.º-B, al. d), define-se produtor como “o fabricante de um bem de consumo, o importador do bem de consumo no território da Comunidade Europeia ou qualquer outra pessoa que se apresente como produtor através da indicação do seu nome, marca ou outro sinal identificador no produto”.
XIV. Nos artigos 7.º e 8.º do referido Decreto-Lei encontra-se regulado o direito de regresso do vendedor sobre o profissional a quem adquiriu a coisa: “o vendedor que tenha satisfeito ao consumidor um dos direitos previsto no artigo 4.º bem como a pessoa contra quem foi exercido o direito de regresso gozam de direito de regresso contra o profissional a quem adquiriram a coisa, por todos os prejuízos causados pelo exercício daqueles direitos” (art. 7.º/1) e “o profissional pode exercer o direito de regresso na própria ação interposta pelo consumidor, aplicando-se com as necessárias adaptações o disposto no n.º 2 do artigo 329.º do Código de Processo Civil (art. 8.º/1)”. Esta remissão tem por referência o Código de Processo Civil em vigor à data em que aquele diploma foi aprovado. Tal artigo corresponde ao 317.º do Código de Processo Civil atualmente em vigor.
XV. O Decreto-Lei n.º 67/2003 foi entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de Outubro, mas o regime precedente mantêm-se no que respeita à legitimidade passiva do produtor em ação interposta pelo consumidor (art. 40.º do Decreto-Lei n.º 84/2021) e ao direito de regresso do vendedor sobre o profissional a quem adquiriu a coisa, direito esse que continua a poder ser exercido na própria ação interposta pelo consumidor, ao abrigo do preceituado no n.º 1 do artigo 317.º do Código de Processo Civil (artigos 41.º e 42.º do Decreto-Lei n.º 84/2021).
XVI. Aquilo que o Decreto-Lei n.º 67/2003 previa - e agora o Decreto-Lei n.º 84/2021 também prevê - é a solidariedade passiva do produtor e do vendedor perante o consumidor na obrigação de reparar ou substituir a coisa vendida, o que, em termos processuais, corresponde à possibilidade de o consumidor demandar apenas o vendedor, apenas o produtor, ou demandar o vendedor e o produtor em regime de litisconsórcio voluntário passivo, e, na hipótese de ser demandado apenas o vendedor, à faculdade deste em suscitar a intervenção principal provocada do produtor para efeitos de efetivação do direito de regresso, conforme o preceituado no artigo 317.º do Código de Processo Civil.
XVII. Quer-se com isto dizer que, ainda que a relação material controvertida estivesse sujeita ao Decreto-Lei n.º 67/2003, estariam preenchidos todos pressupostos para ser admitida a intervenção da C. C. – Arquitetura, Engenharia e Construção, Lda. a título principal, porquanto é o próprio Decreto-Lei n.º 67/2003 que prevê a solidariedade passiva do produtor e do vendedor perante o consumidor na obrigação de reparar ou substituir a coisa vendida e a possibilidade de o vendedor fazer intervir o produtor do bem na ação contra si interposta pelo consumidor, a fim de fazer valer o seu direito de regresso nos termos do art. 317.º do CPC.
XVIII. A C. C. – Arquitetura, Engenharia e Construção, Lda. tem legitimidade processual para figurar como ré nesta ação, quer os factos alegados venham a ser subsumidos ao disposto no art. 1225.º do Código Civil - que determina a responsabilidade do empreiteiro perante o terceiro adquirente -, quer venham a ser subsumidos ao regime do Decreto-Lei n.º 67/2003 - que estabelece a solidariedade passiva do produtor e do vendedor perante o consumidor na obrigação de reparar ou substituir a coisa vendida.
XIX. O imóvel em causa foi construído pela sociedade C. C. – Arquitetura, Engenharia e Construção, Lda., após o que esta o vendeu à R./Recorrente totalmente acabado e apto a ser habitado, vindo a ser transmitido aos AA./Recorridos exatamente nas mesmas condições em que foi adquirido pela R./Recorrente.
XX. Daqui resulta um interesse atendível da R./Recorrente em chamar a intervir a C. C. – Arquitetura, Engenharia e Construção, Lda. na presente ação, já que, se tiver de realizar alguma prestação aos AA./Recorridos, assistir-lhe-á um direito de regresso sobre a referida sociedade construtora pela totalidade da prestação satisfeita.
XXI. Sediamo-nos, assim, perante uma situação de intervenção principal provocada passiva, sendo justificado e fundamentado o chamamento pela necessidade de intervenção da construtora do imóvel, sendo o chamamento a juízo ex vi o determinado normativamente no artigo 1225° do C. Civil, que estabelece a responsabilidade civil contratual do empreiteiro pelo prejuízo causado (v.g. por erros de construção ou defeitos) ao dono da obra ou a terceiro adquirente.
XXII. Nessa perspetiva, o que pretende é que a chamada, venha, ao lado da Ré/Recorrente, discutir o fundamento e as razões trazidas pelos AA. a juízo, uma vez que por ter construído o edifício, é detentora das técnicas utilizadas e ninguém melhor do que ela poderá contestar os eventuais defeitos de que os AA. se queixam.
XXIII. Os AA. poderiam ter instaurado esta ação contra a ora recorrente, contra a Chamada, ou contra ambas, tendo a interveniente construtora do imóvel um interesse paralelo ao da Ré vendedora em impugnar a existência dos alegados defeitos do imóvel ou, reconhecendo-os, porventura arguir a caducidade do direito invocado pelos demandantes.
XXIV. A intervenção principal provocada é um direito que assiste à parte, mas também é dever do Tribunal decretá-la, desde que, obviamente, estejam preenchidos os respetivos pressupostos.
XXV. A parte – neste caso, a R./Recorrente – deve poder socorrer-se dos meios legais que lhe possibilitem o exercício efetivo e pleno da sua defesa (art. 20.º da CRP).
XXVI. O princípio da tutela jurisdicional efetiva é um direito fundamental previsto na Constituição da República Portuguesa (CRP) que implica, em primeiro lugar, o direito de acesso aos tribunais para defesa de direitos individuais, não podendo as normas que modelam este acesso obstaculizá-lo ao ponto de o tornar impossível ou dificulta-lo de forma não objetivamente exigível, e pressupõe ainda que as partes no processo possuam um arsenal de poderes processuais que lhes permita influir na decisão final da lide, poderes em relação aos quais o legislador ordinário possui uma razoável dose de discricionariedade de atribuição, tendo este, porém, em qualquer caso, de mover-se na órbita do direito a um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4 da CRP).
XXVII. Ninguém melhor do que o construtor do imóvel poderá refutar os alegados defeitos e, assim, “auxiliar” a R./Recorrente na sua defesa, constituindo a rejeição desse chamamento uma clara violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, coartando à Recorrente um meio de defesa essencial capaz de influir na decisão final da lide.
XXVIII. Por outro lado, existe no Direito Processual Civil o princípio da economia processual, princípio esse que aponta para que o resultado processual seja atingido com a maior economia de meios e se procure resolver no processo o maior número de litígios, aí se encontrando o fundamento para soluções como o litisconsórcio, a cumulação de pedidos, o pedido subsidiário, os incidentes de intervenção de terceiros, entre outros.
XXIX. Independentemente do que vier a ser dado como provado e não provado e do direito que vier a ser aplicado, o certo é que, de momento, a forma como a ação está configurada admite a intervenção principal provocada da sociedade C. C. – Arquitetura, Engenharia e Construção, Lda. ao abrigo do disposto nos artigos 316.º a 320.º do Código de Processo Civil.
XXX. Em virtude da declaração de insolvência da mencionada C. C. – Arquitetura, Engenharia e Construção, Lda., deve ser chamada à presente ação a respetiva Massa Insolvente, que enquanto património autónomo é dotada de personalidade judiciária (art. 12.º, al. a), do CPC), pelo que pode demandar e ser demandada em juízo.
XXXI. De resto, a sociedade insolvente encontra-se em fase de liquidação, pelo que, caso não seja admitido o chamamento, e findando, entretanto, a liquidação do património da insolvente, com a consequente extinção da personalidade jurídica da Chamada, a Ré ficará impossibilitada, caso decaia na ação, de vir futuramente a responsabilizar e exercer o seu direito de regresso sobre a entidade construtora do imóvel.
XXXII. O despacho recorrido infringiu os artigos 1225.º do Código Civil, 6.º, 7.º e 8.º do Decreto-Lei 67/2003, de 8 de Abril, 30.º, 32.º, 316.º/3, al. a), e 317.º do Código de Processo Civil e o art. 20.º da Constituição da República Portuguesa.
XXXIII. Termos em que deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que admita a Intervenção Principal Provocada da Chamada Massa Insolvente de C. C. – Arquitetura, Engenharia e Construção, Lda.” pessoa coletiva n.º 507554140, representada pelo Dr. J. M., a citar no domicílio profissional deste, sito na Rua …, Lisboa.
TERMOS EM QUE, CONCEDENDO PROVIMENTO AO RECURSO, FARÃO VOSSAS EXCELÊNCIAS A HABITUAL JUSTIÇA.»
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Dos autos não constam contra-alegações.
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O processo foi remetido a este Tribunal da Relação, onde o recurso foi admitido nos termos em que o havia sido na 1ª instância.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da apelante, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº2 do CPC).

As questões a resolver são as que constam das conclusões da apelação, acima reproduzidas e que se resumem a apreciar:
– Se o incidente de intervenção principal provocada da empreiteira insolvente, requerido pela ré, deve ser admitido.
– Não o sendo, se deve ser admitido como intervenção acessória.

III - FUNDAMENTOS DE FACTO

Tem interesse para o presente recurso a factualidade constante do relatório supra.

IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO

O princípio da estabilidade da instância consagrado no art.º 260º do CPC, contempla diversas excepções previstas na lei, mormente nos artºs 261º e 262º do mesmo diploma. Entre tais excepções contam-se os incidentes de intervenção de terceiros.
A intervenção principal provocada pode destinar-se a sanar a preterição de litisconsórcio necessário, assegurando a legitimidade activa ou passiva, mas não se destina exclusivamente a esse efeito.
Efectivamente, também no caso de litisconsórcio voluntário, o autor pode livremente fazer intervir “algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º” – cfr. n.º 2 do art.º 316º do CPC.
Já o réu apenas pode requerer a intervenção principal provocada de outros sujeitos passivos “quando mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida” – art.º 316º nº 3 al. a) – ou quando for condevedor solidário da prestação que lhe está a ser exigida e pretenda fazer intervir o outro condevedor solidário, a fim de obter “o reconhecimento e a condenação na satisfação do direito de regresso que lhe possa vir a assistir, se tiver de realizar a totalidade da prestação” – art.º 317º.
Como é consabido, a legitimidade das partes (interesse em demandar e em contradizer) resulta em primeiro lugar da lei e só na falta de indicação da lei que a contrarie é que se atende à relação material controvertida (art.º 30.º n.º 3 do CPC).

No caso em apreço a lei confere àquela que se pretende fazer intervir (empreiteira) legitimidade para ser demandada, isoladamente ou a par da vendedora do imóvel (cfr. art.º 1225º n.º 1 do Código Civil), por ser igualmente responsável pelo prejuízo causado ao terceiro adquirente.
Legitimidade para ser demandada que também lhe confere o Decreto-Lei n.º 67/2003 (VENDA DE BENS DE CONSUMO E DAS GARANTIAS A ELA RELATIVAS), no seu art. ºs 4º nº 6 e 6º. Diploma que igualmente prevê o direito de regresso do vendedor contra o produtor.
Consequentemente, em face das citadas normas, poderia a ré, aqui recorrente, fazer intervir a litisconsorte (voluntária) desde que demonstrasse interesse atendível nesse chamamento.
Como refere Salvador da Costa (1) pag. 89: “O referido interesse do requerente é susceptível de se consubstanciar na defesa conjunta, no acautelamento do direito de regresso ou da sub-rogação legal ou na formação de caso julgado contra o chamado
Reconhecemos, em tese, ser objectivo o interesse da vendedora em fazer intervir a construtora (empreiteira) quando é demandada precisamente por vícios da construção.
Tal interesse resultaria não só do eventual direito de regresso contra a construtora, se os assacados defeitos resultarem da obra que esta realizou e a ré for condenada a eliminá-los, mas também para que a possa auxiliar na defesa, por ser precisamente aquela a quem é assacado o vício e quem deveria estar a par de como foi construído o edifício.
Contudo, nas concretas circunstâncias do presente caso, a intervenção principal provocada requerida pela ré aqui recorrente não pode ser admitida, porque a sociedade construtora do imóvel, que se pretende fazer intervir, foi declarada insolvente e, como tal, não poderia ser aqui demandada pelos autores, que apenas poderiam exercer o seu direito de crédito na insolvência, através do meio processual próprio (reclamação de créditos).
Efectivamente, a jurisprudência fixada pelo AUJ 1/2014 (DR, I SÉRIE, Nº 39, 25.02.2014, determina que “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art.º 287.º do C.P.C.)”.
O que, mutatis mutandis e até por maioria de razão, obviamente impediria a propositura da presente acção contra a insolvente, pois, o que obsta ao prosseguimento também impede a propositura.

Como se explana no douto AUJ citado:
“Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, destinando-se a massa insolvente – que abrange, por regra, todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que adquira na pendência do processo - à satisfação dos seus créditos, 'ut' arts. 46.º/1 e 47.º/1).

E, dentro do prazo fixado, devem os credores da insolvência (2) (…) reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham, com as indicações discriminadas, sendo que a verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e, mesmo que o credor tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva, não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento – art. 128.º, n.ºs 1 e 3.
O efeito da declaração de insolvência sobre os créditos que se pretendam fazer pagar pelas forças da massa insolvente vem categoricamente proclamado no art. 90.º:
Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência.
(…)
Bastará lembrar que, na hipótese em que discorre, mesmo que obtivesse atempadamente o reconhecimento judicial do seu pedido na acção pendente, a respectiva sentença, valendo apenas inter partes, mais não constituiria do que um documento para instruir o requerimento da reclamação/verificação de créditos (art. 128.º/1), não dispensando a recorrente de reclamar o seu crédito no processo de insolvência, nem a isentando da probabilidade de o ver impugnado e de ter de aí fazer toda a prova relativa à sua existência e conteúdo.”
Consequentemente, tal como a insolvente não poderia aqui ser demandada pelos autores, também a ré não a pode chamar a intervir a título principal, com fundamento no nº3 do art.º 316º.
Do mesmo modo, não pode a ré, aqui recorrente, através desta acção, acautelar ou ver reconhecido o seu direito de regresso (art.º 317º). Mesmo que existisse sentença nesse sentido, ela não produziria qualquer efeito no processo de insolvência.
Com efeito, parafraseando o citado AUJ, “sendo certo que a mera reclamação do crédito não assegura que o mesmo seja, a final, reconhecido, é igualmente seguro que a existência de uma decisão definitiva que o reconheça, não só não dispensa o credor de o reclamar, na insolvência, como não lhe assegura que tal crédito não seja impugnado”. (sublinhado nosso)
Em suma, além de inadmissível, seria absolutamente inútil o chamamento da insolvente, carecendo assim a ré de qualquer interesse atendível nessa intervenção, inclusivamente a de auxiliar da sua defesa, face à dissolução da sociedade e do seu estabelecimento industrial, e aos fins prosseguidos pela insolvência, que visam apenas a liquidação do património para satisfação das dívidas da insolvente.
O que se acabou de explanar serve igualmente para rejeitar a possibilidade de admitir a insolvente a intervir como parte acessória, acrescendo que a construtora (insolvente) tendo originariamente legitimidade para intervir como parte principal, nunca poderia ser chamada como parte acessória – cfr. art.º 321º nº 1, parte final.
Pelo exposto, embora com fundamentação essencialmente diversa, entendemos ser de manter as decisões recorridas.

V - DELIBERAÇÃO

Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando, ainda que com distinta fundamentação, as decisões recorridas.
Custas pela recorrente.
Guimarães, 15-09-2022

Eva Almeida
Ana Cristina Duarte
Alexandra Rolim Mendes


1. Os incidentes da instância, Almedina, 11ª edição, pág. 89.
2. Note-se que quer o direito dos autores à eliminação dos defeitos, quer o eventual direito de regresso da ré, são direitos patrimoniais cujo fundamento é anterior à insolvência (construção efectuada pela sociedade posteriormente declarada insolvente e, como tal, são classificados como créditos sobre a insolvência (art.º 47º do CIRE). (Esta anotação foi por nós introduzida, não constando da citação).