Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2083/22.3T8BRG.G1
Relator: RAQUEL BAPTISTA TAVARES
Descritores: VENDA DE COISA DEFEITUOSA
PRAZO DE CADUCIDADE
DIREITO DE INDEMNIZAÇÃO
PREJUÍZOS COLATERAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Ocorrendo venda de coisa defeituosa, prevista e regulamentada em especial nos artigos 913º e seguintes do Código Civil, mas que, simultaneamente, se traduza em cumprimento defeituoso da obrigação, ao qual é aplicável o regime geral da falta de cumprimento da obrigação previsto nos artigos 798º e 799º do mesmo Código, poderá caber ao autor o direito a optar, em alternativa, por qualquer dos regimes, para a satisfação do seu direito.
II – Tendo a Autora, invocando a existência de diversos defeitos no prédio objeto do contrato de compra e venda, formulado o pedido de condenação solidaria dos Réus a pagarem à Autora os valores que despendeu com a reparação e instalação de nova caldeira, no valor de €3.109,00 e a eliminar todos os defeitos ou, em alternativa, a pagarem à Autora o valor necessário para a reparação dos defeitos, temos de concluir que pretendeu socorrer-se do regime especial da venda de coisas defeituosas previsto no artigo 913º e seguintes do Código Civil.
III - O prazo de caducidade de seis meses, previsto no artigo 917º do Código Civil deve aplicar-se, por interpretação extensiva, não só à ação de anulação por simples erro, mas também às ações que visem obter a reparação ou substituição da coisa, ou ainda a redução do preço e o pagamento de uma indemnização.
IV - A indemnização respeitante aos prejuízos colaterais, provocados pelos defeitos do bem, e que impliquem uma responsabilidade contratual do vendedor, estará em princípio sujeita apenas às regras gerais do direito de indemnização, e não às regras especiais da compra e venda.
V - Nesses prejuízos colaterais constitutivos do direito de indemnização enquadram-se os danos não patrimoniais que o comprador possa ter sofrido com o cumprimento defeituoso da prestação (danos pessoais do comprador que não se circunscrevem ao defeito e a eles acrescem, ainda que a ele ligados por nexo de causalidade), regulados apenas pelas regras gerais da obrigação de indemnizar, não sendo de lhes aplicar as regras especiais da venda de coisas defeituosas, designadamente os prazos de caducidade.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

AA, residente na Rua ..., ... veio instaurar ação de processo comum contra BB e CC, casados, ambos residentes na Rua ..., ..., ... pedindo a condenação solidaria dos Réus:

a) A pagar à Autora os valores que despendeu com a reparação e instalação de nova caldeira, no valor de €3.109,00;
b) A, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da sentença, eliminar todos os defeitos referidos na petição, bem como os defeitos que se venham a apurar no decurso das obras de reparação, ou,
Em alternativa, a pagar à Autora o valor necessário para a reparação dos defeitos, sendo as despesas necessárias para a reparação a executar por terceiro, já apuradas no montante de €26.275,00, acrescido de IVA;
c) Ao pagamento da quantia €8.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, calculados desde a citação até ao efetivo e integral pagamento.
Os Réus no articulado de contestação vieram invocar a exceção perentória de caducidade do direito de ação da Autora, invocando, em síntese, que, não se dedicando os réus à atividade de construção, em 15/12/2020 os Réus venderam à autora a referida moradia, que a adquiriu a habitação objeto mediato do negócio de compra e venda, sucedendo que a autora alega ter tomado conhecimento, em finais de março de 2021, de defeitos e vícios que não havia detetado anteriormente. A autora remeteu aos réus uma carta de interpelação/denúncia recebida pelos réus na data de 31 de março 202. Ou seja, alegam os Réus, a Autora terá tomado conhecimento dos danos em 02/03/2021 ou, pelo menos, a 07/03/2021, fazendo a denúncia os alegados defeitos em 01/04/2021, através de comunicação remetida aos Réus.
Sustentam os Réus, considerando o disposto no artigo 917º, do Código Civil que a Autora dispunha do prazo de seis meses para exercer contra eles o direito de ação para obter a eliminação de defeitos que alegadamente afetam o prédio urbano em causa, pelo que, entendem, dúvidas não restam de que estamos perante a exceção perentória de caducidade, que determinou a extinção do direito agora invocado pela autora.
Convidada a Autora a pronunciar-se sobre a matéria desta exceção veio a mesma a fazê-lo, alegando, em síntese, que, de facto, remeteu a carta de denúncia em 01/04/2021, recebida pelos Réus em 05/04/2021, tendo tido conhecimento dos defeitos que alega em no inicio mês de fevereiro de 2021.
Mais aduz, que fundou o seu direito de indemnização na responsabilidade civil extracontratual, prevista no artigo 483.º do Código Civil, a qual prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.
Mais alega que sempre o presente caso estaria subsumido às regras da responsabilidade contratual, prevista nos artigos 798.º e seguintes do Código Civil, a qual prescreve no prazo de 20 anos.
Acrescenta que deverá ser aplicado ao caso dos autos, diretamente, a Diretiva Comunitária nº 1999/44/CE de 25-05-1999, da qual resulta que os meios de defesa do comprador-consumidor de coisa defeituosa ali previstos: - reparação/substituição da coisa, redução do preço e rescisão -, não possam caducar antes de decorridos dois anos da entrega da coisa em causa.
Que, ainda que se aplicasse este artigo 917º do Código Civil, à luz do alargamento dos prazos previsto no n.º 3 do artigo 916º do Código Civil, o prazo de 6 meses de caducidade da ação também se tenha que considerar alargado para o prazo de 1 ano e, sem prescindir, alega ainda que nas situações em que o contrato celebrado ou outorgado é o de compra e venda, o n.º 4 do artigo 1225.º, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 267/94, determinou a aplicação a estes contratos das regras da responsabilidade civil do empreiteiro por defeitos da obra em imóveis de longa duração; simultaneamente, o referido Decreto-Lei n.º 267/94 alterou o artigo 916.º do Código Civil, fazendo coincidir os prazos de denúncia dos defeitos na compra e venda de imóveis com os prazos previstos no mencionado artigo 1225.º do Código Civil para o contrato de empreitada.
Pelo que entende que a Autora denunciou tempestivamente os defeitos e instaurou tempestivamente a correlativa ação, sendo manifesto que a exceção perentória de caducidade deverá ser julgada totalmente improcedente, por não provada.
Foi proferido despacho saneador que julgou extinto, por caducidade, o direito da Autora e, na procedência da exceção de caducidade, absolveu os Réus do pedido.

Inconformada com tal despacho veio a Autora interpor o presente recurso, concluindo a sua alegação nos seguintes termos:

“1. A Recorrente não pode conformar-se com o o teor da decisão proferida pelo Tribunal a quo, pelo que vem dela recorrer, pois considera que o entendimento deste Tribunal conduziu-o à prolação de uma decisão judicialmente censurável e que urge corrigir.
2. Senão vejamos: a Recorrente, no dia 15.12.2020 e pelo preço de €200.000,00, comprou aos Recorridos o imóvel melhor identificado nos autos.
3. Tendo tomado conhecimento de algumas patologias no seu interior, foi estimado, para aquela reparação, o valor de €23.791,70, tendo os Recorridos assumido cerca de metade desse custo, assim reduzindo o preço inicial.
4. Sucede que, após a formalização da escritura de compra e venda, e durante a reparação dos defeitos que já haviam sido apurados e solidariamente assumidos entre ambos, a qual teve o seu início no mês de Fevereiro de 2021, a Recorrente detetou a existência de outros grandes defeitos, intencionalmente ocultados aquando das suas visitas ao imóvel, nomeadamente a circunstância de que de uma rocha brota água, a qual se manifesta sobretudo em dias de chuva, resultando numa “mina” que causa muita humidade; o facto de que o rebentar de bolsas de água na parede exterior deixou visível uma aplicação recente de tinta; a existência de várias fissuras, humidades e fungos, ausência de isolamento térmico na caixa-de-ar e de impermeabilização.
5. Aliás, os Recorridos sabiam, porque foi bem explicado pela Recorrente antes da escritura, que era a intenção desta utilizar o imóvel como sua habitação e também como seu atelier de pintura, o que se tornou impossível face ao bolor constante e existente nos dias de Inverno.
6. Sendo de sublinhar que os Recorridos conheciam plenamente os defeitos, até porque seriam evidentes quando fizeram a pintura e não restam dúvidas de que terá sido o conhecimento desses defeitos que os levou a pintar a fachada exterior.
7. Posto isto, quando detetou os defeitos agora relatados, a Recorrente de imediato solicitou a realização de uma vistoria à casa com a elaboração de um relatório por parte de uma arquiteta, onde se apurou toda a extensão dos defeitos já detetados antes da compra, bem como a gravidade dos outros entretanto detetados após a escritura.
8. Acresce que, a Recorrente detetou defeitos críticos graves na caldeira, na saída do gás, na canalização da cozinha (pois só havia uma saída de água) e na aspiração central, o que a levou a despender as quantias supra indicadas.
9. Estes defeitos gravíssimos, apurados após a escritura, foram propositadamente omitidos e ocultados pelos Recorridos, os quais tornam o imóvel incompaqvel para o fim a que se destina, tornando-o inabitável, para além da forte suscetibilidade de prejudicar a saúde de quem nele habite e de desvalorizar por ficar esteticamente afetado.
10. Tendo a Recorrente sido manifestamente enganada pelos Recorridos.
11. Nesse seguimento, por carta enviada pela Recorrente no dia 01.04.2021, recebida pelos Recorridos no dia 05.04.2021, a primeira denunciou aos Recorridos o facto de o imóvel apresentar vários defeitos, tendo reiterado através de comunicação datada de 11.05.2021, por intermédio da sua mandatária, sem lograr sucesso.
12. Acresce que, sendo a Recorrente professora de Belas Artes na Universidade ..., na cidade ..., tencionava montar um atelier de pintura neste imóvel, o que não se tornou viável face à tamanha humidade de que padece o imóvel, especialmente o local que destinou para esse fim e que havia especificado junto dos Recorridos antes da escritura.
13. Pretendendo a Recorrente ali viver no imóvel com a sua filha de 9 anos de idade, o que também não é totalmente viável face à ausência de algumas condições de habitabilidade do imóvel em causa.
14. Igualmente descobriu a Recorrente que a Ficha Técnica da Habitação estava absolutamente irregular, não existindo correspondência entre a ficha e a realidade, pois as plantas apresentadas neste documento estão diferentes do que se encontra construído e não se encontram compaqveis com o construído, facto esse só descoberto após a escritura.
15. Nessa senda, no dia 30.03.2022, a Recorrente instaurou a presente ação, através da qual requereu a condenação dos Réus, aqui Recorridos, no pagamento à mesma dos valores que despendeu com a reparação e instalação de nova caldeira, no valor de €3.109,00, bem como a, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da sentença, eliminarem todos os defeitos referidos na petição, bem como os defeitos que se venham a apurar no decurso das obras de reparação ou, em alternativa, a pagarem à Recorrente o valor necessário para a reparação dos defeitos.
16. Dito isto, considerou o Tribunal a quo que aos presentes autos é aplicável o disposto no artigo 917.º do Código Civil e que, tendo a Autora/Recorrente concretizado a denúncia em 01.04.2021 e intentado a presente ação em 30.03.2022, ou seja, cerca de 11 meses depois da denúncia, já havia decorrido o prazo de 6 meses previsto naquele normativo para intentar a correlativa ação.
17. Isto porque considerou o Tribunal a quo que “Embora o art 917.º, do C.C. apenas se refira à ação de anulação, tanto a doutrina (…) como a jurisprudência (…), em obséquio ao princípio da unidade do sistema jurídico e com vista a evitar soluções manifestamente incongruentes, depõem no sentido de que a norma se aplica a toda a ação judicial através da qual o comprador pretenda exercer quaisquer dos remédios predispostos na lei”.
18. Entendimento este que não podemos perfilhar, pois nunca o Tribunal a quo poderia considerar procedente a exceção de caducidade, uma vez que, no contrato de compra e venda aqui em causa, os vendedores/Recorridos não cumpriram com a sua obrigação: a de entregar a coisa vendida/comprada de acordo com as condições estabelecidas no contrato de compra e venda, ou seja, em condições de funcionamento e com qualidade, o que nunca se verificou.
19. Pelo que, contrariamente àquilo que considerou o Tribunal a quo, o caso vertente pode subsumir-se às regras da responsabilidade contratual, prevista nos artigos 798.º e seguintes do Código Civil, a qual prescreve no prazo de 20 anos.
20. Senão vejamos: os vendedores têm que entregar ao comprador o bem imóvel que seja conforme com o contrato de compra e venda e que apresente características de qualidade, de segurança, de habitabilidade, de proteção ambiental e de funcionalidade, de modo a assegurar a aptidão do mesmo ao uso habitacional a que se destina durante o período de vida útil técnica e economicamente razoável.
21. Encontrando-se desconformes aqueles bens que não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o comprador pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem.
22. Antes de tudo, há que distinguir entre a figura da simples venda de coisa defeituosa e o cumprimento defeituoso da obrigação.
23. Nas palavras de Antunes Varela, "é precisamente no âmbito da venda de coisa genérica […] que abundam os casos em que a venda de coisa defeituosa pode constuir simultaneamente um caso de cumprimento defeituoso da obrigação (ou de falta qualitava do cumprimento da obrigação. Se o fornecedor garante, por exemplo, que o sisal, o chá, o café por ele vendido tem determinadas qualidades, propriedades ou caracteríscas, e a mercadoria fornecida não possui, nem de perto nem de longe, as qualidades asseguradas, não haverá apenas venda de coisa defeituosa, no sen=do que os artigos 913.º e segs atribuem a essa figura; haverá ao mesmo tempo uma vicissitude mais grave, que é o cumprimento defeituoso da obrigação (ou a falta qualitava de cumprimento da obrigação), previsto no artigo 799.º do Código Civil” (ob. cit., pág. 21/35).
24. Mas mais: “Se as qualidades da coisa objeto do contrato de compra e venda foram negociadas entre as partes, fazendo parte integrante do conteúdo do contrato, nele ingressando e, uma vez realizada a prestação, se vem a averiguar que a coisa não possui as qualidades acordadas há que concluir que o devedor não efetuou a prestação acordada, tal como estava vinculado contratualmente, verificando-se uma situação de pura inadimplência, na modalidade de cumprimento imperfeito, cumprimento defeituoso ou violação contratual positiva” (cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.04.2010, proferido no âmbito do Proc. n.º 14/10.2YFLSB).
25. Nesse seguimento, e perante estas situações, “(…) pacífica a doutrina e jurisprudência em fazer equivaler o cumprimento defeituoso ao puro incumprimento ou mora (consoante os casos), com as consequências que lhe são próprias” (cfr. o citado Acórdão do Supremo de 29.04.2010).
26. No mesmo sentido decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra em 12.06.2012 (Proc. n. 4752/08.1TBLRA.C1) que: “Estamos então perante uma situação de cumprimento imperfeito, cumprimento defeituoso ou violação contratual positiva, não abrangida pelo art.º 913º, do Código Civil (CC), pelo que a responsabilidade contratual estará sujeita ao prazo ordinário da prescrição” (também neste sentido, veja-se J. Calvão da Silva, “Compra e Venda de Coisas Defeituosas”, 5.ª edição, Almedina, 2008, págs. 21 e seguintes e 42 e seguintes).
27. No caso vertente, as qualidades ou requisitos que o imóvel deveria possuir foram negociadas entre as partes - como aqui sucedeu -, sendo certo que a Recorrente disse expressamente aos Recorridos que, para além da sua habitação própria permanente, pretendia ali montar um atelier de pintura, bem ficando os Recorridos conscientes dos fins pretendidos por aquela, pelo que tendo os vendedores (Recorridos) entregue à compradora (Recorrente) o imóvel sem as referidas qualidades, violaram o contrato, cumprindo-o defeituosamente.
28. Mas vamos mais longe: se é manifesto que os danos verificados no imóvel eram de tal modo graves que os tornaram imprestáveis para os fins específicos tidos em vista pela Recorrente, regista-se até uma situação de incumprimento definitivo.
29. Posto isto, no caso vertente estamos perante uma situação configurável como falta de cumprimento de uma obrigação, subsumida com a entrega ao comprador de coisa defeituosa, porquanto, recordemos as palavras do Prof. Antunes Varela, o cumprimento defeituoso da obrigação dá-se "quando a prestação realizada pelo devedor não corresponde, pela falta de qualidades ou requisitos dela, ao objeto da obrigação a que ele estava adstrito" (Antunes Varela, ob. cit., pág. 30).
30. E, quando assim sucede, são aplicáveis "tanto os artigos 798.º e 799.º, como os artigos 913.º e seguintes do Código Civil" (Antunes Varela, ob. cit., pág. 30).
31. Isto porque “O artº 799º do Código Civil, como diz A. Varela, coloca o cumprimento defeituoso da obrigação ao lado da falta de cumprimento, dentro da categoria geral da falta culposa de cumprimento a que genericamente se refere o artº 798º do mesmo Código” (cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.10.2022, proferido no âmbito do Proc. n. 3362/05.TBVCT.G1.S1).
32. Nesse seguimento, “Não logrando o devedor ilidir a presunção de culpa contida no nº 1 do artº 799º do Código Civil, verifica-se o concurso de todos os pressupostos ou requisitos da sua responsabilidade contratual, na qualidade de devedor adstrito à obrigação de cumprir” (cfr. o referido Acórdão do Supremo de 25.10.2022).
33. Ademais, “não existe para o comprador qualquer prazo de caducidade da ação respetiva, mas, tão só, o prazo ordinário de prescrição do direito à indemnização” (cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21.10.2021, referente ao Proc. n.º 1/21.5T8PDL.L1-6).
34. Voltando-nos para o caso vertente: os Recorridos/vendedores procederam à venda do imóvel, apresentado-o como se tivesse qualidade, segurança e sem qualquer tipo de humidade quando, na verdade, o imóvel padece de vários defeitos, os quais foram propositadamente omitidos e ocultados de má fé.
35. Os Recorridos/vendedores tinham pleno conhecimento da essencialidade das qualidades do imóvel, pois a Recorrente/compradora sempre lhes disse que pretendia ali viver com a sua filha menor de idade e ali montar um atelier de pintura.
36. Prova disso é que fez visitas prévias ao imóvel, que apurou alguns defeitos nessas visitas e que diligenciou pela sua reparação, requerendo para o efeito a elaboração de um orçamento, o que foi devidamente aceite pelos vendedores, que anuíram em assumir metade do custo dessa reparação.
37. Os Recorridos/vendedores sabiam e sabem que a Recorrente só comprou o imóvel no pressuposto de que iria ser reparado e que, se tivesse ainda mais danos - na altura ocultados -, nunca compraria o imóvel ou pelo menos não compraria por aquele valor.
38. Há ainda vários factos que levam a crer que os Recorridos tinham pleno conhecimento dos defeitos e que foi por esse motivo que inclusivamente pintaram a fachada exterior, numa tentativa de camuflar tais defeitos.
39. Assim sendo, a Recorrente, enquanto compradora, e atenta a falta de cumprimento ou de cumprimento defeituoso da obrigação, pode exigir judicialmente junto dos Recorridos/ vendedores o cumprimento e pode reclamar, nos termos gerais, o prejuízo que lhe adveio desse incumprimento à luz dos artigos 798.º, 799.º e 817.º do Código Civil.
40. Por conseguinte, tratando-se de um incumprimento contratual, não se aplica, nesse segmento, o prazo de caducidade a que alude o artigo 917.º do Código Civil, aplicando-se outrossim as regras gerais do incumprimento contratual previstas nos artigos 798.º e seguintes do mesmo diploma, daí resultando a responsabilidade dos Recorridos.
41. Daqui concluímos que a Recorrente instaurou tempestivamente a competente ação, dado que aos presentes autos não será aplicável o prazo de caducidade a que alude o artigo 917.º do CPC, sendo apenas de relevar o prazo ordinário de prescrição do direito de indemnização, o que manifestamente não ocorreu.
42. Não obstante, ainda que assim não se considerasse, no caso vertente, encontram-se igualmente preenchidos os pressupostos da responsabilidade extracontratual.
43. Chamando-se à colação o disposto no n.º 1 do artigo 253.º e no artigo 483.º do Código Civil, dúvidas não restam de que o imóvel apresenta defeitos ocultos que desvalorizam o edificio, defeitos detetados pela Recorrente após a outorga da escritura.
44. Como também dúvidas não restam de que a Recorrente foi enganada pelos Recorridos, os quais ocultaram diversas vicissitudes e defeitos do imóvel por aqueles vendido à primeira, agindo com manifesta má fé.
45. Por conseguinte, a responsabilidade civil extracontratual emergente da prática de atos ilícitos assenta no seguinte conjunto de pressupostos: o facto ou ato humano voluntário, por ação ou omissão; a ilicitude do mesmo; a imputação do facto ao lesante ou agente, ou seja, a sua culpa; a ocorrência de um dano ou lesão; o nexo de causalidade entre o facto e o dano, sublinhando-se que esse facto ou conduta tanto pode resultar de uma ação como de uma omissão.
46. Ora, no caso vertente, aos aqui Recorridos são imputados factos quer por ação -designadamente os resultantes da pintura e dos revestimentos com o propósito de ocultar os defeitos existentes -, quer por omissão - nomeadamente no que respeita ao descrito problema da “mina”, dado que os mesmos venderam um bem imóvel à aqui Recorrente que não reunia as necessárias condições mínimas de habitabilidade.
47. Ademais, é notória a ilicitude desse facto, assim como a ocorrência de um dano, traduzindo-se este na aquisição, por parte da Recorrente, de um imóvel com inúmeros defeitos ocultados pelo vendedor, sem as mínimas condições de habitabilidade.
48. Paralelamente, os Recorridos agiram com culpa, pois são conhecedores dos defeitos do imóvel que propositadamente ocultaram com recurso a pinturas e a revestimentos.
49. E, por fim, existe um nexo de causalidade entre o facto e o dano, dada a existência de um nexo causal entre a conduta dos Recorridos - quer por ação, quer por omissão, nos termos descritos - e a aquisição do imóvel com diversos defeitos ocultados por aqueles.
50. Por conseguinte, no caso vertente encontram-se verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual prevista no artigo 483.º do Código Civil, a qual prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete (cfr., a titulo de exemplo, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães no dia 15.06.2021, no âmbito do Proc. n.º 3068/20.0T8BRG.G1).
51. Diga-se ainda o seguinte: “Prevendo a Diretiva Comunitária nº 1999/44/CE de 25-05-1999 que os meios de defesa do comprador-consumidor de coisa defeituosa ali previstos: - reparação/ substituição da coisa, redução do preço e rescisão -, não possam caducar antes de decorridos dois anos da entrega da coisa em causa, não respeitou tal norma o Dec.-Lei nº 67/2003 de 8/4 que declarando proceder à transposição da Diretiva, manteve o prazo de seis meses para a caducidade daqueles direitos que já constava quer da lei de Defesa do Consumidor - Lei nº 24/96 de 31/7 - quer do art. 917º do Cód. Civil”, sendo que “As Diretivas Comunitárias têm aplicação direta no ordem jurídica interna (…), mesmo que não transpostas ou transpostas em termos que as violem (…)” (cfr. o Acórdão da Relação de Lisboa de 08.11.2011, proferido no âmbito do Proc. n.º 964/07.3TBMGR.C2).
52. Deste modo, os meios de defesa do comprador de coisa defeituosa (onde se inclui a reparação da coisa) não podem caducar antes de decorridos dois anos da entrega da coisa em causa.
53. Mas mais: nas situações em que o contrato celebrado ou outorgado é o de compra e venda, o n.º 4 do artigo 1225.º, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 267/94, determinou a aplicação a estes contratos das regras da responsabilidade civil do empreiteiro por defeitos da obra em imóveis de longa duração. Simultaneamente, o referido Decreto-Lei n.º 267/94 alterou o artigo 916.º do Código Civil, fazendo coincidir os prazos de denúncia dos defeitos na compra e venda de imóveis com os prazos previstos no mencionado artigo 1225.º do Código Civil para o contrato de empreitada.
54. Por fim, e salvo o devido respeito, o Tribunal a quo deveria ter aguardado a produção de prova a realizar nestes autos, mormente em julgamento, por forma a aferir se os defeitos descritos foram propositadamente ocultados pelos Recorridos e se existe má fé geradora também de responsabilidade extracontratual nos termos alegados na petição inicial, sem prejuízo do seu enquadramento no âmbito da responsabilidade contratual.
55. Em bom rigor, face à prova produzida até então, o Tribunal a quo não se encontrava em condições de proferir o despacho saneador nos termos em que o veio a fazer, absolvendo, sem mais, os Réus do pedido, devendo outrossim ter prosseguido com os autos para julgamento, com vista ao real apuramento dos factos.
56. Por tudo quanto ficou exposto, é manifesto que a Recorrente denunciou tempestivamente os defeitos e instaurou tempestivamente a correlativa ação, pelo que deverá a decisão proferida pelo Tribunal a quo ser totalmente revogada e substituída por outra que julgue a ação totalmente procedente, por provada ou que, caso assim não se considere, que ordene a remessa dos autos para julgamento”.
Pugna a Recorrente pela procedência do recurso e pela consequente revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que julgue a presente ação procedente, por provada ou que, caso assim não se considere, ordene a remessa dos autos para julgamento.
Os Réus contra-alegaram pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).
A questão a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela Recorrente, é apenas a de saber se se encontra extinto por caducidade o direito da Autora.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

Insurge-se a Recorrente no presente recurso contra a decisão proferida em 1ª Instância que julgou extinto, por caducidade, o direito da Autora e, na procedência da exceção de caducidade, absolveu os Réus do pedido.

As incidências fáctico-processuais a considerar são as descritas no relatório e na decisão recorrida, relevando em particular que:
a) Aquisição do prédio pela Autora ocorreu em 15/12/2020;
b) O conhecimento dos alegados defeitos ocorreu no inicio mês de fevereiro de 2021;
c) A Autora denunciou os alegados defeitos por carta enviada no dia 01/04/2021, recebida pelos Réus no dia 05/04/2021;
d) A presente ação deu entrada no dia 30/03/2022.
A única questão que se coloca na presente apelação é a de saber se o direito da Autora se encontra extinto por caducidade tal como decidido pelo tribunal a quo.
Em sentido contrário, a Autora entende que não e sustenta, em síntese, a sua posição na seguinte argumentação:
a) o caso vertente pode subsumir-se às regras da responsabilidade contratual, prevista nos artigos 798º e seguintes do Código Civil, a qual prescreve no prazo de 20 anos e que a Recorrente, enquanto compradora, e atenta a falta de cumprimento ou de cumprimento defeituoso da obrigação, pode exigir judicialmente junto dos Recorridos/vendedores o cumprimento e pode reclamar, nos termos gerais, o prejuízo que lhe adveio desse incumprimento à luz dos artigos 798.º, 799.º e 817.º do Código Civil, correspondente à reparação e indemnização pelos danos propositadamente ocultados pelos vendedores Recorridos, não se aplicando o prazo de caducidade a que alude o artigo 917º do Código Civil;
b) no caso vertente encontram-se verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual prevista no artigo 483º do Código Civil, a qual prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete;
c) a Diretiva Comunitária nº 1999/44/CE de 25-05-1999 prevê que os meios de defesa do comprador-consumidor de coisa defeituosa ali previstos não possam caducar antes de decorridos dois anos da entrega da coisa em causa;
d) ainda que se aplique o artigo 917º do Código Civil nada impede, à luz do alargamento dos prazos previsto no n.º 3 do artigo 916º do Código Civil, que o prazo de 6 meses de caducidade da ação também se tenha que considerar alargado para o prazo de 1 ano;
e) nas situações em que o contrato celebrado ou outorgado é o de compra e venda, o n.º 4 do artigo 1225º, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 267/94, determinou a aplicação a estes contratos das regras da responsabilidade civil do empreiteiro por defeitos da obra em imóveis de longa duração e o referido Decreto-Lei n.º 267/94 alterou o artigo 916º do Código Civil, fazendo coincidir os prazos de denúncia dos defeitos na compra e venda de imóveis com os prazos previstos no mencionado artigo 1225º do Código Civil para o contrato de empreitada;
f) o Tribunal a quo deveria ter aguardado a produção de prova a realizar nestes autos, mormente em julgamento, por forma a aferir se os defeitos descritos foram propositadamente ocultados pelos Recorridos e se existe má fé geradora também de responsabilidade extracontratual nos termos alegados na petição inicial, sem prejuízo do seu enquadramento no âmbito da responsabilidade contratual.

Vejamos então se lhe assiste razão.
Como ensinava já Manuel Andrade (Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, Coimbra, 1987, p. 464) “certos direitos devem ser exercidos durante certo prazo para que ao fim desse tempo fique inalteravelmente definida a situação jurídica das partes. É de interesse público que tais situações fiquem, assim, definidas duma vez para sempre com o transcurso do respetivo prazo”; a caducidade é exatamente a extinção do direito pelo seu não exercício durante certo tempo e o seu fundamento específico é a necessidade de segurança e certeza jurídica.
Enquanto a “prescrição destina-se a contrariar a situação antijurídica da negligência; a caducidade a limitar o lapso de tempo a partir do qual ou dentro do qual há-de assegurar-se a eficácia, de que é condição, mediante o exercício tempestivo do direito, a pôr termo a um estado de sujeição decorrente dos direitos potestativos” (Aníbal de Castro, A Caducidade, Livraria Petrony, 3ª Edição Melhorada e Atualizada, p. 30).
Assim, ainda que quer a prescrição, quer a caducidade, assentem no não exercício do direito durante determinado período (cfr. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 3ª Edição Atualizada, p. 373), na primeira “o direito foi criado sem prazo de vida, mas extingue-se pelo não exercício duradouro, enquanto a caducidade prende-se com a morte de um direito já criado com um certo prazo de vida” (v. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25/06/2013, Processo n.º 594/12.8TVLSB.L1-1, Relator Pedro Brighton, disponível em www.dgsi.pt, bem como os demais que se irão aqui citar sem qualquer outra menção); neste sentido Dias Marques (Noções Elementares de Direito Civil, 7ª ed., p. 118) considera que “a prescrição “mata” o direito, enquanto na caducidade é o direito que “morre”.
E falamos aqui da distinção entre caducidade e prescrição porque a Recorrente, não obstante estar em causa o conhecimento da exceção de caducidade, faz apelo nas suas alegações ao regime geral da responsabilidade contratual que prescreve no prazo de 20 anos, e ao regime da responsabilidade civil extracontratual que prescreve no prazo de três anos.
Porém, a prescrição e a caducidade, como já vimos, não se confundem.
Estabelece o n.º 1 do artigo 298º do Código Civil que estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição, e no n.º 2 que quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição.
Enquanto a prescrição se prende com a negligência do titular do direito, a caducidade funda-se em considerações de certeza e segurança jurídica, que determinam a perda da titularidade do direito e a sua extinção se não for exercido dentro do prazo previsto.
Assim, enquanto a entrada da petição na Secretaria impede a caducidade do prazo, a prescrição apenas se interrompe com a citação (artigo 323º do Código Civil) ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
In casu, o conhecimento dos alegados defeitos ocorreu no inicio mês de fevereiro de 2021, a Autora denunciou os alegados defeitos por carta enviada no dia 01/04/2021, recebida pelos Réus no dia 05/04/2021 e a presente ação deu entrada no dia 30/03/2022; ou seja, mais de seis meses após a denuncia dos defeitos e mais de um ano após o conhecimento dos mesmos.
No que aqui releva, importa apurar se o direito da Autora se mostra extinto por caducidade por a presente ação ter dado entrada para além do prazo legalmente previsto, o que pressupõe determinar em primeiro lugar qual é esse prazo e qual o regime jurídico a aplicar.
Vejamos então.
Conforme resulta dos autos a Autora comprou aos Réus, em 15/12/2020, uma moradia situada em ... pelo preço de €200.000,00: um prédio urbano com quatro pisos (cave, ..., primeiro e segundo andares), com um logradouro, situado na Rua ..., ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...26 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...36.
Na decisão recorrida o tribunal a quo consignou não estar sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cfr. artigo 5º n.º 3, do CPC); e, perante os diversos regimes convocados pela Autora/Recorrente, entendeu que a situação fáctica descrita pela Autora na sua petição inicial se enquadra jurídico-dogmaticamente na responsabilidade contratual, por cumprimento defeituoso do contrato celebrado entre Autora e Réus, pretendendo obter o amparo do disposto nos artigos 913º a 922º, do Código Civil, só aí se podendo ancorar os pedidos formulados, em função da causa de pedir apresentada.
Na verdade, considerando os factos alegados pela própria Autora, é desde logo de afastar no caso concreto a aplicação do regime previsto quer no anterior Decreto-lei n.º 67/2003, de 08 de abril, quer no atual Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro (que revogou o Decreto-Lei n.º 67/2003 – cfr. artigo 54º) pois que apenas se aplicam a relações, nomeadamente de compra e venda, entre profissionais e consumidores, e no caso concreto não está sequer alegado que os Réus agiram, no contrato de compra e venda da casa, na qualidade de profissionais.
Por outro lado, em face do alegado pela Autora, respeitante apenas à compra e venda do prédio, temos também por excluída a aplicabilidade do regime dos artigos 1221º a 1225º do Código Civil que regula o exercício dos direitos atribuídos ao dono da obra para reagir contra a obra defeituosa, e consequentemente o prazo de caducidade de um ano referido no artigo 1224º do mesmo diploma legal.
O que o Decreto-Lei n.º 267/94, de 24 de outubro, a que se refere a Recorrente, veio introduzir foi a alteração à redação do artigo 1225º do Código Civil estabelecendo que, se a empreitada tiver por objeto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente, devendo a denúncia, em qualquer dos casos, ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização pedida no ano seguinte à denúncia; prazos aplicáveis igualmente ao direito à eliminação dos defeitos, prevendo o n.º 4 deste preceito que tal também se aplica quando o vendedor do imóvel o tenha construído, modificado ou reparado.
Ora, a Autora apenas imputa aos Réus a qualidade de vendedores do prédio em causa e já não que foram eles os construtores, ou que o modificaram ou repararam, pelo que, nessa medida, como já referimos, não é aqui aplicável o regime previsto no artigo 1225º do Código Civil, para os imóveis de longa duração, que se reporta à responsabilidade do empreiteiro e do vendedor de imóveis que os tenha construído, modificado ou reparado, perante o dono de obra ou terceiro adquirente.
Sustenta ainda a Recorrente que no caso dos autos estamos perante uma situação configurável como falta de cumprimento de uma obrigação e que, quando assim sucede, são aplicáveis tanto os artigos 798º e 799º, como os artigos 913º e seguintes do Código Civil.
Invoca a Recorrente o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/10/2012 (e não de 2022 como por lapso consta das alegações, proferido no âmbito do Processo n.º 3362/05.TBVCT.G1.S1, Relator Álvaro Rodrigues) onde consta que há que “distinguir atentamemte a simples venda de coisa defeituosa, de outra figura mais ampla e, por isso, mais abrangente, que é a do cumprimento defeituoso da obrigação” e que “O artº 799º do Código Civil, como diz A. Varela, coloca o cumprimento defeituoso da obrigação ao lado da falta de cumprimento, dentro da categoria geral da falta culposa de cumprimento a que genericamente se refere o artº 798º do mesmo Código” e que “Não logrando o devedor ilidir a presunção de culpa contida no nº 1 do artº 799º do Código Civil, verifica-se o concurso de todos os pressupostos ou requisitos da sua responsabilidade contratual, na qualidade de devedor adstrito à obrigação de cumprir”, concluindo, assim, que não existe para o comprador qualquer prazo de caducidade da ação respetiva, mas, tão só, o prazo ordinário de prescrição do direito à indemnização em conformidade com o decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/10/2021 (Processo n.º 1/21.5T8PDL.L1-6, Relator Nuno Lopes Ribeiro).
Porém, a situação concreta tratada neste Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa nada tem a ver com a situação configurada pela Autora nos presentes autos; na verdade o que ali está em causa é o incumprimento da obrigação de entrega da coisa vendida, caso em que se considerou inexistir para o comprador qualquer prazo de caducidade da ação respetiva, mas, tão só, o prazo ordinário de prescrição do direito à indemnização, não estando o exercício do direito à resolução do contrato de compra e venda, por incumprimento da obrigação de entrega do bem pelo vendedor, sujeito aos prazos de caducidade previstos nos artigos 916º e 917º do Código Civil.; mas onde se afirma também a aplicabilidade do prazo de caducidade previsto no artigo 917º do Código Civil a todas as ações conferidas ao comprador, englobando para além da anulação, a redução do preço, a reparação ou substituição e a indemnização.
Na verdade, ocorrendo venda de coisa defeituosa, prevista e regulamentada em especial nos artigos 913º e seguintes do Código Civil, mas que, simultaneamente, se traduza em cumprimento defeituoso da obrigação, ao qual é aplicável o regime geral da falta de cumprimento da obrigação previsto nos artigos 798º e 799º do mesmo Código, poderá caber ao autor o direito a optar, em alternativa, por qualquer dos regimes, para a satisfação do seu direito (v. neste sentido o acórdão desta Relação de Guimarães de 11/03/2021, Processo n.º 3883/18.4T8BRG.G1, Relatora Maria Luísa Ramos, onde se remete para demais jurisprudência e doutrina).
Como ensina Antunes Varela (“Cumprimento Imperfeito do Contrato de Compra e Venda. A Exceção do Contrato não Cumprido”, C.J., 1987, 4, p. 21/35), o cumprimento defeituoso da obrigação ocorre “quando a prestação realizada pelo devedor não corresponde, pela falta de qualidades ou requisitos dela, ao objeto da obrigação a que ele estava adstrito”, e quando assim sucede são aplicáveis quer o regime geral decorrente dos artigos 798º e 799º, quer os artigos 913º e seguintes do Código Civil (Antunes Varela, ob. cit., p. 30).
Neste sentido conclui-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/02/2014 (Processo n.º 1115/05.4TCGMR.G1.S1, Relator Salazar Casanova), “(…) o credor tanto pode socorrer-se do regime de venda de coisas defeituosas contemplado no artigo 913.º e seguintes do Código Civil como do regime geral do incumprimento e, por isso, o pedido de indemnização decorrente da anulação por erro está sujeito ao prazo de caducidade que consta do artigo 917.º do Código Civil (…) Mas pode igualmente o credor optar, face ao incumprimento, pela indemnização nos termos gerais, reclamando os danos emergentes e lucros cessantes (artigo 564.º do Código Civil), não se anulando o contrato. Foi o que sucedeu no caso vertente em que a autora reclamou os prejuízos correspondentes ao valor que iria auferir com a venda dos sapatos à empresa alemã, ou seja, o lucro que adviria do negócio, suportando os custos de produção que não foram obviamente reclamados. Este pedido de indemnização não está, portanto, sujeito ao aludido prazo de caducidade que tem em vista a indemnização correspondente à venda de coisa defeituosa, não a indemnização correspondente ao incumprimento do contrato, rectius, ao incumprimento da prestação a que a ré estava adstrita”.
A questão está exatamente na opção efetuada pelo autor ao propor a ação para fazer valer o seu direito.
No caso concreto, a Autora, invocando a existência de diversos defeitos no prédio objeto do contrato de compra e venda, formula os seguintes pedidos de condenação solidaria dos Réus:
a) A pagar à Autora os valores que despendeu com a reparação e instalação de nova caldeira, no valor de €3.109,00;
b) A, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da sentença, eliminar todos os defeitos referidos na petição, bem como os defeitos que se venham a apurar no decurso das obras de reparação, ou,
Em alternativa, a pagar à Autora o valor necessário para a reparação dos defeitos, sendo as despesas necessárias para a reparação a executar por terceiro, já apuradas no montante de €26.275,00, acrescido de IVA;
c) Ao pagamento da quantia €8.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, calculados desde a citação até ao efetivo e integral pagamento.
Em face da causa de pedir e dos pedidos formulados nas alíneas a) e b), temos de concluir que a Autora pretendeu na presente ação socorrer-se do regime da venda de coisas defeituosas previsto no artigo 913º e seguintes do Código Civil, que abarca os casos em que a coisa vendida sofre de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada ou em que não tem as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, e, por isso, o pedido de indemnização por danos patrimoniais formulado na alínea a) e o pedido de eliminação/reparação dos defeitos ou, em alternativa, do pagamento do valor necessário a essa reparação, estão sujeitos ao regime especial da venda de coisas defeituosas (quanto ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais iremos abordá-lo posteriormente).
Na verdade, está em causa um contrato de compra e venda de um imóvel celebrado entre a Autora e os Réus, e a Autora invoca na presente ação a existência de vícios ou defeitos, pretendendo ser indemnizada, mas também que os Réus sejam condenados a eliminar todos os defeitos ou, em alternativa, a pagarem à Autora o valor necessário para a sua reparação; como se afirma no sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/11/2021 (Processo n.º 8344/17.6T8STB.E1.S1, Relator Tibério Nunes da Silva) fenómenos como a ocorrência de infiltrações, existência de fissuras, degradação da pintura, problemas de escoamento de águas pluviais, degradação de pavimentos, num prédio destinado a habitação, não podem deixar, vista essa função, de afetar as supostas e normais qualidades que a coisa deve ter, de modo a enquadrá-la, como coisa defeituosa, na previsão do artigo 913º do Código Civil.
Ora, nos artigos 916º e 917º do Código Civil encontram-se previstos os prazos que o comprador, para fazer valer o seu direito, tem de respeitar.

Assim, prescreve o artigo 916º que:
“1. O comprador deve denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa, exceto se este houver usado de dolo.
2. A denúncia será feita até trinta dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa.
3 - Os prazos referidos no número anterior são, respetivamente, de um e de cinco anos, caso a coisa vendida seja um imóvel”.

O artigo 917º, por sua vez, estabelece que:
“A ação de anulação por simples erro caduca, findo qualquer dos prazos fixados no artigo anterior sem o comprador ter feito a denúncia, ou decorridos sobre esta seis meses, sem prejuízo, neste último caso, do disposto no n.º 2 do artigo 287º”.
Estando em causa bens imóveis, resulta da articulação destes preceitos o seguinte regime:
- O prazo para denúncia dos defeitos é de um ano após o conhecimento dos mesmos e até cinco anos após a entrega do imóvel ao comprador;
- O prazo para a propositura da ação de anulação em caso de simples erro, pressupondo a denúncia nos prazos já referidos, é de seis meses a contar dessa denúncia, salvo se o contrato ainda não estiver totalmente cumprido, hipótese em que a ação pode ser instaurada a todo o tempo.
Importa acrescentar que, apesar de no artigo 917º apenas ser referida a ação de anulação por simples erro, é também no prazo de seis meses a contar da denuncia (a não ser que o contrato ainda não esteja totalmente cumprido) que devem ser devem ser propostas todas as demais ações tendentes à efetivação dos restantes direitos conferidos por lei ao comprador, seja a redução do preço, a reparação ou substituição da coisa, ou mesmo a indemnização, incluindo por incumprimento da obrigação de reparação, por se estar perante uma questão de uniformização de tratamento de situações semelhantes, imposta pela unidade do sistema jurídico, que deve ser obtida por interpretação extensiva (v. neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 05/05/2022, Processo n.º 1608/20.3T8AMT-A.P1.S1, Relatora Catarina Serra, de 11/07/2023, Processo n.º 1499/21.7T8PVZ.P1.S1, Relator Jorge Dias, de 14/09/2023, Processo n.º 2111/21.0T8STB.E1.S1, Relatora Ana Paula Lobo e de 12/10/2023, Processo n.º 13330/17.3T8LSB.L2.S1, Relator Nuno Ataíde das Neves).

De facto, o referido artigo 917º tem vindo a ser objeto de interpretação extensiva pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça, de forma a abranger também as situações de redução de preço, reparação do defeito e de indemnização, e não apenas as de anulação, tendo em vista a obtenção de um tratamento jurídico uniforme de situações semelhantes, o que se impõe pela unidade do sistema jurídico (v. neste sentido os citados acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça).
No mesmo sentido se pronuncia a doutrina; Pedro Romano Martinez (Cumprimento Defeituoso – Em especial na Compra e na Empreitada, Almedina, 2022, p. 336 e 337), refere que “[a]pesar do artigo 917º ser omisso, tendo em conta a unidade do sistema jurídico no que respeita ao contrato de compra e venda, por analogia com o disposto no artigo 1224º, deverá entender que o prazo de seis meses é válido, não só para interpor o pedido judicial de anulação do contrato como também para intentar qualquer outra pretensão baseada no cumprimento defeituoso”.
Considera ainda que “não se compreenderia que o legislador só tivesse estabelecido um prazo para a anulação do contrato, deixando os outros pedidos sujeitos à prescrição geral de vinte anos (artigo 309º); por outro lado, tendo a lei estatuído que, em caso de garantia de bom funcionamento, todas as ações derivadas do cumprimento defeituoso caducam em seis meses (artigo 921º, nº 4), não se entenderia muito bem porque é que, na falta de tal garantia, parte dessas ações prescreveriam no prazo de vinte anos; além disso, contando-se o prazo de seis meses a partir da denúncia, e sendo esta necessária em relação a todos os defeitos (artigo 916º), não parece sustentável que se distingam os prazos para o pedido judicial; por último, se o artigo 917º não fosse aplicável, por interpretação extensiva, a todos os pedidos derivados do defeito da prestação, estava criado um caminho para iludir os prazos curtos”.
Em sentido idêntico Calvão da Silva (Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Conformidade e Segurança, Almedina, 5.ª Edição, p. 81), considerava que “seria incongruente não sujeitar todas as ações referidas à especificidade do prazo breve para agir que caracteriza a chamada garantia edilícia desde a sua origem, pois, de contrário permitir-se-ia ao comprador obter resultados (referidos aos vícios da coisa) equivalentes, iludindo os rígidos e abreviados termos de denúncia e caducidade”.
Tenha-se também em atenção que já o Assento n.º 2/97 de 4/12/1996 (Processo n.º 85 875, relator Ramiro Vidigal, DR 25/97 SÉRIE I-A, de 30/01/1997, disponível para  consulta em https://www.stj.pt/uniformizacao-de-jurisprudencia/jurisprudencia-fixada-civel-ano-1997/) fixara a seguinte jurisprudência: “[a] ação destinada a exigir a reparação de defeitos de coisa imóvel vendida, no regime anterior ao Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, estava sujeita à caducidade nos termos previstos no artigo 917.º do Código Civil”.
Decorre do exposto que, em caso de erro, não sendo a ação de anulação, de redução de preço, reparação do defeito e de indemnização, proposta dentro do referido prazo de 6 meses, o exercício do direito extingue-se por caducidade (cfr. artigo 298º n.º 2 do Código Civil).
Assim, tendo o conhecimento dos alegados vícios ocorrido no inicio mês de fevereiro de 2021 e tendo a Autora procedido à denúncia por carta enviada no dia 01/04/2021, recebida pelos Réus no dia 05/04/2021, será de concluir, estando em causa uma situação de simples erro, que à data da propositura da presente ação no dia 30/03/2022, o prazo de caducidade (de seis meses) se encontrava decorrido, pelo que o direito que a Autora pretende fazer valer nesta ação estaria extinto por caducidade, tal como decidido pelo tribunal a quo.
Contudo, no caso dos autos, analisados os factos alegados pela Autora, os mesmos, a provarem-se, poderiam enquadrar-se numa atuação dolosa dos Réus.
Como se afirma no acórdão desta Relação de Guimarães de 19/01/2017 (Processo n.º 1168/13.1TBFAF.G1, Relator José Amaral) citado pela Recorrente: “[d]emonstrando-se que a fração autónoma objeto do contrato revelou, depois deste, vícios e defeitos que já existiam antes mas foram ocultados pelo vendedor, deles plenamente consciente, mediante pintura anterior à colocação em venda, com o intuito de os disfarçar, evitar que o comprador deles se apercebesse, levá-lo a convencer-se que a habitação estava perfeita e a decidir-se, assim enganado, pela compra, está preenchida a previsão do artº 253º, nº 1, e não a do nº 2, do Código Civil”.
O dolo implica uma prévia “sugestão” ou “artifício” do declaratário e tem, como reverso necessário, induzir ou manter em erro o autor da declaração, como resulta do disposto no artigo 253º n.º 1 do Código Civil.
Nos termos previstos no n.º 1 deste preceito entende-se por dolo qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante; o dolo abrange igualmente a dissimulação do erro do declarante.
Importa então definir qual o prazo de caducidade em caso de dolo (sendo que apenas aqui releva considerar os casos em que o negócio já está cumprido).
Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Volume II, 3ª Edição, Coimbra Editora, p. 217) consideravam que havendo dolo o comprador podia intentar a ação de anulação mo prazo de um ano  a contar do momento em que teve conhecimento do vicio ou da falta de qualidade em conformidade com o preceituado no n.º 1 do artigo 287º do Código Civil, mas que para o exercício do direito à reparação, como na hipótese dos autos, a lei não estabelece qualquer prazo para o exercício do direito, que ficará tão só sujeito às regras gerais da prescrição previstas no artigo 298º n.º 1 do Código Civil.
Considerando a necessidade de um tratamento jurídico uniforme de situações semelhantes, o que desde logo se impõe pela unidade do sistema jurídico, tal como referido a propósito do artigo 917º do Código Civil, entendemos que, também havendo dolo do vendedor, a ação de anulação e a ação destinada ao exercício do direito à reparação devem estar sujeitas ao mesmo prazo de caducidade, não sendo compreensível que a primeira estivesse sujeita ao prazo de caducidade de um ano e a ação de reparação apenas sujeita ao prazo de prescrição.
Tanto quanto nos é dado conhecer julgamos encontrar-se hoje ultrapassado tal entendimento, divergindo atualmente a doutrina e a jurisprudência entre os que entendem que a todos os casos de dolo se aplica o prazo de um ano a que se refere o disposto no artigo 287º n.º 1 do Código Civil e os que defendem a aplicação, também para as hipóteses de dolo (e não apenas de simples erro), do já referido prazo de caducidade de seis meses previsto no artigo 916º.
Assim, Calvão da Silva (ob. cit. p. 83) afirma que havendo dolo do vendedor “o comprador pode intentar a ação de garantia (em qualquer dos remédios em que esta se concretize) dentro do ano subsequente à cessação do vicio do consentimento, quer dizer, no prazo de um ano a contar do momento em que teve conhecimento do dolo (art.287º, nº1), deste modo sancionando o comportamento fraudulento do alienante, em face do qual se não justifica o favor da brevidade do termo que a lei lhe concede na hipótese de erro simples do comprador”; neste sentido se pronunciam, entre outros, o citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/09/2023, o acórdão desta Relação de 28/04/2022 (Processo n.º 22/19.3T8VRL.G1, Relatora Maria Luísa Ramos) e o acórdão do tribunal da Relação de Coimbra de 12/04/2023 (Processo n.º 4915/20.1T8CBR.C1, Relator Mário Rodrigues da Silva).
Em sentido distinto, Nuno Manuel Pinto Oliveira (Contrato de Compra e Venda, Noções Fundamentais, Almedina, p. 307) considera que, quanto à compra e venda de imóveis (a única que releva no caso dos autos) e à anulação fundada em dolo deveria aplicar-se, em principio, o n.º 1 do artigo 287º do Código Civil, sendo a anulabilidade arguida dentro do ano subsequente à cessação do vicio que lhe serve de fundamento, mas tal aplicação conduziria a resultados insustentáveis pois o “comprador ficaria em melhor posição no caso de erro (simples) e em pior posição em caso de dolo: na anulação fundada em dolo, a ação deveria ser proposta no prazo de um ano a contar do conhecimento do defeito; na anulação fundada em erro (simples), o defeito deveria ser denunciado no prazo de um ano a contar do seu conhecimento e de cinco anos a contar da entrega da coisa e a ação deveria ser proposta nos seis meses subsequentes (arts. 916.º, n.º 3, e 917.º do Cód. Civ.) -. O interprete há-de corrigir os resultados insustentáveis da aplicação (exclusiva) do art. 287º do Código Civil à anulação fundada em dolo: o comprador deve, consequentemente, dispor da faculdade de denunciar o defeito no prazo de um ano a contar do seu conhecimento e de cinco anos a contar da entrega da coisa móvel e de propor a ação de anulação nos seis meses subsequentes.”
Neste sentido se decidiu no Acórdão desta Relação de 23/02/2017 (Processo n.º 477/15.0T8FAF.G1, Relatora Maria dos Anjos Nogueira) subscrito pelo aqui 2º Adjunto, que “[o] prazo de caducidade vale ainda que o vendedor tenha agido dolosamente, na medida em que o dolo só torna desnecessária a denúncia, mas não altera os prazos dos arts. 916.º e 917.º, do CC”.
In casu, mostra-se irrelevante a opção por uma das duas referidas posições uma vez que, tendo o conhecimento dos alegados vícios ocorrido no inicio mês de fevereiro de 2021 e tendo a Autora procedido à denúncia por carta enviada no dia 01/04/2021, recebida pelos Réus no dia 05/04/2021, será de concluir, que à data da propositura da presente ação no dia 30/03/2022, estariam decorridos quer os seis meses a contar da denuncia, quer o prazo de um ano a contar do conhecimento dos defeitos, pelo que se sempre estaria extinto por caducidade o direito que a Autora pretende fazer valer, relativamente aos pedidos formulados nas alíneas a) e b), mesmo a demonstrar-se a existência de dolo.

Importa agora analisar em concreto o pedido formulado pela Autora na alínea c):
“c) Ao pagamento da quantia €8.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, calculados desde a citação até ao efetivo e integral pagamento”.
Está em causa um pedido de indemnização por alegados danos não patrimoniais decorrentes, em síntese, dos defeitos na casa de morada de família “terem causado à Autora enormes preocupações, incómodos e perturbações”.
Conforme já referimos, a ação de anulação por simples erro caduca, findo qualquer dos prazos fixados no artigo 916º do Código Civil sem o comprador ter feito a denúncia, ou decorridos sobre esta seis meses, aplicando-se este regime também às ações destinadas à eliminação ou reparação do defeito de coisa imóvel vendida, ou destinadas à sua indemnização pelo cumprimento defeituoso, sendo aplicável “o artigo 917º do Código Civil às ações destinadas a exercer outros direitos que não só o da ação de anulação por simples erro porque, e na medida que, através delas se fazem valer pretensões no quadro da garantia e à garantia ligadas e, que seria incongruente não sujeitar todas as ações referidas à especificidade do prazo breve para agir que caracteriza a chamada garantia edilícia desde a sua origem, pois de contrário, permitir-se-ia ao comprador obter resultados (referidos aos vícios da coisa) equivalentes, iludindo os rígidos e abreviados prazos de denúncia e caducidade” (v. o já citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/10/2023), ai se englobando não só as ações de anulação como também as demais ações tendentes à efetivação dos restantes direitos conferidos por lei ao comprador, designadamente as destinadas à efetivação do direito a indemnização.
Contudo, os prazos de caducidade estabelecidos no artigo 917º do Código Civil, relativos ao contrato de compra e venda (e também no artigo 1124º quanto ao contrato de empreitada) respeitam à indemnização fundada em defeitos da coisa adquirida (ou obra, no caso da empreitada), não já às pretensões indemnizatórias fundadas em qualquer outro facto gerador da responsabilidade contratual (v. neste sentido os acórdãos desta Relação de Guimarães de 23/01/2020, Processo n.º 1195/13.9TBEPS.G1, Relator Ramos Lopes, quanto à compra e venda e de 12/01/2017, Processo n.º 970/13.9TBPTL.G1, Relatora Maria dos Anjos Nogueira, quanto à empreitada).
O direito de indemnização estabelecido pelo Código Civil na compra e venda (e na empreitada) defeituosa tem em vista o ressarcimento do comprador (e do dono da obra, na empreitada) pelos prejuízos resultantes do cumprimento defeituoso da prestação, visando a reparação ou ressarcimento do direito, sendo um direito residual relativamente aos direitos de eliminação dos defeitos e/ou substituição do bem/realização de nova obra, podendo ser exercido cumulativamente com eles; esta indemnização é que está efetivamente sujeita ao regime especial previsto para o contrato de compra e venda (e de empreitada), e aos prazos curtos de caducidade a que nos temos referidos.
Neste sentido, e quanto a esta questão, João Cura Mariano (Responsabilidade Contratual do Empreiteiro Pelos Defeitos da Obra, 7.ª edição Revista e Aumentada, Almedina, p. 136 a 142) defende (ainda que a propósito do contrato de empreitada, mas com plena aplicação à compra e venda) que o regime especial previsto nos artigos 1218º e seguintes do Código Civil tem como objeto o dano da existência de defeitos na obra realizada em cumprimento de um contrato de empreitada, não se aplicando aos danos sequenciais desses defeitos, designadamente aos danos colaterais, onde inclui os danos não patrimoniais.
Segundo este Autor, a obrigação de indemnização pelos prejuízos colaterais, provocados pelos defeitos da obra, que impliquem responsabilidade contratual do empreiteiro, em principio estará sujeita às regras gerais do direito de indemnização por responsabilidade contratual, não se lhe aplicando as regras especiais dos artigos 1218º e seguintes do Código Civil, quanto à empreitada, nomeadamente quanto aos prazos de caducidade, sendo aplicável ao direito de indemnização por estes danos o prazo de prescrição geral, dando como exemplo dos danos colaterais constitutivos de um direito de indemnização, os danos não patrimoniais sofridos com o cumprimento defeituoso da prestação, os quais serão indemnizáveis se assumirem um grau de gravidade que justifique uma intervenção compensatória do direito, nos termos do disposto no artigo 496º do Código Civil.
Também no que respeita à venda defeituosa, a indemnização respeitante aos prejuízos colaterais, provocados pelos defeitos do bem, e que impliquem uma responsabilidade contratual do vendedor, estará em princípio sujeita apenas às regras gerais do direito de indemnização, e não às regras especiais da compra e venda, nomeadamente as que estabelecem prazos de caducidade, aplicando-se o prazo geral de prescrição; nesses prejuízos colaterais enquadram-se os danos não patrimoniais que o comprador possa ter sofrido com o cumprimento defeituoso da prestação.
Estão em causa danos pessoais do comprador que não se circunscrevem ao defeito e a eles acrescem, ainda que a ele ligados por nexo de causalidade, “a indemnização não tem então em vista a reparação do defeito, antes o ressarcimento de danos sofridos além da própria existência do defeito” (v. o citado acórdão desta Relação de 23/01/2020).
In casu, e no que concerne ao pedido formulado pela Autora na alínea c), a sua pretensão indemnizatória respeita a danos não patrimoniais, que são na sua alegação consequência adequada dos defeitos existentes no imóvel adquirido aos Réus.
Quanto a esta indemnização a pretensão da Autora radica em danos de natureza pessoal, consequência dos alegados defeitos na casa lhe terem causado enormes preocupações, incómodos e perturbações, encontrando-se aquela sujeita apenas às regras gerais da obrigação de indemnizar, e ao prazo geral de prescrição, e já não às regras especiais da venda defeituosa, em particular dos prazos curtos de caducidade.
Assim, temos de concluir que, quanto à peticionada indemnização por danos patrimoniais e ao exercício do direito de eliminação/reparação dos defeitos do imóvel (ou em alternativa a obter o pagamento do valor necessário a essa reparação), a que se reportam os pedidos formulados pela Autora nas alíneas a) e b), terá de proceder a exceção de caducidade invocada pelos Réus, confirmando-se a nessa parte a decisão recorrida que julgou extintos, por caducidade, esses direitos da Autora, absolvendo os Réus dos mesmos.
Já relativamente ao pedido formulado na alínea c), respeitante a uma indemnização por danos não patrimoniais, terá de improceder a invocada exceção de caducidade, alterando-se nessa parte a decisão recorrida e determinando o prosseguimento dos autos, uma vez que neste momento o estado dos autos não permite, sem necessidade de mais provas, conhecer do mesmo.
Acresce ainda dizer, por último, que em face do decidido carece, neste momento, de interesse e de qualquer utilidade para decidir a questão da caducidade (objeto do presente recurso) apreciar a argumentação da Recorrente quanto à aplicação do regime da responsabilidade civil extracontratual, porquanto, relativamente aos pedidos formulados em a) e b), conforme já referimos, a Autora pretendeu na presente ação socorrer-se do regime da venda de coisas defeituosas previsto no artigo 913º e seguintes do Código Civil, e quanto ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais, onde se poderia colocar a questão da responsabilidade extracontratual, como vimos, improcede a exceção de caducidade.
Em face de todo o exposto, e na parcial procedência da apelação, impõe-se revogar a decisão recorrida, apenas na parte respeitante ao pedido formulado pela Autora na alínea c), determinando o prosseguimento dos autos para o seu conhecimento, confirmando, no mais, a decisão recorrida.
As custas do presente recurso são da responsabilidade da Recorrente e dos Recorridos na proporção do decaimento que se fixa, respetivamente, em 2/3 e 1/3 (cfr. artigo 527º do CPC).
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IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, julgando improcedente apenas nessa parte a exceção de caducidade, revogam a decisão recorrida quanto ao pedido formulado pela Autora na alínea c), de condenação solidaria dos Réus no pagamento da quantia €8.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais (acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, calculados desde a citação até ao efetivo e integral pagamento), determinando o prosseguimento dos autos para o seu conhecimento, e confirmando, no mais, a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente e pelos Recorridos na proporção do decaimento que se fixa, respetivamente, em 2/3 e 1/3.
Guimarães, 07 de março de 2024
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares (Relatora)
Carla Sousa Oliveira (1ª Adjunta)
José Cravo (2º Adjunto)