Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
59/12.8GAMCD.G1
Relator: ANA TEIXEIRA E SILVA
Descritores: FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
REQUERIMENTO
ASSINATURA
AUTORIA
PROVA PERICIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/13/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RCURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I) O juiz pode divergir da perícia mas para isso, deve esgrimir argumentário qualificado no correspectvo domínio científico ou artístico e estar munido de elementos sólidos e consistentes que a contrariem.
II) No caso dos autos, não existindo nem tendo sido invocado qualquer motivo sério para desconfiar do laudo do LPC, cujas conclusões não são "contrariadas por outras provas constantes dos autos ou adquiridas pelo tribunal", inexistem razões para por em crise as opções acolhidas na decisão recorrida quanto à matéria de facto que o arguido impugna.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes, em conferência, na Secção Penal da Relação de Guimarães
I – RELATÓRIO
PEDRO N. veio interpor recurso da sentença que pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, al. c), do CP, o condenou na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de €10,00, e no pagamento à Assistente-demandante da indemnização global de €2.662,00.
O Ministério Público e a Assistente responderam, pugnando pela manutenção da sentença, nos seus precisos termos.
Nesta instância, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu detalhado e proficiente parecer, concluindo pela total improcedência do recurso.

II - FUNDAMENTOS
1. O OBJECTO DO RECURSO.
As razões da suscitada discordância:
1ª) a impugnação da matéria de facto;
2ª) o não preenchimento dos elementos do tipo legal de crime.

2. A SENTENÇA RECORRIDA.
No que ora releva, apresenta o seguinte teor:
II. Fundamentação:
1. Factos provados
Com interesse para a decisão da causa provou-se que:
a) No dia 18 de Novembro de 2011, o arguido Pedro V., dirigiu-se à Conservatória de Macedo de Cavaleiros, com o intuito de registar em seu nome o veículo automóvel “… “ com a matrícula.. ;
b) Acontece que tal automóvel é propriedade da assistente Maria L., que o não havia vendido, nem consentia em tal operação de registo;
c) Destarte, e como a Maria L. não lhe passava uma declaração de compra e venda devidamente assinada, o arguido Pedro V., com o intuito de desfeitear a assistente Maria L. e ainda com o escopo de se vir a apropriar do referido veículo que sabia não lhe pertencer, diligenciou pela obtenção de tal documento, sem a participação da mesma;
d) O arguido Pedro V., apresentou-se ao balcão da Conservatória do Registo Automóvel de Macedo de Cavaleiros, munido de um documento previamente preenchido e assinado, tendo o funcionário que procedeu ao registo, limitado a sua acção à confirmação dos dados inseridos no documento, com aqueles constantes da cópia do B.I. que também apresentou, assim cumprindo com todas as regras e procedimentos legais atinentes àquela operação de registo;
e) Apondo o arguido uma assinatura parecida com a da assistente Maria L., assim ludibriando os serviços da Conservatória de Macedo de Cavaleiros, o que logrou;
f) Nesta sequência, ao constatar que o veículo… , havia sido registado em nome do arguido Pedro V., a assistente Maria L. no dia 13 de Dezembro de 2012, dirigiu-se à supra referida conservatória e após pedir o livro amarelo escreveu uma reclamação;
g) No período compreendido entre os dias 26/01/2010 até 27/07/2010 o veículo automóvel de marca P., com a matrícula …. foi objecto de um contrato de seguro celebrado com a Companhia Seguradora Groupama;
h) No período compreendido entre os dias 22/10/2010 até 24/04/2011 o veículo automóvel de marca P., com a matrícula …. foi objecto de um contrato de seguro celebrado com a Companhia Seguradora Lusitânia, tendo o contrato de seguro sido anulado por falta de pagamento;
i) No período compreendido entre os dias 28/05/2012 até 28/11/2012 o veículo automóvel de marca P., com a matrícula … foi objecto de um contrato de seguro celebrado com a Companhia Seguradora Tranquilidade, tendo o contrato de seguro sido anulado por falta de pagamento;
j) O arguido Pedro V., agiu de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que só podia registar o veículo em seu nome, se a assistente Maria L. nisso assentisse e lhe passasse a competente declaração de compra e venda de veículo automóvel.
k) O arguido sabia que tal conduta era proibida e punida por lei;
Mais se provou quanto ao pedido de indemnização civil deduzido por Maria L. :
l) Em consequência dos factos descritos nas alíneas a) a e), a lesada Maria L. ficou em pânico, profundamente humilhada e revoltada;
m) Em consequência dos factos descritos nas alíneas a) a e), a lesada ficou com receio de que o arguido e demandado Pedro V., se apropriasse, por qualquer meio e a qualquer momento, do seu veículo;
n) E passou a evitar circular com o veículo ou quando circula não o perde do seu alcance;
o) O que lhe tem causado um enorme transtorno e incómodo;
p) Em consequência dos factos descritos nas alíneas a) a e), a lesada encontra-se impossibilitada de vender ou trocar o veículo automóvel;
q) Em consequência dos factos descritos nas alíneas a) a e), a lesada teve de se deslocar a Macedo de Cavaleiros pelo menos duas vezes e constituiu mandatário judicial;
(…)
***
III. Motivação da Matéria de Facto:
Formou-se esta com base na apreciação crítica do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, efectuada à luz das regras normais da experiência comum relacionadas com o tipo de factos em causa nos autos, no âmbito do princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127º do C.P.P., nos seguintes termos:
ü Teor do Certificado do Registo Criminal junto aos autos, a fls. 106, no que importa à inexistência de antecedentes criminais, registados, do arguido;
ü Teor dos documentos juntos fls. 103, 104 (cópia do Registo Automóvel relativo ao veículo automóvel de marca P., com a matrícula …, em nome de Pedro N.), fls. 148 (cópia do certificado de matrícula do veículo automóvel de marca P., com a matrícula ...., em nome de Pedro N.) a fls. 318 a 329,
ü Relatório Pericial de fls. 196 a 209, quanto à autoria da assinatura aposta no documento elaborado pelo LPJ subtraído à convicção do julgador, nos termos do disposto no artigo 163º do Código de Processo Penal;
ü Relatório social do arguido elaborado pela DGRSP de fls. 374 a 377.
Ora, o arguido Pedro V. prestou declarações que não mereceram qualquer credibilidade ao tribunal atentas as discrepâncias e incoerências evidentes e cuja explicação não se compadece com as regras da experiência comum. Na verdade o arguido esclareceu que teve com a assistente Maria L. uma relação amorosa que durou cerca de dois anos e terminou no ano de 2007, no âmbito da qual lhe emprestava veículos automóveis como o veículo de marca P.. No ano de 2011 como teve propostas e compra desse veículo solicitou que a assistente o devolvesse ao que esta o informou que tinha uma tia que pretendia adquirir o carro, pelo que o arguido permitiu que esta circulasse mais uns meses com o carro. Este carro estava registado em nome do anterior proprietário e foi registado em nome da ofendida “porque tinha confiança nela”, com as despesas de registo suportadas pelo arguido. No mês de Agosto de 2011, a assistente disse que “afinal a tia já não queria comprar o veículo automóvel e manifestou o propósito de o devolver” mas sempre que o arguido combinava com ela a entrega do veículo automóvel a ofendida não aparecia e deixou de responder aos seus telefonemas. Esclareceu ainda o arguido que a assistente devolveu os documentos do veículo automóvel no dia 08 de Outubro de 2011 à noite num sábado, assinados com fotocópia do BI, com a declaração para efeitos de registo automóvel já assinada, após o que o arguido registou o veículo em seu nome “pois não era dela”, foi ao IMTT tentar regularizar a situação, pois a assistente não devolveu o registo de propriedade, nem o livrete.
Com efeito, no âmbito das declarações prestadas pelo arguido Pedro V. verificamos que este acabou por acrescentar que a assistente lhe entregou um carro de marca “G…” que foi vendido a uma oficina para peças pelo preço de € 450,00, que a assistente começou a andar com um veículo F.., e que inclusive “não colocou o carro P.. em seu nome, pois o registo é caro”, o que não convenceu de todo o tribunal, surgindo discrepâncias que o arguido não soube de todo esclarecer e que divergem da versão apresentava.
Senão vejamos.
ü Se o registo é caro (qual a razão para o arguido não colocar os carros directamente em seu nome, após comprar ao anterior proprietário) e porque colocou em nome da assistente, suportando integralmente o custo do registo?
ü Qual o tipo de confiança que legitima que o veículo ficasse em nome da assistente, com o contrato de seguro em seu nome, sem existir qualquer acto translativo da propriedade?
ü Se a assistente lhe entregou os documentos em Outubro de 2011, nomeadamente uma declaração para registo de propriedade do veículo porque não entregou logo o veículo automóvel, o livrete e os documentos do veículo?
ü Porque indicou junto da Conservatória do Registo de Macedo de Cavaleiros que os documentos do veículo automóvel estavam extraviados quando na verdade sabia que era a assistente que os tinha em seu poder?
Destarte, facilmente constatamos que, a relação amorosa entre o arguido e a assistente não justifica este comportamento, não tendo o arguido esclarecido de forma convincente estas questões, o que leva o tribunal a concluir que o veículo de facto era de facto propriedade da assistente funcionando a presunção do registo, nos termos do disposto no artigo 7º do Código de Registo Predial.
Neste sentido a assistente Maria L. prestou as suas declarações, de forma isenta, espontânea, revelando extrema segurança nos factos o que permitiu ao tribunal aferir positivamente pela sua credibilidade apesar da posição processual e do interesse na causa, referindo que a sua relação amorosa com o arguido teve início em Maio de 2003 e só terminou em Setembro de 2011. Confirmou a assistente que à data da separação tinha em seu nome e conduzia um veículo de marca P… (antes conduzia um G… do seu pai que foi vendido para peças, o arguido ficou com o dinheiro, conduziu um F.. que vendeu por € 1.100,00 e trocou no ano de 2009 pelo P.., ainda que efectivamente não tenha suportado integralmente o pagamento do preço).
No entanto, em momento algum o arguido lhe pediu a devolução do carro directamente, tanto que só em Outubro de 2011, quando foi comprar o selo nas Finanças, verificou que na Conservatória de Macedo de Cavaleiros o veículo já não estava registado em seu nome, tendo sido o registo efectuado apesar dos documentos estarem em seu poder e o seu BI (que o arguido tinha uma cópia) ter a validade caducada.
Referiu ainda que em Mirandela, no dia 2 de Agosto de 2012, o arguido Pedro com uma segunda chave tentou abrir o carro, o que só não conseguiu pois a assistente tinha alterado o código de ignição.
Mais referiu a assistente que nunca teve uma tia interessada no carro e que a assinatura aposta no documento não é sua, pois quando se deslocou em Outubro de 2011 à noite ao escritório do arguido assinou uma declaração em branco uma folha a dizer GROUPAMA para fazer o contrato de seguro do veículo P….
António J., Conservador do Registo Civil do Macedo de Cavaleiros à data dos factos e Luís C., funcionário da Conservatória, instados quanto aos procedimentos inerentes ao registo de propriedade do veículo automóvel esclareceram que os funcionários não têm o dever de sindicar da genuinidade dos documentos e assinaturas o que é da responsabilidade é do vendedor e do comprador. Quando não há documento único é a assinatura do comprador que tem de ser reconhecida presencialmente, pedem novos documentos e emitem novo registo aquisitivo, sendo pedido o BI só para confirmar dados e não para confirmar a assinatura, o que no caso em concreto o arguido solicitou pessoalmente um novo documento extravio do DUC pedindo 2ª via, pois qualquer pessoa “não tem de entregar qualquer documento de identificação do comprador, nem confirmar sequer se o comprador está vivo”.
As testemunhas Ana R., irmã da assistente José J., motorista de pesados de mercadorias serviço internacional, vive em união de facto com a assistente corroboraram a versão de Maria L. acrescentando que em consequência dos factos descritos esta chorava, mostrando-se chateada e incrédula, transtornada e com ansiedade, com medo que o arguido lhe tirasse o carro, o que aliás foi sustentado por Rufino J., reformado da GNR, que ao falar com a assistente sobre estes factos ela estava desagradada, nervosa e revoltada.
A versão do arguido estava assente nas suas declarações e, bem assim, no depoimento de testemunhas que tentaram justificar o que não tem justificação plausível , designadamente Jorge M., reformado, que alegadamente trabalhou no stand do arguido, de 2009 a princípios de 2012 não merecendo qualquer fiabilidade, porquanto se por um lado tinha conhecimento de todos os factos por outro mencionou que quando perguntava ao arguido o que se passava com o P… ele “Dizia para não se meter nisso”. Assim, recorda-se de numa segunda-feira em Outubro de 2011 ver uma folha solta com declaração de venda assinada pela “…”.
Mas já não se recordava da data em que se reformou, nem o nome da rua em que reside, nem quantos ou quais os veículos que o arguido vendeu em três anos que esteve ao seu ao serviço, nem soube explicar como é que se a assistente só apareceu no stand duas vezes, conseguiu reconhecer a sua letra e sabia o seu nome completo.
Por sua vez Paulo A., comerciante de automóveis e amigo de ambos, namoravam, esclareceu que houve uma transacção entre ambos quanto ao veículo P.. e que foi com o arguido duas vezes a Mogadouro para tentar ir buscar o carro, o que não conseguiram. Mais esclareceu que enquanto comerciantes de automóveis “é usual preencherem declarações em branco ainda que não pudesse ser e que os registos desvalorizam o veículo”. Este depoimento foi prestado de forma comprometida e condicionado pela testemunha àquilo que no seu entender favorecia o arguido, pois não vê o tribunal atentas as regras de experiência comum, qual o prejuízo e não ao invés garantia que o veículo automóvel esteja registado pois até daí advêm mais garantias para o comprador, não sabendo explicar porque emprestou o arguido um carro a uma pessoa, o colocou em nome dessa pessoa, suportando o registo e fez um seguro em nome dessa mesma pessoa.
Francisco J., empregado de mesa, amigo do arguido afirmou que os via juntos muitas vezes e que em Outubro de 211, por volta das 22h o arguido disse que estava à espera da assistente para esta lhe entregar a declaração de venda e “depois viu a M… a entrar no stand com um papel na mão e depois o arguido foi ao restaurante dizer que já tinha a declaração”, o que não se afigura minimamente razoável ainda que a testemunha tenha mencionado que o arguido disse que “Já que não anda comigo tem de me entregar o carro”.
Por último o depoimento da testemunha Rui V. em nada relevou para o esclarecimento dos factos imputados ao arguido.
Na verdade resulta dos elementos constantes dos autos (nomeadamente pelo exame pericial) que não foi a assistente quem assinou a declaração (e não se diga que a mesma intencionalmente forjou a sua própria assinatura para prejudicar o arguido pois tal teoria em nada se confirma do depoimento das testemunhas ou de prova concreta), que este documento estava na posse do arguido, foi por este entregue na Conservatória do Registo Civil, pelo que se concluiu por regras de experiência que terá sido o arguido a forjar a assinatura da assistente, sendo estes factos já suficientes para que se considerem preenchidos os elementos do tipo de crime. Mais resulta das regras de experiência e lógica, de que o que consta do registo se presume como verdade, pelo que se presume que a proprietária é a assistente.
Nem parece razoável que tivesse sido a própria assistente Maria L. Gonçalves a entregar ao arguido documentos que estão fora de validade, ou que o arguido tenha sido enganado pela assistente quando ele teve uma relação amorosa com esta que durou largos anos que “até confiava nela para lhe entregar carros”, conhecia bem a assinatura da mesma tanto que tinha cópia dos seus documentos pessoais no seu escritório.
De todo o modo, no que importa aos factos assentes negando o arguido em audiência a imitação da assinatura são as conclusões do relatório pericial já aludido que permitem, com a certeza necessária a uma condenação, a aquisição probatória da imitação pelo arguido da assinatura da assistente ainda ou também naquele documento, conhecendo este a sua assinatura tanto que tinha em seu poder os elementos de identificação da mesma.
Finalmente, no que importa aos elementos subjectivos das infracções, mais se fez uso das regras da experiência comum. Com efeito, sendo o dolo um elemento da vida interior do agente, por isso que impossível de aprender directamente, pode deduzir-se ou inferir-se de dados que, com muita probabilidade, o revelem. No caso, atentas as condutas do arguido, com um significado evidente (assim, inequivocamente, a imitação de assinatura alheia e a apresentação “em nome de outrem”, com desconhecimento e contra a vontade da visada), mais do que probabilidade séria daquele elemento subjectivo há certeza da sua verificação, posto que manifestamente preenchido o conhecimento da totalidade dos elementos típicos, com o que evidente a vontade da prática dos factos.
(…)

3. APRECIAÇÃO DO MÉRITO.
3.1. Os factos
O Recorrente considera que “foram incorrectamente julgados e dados como provados (quando o não deviam ser) os factos constantes das alíneas b/, c/, e/, j/ e K/ do ponto n.º 1 dos “factos dados como provados” pelo Tribunal da 1.ª Instância”; para tal, convoca – também comentando – as declarações da Assistente, Arguido e os depoimentos de Ana R., José J., Rufino J., Jorge M., Paulo A., Francisco J. e Rui V..
Em matéria de impugnação da decisão sobre matéria de facto e da respectiva modificabilidade pela Relação, “o que é proposto ao tribunal de segunda instância não é que proceda a um novo julgamento – desprezando o juízo formulado na 1ª instância sobre as provas produzidas e a expressão do processo lógico que conduziu à pronúncia sobre a demonstração (ou não) dos factos ajuizados – mas tão só que no uso dos poderes próprios de tribunal de recurso, averigue – examinando a decisão da 1ª instância e respectivos fundamentos, analisando as provas gravadas e procedendo ao confronto do resultado desta análise com aquela decisão e fundamentos, sem deixar de ter presentes as limitações inerentes à ausência de imediação e da oralidade no tribunal de recurso – se o veredicto alcançado pelo tribunal recorrido se apresenta com o mínimo de razoabilidade face às provas produzidas Ac. do STJ de 21/05/2008, www.dgsi.pt..
O princípio contido no artº 127º do CPP estabelece também um critério para a apreciação da prova de carácter eminentemente subjectivo e que resulta da livre convicção do julgador, em harmonia com as regras da lógica, da razão, das regras da experiência e dos conhecimentos científicos.
“A actividade dos juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter, necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão Ac. da RP, recurso nº. 9920001, transcrito no ac. da RE de 20/12/2005 proferido no proc. nº 2489/05, www.dgsi.pt..
O princípio da livre apreciação da prova, atentos os princípios da imediação e da oralidade, impede que a Relação se afaste do juízo feito pelo tribunal recorrido em matéria de prova a não ser no caso de este ter chegado a uma convicção puramente subjectiva, baseada em imprecisões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação e não numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras da lógica, da razão e das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos Ac. da RE de 06-06-2006, processo 384/06-1, www.dgsi.pt..
Posto isto, vejamos o caso concreto.
São duas as questões cerne destes autos: a propriedade do veículo “… ”…..; e a autoria da assinatura aposta no “requerimento de registo automóvel” no local destinado ao “sujeito passivo Apresentado na Conservatória em 18/10/2011..
Sobre a primeira, as posições do Arguido e da Assistente Cujas declarações se ouviram na íntegra, ao abrigo do disposto no artº 412º, nº6, do CPP. são antagónicas, ambos se arrogando a propriedade do automóvel.
Sobre a segunda, declararam: o Arguido, que não sabe quem assinou a “declaração”, a qual lhe foi entregue contendo apenas a dita assinatura; a Assistente, que nunca entregou nem assinou a “declaração”.
Diversamente do que sucede com o Arguido (cujo estatuto processual lhe confere o direito de dizer o que entender em prol da sua defesa), a Assistente (apesar de parte interessada na sorte do processo) está sujeita ao dever de verdade e a responsabilidade penal pela sua violação (artºs 145º, nº2, do CPP, e 359º, nº2, do CP).
À semelhança do Tribunal a quo, também nós não vemos qualquer razão para que as declarações da Assistente não devam merecer credibilidade; até porque são “corroboradas” pela lei e pelo relatório de exame grafológico elaborado pelo LPC.
No que concerne ao invocado direito de propriedade, funcionam a seu favor as presunções derivadas do registo e da posse do veículo (artºs 7º do DL 224/84, de 06.07 Cujo teor é: “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”. , aplicável por força do artº 29º do DL 54/75, de 12.02, e 1268º, nº1, do CCO possuidor goza da presunção da titularidade do direito excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse”.).
Presunções essas que, sendo ilidíveis V. artº 350º, nº2, do CC., manifestamente o não foram neste caso. Diga-se, aliás, que o que não faz sentido é a tese aventada pelo Arguido, do mero “empréstimo”: liberalidade (ou não A Assistente afirmou, em audiência, que embora não tendo entregue dinheiro, deu “em troca” um “G…” e um “F…, que o Arguido vendeu por 500 e tal euros (o 1º) e 1.100 euros (o 2º), o que representa mais de metade do valor que aquele lhe disse valer o “P…” (2.500 euros). ), um experimentado comerciante de automóveisA minha vida é o ramo automóvel”, declarou o Arguido em julgamento. - para mais, preocupado com a “despesaEvito fazer o registo, é mais uma despesa”, afirmou o Arguido em audiência. e “desvalorização Como agora alega, em sede Motivação de recurso: “… os potenciais compradores dão muita relevância aos veículos com poucos registos, sinónimo de que foram usados por poucas mãos, o que em regra tem muita importância para as boas condições mecânicas dos veículos”. daí resultantes - não regista (ou deixa registar) um veículo a favor de alguém que não seja o seu proprietário.
Relativamente à assinatura do requerimento, o relatório pericial conclui: “Admite-se como muitíssimo provável que a escrita suspeita da assinatura não seja da autoria de Maria L.”; explicando-se, depois, na “nota informativa”, que a conclusão “Muitíssimo Provável” aproxima-se da certeza e indica o mais alto grau de semelhança ou dissemelhança que pode ser estabelecido entre duas escritas comparadas.
Sobre o “valor da prova pericial”, estatui o artº 163º do CPP:
1 - O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador.
2 - Sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência.
Conforme resulta do nº2 da mesma norma, é claro que o juiz pode divergir da perícia mas para isso, deve esgrimir argumentário qualificado no correspectivo domínio técnico, científico ou artístico e estar munido de elementos sólidos e consistentes que a contrariem, o que aqui não acontece.
Revertendo à Motivação de recurso, importa salientar que não constitui argumentação adequada e capaz – na perspectiva de afrontar o juízo pericial formulado no processo – nem a insinuada “maquinação” da Assistente Assim expressa: “Ao fazer os seus autógrafos, juntos aos autos, a assistente sabia de antemão que o que ia escrever se destinava precisamente a ser comparado com a assinatura feita na declaração de compra e venda. Portanto, a assistente sabia que podia tentar fazer uma assinatura parecida, algo diferente da sua verdadeira assinatura” (dir-se-á: a Assistente e todos os cidadãos alvo de recolha de autógrafos para exame grafológico…) – fls. 520-521. nem as observações a olho nu de um “leigo Assim enunciadas: “Do cotejo entre as assinaturas feitas pela assistente, constantes de fls. 41, 42, 43 e 46 alcança-se com facilidade … que a assinatura a fs. 46 é também claramente diferente das outras assinaturas de fls. 41 a 43. Além do mais, nas assinaturas de fls. 41 a 43 a grafia de todas as letras é nitidamente e sempre na perpendicular, não inclinada enquanto na assinatura por ela indiscutivelmente feita no seu bilhete de identidade a fls. 46, os vocábulos “de” e “L…” têm grafia claramente inclinada” – fls. 521..
Ou seja, não há (nem foi invocado) qualquer motivo sério para desconfiar do laudo do LPC, cujas conclusões não são “contrariadas por outras provas constantes dos autos ou adquiridas pelo Tribunal Permita-se-nos aproveitar as palavras do Autor citado pelo Recorrente, Prof. Alberto dos Reis..
É verdade que os Peritos “não declaram” que a assinatura suspeita “foi feita pelo Arguido”, como se constata da seguinte conclusão: “Dada a forma de obtenção da escrita suspeita da assinatura (doc 1), o confronto desta com a dos autógrafos de Pedro N., … não permite alcançar resultados conclusivos quanto à sua autoria”.
Porém, a formulação de um juízo de verdade, de certeza judicial, não exige sempre prova directa do facto, desde que os elementos probatórios existentes sejam seguros e concordantes; nos presentes autos, outros elementos de prova convergem no sentido da prova dos factos e o elo final da cadeia factual – a autoria da suposta assinatura da Assistente no requerimento de registo automóvel – deduz-se fácil e seguramente numa inescapável presunção simples.
Estabelecido pericialmente (com o grau máximo de verosimilhança possível) que a dita assinatura não foi elaborada pela Assistente, tendo em conta que foi o Arguido quem se deslocou à Conservatória de Macedo de Cavaleiros, onde apresentou o respectivo requerimento Como o próprio declarou, em audiência., e demonstrado que ele era o único e exclusivo interessado na transferência do registo do “P…” para o seu nome A determinação do Arguido em “reaver” o veículo é bem revelada no seguinte segmento da Motivação de recurso: “… como a assistente não lhe entregara a declaração, nem sequer o veículo e continuava a circular com ele, o arguido só podia reaver o veículo, mediante a apreensão do mesmo, se o registasse em nome dele. PARA ISSO TINHA DE DIZER QUE OS DOCUMENTOS ESTAVAM EXTRAVIADOS. Se dissesse a verdade, não conseguia o registo…” – fls. 515. (dispondo-se, até, a declarar o falso “extravio” dos documentos Que sabia estarem em poder da Assistente., como veio efectivamente a fazer O que consta do documento em causa e das declarações do Arguido em julgamento.), é perfeitamente legítimo inferir que foi (também) o Arguido quem forjou aquela assinatura.
I – O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis.
II – Num primeiro aspecto, trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova. Tal depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente explicáveis (por exemplo, a credibilidade que se concede a um certo meio de prova).
III – Num segundo nível, referente à valoração da prova, intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios. Agora, as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão “regras da experiência”.
IV – Neste segundo nível, é legítimo o recurso às referidas presunções, uma vez que são admissíveis em processo penal as provas que não forem proibidas por lei (artigo 125º do C. P. Penal), e o artigo 349º do Código Civil prescreve que as presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, sendo admitidas as presunções judiciais nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (artigo 351º deste mesmo diploma legal).
V – Depois, as presunções simples ou naturais (as aqui em causa) são meros meios de convicção, pois que se encontram na base de qualquer juízo. O sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto desconhecido para um facto conhecido; toda a prova indirecta se faz valer através desta espécie de presunções.
VI – As presunções simples ou naturais são, assim, meios lógicos de apreciação das provas, são meios de convicção.
VII – As presunções naturais são, afinal, o produto das regras de experiência. O juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto. Ac. da RE de 15/11/2011, relatado pelo Desemb. João Amaro no proc. 76/09.0PBPTG.E2, www.dgsi.pt.
Olvidando (porventura) que a convicção da entidade decidente pode formar-se com base em prova indirecta ou “indiciária”, socorrendo-se da lógica e das presunções bem como de máximas da experiência, o que o Recorrente faz é discutir a convicção do julgador que fundamentou aquela decisão de facto, interpretando a prova produzida de forma claramente interessada e parcial, dela retirando ilações diferentes das que a Mmª Juiz percepcionou e explicitou na sua fundamentação; mas não indicou um único elemento probatório que imponha outra decisão sobre a matéria de facto.
O que significa que se não vislumbra razão para alterar a matéria de facto dada por assente, inexistindo elementos que possibilitem (quanto mais, “imponham” Cf. o artº 412º, nº3, al. b), do CPP.) outra decisão.
Nem há fundamento para a propugnada aplicação do princípio “in dubio pro reo”.
A violação deste princípio – com aplicação na apreciação da prova - pressupõe um estado de dúvida insanável no espírito do julgador e apenas pode ser afirmada quando do texto da decisão recorrida decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.
Ora, tal não sucedeu no caso em apreço, não se vendo que o Tribunal a quo tenha ficado com qualquer dúvida quanto ao cometimento pelo Recorrente dos respectivos factos dados como provados na sentença.
VI - A violação do princípio in dubio pro reo exige que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num estado de dúvida quanto aos factos que devia dar por provados ou não provados. Como refere ROXIN, “o princípio não se mostra atingido quando, segundo a opinião do condenado, o juiz deveria ter tido dúvidas, mas sim quando condenou apesar da existência real de uma dúvida” (in “Derecho Procesal Penal”, Editores del Puerto, Buenos Aires, pág. 111) Ac. do STJ de 18/04/2012, relatado pelo Cons. Souto Moura no proc. 138/10.6GBTNV.S2, www.dgsi.pt..
3.2. O direito
Inalterada a matéria de facto considerada assente pelo Tribunal de 1ª instância, fica prejudicada a restante questão suscitada pelo Recorrente sob o título “matéria de direito Nº II – A) – fls. 522-523., de “não terem sido preenchidos nem o elemento típico objectivo nem o elemento típico subjectivo do tipo legal de crime pelo qual foi condenado”.
III - DECISÃO
1. Nega-se provimento ao recurso interposto pelo Arguido PEDRO N. confirma-se a douta decisão recorrida.
2. Custas pelo Recorrente, fixando-se em 4 (quatro) UCs a taxa de justiça devida.
13 de Abril de 2015