Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
321/19.9T8PRG.G1
Relator: MARGARIDA SOUSA
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
OPOSIÇÃO
ÓNUS DA PROVA
RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
ESBULHO COM VIOLÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Na oposição a uma providência cautelar, para obtenção de uma revisão dos fundamentos fácticos de tal decisão favorável ao requerido/impugnante, necessário se torna que os novos meios de prova produzidos (ou, segundo uma interpretação extensiva, a nova instância das testemunhas ou declarantes anteriormente ouvidos) e por aquele indicados nas suas alegações imponham uma decisão diversa sobre os pontos fácticos impugnados, sob pena de se manter o inicialmente considerado provado, certo, para além do mais, que não se exige ao juiz, na reapreciação da medida anteriormente decretada, a utilização de um critério mais rigoroso do empregue na primeira decisão;
II- Assim sendo, no recurso da decisão proferida após a oposição, terão também que ser estes “novos meios de prova” (com a amplitude que acima se deu a este conceito) a sustentar a pretensão de alteração da decisão relativa à matéria de facto, por imporem decisão diversa da firmada pela primeira instância;
III- Para efeito da restituição provisória de posse, “é violento todo o esbulho que impede o esbulhado de contactar com a coisa possuída em consequência dos meios usados pelo esbulhador”;
IV- A colocação de um portão, fechado à chave, que impede o exercício da posse deve ser considerada como esbulho violento por via da subsunção de tal comportamento ao conceito de “coação física”, no sentido de que um portão assim fechado, “como um obstáculo que constrange, de forma reiterada a posse dos requerentes, impedindo-os de a exercitar como anteriormente faziam”, corresponde a uma força (uma barreira física) que impossibilita, obstrui, o exercício da posse sobre a coisa.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

A. Relatório

I. A. M., casado com C. S. e M. J., casado com A. R., requereram procedimento cautelar de restituição provisória da posse com dispensa do ónus de propositura da ação principal.
Para o efeito, alegaram que, juntamente com os requeridos, são comproprietários do prédio rústico que identificam, que o mesmo tem sido ao longo dos anos utilizado pelos comproprietários, usufruindo cada um de uma parcela do terreno fisicamente delimitada, sendo que para aceder a qualquer uma das três parcelas do terreno apenas existe uma entrada/abertura, situada na parcela utilizada pelos requeridos, por onde os requerentes sempre entraram, percorrendo esta última parcela para aceder às que utilizam. Todavia, recentemente, os requeridos colocaram um portão a tapar essa entrada e fecharam-no à chave, recusando a entrega das chaves aos requerentes, o que os tem impedido de utilizar as suas parcelas do terreno e lhes tem causado prejuízo.

Produzida a prova, foi proferida sentença contendo a seguinte decisão:
Atentos os motivos expostos:
- Defiro a providência cautelar requerida e, em consequência, ordeno a restituição provisória da posse dos requerentes sobre o prédio rústico composto por cultura arvense de sequeiro e mato, com a área de 1999m², sito no lugar denominado “X”, na freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ..., da referida freguesia e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ..., incluindo sobre o caminho situado na parcela que vem sendo utilizada pelos requeridos e que serve de acesso para as parcelas de terreno utilizadas pelos requerentes.
- Decreto a inversão do contencioso, nos termos dos artigos 369.º, nº 1, e 376.º, n.º 4, do C.P.C., em consequência do que dispenso os requerentes do ónus de propositura da ação principal.
Esteve na base do decretamento da providência a titularidade do direito de propriedade dos requerentes, enquanto comproprietários, sobre o prédio objeto dos autos, incluindo sobre a respetiva parcela onde foi colocada a vedação pelos requeridos, e a privação da posse sobre tal prédio comum por obra dos requeridos, que colocaram vedação em tal parcela, que era utilizada pelos requerentes para aceder ao resto do prédio.
Notificados, os requeridos M. T. e M. R. apresentaram oposição à providência decretada sem contraditório prévio com vista a alegar factos e a produzir meios de prova que não foram tidos em conta pelo Tribunal e que, no seu entendimento, afastam os fundamentos da referida providência.
No que respeita aos novos factos trazidos pelos Requeridos com a sua oposição, alegaram os mesmos, em primeiro lugar, que as fechaduras dos portões que permitem o acesso ao prédio em regime de compropriedade foram colocadas, não no início do ano de 2019, como sustentam os requerentes, mas sim entre o mês de Junho e o início do mês de Julho de 2018, motivo pelo qual o direito dos requerentes a obter a restituição provisória da posse já se encontrava caducado em 11 de Outubro de 2019, data da apresentação do requerimento inicial, e, em segundo lugar, que entregaram as chaves daquelas fechaduras aos requerentes, mas que estes as rejeitaram, assim concluindo no sentido da inexistência de esbulho. Por último, opuseram-se à inversão do contencioso, porquanto, segundo eles, este procedimento não permite formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado nem a providência é adequada a realizar a composição definitiva do litígio.
Produzida a prova, a oposição foi julgada improcedente, tendo sido mantida a providência decretada e a inversão do contencioso.
Os Requeridos recorreram desta decisão apresentando as seguintes conclusões:

PRIMEIRA CONCLUSÃO
No dia 14 de julho de 2020 foi, no âmbito destes autos, prolatada douta sentença, que tendo julgado, como julgou, improcedente, a oposição apresentada pelos recorrentes, é completamente desfavorável a estes, constituindo tal sentença o objeto do presente recurso.

SEGUNDA CONCLUSÃO
Tendo a total improcedência dessa oposição, decorrido, designadamente, de nela terem sido dados, como não provados, os factos constantes dos números 1 e 2, ambos do ponto 4, de tal sentença, e mantidos como provados os factos que constam dos números 19, 20, 21 e 22, todos do ponto 4, da decisão de 28 de outubro de 2019.

TERCEIRA CONCLUSÃO
O que não pode merecer, nem merece, a concordância dos recorrentes, na medida em que eles entendem que os dois factos, atrás, e sob os números 1 e 2 referidos, deveriam antes ter sido dados como provados, e os mencionados, sob os números 19, 20, 21 e 22, como não provados.

QUARTA CONCLUSÃO
O que, só por si, seria, ou será, suscetível de alterar o sentido da sentença sob recurso, o mesmo sucedendo aliás com a impugnação, que adiante no texto se vai fazer também, da matéria de direito, relativamente à qual a sentença apelada padece igualmente de erros de julgamento, sendo estes erros de direito.

QUINTA CONCLUSÃO
O que tudo nos empurra, e de uma forma inexorável, para a impugnação, não só da matéria fáctica, ao abrigo do possibilitado pelo estatuído no artigo 640.º, do CPC, mas igualmente da matéria de direito, como permite o artigo 639.º, do mesmo compêndio legal adjetivo de base.

SEXTA CONCLUSÃO
Indo pois, no presente recurso, os recorrentes impugnar matéria de facto (artigo 640.º, 9 do CPC) e matéria de direito (artigo 639.º, do CPC).

SÉTIMA CONCLUSÃO
E, quanto ao que a tal matéria de facto tange, especifica-se, em cumprimento do artigo 640.º, do CPC, o seguinte:

A) Os concretos pontos de facto que os recorrentes consideram que foram incorretamente julgados na sentença sob recurso (artigo 640.º-1-a), do CPC), são, os factos que, nos atrás mencionados números 1 e 2, ambos do ponto 4, de tal sentença, foram dados como não provados, e aqueles que, com os números 19, 20, 21 e 22, da decisão de 28 de outubro de 2019, foram considerados provados, tendo todos esses seis factos, naturalmente na opinião dos recorrentes, relevância para a sorte deste procedimento cautelar, na qual, repita-se, e ao contrário daquilo que sucedeu, os dois primeiros deveriam ter sido dados como provados, e, os quatro restantes, como não provados, sendo esses seis factos os seguintes.

Facto 1
Foi durante o mês de junho de 2018, ou, o mais tardar, no início do mês de julho desse ano, que os, no procedimento cautelar requeridos, aqui recorrentes, colocaram nos portões em causa nestes autos, as fechaduras que estiveram n origem do procedimento cautelar em questão (Facto 1, do ponto 4 da sentença apelada).
Facto 2
As chaves das aludidas fechaduras foram colocadas à disposição dos requerentes no procedimento cautelar, aqui requeridos, mas estes devolveram-nas (Facto 2, do ponto 4 da sentença apelada)
Facto 3
No início do ano de 2019 os requeridos colocaram um portão à entrada do caminho referido nos autos, fechando-o à chave, e impedindo os requerentes de acederem ao terreno em causa nestes autos (Facto 19, da decisão de 28 de outubro de 2019).
Facto 4
Os requerentes solicitaram aos requeridos a abertura imediata do portão em questão (Facto 20, da decisão de 28 de outubro de 2019).
Facto 5
Os requeridos, no entanto, não procederam à abertura do mesmo portão, nem cederam uma cópia das chaves aos requerentes, para que estes pudessem aceder ao terreno atrás referido (Facto 21, da decisão de 28 de outubro de 2019)
Facto 6
Estão assim os requerentes impedidos de aceder ao terreno em causa, de o cultivar, de colher os frutos e as lenhas (Facto 22, da decisão de 28 de outubro de 2019)

B) Os concretos meios probatórios, constantes do processo, ou de registo ou gravação nele processo realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (artigos 640.º-1-b), do CPC), isto é, que impunham que os primeiros dois factos, constantes da alínea A) anterior, que, repita-se, são relevantes para a decisão, tivessem sido considerados como provados, e que os quatro restantes factos, constantes também da mesma alínea A), devessem ter sido considerados como não provados, são todos os meios probatórios, produzidos nos autos, designadamente a prova documental, a prova por declarações de parte, nomeada e principalmente, dos requerentes do procedimento cautelar, A. M. e M. J. e a prova testemunhal, especialmente das testemunhas M. L. e D. R., meios probatórios esses que, quando a sentença sob recurso foi proferida, se encontravam já todos nos autos.
Acrescendo ainda que, e no que toca aos quatro últimos, dos seis factos atrás referidos, e sendo tais quatro factos, como, pelo menos de certa maneira são, contraditórios com os dois restantes, ou seja, com os dois primeiros, serem estes, como se pretende, considerados provados, importa, necessariamente, que aqueles sejam considerados não provados.
C) A decisão que, no entender dos recorrentes, devia ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas (artigos 640.º-1-c), do CPC 2013), isto é, sobre os seis factos, constantes da alínea A) anterior, era, e é, e ao contrário do que sucedeu, serem, desses seis factos, os dois primeiros, considerados como provados e, os quatro restantes, considerados como não provados.

OITAVA CONCLUSÃO
Continuando com esta temática da impugnação da matéria de facto, mencione-se, como se menciona, que, havendo, como há, meios probatórios invocados, como fundamento do erro na apreciação das provas, que foram gravados, meios esses que consistem nas declarações de parte dos requerentes da providência cautelar, A. M. e M. J. e das testemunhas M. L. e D. R. indicam-se, com exatidão, e em cumprimento do comandado no artigo 640.º-2-a), do CPC, as passagens da gravação em que se funda, quanto à alteração da matéria de facto pretendida, o presente recurso, passagens essas que são as seguintes:

Dia 28 de outubro de 2019
Declarante de Parte A. M.
•A declaração de parte total deste declarante de parte, que decorreu, no dia 28 de outubro de 2019, vai desde as 10 horas 17 minutos e 48 segundos até 23 às 10 horas 34 minutos e 26 segundos (00:00:01 a 00:16:37), contendo tal declaração de parte, desde os 15 minutos e 16 segundos, até ao minuto 15 e 27 segundos, a parte dela com relevância para a prova do que aqui está em causa, parte essa que se transcreve:
“Doutora I. M. – Advogada
Voltou a fechá-lo, foi recente, então? Foi algo recente, foi?
A. M. – Declarante de Parte
Recente, recente, não, já vai se calhar perto de um ano.
Doutora I. M. – Advogada
Que fechou outra vez?”

Dia 28 de outubro de 2019
Declarante de Parte M. J.
•O depoimento total deste declarante de parte que decorreu, no dia 28 de 21 outubro de 2019, vai desde as 10 horas 35 minutos e 23 segundos até 10 horas 47 minutos e 02 segundos (00:00:01 a 00:11:39), contendo tal declaração de parte, desde os 06 minutos e 34 segundos, até aos 06 minutos 24 e 58 segundos, primeiro, e depois do 08 minutos e 39 segundos até aos 08 25 minutos e 50 segundos, as partes dela com relevância para a prova do que aqui está em causa, partes essas que se transcrevem:
“Doutora I. M. – Advogada
Essa entrada está aberta, ou não está?
M. J. – Declarante de Parte
A entrada agora está fechada com um portão.
Doutora I. M. – Advogada
Agora e quem é que fechou, quem é que colocou esse portão?
M. J. – Declarante de Parte
Quem colocou esse portão foi a Senhora M. T..
Doutora I. M. – Advogada
Olhe e esse portão está fechado à chave, está aberto?
M. J. – Declarante de Parte
Não, está fechado à chave.”
“Doutora I. M. – Advogada
A D. M. T. portanto fechou o portão? Não tem chave do portão?
M. J. – Declarante de Parte
Não tenho nada. Eu tinha mas… que ela deu-me a mim uma chave.
Doutora I. M. – Advogada
Deu-lhe uma chave, eh?

Dia 25 de junho de 2020

•Testemunha M. L.

O depoimento total desta testemunha, que decorreu, no dia 25 de junho de 12 2020, vai desde as 11 horas 24 minutos e 31 segundos até 11 horas 36 13 minutos e 41 segundos até às 10 horas 47 minutos e 02 segundos (00:00:01 14 a 00:12:09), contendo tal declaração de parte desde o minuto 04 e 02 15 segundos, até ao minuto 04 e 55 segundos, a parte dela com relevância para a prova do que aqui está em causa, parte essa que se transcreve:
“Doutor F. B. – Advogado
E as fechaduras ficaram logo fechadas?
M. L. – Testemunha
Ficaram logo fechadas.
Doutor F. B. – Advogado
E foram dadas as chaves dessas fechaduras a alguém?
M. L. – Testemunha
Foi dado sim senhor, umas até fomos entregar diretamente.
Doutor F. B. – Advogado 7
Fomos quem? 9
M. L. – Testemunha 11
Ao Senhor… 13
Doutor F. B. – Advogado 15 Mas fomos quem?
Doutor F. B. – Advogado 18
Eu e o meu filho 20
Doutor F. B. – Advogado 22
Ah, o seu filho 24
M. L. – Testemunha 26
Fomos entregar a esse M. J. que é o que tem o terreno mesmo ao lado da minha mãe, o que tem acesso por lá, e ele não as aceitou, disse que não queria chaves nenhumas, disse que se a minha mãe tapasse que ele voltaria a abri-las da maneira que fosse.
Doutor F. B. – Advogado
Então não ficou com as chaves, não?
M. L. – Testemunha
Não pegou nelas.
Doutor F. B. – Advogado
E quanto ao outro Senhor, que isto são dois Senhores é um o M. J., e o outro A. M..
M. L. – Testemunha
Sim, ao outro Senhor foi o próprio advogado que lhe mandou as chaves.
Doutor F. B. – Advogado
Mandou-lhe as chaves?
M. L. – Testemunha
Mandou.
Doutor F. B. – Advogado
E o que é que aconteceu a essas chaves, sabe?
M. L. – Testemunha
O que aconteceu foi que ele mandou-as para trás para o Senhor Doutor, ele não as quis, mandou-as para trás.

Dia 25 de junho de 2020

•Testemunha D. R.

O depoimento total desta testemunha que decorreu, no dia 25 de junho de 10 2020, vai desde as 11 horas 39 minutos e 47 segundos até 11 horas 44 11 minutos e 47 segundos (00:00:01 a 00:04:38), contendo tal depoimento 12 desde os 03 minutos e 13 segundos, até aos 04 minutos e 30 segundos, a parte dela com relevância para a prova do que aqui está em causa, parte 14 essa que se transcreve:
“Doutor F. B. – Advogado
Foi colocada uma fechadura. E foi o Senhor que a colocou? Não sabe quando foi, estava lá e assistiu?
D. R. – Testemunha
Não, não assisti a nada.
Doutor F. B. – Advogado
Não assistiu a nada. E sabe quando é que foi colocada?
D. R. – Testemunha
Em agosto.
Doutor F. B. – Advogado
Em agosto de que ano?
D. R. – Testemunha
De 2018.

Doutor F. B. – Advogado
Sim senhor, e então essas fechaduras foram fechadas à chave?
D. R. – Testemunha
Sim.
Doutor F. B. – Advogado
E essas chaves?
D. R. – Testemunha
Foram entregues a quem tinha direito.
Doutor F. B. – Advogado
Foram entregues?
D. R. – Testemunha
Fui eu que as fui entregar.
Doutor F. B. – Advogado
Foi entregá-las a quem?
D. R. – Testemunha
Fui entregá-las ao M. J..
Doutor F. B. – Advogado
Onde? Ele vivia lá em Soutelo?
D. R. – Testemunha
Sim está a morar lá em Soutelo
Doutor F. B. – Advogado
Mas que? Foi lá a casa dele?
D. R. – Testemunha
Por acaso naquela hora que fui lá entregar as chaves ele estava a sair de casa que ia para o campo, e eu aproveitei ia lhe dar as chaves.
Doutor F. B. – Advogado
Ele mora lá perto da casa da sua avó esse Senhor?
D. R. – Testemunha
A cinco minutos a pé, no fundo do povo.
Doutor F. B. – Advogado
E então o Senhor dirigiu-se a ele e disse-lhe o quê? Fechamos os portões, tem aqui as chaves. Disse-lhe o quê?
D. R. – Testemunha
Disse-lhe que tinha aqui as chaves, que foi a minha avó que lhas mandou dar, e ele não quis as chaves, e disse que quem cortou a primeira vez corta a segunda. E eu pronto, se não quis as chaves, não pude fazer mais nada.
Doutor F. B. – Advogado
Não quis as chaves, não é?
D. R. – Testemunha
Não.
Doutor F. B. – Advogado
E o Senhor ficou com elas.
D. R. – Testemunha
Ainda lhe dei as chaves para a mão e ele não quis.
Doutor F. B. – Advogado
E quanto ao outro Senhor? Sabe alguma coisa se lhe deram chave, se não deram? Este Senhor?
D. R. – Testemunha
Acho que foi o advogado que mandou.
Doutor F. B. – Advogado
Mas o Senhor não interveio nisso, não?
D. R. – Testemunha
Não disso não sei nada.
Doutor F. B. – Advogado
Pronto, e depois não sabe mais nada?
D. R. – Testemunha
Não, não sei mais nada.
Doutor F. B. – Advogado
Pronto, é só.

NONA CONCLUSÃO
Por fim, e terminando com a temática da impugnação da matéria de facto, diga-se em conclusão e em resumo, que, das declarações de parte, e dos depoimentos testemunhais, atrás referidos e transcritos, bem como do documento número 1 anexo à oposição, resulta, com a clareza do relâmpago, que os portões em causa neste procedimento cautelar, foram, pelos recorrentes, pela terceira e ultima vez, fechados à chave no decurso do verão de 2018, ou seja, mais de um ano antes do dia 11 de outubro de 2019, que foi a data, em que o procedimento cautelar, foi apresentado em tribunal.

DÉCIMA CONCLUSÃO
Decorrendo também dessas provas que as chaves em causa foram entregues aos recorridos, que, no entanto, as devolveram posteriormente aos recorrentes, conduzindo, a prova dos dois primeiros factos, referidos na alínea A), da Conclusão Sétima anterior, e a não prova dos restantes quatro factos, na mesma alínea A), mencionados também, à procedência da oposição, e à consequente improcedência do procedimento cautelar em causa, e levantamento da providência cautelar de restituição provisória de posse, no mesmo procedimento cautelar decretada.

DÉCIMA PRIMEIRA CONCLUSÃO
E isto, porque tendo os recorridos possibilidades de aceder às chaves de tais portões, chaves essas que chegaram a ter na posse deles, tendo-as voluntariamente devolvido, ou de as solicitarem posteriormente aos recorrentes, que sempre se dispuseram, e continuam aliás a dispor-se, a entregar-lhes tais chaves, lhes fenecia o pressuposto processual inominado do interesse em agir.

DÉCIMA SEGUNDA CONCLUSÃO
Sendo certo que, ainda que assim não fosse, que assim é, o que aqui e agora se admite, mas, apenas e unicamente, como uma mera hipótese teórica e dialética de raciocínio, sem contudo conceder, nem prescindir, sempre, quando, em 11 de outubro de 2019, foi intentado, pelos recorridos, o procedimento cautelar em causa, o direito de o fazerem já estava caducado, face ao comandado nos artigo 1.267.º-1-d) e 1.282.º, ambos do CC, artigos estes que têm aplicabilidade em sede cautelar.

DÉCIMA TERCEIRA CONCLUSÃO
Procedência essa que decorre igualmente, entrando assim na impugnação da matéria de direito, da sentença em crise, padecer também de erros de julgamento, consistentes em erros de direito, justificativos, e por eles só, da anulação da mesma sentença (artigo 13 639.º-1-in fine, do CPC).

DÉCIMA QUARTA CONCLUSÃO
Na verdade, por um lado, a violência a que aludem os artigos 377.º e 378.º, ambos do CPC, é uma violência destrutiva, ou seja, que destrói qualquer obstáculo que impede que o esbulhador tenha, ou aceda, à posse da coisa em causa, e não uma violência, construtiva, como, na ótica dos recorridos, no caso em análise, ocorreu.

DÉCIMA QUINTA CONCLUSÃO
E, por outro lado, tal violência, prevista nos artigos 377.º e 378.º, os dois do CPC, e 23 como decorre dos artigos 255.º, 1.261.º-2 e 1.269.º, os três do CC, é uma violência que, para poder ter relevância em termos do procedimento cautelar da restituição provisória de posse, tem que incidir sobre pessoas, ou, e dando de barato, sem contudo conceder, que ela pode também incidir sobre coisas, terá, que ter reflexos, ainda que indiretos, como forma de intimidação sobre as pessoas, não tendo no nosso caso sucedido, nem sido alegado que sucedeu, alegação essa que recaia sobre os aqui recorridos, nem uma coisa nem outra.

DÉCIMA SEXTA CONCLUSÃO
Tendo pois a sentença sob recurso violado, como violou, diversas disposições legais, designadamente, os artigos 255.º, 1.261.º-2. 1.267.º-1-d), 1.269.º, e 1.282.º todos do CC e 377.º e 378.º, os dois do CPC.
DÉCIMA SÉTIMA CONCLUSÃO
Devendo por isso, ou seja, por erros quanto ao julgamento, quer da matéria de facto, quer quanto à matéria de direito, que se traduziram estes, designadamente, na violação das normas legais atrás referidas, ser, a sentença em causa, posto que mui douta, anulada (artigo 639.º-1-in fine, do CPC).

DÉCIMA OITAVA CONCLUSÃO
Proferindo-se, para isso, acórdão, que considere que a sentença recorrida incorreu em erros o julgamento, quer da matéria de facto, quer da matéria de direito, violando, designadamente, os atrás referidos artigos 255.º, 1.261.º-2. 1.267.º-1-d), 1.269.º, e 21 1.282.º todos do CC e 377.º e 378.º, os dois do CPC e que, consequentemente, num sistema cassatório, anule tal sentença (artigo 639.º-1-in fine, do CPC), e, num sistema de substituição, considere total e completamente, procedente a oposição, apresentada pelos recorrentes, com a consequente improcedência do procedimento cautelar em causa e o levantamento da providência cautelar nele ordenada, repondo-se nos dois portões em questão as respetivas fechaduras, ficando as chaves em poder quer dos recorrentes, quer dos recorridos, o que tudo se peticiona a V. Exas.
Os Requerentes/Recorridos contra-alegaram pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
**

B. Delimitação do objeto do recurso

Como é sabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, do NCPC).

Assim sendo, no caso, é a seguinte a questão a decidir:

- Saber se ocorreu erro de julgamento na decisão da matéria de facto e, consequentemente, erro na apreciação jurídica efetuada;
- Saber se os factos apurados são ou não suscetíveis de integrar o conceito de violência para efeito da restituição provisória de posse.
***
C. Os factos

A primeira instância proferiu a seguinte decisão quanto à matéria de facto:

I. Com base na prova efectuada na fase anterior ao exercício do contraditório por parte dos requeridos, foram considerados provados os seguintes factos:

1. O prédio rústico composto por cultura arvense de sequeiro e mato, com a área de 1999m², sito no lugar denominado “X”, na freguesia de ..., concelho de ..., encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ..., da referida freguesia e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ....
2. Encontra-se inscrita a favor dos primeiros requerentes, com data de 16.4.2018, a aquisição por usucapião de quota correspondente a 1/6 do prédio descrito em 1.
3. Encontra-se inscrita a favor dos primeiros requerentes, com data de 17.4.2018, a aquisição por usucapião de quota correspondente a 1/6 do prédio descrito em 1.
4. Encontra-se inscrita a favor dos requeridos, com data de 24.1.2006, a aquisição por compra de quota correspondente a 2/3 do prédio descrito em 1.
5. Os requerentes, por si e seus antepossuidores, têm utilizado o imóvel descrito em 1 por mais de 80 anos consecutivos, administrando-o, benfeitorizando-o, cultivando e colhendo os respetivos frutos, cortando o mato, aproveitando a lenha e fruindo de todas as utilidades proporcionadas pelo mesmo.
6. Actos praticados à vista e com o conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém, ininterruptamente, considerando-se e sendo considerados por todos como comproprietários do prédio, na convicção de que não lesavam direitos de outrem.
7. O dito imóvel primitivamente pertencia a uma única pessoa – avô do 1º e 4º Requerentes - pelo que, foi totalmente cercado com um muro em pedra, configuração que ainda permanece na presente data, com acesso por um caminho em terra batida, com início no caminho público e continuidade junto ao muro, ao longo de todo o prédio.
8. Entretanto, nos anos 50, aquele dividiu o imóvel em três e repartiu-o pelos seus três filhos: J. M., casado com E. G., M. A., casado com Maria, e I. M., casada com AB..
9. Todos eles passaram a utilizar imediatamente as suas parcelas, procederam à demarcação das mesmas com o auxílio de marcos, cortavam o mato, aproveitavam a lenha, cultivavam e colhiam os respetivos frutos, acedendo a cada uma das suas parcelas através do mesmo caminho em terra batida.
10. O acesso apeado a cada uma das fracções sempre se fez e faz através do caminho já existente há mais de 80 anos.
11. O J. M., para aceder à sua parcela, iniciava o trajecto na parcela da I. M. até à sua; o M. A., por sua vez, iniciava o trajeto na parcela da I. M., depois pela parcela do M. A. até chegar à sua.
12. Os três irmãos, enquanto comproprietários, usaram o dito caminho durante mais de 30 anos.
13. No ano de 1984, o José e esposa doaram verbalmente ao filho e aqui primeiro requerente, já no estado de casado, a sua parcela.
14. Desde então, o primeiro e a segunda Requerentes tomaram posse da sua parcela, cortando mato, cultivando e colhendo os frutos, ou familiares a seu mando, quando ausentes no estrangeiro, tendo acesso à mesma, a pé, através do dito caminho em terra batida que existe há mais de 80 anos, pelo que, iniciavam o trajeto na parcela da tia I. M. até chegar à sua.
15. No ano de 1997, o M. A. e a esposa doaram verbalmente à filha, aqui 4ª Requerente, já no estado de casada, a sua parcela.
16. Desde então, os 3º e 4ª Requerentes passaram a utilizar a sua parcela, cortando mato, aproveitando lenha, cultivando e colhendo os frutos, tendo acesso à mesma, a pé, através do dito caminho em terra batida que existe há mais de 80 anos, pelo que, iniciavam o trajeto na parcela da tia I. M., depois pela do 1º e 2ª Requerentes até chegar à sua.
17. Em 24.01.2006, a I. M. vendeu aos Requeridos a sua parcela de terreno.
18. E os requerentes continuaram a ter acesso às suas parcelas através do mesmo caminho.
19. Sucede, porém, que, no início do ano de 2019, os Requeridos colocaram um portão, à entrada do referido caminho, sem qualquer conhecimento ou consentimento dos Requerentes, fechando-o à chave, impedindo-os de aceder à sua parcela de terreno.
20. Os Requerentes solicitaram aos Requeridos a abertura imediata do portão.
21. No entanto, os Requeridos não procederam à abertura do mesmo nem cederam uma cópia da chave aos Requerentes para que pudessem aceder ao prédio.
22. Estão assim, os Requerentes impedidos de ter acesso à sua parcela de terreno, de o cultivar, cuidar, colher os frutos e lenhas.

II. Com base na prova efectuada na fase anterior ao exercício do contraditório por parte dos requeridos, não ficaram por provar outros factos com relevo para a prolação da decisão.

III. Com base na prova efectuada na fase posterior ao exercício do contraditório por parte dos requeridos, resultaram provados os seguintes factos:

1. Os requeridos instauraram contra os requerentes um processo criminal ao qual foi atribuído o número 284/18.8T9PRG, com fundamento na circunstância de os requerentes terem destruído duas fechaduras e cadeados colocados pelos requerentes no imóvel em mérito.
2. Para além do portão mencionado em I.19, os requeridos colocaram outro portão que igualmente vedou o acesso ao imóvel em causa neste procedimento cautelar, dotando-o também de fechadura e fechando-o igualmente à chave.

IV. Com base na prova efectuada na fase posterior ao exercício do contraditório por parte dos requeridos, resultaram não provados os seguintes factos:

1. Foi durante o mês de Junho de 2018 ou, o mais tardar, no início do mês de Julho de 2018 que os requerentes colocaram nos portões aludidos em I.19 e III.2 as fechaduras que ocasionaram o presente procedimento cautelar.
2. As chaves das aludidas fechaduras foram colocadas à disposição dos requerentes, mas os requerentes devolveram-nas.

D. O Direito.

- Da impugnação da matéria de facto

Para ser decretada a providência é necessário que haja probabilidade séria da existência do direito (artigo 368º, nº 1, CPC), o mesmo é dizer, como refere Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 2ª Edição, pág. 37, que a prova em causa “basta ser sumária ou constituir uma simples justificação (Vaz Serra, Provas, BMJ, 110, p. 79) ou um juízo de verosimilhança (Abrantes Geraldes, Temas cit. III, p. 90); é a summaria cognitio do antigo direito, designação que os autores italianos continuam ainda a usar, todas estas designações inculcando a ideia de que o procedimento cautelar, porque urgente e conducente a uma providência provisória, não se compadece com as indagações probatórias próprias do processo principal, contentando-se, quanto ao direito ou interesse do requerente, com a constatação objetiva da grande probabilidade de que exista…”
É, pois, em princípio, bastante um juízo de verosimilhança sobre os factos que “supera os meros indícios”, mas “longe do que se revela necessário para o reconhecimento do direito na ação principal.” (Abrantes Geraldes e outros, CPC Anotado, pág. 429).
Todavia, para decretar a inversão do contencioso – como foi o caso – é já superior o nível de convicção necessário: na verdade, a exigência de uma convicção segura acerca do direito, consagrada no art. 369º, nº 1, do CPC, ultrapassa os limites do fumus boni iuris do art. 368º, nº 1, do mesmo código, representando, na prática, um nível de segurança próximo daquele que se mostraria necessário para a apreciação e reconhecimento do mesmo direito na ação principal, caso esta tivesse sido instaurada.
Por outro lado, interessa não perder de vista que estamos a tratar de um incidente de oposição a uma providência cautelar já decretada, meio previsto no art. 372º, nº1, al. b), do C. P. Civil.
Como salienta António Santos Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, Almedina, 1998, pág. 160, “a observância do contraditório mesmo em sede dos procedimentos cautelares não deixa de constituir um elemento que potencia o melhor esclarecimento da questão litigiosa e permite maior certeza e segurança na decisão, uma vez que, como é natural, a parcialidade do requerente pode conduzir a que alegue apenas os factos que beneficiam a sua posição, carregando o quadro com as cores luminosas do seu alegado direito e com as cores negras do periculum in mora.
A sua posição de parte interessada potencia a indicação de meios de prova que lhe são favoráveis e a ocultação dos restantes, com isso influenciando o julgador que, alheio ao litígio, e confrontado apenas com uma das versões, pode ser induzido, erroneamente, a decretar uma medida cautelar injusta, sem correspondência com a verdade material escondida por detrás de manobras maliciosas ou tendenciosas do requerente”.

Daí que, quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, lhe seja lícito, em alternativa, na sequência da notificação prevista no nº 6 do artigo 366º:

a) Recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida;
b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 367º e 368º. (art. 372º, nº 1 do CPC).

O requerido terá, pois, de optar entre um, ou outro, dos meios de reação à sua disposição: ou recorre da decisão de decretamento da providência cautelar, nomeadamente sindicando o julgamento feito da matéria de facto realizado, a suficiência dos factos apurados para o decretamento da providência, ou a seleção, interpretação e aplicação feita da lei; ou deduz oposição à mesma, visando então alegar novos factos que infirmem os fundamentos do seu decretamento, ou produzir novos meios de prova que abalem a credibilidade conferida aos inicialmente considerados. (Acórdão da Relação de Guimarães de 30.03.2017, Relatora – Maria João Marques)
Assim, “sem prejuízo de uma valoração global dos meios de prova produzidos na primeira fase (antes do decretamento da medida) e no âmbito da oposição, o certo é que o objectivo fundamental deste meio de defesa não é o de proceder à reponderação dos primeiros, actividade que mais se ajusta ao recurso da decisão em cujo âmbito se inscreva a reapreciação do julgamento sobre a matéria de facto” (Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. III, 1998, pág. 232).
Como se frisa no Acórdão desta Relação de Guimarães de 16.03.2017 (Relator - Pedro Alexandre Damião e Cunha), apoiando-se também no referido autor e obra, na oposição, “não se trata de facultar ao mesmo tribunal a reapreciação da decisão, a partir dos mesmos elementos, mas de conferir a possibilidade de revisão da convicção anteriormente formada, através de novos meios de prova ou de novos factos com que o tribunal não pode contar” (no mesmo sentido, ver ainda o Acórdão da Relação de Guimarães, de 11.01.2018, Relator – José Cravo), sem prejuízo de, entendemos nós, com base numa interpretação extensiva do art. 372º, nº 1, al. b) do C.P.C., se admitir que o requerido possa “querer exercer o direito a intervir que lhe é facultado pelo art. 517-2, sem pretender simultaneamente alegar novos factos ou produzir novos elementos de prova”, nomeadamente através da instância de testemunhas ou de declarantes já ouvidos (José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 46).
Daí que, apesar de, como se considerou no Acórdão do STJ, de 6 de Julho de 2004, do n.º 2 do artigo 388º do CPC (atual, art. 372º), decorrer que “a decisão inicialmente proferida no procedimento cautelar, sem contraditório do requerido, é uma mera “decisão provisória”, insusceptível de constituir caso julgado que impeça a ulterior apreciação jurisdicional da oposição deduzida, de uma forma superveniente, pelo requerido, constituindo a segunda decisão complemento ou parte integrante da primeira, pelo que – emitida esta – o procedimento passa a ter uma decisão unitária” e não obstante ser certo que, “sendo admissível recurso desta segunda decisão, proferida sobre a oposição, o seu objecto pode compreender a impugnação pelo requerido dos fundamentos da decisão inicial que decretou a providência”, não se deva esquecer que, para obtenção de uma, usando as palavras de Abrantes Geraldes, revisão dos fundamentos fácticos de tal decisão favorável ao requerido/impugnante, necessário se torna que os novos meios de prova produzidos (ou, segundo a interpretação extensiva acima referida, a nova instância das testemunhas ou declarantes anteriormente ouvidos) e por aquele indicados nas suas alegações imponham uma decisão diversa sobre os pontos fácticos impugnados, sob pena de se manter o inicialmente considerado provado, certo, para além do mais, que não se exige ao juiz, na reapreciação da medida anteriormente decretada, a utilização de um critério mais rigoroso do empregue na primeira decisão (cfr. obra e autor que temos vindo a citar, pág. 238, referindo em favor de tal posição a opinião de Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 1997, p. 233, segundo o qual, o juiz deve usar na apreciação dos novos meios de prova o mesmo critério de verosimilhança que utilizou no primeiro momento).
E, assim sendo, no recurso da decisão proferida após a oposição, terão também que ser estes “novos meios de prova” (com a amplitude que acima se deu a este conceito) a sustentar a pretensão de alteração da decisão relativa à matéria de facto, por imporem decisão diversa da firmada pela primeira instância.
Isto esclarecido, vejamos, então, quais os meios de prova que, no caso, foram indicados pelos Recorrentes como impondo decisão diversa da firmada.
Dizem eles que, relativamente aos números 1 e 2 do ponto IV da decisão relativa à matéria de facto – que entendem deveriam integrar os factos provados – e aos números 19, 20, 21 e 22 (do ponto I) – que defendem deveriam ter sido considerados como não provados –, impõem as alterações por si propugnadas a prova por declarações de parte dos Requerentes do procedimento cautelar, A. M. e M. J., e os depoimento das testemunhas M. L. e D. R., bem como o documento nº 1 junto com a oposição.
Ora, uma vez que só estes últimos são “novos”, não tendo tampouco sido requerida pelos Oponentes a possibilidade de instarem os Requerentes sobre a matéria objeto das declarações anteriormente prestadas e que serviram de base à decisão inicial, forçoso será tratar diferenciadamente as primeiras.

Debruçando-nos, pois, sobre o que é efetivamente “novo”, reapreciemos, então os referidos depoimentos e indicado documento, com vista à alteração da decisão relativa aos seguintes factos:

Facto 1
Foi durante o mês de junho de 2018, ou, o mais tardar, no início do mês de julho desse ano, que os, no procedimento cautelar requeridos, aqui recorrentes, colocaram nos portões em causa nestes autos, as fechaduras que estiveram n origem do procedimento cautelar em questão (Facto 1, do ponto 4 da sentença apelada).
Facto 2
As chaves das aludidas fechaduras foram colocadas à disposição dos requerentes no procedimento cautelar, aqui requeridos, mas estes devolveram-nas (Facto 2, do ponto 4 da sentença apelada)
Facto 3
No início do ano de 2019 os requeridos colocaram um portão à entrada do caminho referido nos autos, fechando-o à chave, e impedindo os requerentes de acederem ao terreno em causa nestes autos (Facto 19, da decisão de 28 de outubro de 2019).
Facto 4
Os requerentes solicitaram aos requeridos a abertura imediata do portão em questão (Facto 20, da decisão de 28 de outubro de 2019).
Facto 5
Os requeridos, no entanto, não procederam à abertura do mesmo portão, nem cederam uma cópia das chaves aos requerentes, para que estes pudessem aceder ao terreno atrás referido (Facto 21, da decisão de 28 de outubro de 2019)
Facto 6
Estão assim os requerentes impedidos de aceder ao terreno em causa, de o cultivar, de colher os frutos e as lenhas (Facto 22, da decisão de 28 de outubro de 2019)

Começar-se-á por enfatizar que, como é óbvio, não são segmentos truncados e descontextualizados das declarações de parte e dos depoimentos das testemunhas que poderão conduzir o tribunal de recurso à pretendida alteração da matéria de facto.
Na verdade, só a análise da globalidade do declarado, no confronto com a restante prova produzida, nos permite compreender o real sentido das palavras dos declarantes ou das testemunhas e a coerência ou incoerência das respetivas afirmações, a sustentabilidade ou, pelo contrário, a fragilidade do asseverado, só por essa via se logrando, pois, descortinar se a aparência dos extratos transcritos tem verdadeira consistência ou não é mais do que isso: mera aparência.
Neste ponto deve ainda sublinhar-se que a aferição da razoabilidade dos juízos de prova – quer os do julgador, quer os defendidos pelo recorrente ou pelo recorrido – enunciados em função do material probatório constante dos autos, incluindo as gravações ou transcrições dos depoimentos prestados, não pode deixar de ser feita “à luz das regras da experiência e da coerência empírico-lógica dum raciocínio pragmático sobre as ocorrências da vida”.

Ora, no caso em apreço, ouvida a prova testemunhal indicada pelos Recorrentes na tentativa de sustentar a prevalência da sua versão, desde já se dirá que a realidade inculcada pela globalidade dessa mesma prova é bem diferente da leitura dos extratos transcritos por aqueles preconizada e que o tratamento cognitivo da prova indicada, mediante o respetivo cotejo com a restante a este respeito produzida e a sua valoração segundo um critério de probabilidade lógica, não conduz às pretendidas alterações.
Com efeito, depois de ouvida a prova testemunhal gravada e de analisado o indicado documento junto com a oposição, bem como os demais documentos (juntos aquando da inquirição das testemunhas) que possibilitam uma objetiva localização no tempo dos eventos a que aludiu a testemunha M. L., acompanhamos inteiramente a perceção da juíza a quo quando sobre a prova produzida e, em particular sobre os depoimentos da referida testemunha e da testemunha D. R. e o documento junto com a oposição – carta de mandatário de um dos requerentes (A. M.), dirigida à requerida M. T. –, discorreu da forma exemplarmente clara, exaustiva e consistente que a seguir se reproduz:
Os requeridos não lograram provar que foi durante o mês de Junho de 2018 ou, o mais tardar, no início do mês de Julho de 2018 – e não no início de 2019, como alegam os requerentes - que os requerentes colocaram nos portões aludidos em I.19 e III.2 as fechaduras que ocasionaram o presente procedimento cautelar.
Em primeiro lugar, porque a testemunha M. L., filha da requerida M. T., começou por afirmar que, tendo tido lugar a colocação por várias vezes, pela sua mãe, de fechaduras nos portões, a colocação pela última vez das fechaduras – evento que ocasionou o presente procedimento cautelar – ocorreu em 2019, no mês de Agosto, facto que é do seu conhecimento por ter sido a própria testemunha a colocar as “últimas fechaduras”. Novamente questionada acerca da localização temporal deste evento, a testemunha não manifestou dúvidas a este respeito. Contudo, depois de muito questionada a este propósito, e, em particular, se não estaria confundida e se a colocação das últimas fechaduras não teria ocorrido em 2018, a testemunha vacilou, acabando por dizer que, se não foi em 2019, foi em 2018. Atentando apenas nestas declarações e na postura descrita, somos conduzidos à conclusão de a resposta mais espontânea – o ano de 2019 – parece corresponder à sua convicção sobre a realidade.
Acresce que, antes disto, a mesma testemunha dissera que, no ano anterior, mais concretamente, em 17 de Junho de 2018, data de que bem se lembra por ter coincidido com o dia da comunhão da filha, os requerentes haviam cortado as línguas de fechaduras que a mãe havia colocado nos portões, afirmação que é corroborada pelo teor da queixa criminal que deu origem ao processo n.º 284/18.8T9PRG, entregue no Ministério Público em 3 de Setembro de 2018, a qual se funda, precisamente neste episódio descrito pela testemunhas. Ora, a testemunha M. L., ainda no âmbito da questão acerca do facto sobre o qual nos debruçamos, acrescentou que aquilo de que tem a certeza é de que as últimas fechaduras foram colocadas após o pagamento por transferência bancária pelos requerentes de indemnização a que foram “condenados” no referido processo crime.
Analisando a documentação extraída desse processo crime, verifica-se que, não tendo existido uma sentença condenatória, existiu uma decisão de suspensão provisória do processo, datada de 31.1.2019, com a injunção de cada um dos requerentes indemnizar a requerida M. T. numa quantia monetária através de transferência bancária. Mais se verifica pelos documentos comprovativos do pagamento da indemnização que as transferências bancárias ocorreram no dia 15 de Março de 2019, o que nos leva a concluir que a colocação das fechaduras ocorreu após este dia 15 de Março de 2019, conclusão esta compatível com a primeira e mais espontânea afirmação feita pela testemunha M. L..
Por outro lado, encontra-se junto aos autos documento contendo auto de notícia da GNR datado de 29 de Março de 2019, ou seja, uma data, precisamente, posterior e próxima do pagamento daquela indemnização, descrevendo a deslocação ao prédio objecto destes autos por parte dos agentes daquela Guarda a pedido dos requerentes e a verificação de que não podiam entrar para o seu terreno porque o portão tinha fechadura trancada, o que adensa a convicção de que terá sido a colocação de fechadura pelos requeridos no ano de 2019, e não em 2018, que terá ocasionado este procedimento cautelar.
Acrescente-se que, questionada a testemunha D. R., neto da requerida, a este propósito, afirmou que foram colocadas fechaduras nos portões em Agosto de 2018. Todavia, não retirámos das suas palavras que estas fechaduras tenham sido as últimas a ser colocadas, não tendo ela contrariado o sentido da demais prova.
Os requeridos também não lograram provar que as chaves das aludidas fechaduras tenham sido colocadas à disposição dos requerentes e que os requerentes as tenham devolvido.
Tendo em vista esta sua alegação, os requeridos juntaram uma carta de mandatário de um dos requerentes (A. M.), dirigida à requerida M. T., na qual declara que devolve “em anexo” as chaves que foram enviadas ao cliente. Tal carta está datada de 25 de Junho de 2018, data posterior mas muito próxima dos eventos que fundaram a queixa crime que originou o processo n.º 284/18.8T9PRG.
Ainda que tal devolução tenha acontecido e, que, por conseguinte, em data anterior, a requerida tenha entregue ou enviado a este requerente chaves do portão, estamos a falar de factos não coincidentes com os factos objecto deste procedimento cautelar. Como se disse, o que ficou provado foi que, no início do ano de 2019 – e não em meados de 2018 -, os requeridos fecharam à chave um portão, impedindo os requerentes de entrarem no seu prédio, tendo sido nessa precisa sequência que os requerentes instauraram este procedimento cautelar, optando, desta feita, por não destruir a fechadura, provavelmente, a fim de evitar outro processo crime e o pagamento de outra indemnização.
Aliás, as testemunhas M. L. e D. R. afirmaram que foram, juntas, entregar as chaves do portão ao requerente M. J. e que este recusou recebê-las e que um advogado mando as chaves a outro requerente – A. M. -, mas que este as devolveu, situando este último facto na mesma sequência de eventos.
Ora, sabendo por documento junto pelos próprios requeridos e ao qual já nos referimos – a carta datada de 25 de Junho de 2018 – que a devolução da chave pelo requerente A. M. terá ocorrido em 2018 e sabendo, por motivos que já se deixaram expressos, que a colocação das últimas fechaduras, as que deram origem a este procedimento cautelar, ocorreu já em 2019, não é possível considerar provado que os requeridos tenham entregue as chaves aos requeridos após a colocação das últimas fechaduras e que os requerentes tenham recusado aceitar essas chaves.
Mais ainda, a testemunha M. L., que começara por afirmar que teve lugar a colocação de fechaduras nos portões por várias vezes, referiu que a mãe por duas vezes entregou as chaves aos requerentes e por duas vezes as chaves foram por eles devolvidas, sendo que a última entrega ocorreu em Agosto de 2018. Ora, considerando que o fecho dos portões à chave que deu origem a este procedimento cautelar teve lugar no início de 2019, as palavras desta testemunha acabam por confirmar que, desta última vez, não existiu entrega de chaves aos requerentes.
Com efeito, para além de coincidirmos com todo o juízo lógico-dedutivo efetuado pela primeira instância, é de realçar que da audição do depoimento de M. L. se verifica que esta disse expressamente que a colocação das últimas fechaduras ocorreu “depois do processo crime”, mais precisamente ainda, depois de paga a quantia de 250 €, ou seja, depois de 15 de março de 2019 e que, da audição do depoimento de D. R., resulta que tal depoimento não contém quaisquer elementos suscetíveis de abalar as deduções lógicas retiradas pela primeira instância da conjugação do depoimento da referida M. L. com os documentos relativos ao processo-crime constantes do processo.
Por outro lado, tendo presente que a carta junta com a oposição com vista à demonstração da devolução das chaves pelos Requerentes está datada de 25 de junho de 2018 é óbvio que o seu conteúdo só se pode referir a um evento prévio à última colocação das fechaduras, não comprovando, pois, a devolução de chaves a estas mesmas fechaduras respeitantes.
Quanto às declarações de parte dos requerentes do procedimento cautelar, A. M. e M. J., impõe-se relembrar que, como já frisamos antes, tais declarações foram prestadas antes de proferida a decisão inicial e nesta foram objeto de ponderação, não integrando o conjunto de novos meios de prova produzidos na sequência da dedução da oposição, e, assim sendo, como já antes sublinhamos, não tem os mesmos de, em si mesmos, ser reponderados – quanto ao que deles foi extraído na decisão inicial – para efeito de se saber se deve ou não manter-se o inicialmente considerado provado, apenas se justificando a sua reapreciação face a elementos tendentes a abalar o valor probatório que a decisão inicial neles viu.
Não obstante, sempre se dirá que, no caso em apreço, ainda que se entendesse ser possível efetuar a reponderação da decisão com fundamento exclusivo na errada valoração do teor dos próprios meios de prova produzidos antes da decisão inicial – que, como dissemos, na nossa perspetiva, a existir, deveria ter sido corrigido mediante a interposição do competente recurso – sempre seria de afirmar a improcedência da impugnação ora efetuada, na medida em que, apesar de a referência a que aludem os Recorrentes quanto ao tempo decorrido desde que o portão foi fechado pela última vez parecer contraditória com o alegado no requerimento inicial, ouvida na íntegra a prestação de declarações de parte de A. M., se vê claramente que as mesmas são coincidentes com o depoimento da referida testemunha M. L., no sentido de que as fechaduras foram colocadas pela última vez depois de a Requerida ter recebido a indemnização (“e ela, pronto, enquanto não recebeu o dinheiro esteve aberto – o portão -, uma vez que recebeu o dinheiro, pimba, fecha-me outra vez, mete-me, não mudou o portão, agora a fechadura e fecha outra vez o portão até agora”).
E se é certo que, por seu turno, nas declarações de parte prestadas, o Requerente M. J. referiu que a ele lhe entregaram uma chave, não se pode esquecer que, como acentuado na decisão recorrida, as testemunhas M. L. e D. R. afirmaram que foram, juntas, entregar as chaves do portão ao requerente M. J. e que este recusou recebê-las e que um advogado mandou as chaves a outro requerente – A. M. -, mas que este as devolveu, situando este último facto na mesma sequência de eventos, sabendo nós que tal devolução ocorreu, face ao teor da carta datada de 25 de Junho de 2018, neste ano e não em 2019. Assim sendo, de novo se conclui que a referência do aludido declarante à entrega da chave que lhe foi feita se reporta a momento prévio à colocação das fechaduras que originou a apresentação do presente procedimento cautelar.
Em conclusão, não há razões para proceder à pretendida alteração da decisão relativa à matéria de facto, sendo, pelo contrário, de afirmar que a própria prova indicada pelos Recorrentes conduz à formação de uma convicção segura sobre os pontos de facto 19 a 22 do ponto I, não havendo prova capaz de sustentar uma decisão favorável quanto à verificação dos pontos de facto 1 e 2 do ponto IV.

- Da subsunção jurídica dos factos

Tendo improcedido, como improcedeu a impugnação da matéria de facto, forçoso é julgar improcedente as pretendidas alterações da decisão de direito naquela assentes, nomeadamente no que à invocada caducidade concerne, restando apurar se, não obstante se ter determinado a manutenção da decisão da primeira instância relativa à matéria de facto, haverá razões para questionar o preenchimento dos pressupostos da medida cautelar peticionada.
Como se sabe, em sede de restituição provisória de posse tem o requerente de alegar e provar factos que traduzam a posse, o esbulho (privação total ou parcial, contra a vontade, do exercício de retenção e fruição do objeto possuído ou da possibilidade de continuar esse exercício) e a violência na privação da posse (cfr. art. 377.º CPC).
No caso, dúvidas inexistem quanto à verificação dos dois primeiros pressupostos, estando somente em causa a questão de saber se os factos apurados integram o conceito de violência na privação da posse.
Como noutras ocasiões já se teve oportunidade de frisar, citando-se Acórdão desta Relação de 03.11.2011, “quanto à violência, dividem-se, a doutrina e a jurisprudência, em duas posições distintas: a primeira delas defende que a violência relevante tem de ser a exercida contra a pessoa do possuidor; a segunda sustenta que basta a violência sobre a coisa, em especial quando esta esteja ligada à pessoa esbulhada”, assinalando-se naquele aresto que “algumas decisões das Relações vêm entendendo (…) que a violência no esbulho se concretiza na simples colocação de um obstáculo físico ao acesso ou utilização pelo possuidor à coisa esbulhada”.
No referido aresto são citados vários acórdãos que seguiram essa orientação: “Ac. do STJ de 19.3.96 (Proc. 96 A110, sumariado em www.dgsi.pt): “Na restituição provisória de posse há esbulho se o possuidor fica em condições de não poder exercer a sua posse ou os direitos que anteriormente tinha, e violência se o possuidor é impedido de aceder ao objecto da posse.”; será de considerar “violento o esbulho, quando o esbulhado fica impedido de contactar com a coisa face aos meios (ou à natureza dos meios) usados pelo esbulhador” (Ac. RE de 12.3.98, CJ Ano XXIII, T. II, pág. 269); “A colocação pelos agravantes de pilares de madeira unidos por cadeado impedindo a passagem de carro que os requerentes vinham fazendo, por si e antepossuidores, há mais de 30/40 anos (...), integra o conceito de esbulho violento, para os efeitos dos artigos 1279 C.C. e 393 do C.P.C.” (Ac. RC de 28.11.98, CJ Ano XXIII, T. V, pág. 30); “É de concluir pela existência de esbulho violento sempre que haja necessidade de vencer um obstáculo, como seja o resultante da substituição de fechaduras de instalações” (Ac. RL de 23.4.02, CJ Ano XXVII, T. II, pág. 120).
A este mesmo conceito mais lato de esbulho violento, adere o Acórdão do STJ, 19/10/2016, onde se considerou que: “Não pode deixar de se considerar esbulho violento a vedação com estacas de madeira e rede com uma altura de 1,50m executada pelos requeridos como um obstáculo que constrange, de forma reiterada, a posse dos requerentes, impedindo-os de a exercitar como anteriormente faziam, merecendo, por conseguinte, tutela possessória cautelar no âmbito do procedimento de restituição provisória de posse “ (in www.dgsi.pt), isto na linha do anteriormente decidido no Acórdão do STJ de 27.01.2001 que julgou violenta a vedação de prédio com arame e colocação de cadeado num portão e no Acórdão do STJ de 03.05.2000 que decidiu constituir esbulho violento a total substituição das fechaduras de instalações onde estavam colocados bens que a requerente possuía por, contra a vontade desta, impedir, reiteradamente, a sua entrada nas referidas instalações, ainda que tão-somente para retirar aqueles bens (ambos citados no aludido acórdão e acessíveis em www.cidadevirtual.pt/stj).
Para a última das posições referidas, a colocação, por parte dos Requeridos, de um portão, à entrada do referido caminho, sem qualquer conhecimento ou consentimento dos Requerentes, fechando-o à chave, impedindo-os de aceder à sua parcela de terreno, é, sem dúvida, o bastante para a subsunção dos factos alegados ao dito conceito.
E é a este conceito mais lato de esbulho violento, defendido pela jurisprudência mais recente, que aderimos.
Na verdade, cremos que, como se aduz no citado acórdão do STJ, “a interpretação mais restritiva seria redutora e deixaria sem tutela cautelar o possuidor privado da sua posse por outrem que, na sua ausência e sem o seu consentimento, actuou por forma a criar obstáculo ou obstáculos que o constrangem, nomeadamente, impedindo-lhe o acesso à coisa”.
Ao aderirmos a tal posição não estamos a excluir a necessidade de se estabelecer um nexo entre a violência e as pessoas.
Com efeito, a colocação de um portão, fechado à chave, que impede o exercício da posse deve ser considerada como esbulho violento, não por via da subsunção de tal comportamento à “coação moral”, mas por via da subsunção do mesmo ao conceito de “coação física”, no sentido de que um portão assim fechado, “como um obstáculo que constrange, de forma reiterada a posse dos requerentes, impedindo-os de a exercitar como anteriormente faziam”, corresponde a uma força (uma barreira física) que impossibilita, obstrui, o exercício da posse e que invariavelmente se opõe ao possuidor sempre que o mesmo pretende exercer a posse e se vê impedido de o fazer (art. 246º do CC).
Cremos ser esse o entendimento do Prof. José Lebre de Freitas (CPC anotado, Vol. II, 2 ª Ed., pág. 78) quando diz que “é violento todo o esbulho que impede o esbulhado de contactar com a coisa possuída em consequência dos meios usados pelo esbulhador”.
Assim, para que o conceito de violência se mostre preenchido, “basta que a actuação do esbulhador configure uma posição de força ostensiva e de intimidação, não deixando ao esbulhado outra alternativa que não o recurso ao uso de força de sentido contrário para repor o exercício do seu direito” (Acórdão da Relação de Guimarães de 16.05.2013), sendo certo que com a restituição se visa, para além do mais, que, em tais circunstâncias, o possuidor esbulhado não tenha necessidade de recorrer à ação direta com vista a retomar o exercício da posse.
No último dos citados acórdãos entendeu-se que assim sucedia com “o corte, mesmo que parcial, de um caminho onerado com servidão de passagem a favor de prédio rústico, através da colocação de vigas de cimento e arame, por forma a impedir que os donos do prédio dominante tenham acesso, como vinham fazendo, ao referido prédio, nomeadamente obstando a que nele transite um tractor com atrelado, como antes sucedia”.
No mesmo sentido, para além dos acórdãos anteriormente – aqui se assinalando que, nas decisões mais recentes que têm vindo a ser proferidos sobre a matéria, a orientação da Relação de Guimarães se afigura quase unânime neste sentido–, veja-se ainda o acórdão da Relação de Évora de 19.02.2009 onde, reconhecendo-se que o conceito de "coacção física" “supõe, em termos vulgares, a privação da vontade por meio de imposição ou constrangimento resultante do emprego da força física, e ela implica, na declaração negocial obtida por esse meio, um contacto directo com a pessoa do declaratário”, se defende, no entanto, que no caso de esbulho “a violência sobre as coisas é relevante quando estas constituem um obstáculo ao esbulho ou quando o possuidor fica impedido de contactar com as coisas (…)” .
Em conclusão, é de considerar estarmos, no caso em apreço, perante uma situação de esbulho violento.
Improcede, pois, a apelação, devendo manter-se a decisão recorrida.
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Sumário:

I – Na oposição a uma providência cautelar, para obtenção de uma revisão dos fundamentos fácticos de tal decisão favorável ao requerido/impugnante, necessário se torna que os novos meios de prova produzidos (ou, segundo uma interpretação extensiva, a nova instância das testemunhas ou declarantes anteriormente ouvidos) e por aquele indicados nas suas alegações imponham uma decisão diversa sobre os pontos fácticos impugnados, sob pena de se manter o inicialmente considerado provado, certo, para além do mais, que não se exige ao juiz, na reapreciação da medida anteriormente decretada, a utilização de um critério mais rigoroso do empregue na primeira decisão;
II – Assim sendo, no recurso da decisão proferida após a oposição, terão também que ser estes “novos meios de prova” (com a amplitude que acima se deu a este conceito) a sustentar a pretensão de alteração da decisão relativa à matéria de facto, por imporem decisão diversa da firmada pela primeira instância;
III – Para efeito da restituição provisória de posse, “é violento todo o esbulho que impede o esbulhado de contactar com a coisa possuída em consequência dos meios usados pelo esbulhador”;
IV – A colocação de um portão, fechado à chave, que impede o exercício da posse deve ser considerada como esbulho violento por via da subsunção de tal comportamento ao conceito de “coação física”, no sentido de que um portão assim fechado, “como um obstáculo que constrange, de forma reiterada a posse dos requerentes, impedindo-os de a exercitar como anteriormente faziam”, corresponde a uma força (uma barreira física) que impossibilita, obstrui, o exercício da posse sobre a coisa.

E. Decisão:

Pelo exposto, julga-se a apelação totalmente improcedente e, consequentemente, mantém-se a sentença recorrida.
Custas do recurso pelos Recorrentes.
Guimarães, 25.02.2021

Margarida Sousa
Afonso Cabral de Andrade Alcides Rodrigues