Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
320/17.5IDBRG.G1
Relator: AUSENDA GONÇALVES
Descritores: FRAUDE FISCAL
ELEMENTOS TÍPICOS DO ILÍCITO
NULIDADES INQUÉRITO
NE BIS IN IDEM
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/09/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I – No âmbito do processo penal tributário, o modelo imposto, em geral, pelo Código de Processo Penal observa algumas especificidades na fase de inquérito, que decorrem da delegação da competência (legalmente presumida) aos órgãos da administração tributária para a prática de actos que, nos demais processos, o Ministério Público (apenas) pode atribuir aos órgãos de polícia criminal, ainda que aquela competência seja delegada sem prejuízo de a direcção do inquérito por noticiado crime tributário caber sempre ao Ministério Público, Órgão constitucionalmente incumbido do exercício da acção penal, que, a todo o tempo, pode avocar o processo (cfr. arts. 40º e 41º do RGIT): no que respeita à notícia do crime, ainda que adquirida por conhecimento próprio do Ministério Público, deve a mesma ser «sempre transmitida ao órgão da administração tributária com competência delegada para o inquérito», antes mesmo da instauração do inquérito (art. 35º do RGIT), admitindo-se, até, que, ao abrigo de tal competência presuntivamente delegada, a instauração do inquérito seja também feita pelos órgãos da administração tributária, exigindo-se, apenas, a imediata comunicação dessa instauração ao Ministério Público (art. 40º, n.º 3 do RGIT).
II – A “falta de inquérito” determinante da nulidade prevista na al. d) do art. 119º do CPP ocorre apenas quando, materialmente, nenhum acto de investigação se pratica depois de adquirida a notícia do crime, ou seja, quando se verifique ausência absoluta ou total de inquérito ou falta absoluta de actos de inquérito, porquanto a lei processual penal não impõe a prática de quaisquer actos típicos de investigação, o que significa que o Ministério Público procede apenas às diligências que considera úteis para a descoberta da verdade, estando apenas obrigado à prática dos actos de inquéritos considerados obrigatórios pela lei.
III – O princípio ne bis in idem, que emerge dos preceitos constitucionais conjugados dos arts. 29º/5 e 18º/1 da Constituição da República Portuguesa, alberga o sentido de garantir ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelos mesmos factos concretos a que a lei atribui determinados efeitos jurídicos e que sejam invocados como fundamento da pretensão punitiva formulada em relação ao arguido, a par das razões que subjazem ao princípio do caso julgado, com o qual anda de mãos dadas: a confiança, a certeza e a segurança jurídicas, decorrentes da própria ideia de Estado de Direito, também decorrente do artigo 2º da Constituição.
IV – Porém, o despacho de arquivamento do inquérito ao abrigo do disposto no art. 277.º do CPP, sendo da exclusiva competência do Ministério Público e sem qualquer intervenção jurisdicional, não é susceptível de recurso nem de trânsito em julgado e não tem efeitos preclusivos, podendo o inquérito ser reaberto nos termos do art. 279º, n.º 1 do mesmo diploma, caso surjam novos factos ou elementos de prova que invalidem os fundamentos invocados naquele despacho de arquivamento, embora produza efeitos extraprocessuais (ao contrário do que sucede com a acusação), pois, decorridos os prazos peremptórios para a sua impugnação/revogação (através da abertura da instrução ou intervenção hierárquica), tem a força de caso decidido, apenas mutável e susceptível de reavaliação se surgirem novos elementos que ponham em causa os efeitos da decisão de abstenção, no âmbito do mesmo processo.
V – Conforme resulta da descrição típica das condutas elencadas no art. 103º do RGIT, o crime de fraude fiscal nele previsto pressupõe a violação de um dever jurídico extra-penal emergente de uma relação jurídico-tributária previamente estabelecida, cuja estrutura compreende como sujeito activo o Estado (em sentido amplo) e, do lado passivo, o sujeito adstrito à obrigação tributária.
VI – Constitui tal crime a conduta ilegítima que vise a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias e, para a punição do agente, basta comprovar que este, com intenção defraudatória dirigida à obtenção de vantagem patrimonial, ocultou ou alterou factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável e que a respectiva acção ou omissão foi adequada à obtenção da pretendida vantagem e à consequente diminuição da receita tributária, em montante não inferior a € 15.000.
VII – É suficiente que a conduta do agente tenha por finalidade a obtenção de tal vantagem ilegítima, mas a sua obtenção efectiva não é um elemento do tipo, repercutindo-se apenas na graduação concreta da pena.
VIII – A unificação criminosa no quadro da continuação criminosa tem como primeiro pressuposto a renovação da resolução criminosa perante as solicitações externas exercidas sobre o agente – não a unidade de tal resolução – e o seu fundamento reside, não propriamente na execução essencialmente homogénea das violações, mas, sim, na diminuição sensível da culpa do agente, originada pelo “sucumbir” a uma solicitação exterior, pelo que, no caso de o agente provocar a repetição da ocasião criminosa, não só não há diminuição sensível da culpa como, ao invés, a culpa pode até ser mais grave, por revelar firmeza e persistência do propósito criminoso..
IX – O crime de burla tributária, p. e p. pelo art. 87º do RGIT, mostra-se estruturado em moldes correspondentes ao crime de burla do art. 217º do C. Penal e tem como elementos objectivos do tipo, designadamente, o uso de qualquer meio enganoso sobre factos – falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante ou outros meios fraudulentos –, determinante do resultado materialmente alcançado: atribuição patrimonial efectuada pela administração tributária (ou segurança social), que levou ao enriquecimento do agente ou de terceiro.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Penal, do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

Nos referenciados autos, foi proferido acórdão em 29/01/2020, depositado na mesma data, a condenar:
a) o arguido F. T. pela prática, como co-autor material, na forma consumada, de 1 (um) crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 13º, 1ª parte, 14º, n.º1, 26º, 3ª proposição, todos do CP, ex vi do artigo 3º, alínea a), do RGIT, e artigos 6º, 7º, n.º3, 103º, n.º1, alínea c) e n.º 2, a contrario, e 104º, n.º2, alínea a), estes do RGIT, na pena parcelar de 2 (dois) anos de prisão, e pela prática, como autor material, na forma consumada, de 1 (um) crime de burla tributária especialmente agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 13º, 1ª parte, 14º, n.º1, 26º, 1ª proposição, todos do CP, ex vi do artigo 3º, alínea a), do RGIT, e artigos 6º, 7º, n. º3 e 87º, n.ºs 1 e 3, estes do RGIT, na pena parcelar de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão;
b) E, em cúmulo jurídico, ao abrigo do vertido no artigo 77º, n.ºs 1, 2, do CP, na pena única de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução e pelo período de 4 (quatro) anos, nos termos do disposto no artigo 14º, do RGIT, ficando essa suspensão condicionada ao pagamento, durante o referido prazo, da quantia de €5.000,00 (cinco mil euros). Esse pagamento será efectuado em 48 (quarenta e oito) prestações mensais, iguais e sucessivas, até ao dia 25 (vinte e cinco) de cada mês, no valor de €104,00 (cento e quatro euros), cada uma, com excepção da última, que será no valor de €112,00 (cento e doze euros), vencendo-se a primeira no 25º dia do mês imediatamente subsequente ao mês do trânsito em julgado da presente decisão. As restantes prestações vencem-se em igual dia dos meses subsequentes;
c) o arguido R. V. pela prática, como co-autor material, na forma consumada, de 1 (um) crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 13º, 1ª parte, 14º, n.º1, 26º, 3ª proposição, todos do CP, ex vi do artigo 3º, alínea a), do RGIT, e artigos 6º, 7º, n.º3, 103º, n.º1, alínea c) e n.º2, a contrario, e 104º, n.º2, alínea a), estes do RGIT, na pena de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão (efectiva);
d) as sociedades arguidas “X, LDA.”, “Y – CONFECÇÃO, UNIPESSOAL, LDA.” e “R. E., LDA.” pela prática de 1 (um) crime de fraude fiscal qualificada, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 7º, nº1, 103º, n.º1, alínea c) e n.º2, a contrario, e 104º, n.º2, alínea a), todos do RGIT, nas seguintes penas:
Sociedade arguida “X, Lda.”: na pena (parcelar) de 450 (quatrocentos e cinquenta) dias de multa, à razão diária de €7,00 (sete euros), num total de €3.150,00 (três mil, cento e cinquenta euros);
Sociedade arguida “Y – Confecção, Unipessoal, Lda.”: na pena de 450 (quatrocentos e cinquenta) dias de multa, à razão diária de €6,00 (seis euros), num total de €2.700,00 (dois mil e setecentos euros);
Sociedade “R. E., Lda.”: na pena de 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa, à razão diária de €6,00 (seis euros), num total de €2.100,00 (dois mil e cem euros).
e) Condenar a sociedade arguida “X, LDA.” pela prática de 1 (um) crime de burla tributária especialmente agravada, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 7º, nº1 e 87º, n.ºs1 e 3, ambos do RGIT, na pena (parcelar) de 670 (seiscentos e setenta) dias de multa, à razão diária de €7,00 (sete euros), num total de €4.690,00 (quatro mil, seiscentos e noventa euros) e, em cúmulo jurídico, ao abrigo do vertido no artigo 77º, nºs1, 2, do CP, na pena única de 800 (oitocentos) dias de multa, à razão diária de €7,00 (sete euros), num total de €5.600,00 (cinco mil e seiscentos euros).
f) Declarar, nos termos previstos pelo artigo 110º, n.ºs1, alínea b) e n.º4, do CP, perdida a favor do Estado a quantia de € 49.373,97 (quarenta e nove mil, trezentos e setenta e três euros e noventa e sete cêntimos), correspondente à vantagem ilícita obtida pelos arguidos F. T. e “X, Lda.”, com a prática dos crimes de fraude fiscal qualificada e de burla tributária especialmente agravada, condenando-se os mesmos solidariamente a entregar ao Estado a correspondente importância.
g) Os arguidos R. V., “Y – Confecção, Unipessoal, Lda.” e “R. E., Lda.” são, também, solidariamente responsáveis pelo pagamento dessa quantia, mas até ao limite de €17.986,44 (dezassete mil, novecentos e oitenta e seis euros e quarenta e quatro cêntimos), por ser essa a vantagem ilícita obtida com a prática do crime de fraude fiscal qualificada.

2. Não se conformando com o decidido, o arguido F. T. interpôs recurso (1), sustentando a sua absolvição, com a motivação que rematou com as seguintes conclusões:

«1- O acórdão a quo é manifestamente nulo nos termos do art. 119º, al. d) CPP.
2- O despacho de arquivamento-acusação refere na sua p. 3: “No entanto, e no que tange aos anos de 2013 e 2015, no referente ao IRC, e ao 3º Trimestre de 2013, aos meses de Janeiro, Abril, Maio, Junho, Setembro, Dezembro de 2014, Fevereiro, Abril, Outubro, e Dezembro de 2015 no valor referente ao valor de IVA, todos se cifram, por período, abaixo de € 15.000.00,00”. (...) “Assim, da prova produzida e não se vislumbrando outras diligências que possam ser realizadas, por não se terem coligido indícios suficientes da prática de qualquer ilícito criminal no que tange aos períodos supra referidos, determino, nesta parte, o arquivamento dos autos – art. 277º, n.º 2 do CPP.
3- Posteriormente no art. 9º a 15º da acusação, o Ministério Público acusa os recorrentes precisamente com base na factualidade arquivada por referência a facturas constantes de Janeiro, Abril, Maio, Junho, Setembro, Outubro e Dezembro de 2014.
4- Ora, a imputação de conduta criminal aqui em questão havia sido arquivada anteriormente.
5- O Ministério Público não aportou aos autos, entre o momento do arquivamento e o da acusação, nenhum novo elemento de prova, o despacho de acusação não é um novo quadro probatório. O despacho de acusação é uma narração de factos e proposta de imputação penal, não é, em si, um meio de prova. Após o arquivamento dos autos, apenas um novo quadro probatório poderia justificar nova acusação pelos mesmos factos; entenda-se, o aditamento de novos factos. A dedução de uma acusação não é, em si, uma nova prova dos factos que imputa.
6- Nem tampouco determinou a reabertura do inquérito. E, mesmo assim, para que os recorrentes pudessem ser acusados pelos crimes previamente arquivados, apenas o surgimento de novos meios de prova poderia possibilitar tal acto, não pela dedução de uma acusação – cfr. art. 279º, n.º 1 CPP.
7- Destarte, toda a condenação que tem por base a factualidade arquivada, em particular a constante dos art. 9º a 15º e 17º da acusação, enferma de nulidade insanável por falta de inquérito que a sustente – cfr. art. 119º, al. d) CPP.
8- Os recorrentes impugnam a matéria de facto constante dos arts. 12), 13), 14), 16), 17), 18), 19), 20), 21), 22), 23), 25), 26), 27), 28), 33) porquanto inexiste matéria probatória para considerar os factos em questão como provados.
9- A apreciação da prova teve por base o método indiciário, pois não foi produzida prova particular a propósito da actuação dos recorrentes.
10- O acórdão a quo mais não faz do que repetir o arrazoado constante do relatório de inspecção tributária que fundamenta os factos referentes à sociedade R. E. e Y e K. – cfr. elementos de fundamentação de matéria de facto provada n.º xxiii; xxiv, e xxv. Não se funda em nenhum auto de inspecção tributária aos recorrentes, mas apenas aos demais arguidos dos autos.
11- Não existem indícios graves e precisos demonstrados por prova directa sobre a actuação dos recorrentes nos autos. Não houve uma única diligência de prova material produzida acerca dos recorrentes, para lá de extratos bancários. Deste modo, fica afetada a pluralidade de indícios necessária para a prova indiciária, porquanto não existem indícios directos e precisos quanto aos recorrentes e, ademais, existem contra-indícios suficientes que quebram a máxima de experiência do Tribunal que suporta o juízo de inferência condenatório que, em rigor, nem foi devidamente explicitado.
12- Na verdade, o Tribunal limita-se a dar como boas as conclusões dos relatórios de inspecção tributária aos demais co-arguidos, retirando dos mesmos a presunção de que os recorrentes deveriam estar envolvidos nos mesmos comportamentos documentados pelos relatórios de inspecção às sociedades “R. E.”, “Y” e “K.”.
13- A informação constante de um relatório de inspecção tributária carece de confirmação judicial em Tribunal, conforme resulta do art. 74º da Lei Geral Tributária.
14- O relatório de inspecção tributária não faz prova dos factos sobre os quais se debruça, mas meramente das declarações constantes do mesmo – a imputação e enquadramento que o mesmo faça não são provados nem dispõe de qualquer força probatória, nos termos do art. 371º, n.º 1, in fine CCiv..
15- A 6 de Novembro de 2019, com depoimento iniciado pelas 10:38:17 horas e o seu termo pelas 10:59:46, gravado em ficheiro com nome 20191106103816_5693545_3993026 R. M. declara que não verificou o inventário da mesma nem pediu para o fazer. Não verificou se o produto titulado pelas facturas estava no armazém da recorrente nem pediu para o fazer. A sua conclusão da existência de facturas falsas resulta apenas da inspecção às demais sociedades com sede no Porto. Há uma total insuficiência instrutória na medida em que o inspector não pode afirmar que o produto não foi entregue na sede da recorrente porquanto nem indagou do facto. Foi o único inspector tributário que levou a cabo alguma diligência material sobre a sociedade recorrente, mas confessa que apenas deu como boa a informação remetida pelos inspectores do Porto – que não efectuaram nenhuma diligência probatória por referência à sociedade recorrente (nomeadamente, D. P., depoimento prestado a 6 de Novembro de 2019, com início pelas 11:40:09 horas e o seu termo pelas 11:50:46 horas, F. C., depoimento prestado a 6 de Novembro de 2019 com início pelas 10:59:49 horas e o seu termo pelas 11:21:51, P. J., com depoimento prestado a 6 de novembro, início pelas 11:21:54 horas e o seu termo pelas 11:40:06 horas, todos com passagens exactas referidas em corpo de texto da presente alegação).
16- A técnica oficial de contas (TOC) da sociedade recorrente, S. F., com depoimento prestado a 15 de Novembro de 2019, início pelas 10:07:17 horas e o seu termo pelas 10:37:07, gravado em ficheiro com nome 20191115100717_5693545_3993026 descreve que a facturação que recebia fazia sentido no contexto de operação da sociedade recorrente a 09:10 e refere que não tinha instruções específicas para introduzir estas facturas nos pedidos de reembolso: os pedidos de reembolso foram realizados autonomamente pela testemunha, no âmbito de instruções genéricas de solicitar sempre o reembolso de IVA pelas facturas pagas – cfr. minuto 21:05, “era um procedimento regular (...) é para sistematicamente pedir o reembolso”.
17- O documento junto aos autos pela AT no seguimento do despacho do Exmo. Senhor Juiz Presidente após a primeira audiência de julgamento, a 6 de Novembro de 2019, demonstra que a sociedade recorrente não foi objecto de liquidação por métodos indirectos, o que abala a credibilidade do depoimento de R. M. no tocante à sua razão de ciência sobre a actuação da recorrente, uma vez que este havia afirmado precisamente o contrário, bem como incumprimento de dossier de preços de transferência (matéria que também não sofre qualquer correcção nas liquidações juntas aos autos).
18- Resulta daqui a frontal impossibilidade de prova do facto n.º 33, bem como da credibilidade do depoimento do inspector R. M. ou, pelo menos, da profundidade da sua razão de ciência.
19- A análise dos documentos juntos aos autos permite compreender que as facturas que sustentam a factualidade típica foram todas pagas pelos recorrentes, uma vez que estão espelhadas nos vários extractos bancários e referidas a p. 49 e ss. do acórdão a quo. Os autos constam também os extractos de conta bancária da sociedade recorrente (vd. elemento probatório xvii e xviii). Mas em nenhum dos extractos é visível entrada de dinheiro proveniente dos demais co-arguidos nem tal foi verificado pelos inspectores tributários.
20- Ou seja, a sociedade arguida pagou aos outros co-arguidos € 167.547,03 para obter vantagens fiscais de € 49.117,66 (a soma da dedução de custos em IRC com o reembolso de IVA). Portanto, com todo o circunstancialismo dos autos a sociedade arguida perdeu € 118.429,37.
21- É por demais evidente por uma regra de experiência que a factualidade dos autos não espelha um conluio entre os arguidos por ausência de qualquer vantagem para os recorrentes na medida em que não receberam o dinheiro que foi entregue aos demais co-arguidos, o que frustra a máxima de experiência associada à dedução indiciária de prova.
22- Não é demonstrado nenhum elemento de prova que permita concluir por alguma conjugação de esforços entre F. T. e R. V. porquanto nenhuma testemunha conseguiu estabelecer alguma relação entre ambos, e as testemunhas do universo de R. V. não conhecia F. T., nem vice-versa, pelo que não podem ser provados os factos 12), 13), 14), 16), 17), 18), 19), 20), 21), 22), 23), 25), 26), 27), 28), 33).
23- Há provas do pagamento das facturas sem que haja um indício, sequer, de recirculação de dinheiro para os arguidos, pelo que os custos não foram fictícios, não podendo ser dados como provados os factos 16), 19), 20), 21), 22).
24- Não há recirculação de dinheiro nem foi demonstrado que os outros arguidos não entregaram o IVA das facturas que foram pagas por F. T., daí que não possa ser provado o facto 26).
25- Não foi feita prova de que sequer tenham sido realizadas diligências junto dos recorrentes para apurar da efectiva realização das transações em questão ou não, não podendo ser dado como provado o facto 23) e o facto 14).
26- Subsidiariamente, e sem prescindir, os recorrentes consideram que o Tribunal a quo procedeu à incorrecta apreciação da matéria de facto e sua subsunção ao Direito, o que ora se pugna.
27- Sem prescindir, o negócio em questão foi objecto de pagamento, que não foi devolvido à sociedade recorrente, o que significa que a recorrente incorreu em custos efectivos e não fictícios, pelo que o tipo de crime fraude fiscal não é preenchido.
28- A sociedade recorrente procedeu ao pagamento de facturas que totalizam um enriquecimento do Estado de € 17.730,13 a título de IRC que deveria ter sido entregue pelas sociedades recorrentes e de € 31.387,53 a título de IVA que deveria ter sido entregue pelas sociedades recorrentes. Por acção da sociedade recorrente, o património do Estado enriquece nesta exacta medida.
29- Assim, os custos incorridos pela sociedade recorrente são custos verdadeiros, razão pela qual não existe simulação demonstrada nos autos, o que impede a punibilidade da conduta dos recorrentes.
30- O acórdão a quo considera que existe a prática de apenas um crime de fraude fiscal nos autos, porém foram três sociedades comerciais que o praticaram, pelo que não há unidade de resolução criminosa nos mesmos.
31- Mas, isoladamente consideradas as condutas da recorrente com Y e da recorrente com R. E. resulta que nenhum delas ultrapassa a condição objectiva de punibilidade dos € 15.000,00.
32-“Y” comete um crime distinto de “R. E.” porquanto os seus crimes se consumam no momento de emissão de factura. Tratamos de pessoas coletivas distintas, razão pela qual, na ausência de demonstração de co-autoria ou conluio entre as três sociedades comerciais, não se pode falar de um só crime ou de unidade de resolução criminal.
33- Por este motivo, V. Exas. deverão considerar a existência de não um crime de fraude fiscal, mas sim dois. E, subsequentemente, declarar a não punibilidade de ambos por verificação da previsão do art. 103º, n.º 2 RGIT, aplicável idem à conduta prevista pelo art. 104º RGIT, conforme jurisprudência pacífica uma vez que se tratam apenas de circunstâncias qualificadoras do ilícito base.
34- Pelo exposto, o acórdão a quo deveria ter considerado não preenchidos os elementos de facto objectivos e subjectivos do tipo de crime fraude fiscal.
35- Quanto ao crime de burla tributária, importa assinalar que as facturas que foram incluídas nos pedidos de reembolso estão integralmente pagas, aqui incluído o IVA deduzido, nunca tendo sido devolvido o pagamento das mesmas aos recorrentes.
36- Por este motivo, os recorrentes não estão enriquecidos com a sua conduta, razão pela qual não está preenchido o tipo de crime burla tributária.
37- Por outro lado, quando realiza o pedido de reembolso, a sociedade recorrente não diminui o património estático do Estado. Já lhe entregou um montante superior ao que recebeu e, por esse motivo, solicita que lhe seja devolvido o excesso. Consumiu mais do que prestou; entregou mais do que recebeu. O pedido de reembolso é um acerto de contas que não implica o prejuízo do Estado: tal apenas sucederia se as facturas não tivessem sido pagas e, ainda assim, fossem utilizadas para dedução. Uma vez que foram pagas, a obrigação de entrega do IVA não cabe à recorrente. A questão dos autos não é subsumível ao tipo de crime “burla tributária”. O empobrecimento da AT resulta não do pedido de reembolso mas sim da falta de entrega do IVA por quem o recebeu: e, de novo, a isso são alheios os recorrentes.
38- No reembolso, o Estado devolve algo que não estava integrado no seu património porquanto havia sido entregue sob reserva do dito pedido: nessa medida, não ocorreu atribuição patrimonial porque o reembolso equivale, na verdade, à redução do montante a pagar em determinado exercício, corrigido retroactivamente – cfr. art. 22º, n.º 1, 2, 5 e 6 do Código do IVA. Não se pode dizer que o reembolso seja indevido porquanto resulta de quantias efectivamente pagas pela sociedade arguida – nessa medida, tendo desembolsado o valor do IVA, a sociedade arguida não está, na relação particular com o reembolso, enriquecida, e, destarte, não é ofendido o bem tutelado pelo tipo de crime.
39- Seguidamente, diga-se que os arguidos não agiram imbuídos de dolo ao solicitar o reembolso de IVA em questão, o que determina a não punibilidade da conduta. Segundo o depoimento da TOC S. F., a instrução para os pedidos de reembolso era genérica e não abrangia facturas particulares.
40- Pelo que não se encontram preenchidos os elementos subjectivos e objectivos do tipo de crime “burla tributária”.».

3. O Ministério Público, em 1ª instância, apresentou resposta ao recurso, pugnando pela confirmação do acórdão recorrido, em todos os segmentos colocados em causa pelo arguido, dizendo que, para além de, não se verificar qualquer nulidade, também a matéria de facto foi correctamente fixada, assim como se encontram verificados todos os elementos constitutivos dos crimes pelos quais o arguido acabou por ser condenado, extraindo-se da sua resposta as seguintes conclusões:
«1. Entendem os recorrentes ter existido violação do princípio ne bis in idem, porquanto, foi proferido despacho de arquivamento relativamente aos meses de Janeiro, Abril, Maio, Junho, Setembro, Outubro e Dezembro de 2014, Fevereiro, Abril, Outubro e Dezembro de 2015, referentes ao valor do IVA, em virtude de todos eles serem, por período, inferiores a 15.000,00 Euros, tendo esses mesmos períodos sido incluídos no texto da acusação.
2. Sucede, porém, que quando, no despacho de arquivamento se fez referência a esses valores, se teve em conta apenas a sua relevância para efeitos de cometimento do crime do Fraude Fiscal qualificado e não para efeitos do preenchimento do crime de Burla Tributária, pelo qual foi deduzida acusação.
3. No art. 104.º do RGIT prevêem-se formas de qualificação do crime de Fraude Fiscal, entre os quais, o uso de facturas falsas. No entanto, também neste caso, e não só no que concerne ao crime de Fraude Fiscal (simples), p. e p. pelo art. 103.º do RGIT, estas condutas só são puníveis se o valor da vantagem patrimonial ilegítima, por período, for superior a 15.000.00 Euros.
4. Assim, para que também se imputasse aos arguidos, em sede de acusação, a prática do aludido crime de Fraude Fiscal qualificado, no que concerne ao IVA deduzido, com base em IVA liquidado em facturas que não suportam transacções reais, por força dessa dedução indevida teria que ter resultado para a sociedade “X, Lda”, em sede de IVA, mensalmente (tendo em conta que a sociedade recorrente se encontra enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade mensal), uma vantagem patrimonial superior a 15.000,00 Euros, o que não sucedeu nos períodos em apreço.
5. Apenas em sede de IRC e só no ano fiscal de 2014, os arguidos obtiveram, com a inserção na contabilidade da “X, Lda”, de facturas que não correspondem a gastos reais, vantagem patrimonial indevida, superior a 15.000,00 Euros, motivo pelo qual, só quanto a esse período foi deduzida acusação.
6. De todo o modo, ainda que assim não se entenda, hipótese que apenas se coloca por mera necessidade de raciocínio, não houve, no caso, qualquer violação dos princípios ne bis in idem, ou in dúbio pro reo.
7. Conforme bem se considerou no douto acórdão recorrido, o despacho de arquivamento posto em crise não faz caso julgado, não revestindo “nem uma condenação, nem uma absolvição”, já que não configura um despacho judicial, sendo estes e apenas estes, os susceptíveis de conduzirem a um caso julgado. Assim, não houve, pois, violação do princípio ne bis in idem.
8. Da mesma forma, nenhuma violação houve do princípio in dúbio pro reo. A violação deste princípio implica que o julgador, apesar de ter ficado na dúvida sobre factos, tenha decidido contra o arguido. No caso concreto, o Tribunal não ficou com qualquer dúvida sobre a prática dos factos pelos arguidos, tendo a prova produzida sido suficiente e bastante para concluir pela sua prática.
9. O inquérito não enferma da nulidade insanável prevista no art. 119.º, al. d) do C.P.P. (falta de inquérito), conforme pretendem os recorrentes. Tal vício só existe quando haja ausência absoluta ou total ausência de inquérito. Ora no caso concreto foi realizado o competente inquérito, no decurso do qual foram efectuadas todas as diligências reputadas úteis e necessárias para o esclarecimento dos factos denunciados, não havendo, pelos motivos acima expostos, qualquer duplicação ou coincidência entre os factos que constam do arquivamento e da acusação.
10. Impugnam os recorrentes a matéria de facto assente nos pontos 12) a 23), 25) a 28) e 33. Alegam, em suma para o efeito, que: “(…) a apreciação de prova nos presentes autos radica em contradições flagrantes e resulta de um golpe de espírito, estribado no uso do método indiciário”. Escudam-se os recorrentes, no facto de se ter feito constar, do douto acórdão recorrido, que “a demonstração das transacções estabelecidas entre as sociedades em discussão, melhor identificadas nas facturas (…), é apenas indiciária” (cfr. pag.68, do acórdão).
11. Não obstante o que sucedeu foi que o Tribunal recorrido, partindo de factos conhecidos (os exarados no acórdão, que resultaram da prova produzida), fez o raciocínio lógico, consentâneo com as regras de experiência comum que, “se nenhuma das sociedades arguidas dispõe de instalações nas moradas correspondentes às sedes, se nenhuma delas apresenta qualquer estrutura material ou humana que permita realizar os serviços que as facturas que se discutem evidenciam, designadamente, materiais, maquinaria, frota e trabalhadores, e se nessa mesma situação estão os fornecedores que identificam, então as “transacções” a que respeitam tais facturas são (só podem ser) fictícias”. Assim, também neste ponto o douto acórdão recorrido, não merece qualquer reparo.
12. Depreende-se da argumentação aduzida, que os recorrentes consideram terem sido condenados com recurso a métodos indirectos, o que consideram inconstitucional, sustentando esta sua alegação na referência que no acórdão recorrido se faz ao facto de a sociedade “X” ter sido tributada por recurso a métodos indirectos” (pag. 57 e 58 do acórdão). Confundem assim, “tributação” com recurso a métodos indirectos, com “condenação” por recurso a estes.
13. O recurso a métodos indirectos, para efeitos tributários, acontece, por exemplo, nos casos em que não existe contabilidade, esta não é fiável, ou não é localizada, recorrendo-se assim, para efeitos de cálculo do imposto devido, a estimativas e presunções.
14. No caso concreto e no que aos factos sob julgamento concerne, as facturas em causa nos autos foram localizadas e foi com base nos valores concretos que delas constam, que foi efectuado o cálculo da vantagem patrimonial indevida, obtida pela sociedade recorrente em sede de IRC, uma vez que os valores constantes destas facturas correspondem a custos que a sociedade não suportou e, não obstante, contabilizou, diminuindo assim a matéria colectável tributável, declarada à Administração fiscal e com base na qual foi calculado o imposto devido a este título. Destarte, não houve qualquer condenação com recurso a “métodos indirectos”.
15. Não corresponde à verdade que “Não houve uma única diligência de prova material produzida acerca dos recorrentes para além dos extractos bancários”, nem que o tribunal se tenha limitado “a dar como boas as conclusões dos relatórios de inspecção tributária aos demais co-arguidos”. Com efeito, para além de todos os documentos juntos (elencados de forma exaustiva na motivação), o tribunal teve ainda em conta os depoimentos de todas as testemunhas inquiridas.
16. O tribunal analisou de forma exaustiva todos os meios de prova, que conjugou entre si, plasmando de forma clara e perceptível as razões pelas quais estes mereceram credibilidade, nada ficando, neste ponto, por dizer, tendo feito constar, não só os factos que considerou provados e não provados, como também enumerou, exaustivamente, os motivos de facto e de direito da sua decisão, valorando critica e racionalmente todas as provas carreadas para os autos, de acordo com as regras da razão e da experiência comum, de forma que não merce qualquer reparo e até, a nosso ver, insusceptível de complemento.
17. Assim, carece de razão o arguido quando diz que a factualidade vertida nos pontos 12) a 23), 25) a 28) e 33, foram erroneamente dados como provados, já que esta reflecte efectivamente, a prova produzida.
18. Alegam os recorrentes que as facturas em causa foram todas pagas pelos recorrentes, encontrando-se tais pagamentos espelhados nos extractos bancários juntos e que, como tal, no que concerne a IVA, a sociedade recorrente terá realizado pagamentos que totalizam € 68 732,40 e, no tocante a IRC, no valor de €94.814,63, para obter benefícios fiscais de apenas €17.730,13.
19. Não obstante, o que resultou provado foi, pelo contrário, que as facturas em causa nos autos não correspondem a transacções reais, mas fictícias, pelo que, os pagamentos registados documentalmente não tiveram efectivamente lugar, não tendo a sociedade recorrente suportado qualquer custo a esse título e, não obstante, contabilizou-os e declarou-os à Administração Fiscal como se de os tivesse efectivamente suportado, dessa forma logrando diminuir a base tributável e, consequentemente o valor de IRC a pagar. É o que resulta dos pontos 12 a 22 dos factos provados.
20. Assim, não tendo a sociedade recorrente suportado qualquer custo, o valor não de €17.986,44 (e não 17.730,13), corresponde pois, à vantagem que ilegitimamente obteve em sede de IRC e que deixou de entregar à Administração fiscal.
21. Contrariamente ao que alegam os recorrentes, ficou provada a unidade de resolução criminosa (cfr. pontos 12 a 14 dos factos provados), pelo que bem andou o Tribunal em considerar que foi cometido não dois, mas apenas um crime de Fraude Fiscal.
22. Por outro lado, o valor da vantagem patrimonial ilegítima indevida é aquele que deve constar de cada declaração. Assim, tratando-se de IRC, o valor dessa vantagem é aferido anualmente, sendo que, no caso, todas as facturas fictícias, emitidas e contabilizadas durante o ano fiscal em causa (2014), são necessária e conjuntamente, do ponto de vista do utilizador, a sociedade recorrente X, tidas em conta para esse efeito.
23. Segundo os recorrentes, não se encontra preenchido o tipo de Burla Tributária, uma vez que não enriqueceram com a conduta descrita no acórdão, antes empobreceram. Porém, esta conclusão dos recorrentes assenta, mais uma vez, no pressuposto de que as facturas emitidas, não são fictícias, o que, conforme já se disse supra, foi contrariado pela prova produzida.
24. No caso em apreço, a sociedade recorrente, através do seu representante legal, o arguido F. T., requereu e obteve reembolsos de IVA, com base em facturas fictícias, ou seja, declarando falsamente, perante a Administração fiscal, ter pago/suportado o IVA delas constante, fazendo crer que gozava de um crédito para com o Fisco o que, não correspondia à verdade. Assim, dos reembolsos obtidos resultou para a sociedade “X, Lda” um necessário enriquecimento.
25. A prova do dolo tem que ser feita por inferência, terá que resultar da conjugação da prova de factos objectivos – particularmente, dos que integram o tipo objectivo de ilícito – com as regras de normalidade e da experiência comum.
26. No caso, tendo resultado do depoimento da testemunha S. F. (TOC), que as facturas eram encaminhadas para o serviço de contabilidade onde esta trabalhava e que os reembolsos de IVA eram regularmente solicitados, pois essa era a instrução do arguido F. T., tal depoimento, conjugado com as regras de experiência comum, faz necessariamente concluir que o arguido, ora recorrente, quando entregou ou fez entregar as facturas em causa nos autos, no serviço de contabilidade, sabendo que estas eram meramente fictícias e que havia dado a ordem para que se pedissem reembolsos de IVA regularmente, não excluindo estas facturas desses pedidos, agiu com a intenção de que estas fossem consideradas também para esse efeito e de assim obter um enriquecimento patrimonial ilegítimo para a sociedade “X, Lda”, a que sabia não ter direito e de determinar a Administração Tributária/ Estado a efectuar atribuições patrimoniais a esse título, no montante global de € 31.387, 53, como efectivamente sucedeu, atentando, enquanto representante legal daquela, contra a verdade e transparência exigidos entre a Administração Fiscal/Estado e o contribuinte, actuando de modo livre, voluntário e consciente, estando ciente que a sua conduta era proibida e punida por lei e, não obstante, não se absteve de assim agir.
27. Pelo exposto, estão assim preenchidos os elementos objectivos e subjectivos dos crimes de Fraude Fiscal qualificada e de Burla Tributária, pelos quais foram os recorrentes condenados.
28. Não padece pois, o douto acórdão recorrido, de qualquer dos vícios apontados, sendo inevitável, concatenados todos os meios de prova produzidos (documental e testemunhal) em audiência de julgamento e juntos aos autos, devida e criticamente analisados, considerar como provados os factos dados por assentes e a condenação do arguido F. T. e da arguida sociedade “X, Lda.” pela sua prática.».

4. Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, dizendo também que, na sua óptica, o recurso deverá improceder nos termos propugnados na exauriente argumentação que a Senhora Procuradora da República expendeu na resposta ao recurso.

5. Cumprido o art. 417º, n.º 2, do CPP, efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, nos termos do art. 419º, n.º 3, al. c), do CPP.
*
II – Fundamentação

1. Delimitação do Objecto do Recurso

Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (arts. 412º, n.º 1, do CPP), sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito (2), no presente recurso suscitam-se as questões de saber se: (i) ocorre a nulidade por falta de inquérito prevista no art. 119º, alínea d) do Código de Processo Penal ou por aplicação do princípio ne bis in idem; (ii) a matéria de facto foi incorrectamente fixada por erro de julgamento; (iii) existe um deficiente enquadramento jurídico dos factos.

Importa apreciar tais questões e decidir. Para tanto, deve considerar-se como pertinentes ao conhecimento do objecto do recurso os factos considerados provados na decisão recorrida e a fundamentação que incidiu sobre os mesmos (transcrição):

Factos Provados:

Da acusação pública

«1. A sociedade arguida “X” é uma sociedade comercial por quotas, com NUIPC ………, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de … sob o mesmo número e com sede na Avenida …, em Braga (…).
2. Esta sociedade está registada em IRC na actividade de comércio por grosso de vestuário e de acessórios (CAE …), tendo como competente o Serviço de Finanças ... – 2, e está enquadrada, para efeitos do IVA, no regime normal de periodicidade mensal, sendo certo que entre 06 de Dezembro de 2012 e 01 de Janeiro de 2014 estava enquadrada no regime trimestral.
3. A sociedade “X” foi constituída no dia 29 de Novembro de 2012, tendo por objecto social a produção, fabricação e confecção de produtos têxteis, vestuário e acessórios; comércio por grosso e a retalho de todo o tipo de produtos têxteis, vestuário, calçado e acessórios; importação e exportação.
4. À data dos factos sob discussão nestes autos, o arguido F. T. era o gerente de facto daquela sociedade, sendo o responsável pela sua gestão e administração, no âmbito da qual tomava todas as decisões respeitantes ao seu funcionamento, bem como representava-a perante clientes e fornecedores, sendo também o responsável pela administração e gestão dos pagamentos aos credores, nomeadamente, pelo pagamento dos impostos devidos ao Estado Português e pela gestão da respectiva contabilidade e direcção dos trabalhadores.
5. A sociedade arguida “Y” é uma sociedade unipessoal por quotas, com NUIPC ………, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de … sob o mesmo número e com sede na Rua …, da freguesia de …., do concelho de Paços de Ferreira (….).
6. Esta sociedade foi constituída no dia 19 de Outubro de 2011, tendo por objecto social a confecção de artigos de têxteis lar.
7. O arguido R. V. foi designado gerente dessa sociedade por deliberação datada de 17 de Setembro de 2012.
8. A sociedade arguida “R. E.” é uma sociedade comercial por quotas, com NUIPC ………, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de … sob o mesmo número e com sede na Rua ..., da freguesia de ..., do concelho de Paços de Ferreira (…).
9. Esta sociedade foi constituída no dia 02 de Julho de 2013, tendo por objecto social a actividade de contabilidade, auditoria e fiscalidade, importação, exportação e comércio por grosso de fibras têxteis.
10. O arguido R. V. foi designado gerente dessa sociedade por deliberação datada de 28 de Junho de 2013.
11. À data dos factos que se discutem nestes autos, o arguido R. V., para além de constar no registo comercial como gerente das sociedades arguidas “Y” e “R. E.”, era o gerente de facto das mesmas, sendo o responsável pela sua gestão e administração, no âmbito da qual tomava todas as decisões respeitantes ao seu funcionamento, bem como representava-as perante terceiros, sendo também o responsável pela administração e gestão dos pagamentos aos credores, nomeadamente, pelo pagamento dos impostos devidos ao Estado Português/Administração Fiscal e pela gestão da respectiva contabilidade.
12. Em circunstâncias que, em concreto, não foi possível apurar e em data que, em concreto, não foi possível determinar, mas certamente posterior àquela em que o arguido R. V. assumiu a gerência referida em 7., o arguido F. T., na qualidade de representante (de facto) da sociedade arguida “X”, em conjugação de esforços e de intentos, combinou com o primeiro, enquanto representante da sociedade arguida “Y” e posteriormente da sociedade arguida “R. E.”, um estratagema para, através da emissão e utilização de facturas sem qualquer suporte em transacções/serviços prestados, evitarem o pagamento dos impostos devidos pela mencionada “X”, a título de IRC, assim se locupletando de verbas a que não tinham direito.
13. Com efeito, tal estratagema consistia em incorporar na contabilidade regular da sociedade “X”, de forma sistemática e reiterada, facturas fictícias emitidas pelo arguido R. V., actuando em representação das aludidas “Y” e “R. E.”, que não titulavam qualquer operação efectivamente realizada.
14. Este esquema, desenhado em conjunto pelos arguidos F. T. e R. V., de incorporação de facturas na contabilidade regular da sociedade “X”, que documentassem transacções comerciais e/ou prestações de serviços que não correspondiam efectivamente a trabalhos e/ou serviços prestados, tinha como intenção primordial que esta sociedade, em sede de IRC, pagasse menos impostos, ao deduzir o respectivo custo e consequente diminuição das receitas tributárias a esse título.
15. Para o efeito, as empresas “Y” e “R. E.”, através do arguido R. V., seu representante durante o ano de 2014, emitiram, forneceram e entregaram a favor da sociedade “X” e do arguido F. T., seu representante, as seguintes facturas:

FacturaData de emissão e vencimentoEmitenteDescriçãoValorIVATotal
35402-01-2014“Y”Serviço de estampagem€5.250,00€1.207,50€6.457,50
40403-04-2014“Y”Serviço de estampagem€9.187,50€2.113,13€11.300,63
41509-05-2014“Y”Desenvolvimento de Colecções, Tratamentos de imagens, Misonetes e Quadros (desenhos de 1 a 8 cores)€18.000,00€4.140,00€22.140,00
42716-06-2014“Y”Serviço de estampagem€6.000,00€1.380,00€7.380,00
46102-09-2014“Y”Serviço de estampagem€6.790,00€1.561,70€8.351,70
47306-10-2014“Y”Desenvolvimento de Colecções, Tratamentos de imagens, Misonetes e Quadros (desenhos de 1 a 8 cores)€10.260,00
(desconto comercial de €540 sobre o valor de €10.800)
€2.359,80€12.619,80
12923-12-2014“R. E.”Desenvolvimento de Colecções, Tratamentos de imagens, Misonetes e Quadros (desenhos de 1 a 8 cores)€21.600,00€4.968,00€26.568,00
TOTAL (euros)77.087,5017.730,1394.817,63

16. Uma vez que a sociedade arguida “X”, para efeitos tributários, mostra-se qualificada como uma micro/pequena/média empresa, o arguido F. T. – na qualidade de representante desta sociedade – e o arguido R. V. – enquanto representante das sociedades “Y” e “R. E.” –, no ano de 2014, lograram obter para a primeira uma vantagem patrimonial ilegítima, em sede de IRC, no valor total de €16.830,13 [(€15.000,00 x 17%) + (€62.087,50 x 23%)] (dezasseis mil, oitocentos e trinta euros e treze cêntimos).
17. Ao montante de IRC devido (€77.087,50) acresce a derrama, no valor de €1.156,31 (mil cento e cinquenta e seis euros e trinta e um cêntimo), tendo esta quantia sido obtida pela aplicação ao lucro tributável da taxa de 1,5% (aprovada pelos Ofícios Circulados nºs20175/2015 e 20186/2016, de 16 de Março de 2015 e de 26 de Fevereiro de 2016, respectivamente).
18. Assim, a vantagem patrimonial ilegítima obtida pela sociedade arguida “X”, em sede de IRC do ano de 2014, referida em 16., acrescida da derrama referida em 17., ascende a €17.986,44 (dezassete mil, novecentos e oitenta e seis euros e quarenta e quatro cêntimos).
19. Esta sociedade, ao declarar um montante de custos fictícios de €125.162,75 (cento e vinte e cinco mil, cento e sessenta e dois euros e setenta e cinco cêntimos), relativo ao exercício de 2014, e ao deduzir o imposto devido pela aquisição dos serviços (fictícios) melhor descritos nas facturas referidas em 15., amputou o património do Estado/Administração Fiscal no valor de €17.986,44 (dezassete mil, novecentos e oitenta e seis euros e quarenta e quatro cêntimos), referido em 18.
20. O arguido F. T. e o arguido R. V., enquanto representantes das sociedades arguidas, ao procederem nos termos supra descritos, lograram pôr em causa a verdade da situação tributária da sociedade “X”, violando deveres de colaboração e lealdade perante a Fazenda Nacional.
21. Mediante a prática do plano que conceberam, conseguiram que a Estado/Administração Fiscal, convencido da veracidade das suas declarações e documentação apresentada, visse o seu património lesado no montante referido em 18.
22. Agiram os arguidos de forma deliberada, livre e consciente, com o conhecimento de que com a sua conduta defraudavam o património do Estado/Administração Fiscal, o que quiseram e alcançaram, bem sabendo ser essa sua conduta proibida e punida por lei.
23. O arguido F. T., na qualidade de representante (de facto) da sociedade arguida “X”, contabilizou na contabilidade desta última e apresentou as competentes declarações periódicas de IVA nos termos do artigo 41º, do Código do IVA, nas quais considerou, de forma indevida, as facturas que infra se descrevem e que documentam transacções comerciais e/ou prestação de serviços que não correspondiam efectivamente a trabalhos e/ou serviços prestados:

FacturaData de emissão e vencimentoEmitenteDescriçãoValorIVATotal
24818-07-2013“Y”Serviço de estampagem€3.500,00€805,00€4.305
TOTAL DE 2013 (euros)3.500,00805,004.305
35402-01-2014“Y”Serviço de estampagem€5.250,00€1.207,50€6.457,50
40403-04-2014“Y”Serviço de estampagem€9.187,50€2.113,13€11.300,63
41509-05-2014“Y”Desenvolvimento de Colecções, Tratamento de imagens, Misonetes e Quadros (desenhos de 1 a 8 cores)€18.000,00€4.140,00€22.140
42716-06-2014“Y”Serviço de estampagem€6.000,00€1.380,00€7.380,00
46102-09-2014“Y”Serviço de estampagem€6.790,00€1.561,70€8.351,70
47306-10-2014“Y”Desenvolvimento de Colecções, Tratamento de imagens, Misonetes e Quadros (desenhos de 1 a 8 cores)€10.260,00
(desconto comercial de €540,00 sobre o valor de €10.800,00)
€2.359,80€12.619,80
12923-12-2014“R. E.”Desenvolvimento de Colecções, Tratamento de imagens, Misonetes e Quadros (desenhos de 1 a 8 cores)€21.600,00€4.968,00€26.568
TOTAL DE 2014 (euros)77.087,5017.730,1394.817,63
15904-02-2015“R. E.”Desenvolvimento de Colecções, Tratamento de imagens, Misonetes e Quadros (desenhos de 1 a 8 cores)€10.800,00€2.484,00€13.284,00
19909-04-2015“R. E.”Introdução de Aplicações em TShirts€5.750,00€1.322,50€7.072,50
512-10-2015“K. – Unipessoal, Lda.”Desenvolvimento de Colecções, Tratamento de imagens, Misonetes e Quadros (desenhos de 1 a 8 cores)€15.390,00
(desconto comercial de €810,00 sobre o valor de €16.200,00)
€3.539,70€18.929,70
3431-12-2015“K. – Unipessoal, Lda.”Desenvolvimento de Colecções, Tratamento de imagens, Misonetes e Quadros (desenhos de 1 a 8 cores)€23.940,00
(desconto comercial de €1.260,00 sobre o valor de €25.200,00)
€5.506,20€29.446,20
TOTAL DE 2015 (euros)55.880,0012.852,4068.732,40

24. A sociedade arguida “X”, em virtude do referido em 23., ficou com um crédito de imposto e solicitou à Autoridade Tributária o correspondente reembolso de IVA (nos termos do Despacho Normativo nº18-A/2010, de 01 de Julho, alterado pela Lei nº 2/2010, de 15 de Março) no 3º trimestre de 2013, em Janeiro, Abril, Maio, Junho, Setembro, Outubro e Dezembro de 2014, e em Fevereiro, Abril e Outubro de 2015 e Março de 2016, tendo desta forma obtido os seguintes reembolsos (atribuições patrimoniais), que representam um enriquecimento ilícito:
a) No 3º trimestre de 2013, com base na declaração periódica de IVA apresentada em 28/11/2013, obteve um reembolso de IVA no montante de €73.399,00 (setenta e três mil, trezentos e noventa e nove euros), concretizado em 14/01/2014, no qual estava incluído o montante de €805,00 (oitocentos e cinco euros), referente à factura nº248, emitida pela sociedade arguida “Y”;
b) No mês de Janeiro de 2014, com base na declaração periódica de IVA apresentada em 09/03/2014, obteve um reembolso de IVA no montante de €32.882,60 (trinta e dois mil, oitocentos e oitenta e dois euros e sessenta cêntimos), concretizado em 02/04/2014, no qual estava incluído o montante de €1.207,50 (mil duzentos e sete euros e cinquenta cêntimos), referente à factura nº354, emitida pela sociedade arguida “Y”;
c) No mês de Abril de 2014, com base na declaração periódica de IVA apresentada em 11/06/2014, obteve um reembolso de IVA no montante de €26.669,42 (vinte e seis mil, seiscentos e sessenta e nove euros e quarenta e dois cêntimos), concretizado em 04/07/2014, no qual estava incluído o montante de €2.113,13 (dois mil, cento e treze euros e treze cêntimos), referente à factura nº404, emitida pela sociedade arguida “Y”;
d) No mês de Maio de 2014, com base na declaração periódica de IVA apresentada em 10/07/2014, obteve um reembolso de IVA no montante de €15.401,52 (quinze mil, quatrocentos e um euros e cinquenta e dois cêntimos), concretizado em 17/09/2014, no qual estava incluído o montante de €4.140,00 (quatro mil cento e quarenta euros), referente à factura nº415, emitida pela sociedade arguida “Y”;
e) No mês de Junho de 2014, com base na declaração periódica de IVA apresentada em 11/08/2014, obteve um reembolso de IVA no montante de €40.946,09 (quarenta mil, novecentos e quarenta e seis euros e nove cêntimos), concretizado em 05/09/2014, no qual estava incluído o montante de €1.380,00 (mil trezentos e oitenta euros), referente à factura nº427, emitida pela sociedade arguida “Y”;
f) No mês de Setembro de 2014, com base na declaração periódica de IVA apresentada em 10/11/2014, obteve um reembolso de IVA no montante de €19.598,10 (dezanove mil, quinhentos e noventa e oito euros e dez cêntimos), concretizado em 06/02/2015, no qual estava incluído o montante de €1.561,70 (mil quinhentos e sessenta e um euros e setenta cêntimos), referente à factura nº461, emitida pela sociedade arguida “Y”;
g) No mês de Outubro de 2014, com base na declaração periódica de IVA apresentada em 25/11/2014, obteve um reembolso de IVA no montante de €49.972,11 (quarenta e nove mil, novecentos e setenta e dois euros e onze cêntimos), concretizado em 19/12/2014, no qual estava incluído o montante de €2.359,80 (dois mil, trezentos e cinquenta e nove euros e oitenta cêntimos), referente à factura nº473, emitida pela sociedade arguida “Y”;
h) No mês de Dezembro de 2014, com base na declaração periódica de IVA apresentada em 27/01/2015, obteve um reembolso de IVA no montante de €172.003,25 (cento e setenta e dois mil e três euros e vinte e cinco cêntimos), concretizado em 12/03/2015, no qual estava incluído o montante de €4.968,00 (quatro mil, novecentos e sessenta e oito euros), referente à factura nº129, emitida pela sociedade arguida “Y”;
i) No mês de Fevereiro de 2015, com base na declaração periódica de IVA apresentada em 25/03/2015, obteve um reembolso de IVA no montante de €82.963,21 (oitenta e dois mil, novecentos e sessenta e três euros e vinte e um cêntimos), concretizado em 20/04/2015, no qual estava incluído o montante de €2.484,00 (dois mil, quatrocentos e oitenta e quatro euros), referente à factura nº159, emitida pela sociedade arguida “R. E.”;
j) No mês de Abril de 2015, com base na declaração periódica de IVA apresentada em 26/05/2015, obteve um reembolso de IVA no montante de €82.346,21 (oitenta e dois mil, trezentos e quarenta e seis euros e vinte e um cêntimos), concretizado em 05/08/2015, no qual estava incluído o montante de €1.322,50 (mil trezentos e vinte e dois euros e cinquenta cêntimos), referente à factura nº199, emitida pela sociedade arguida “R. E.”;
k) No mês de Outubro de 2015, com base na declaração periódica de IVA apresentada em 08/12/2015, obteve um reembolso de IVA no montante de €102.869,11 (cento e dois mil, oitocentos e sessenta e nove euros e onze cêntimos), concretizado em 12/01/2016, no qual estava incluído o montante de €3.539,70 (três mil, quinhentos e trinta e nove euros e setenta cêntimos), referente à factura nº5, emitida pela empresa “K. – Unipessoal, Lda.”;
l) No mês de Março de 2016, com base no crédito de imposto proveniente das declarações periódicas de IVA dos meses de Dezembro de 2015, Janeiro, Fevereiro e Março de 2016, apresentadas em 10/02/2016, 10/03/2016, 11/04/2016 e 10/05/2016, obteve um reembolso de IVA no montante de €10.029,17 (dez mil e vinte e nove euros e dezassete cêntimos), concretizado em 02/06/2016, no qual estava incluído o montante de €5.506,20 (cinco mil, quinhentos e seis euros e vinte cêntimos), referente à factura nº34, emitida pela empresa “K. – Unipessoal, Lda.”.
25. O arguido F. T., na qualidade de representante da sociedade “X”, agiu livre, deliberada e conscientemente, simulando operações económicas e emitindo declarações fiscais falsas, a que se alude em 23., com vista a obter os reembolsos de IVA referidos em 24.
26. Este arguido agiu com o intuito de obter um enriquecimento patrimonial ilegítimo para aquela “X”, a que sabia não ter direito, e de determinar o Estado/Administração Tributária a efectuar atribuições patrimoniais a esse título no montante global de €31.387,53 (trinta e um mil, trezentos e oitenta e sete euros e cinquenta e três cêntimos), assim discriminado: [i] sociedade arguida “Y”: €18.535,13 (dezoito mil, quinhentos e trinta e cinco euros e treze cêntimos); [ii] sociedade arguida “R. E.”: €3.806,50 (três mil, oitocentos e seis euros e cinquenta cêntimos); e [iii] sociedade “K. – Unipessoal, Lda.”: €9.045,90 (nove mil e quarenta e cinco euros e noventa cêntimos).
27. Ao actuar dessa forma, o arguido F. T., na apontada qualidade, atentou contra a verdade e transparência exigidas na relação entre o Estado/Administração Fiscal e o contribuinte.
28. O arguido F. T. agiu sempre livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei e, ainda assim, não se abstendo de a prosseguir.

Provou-se, também, que:

29. No período sob discussão nos presentes autos, a sociedade arguida “X” funcionava na sede referida em 1.
30. Nessas instalações laborava, também, a sociedade “X”.
31. Quer esta, quer a sociedade arguida integravam o grupo “X SGPS”, que empregava para cima de 100 (cem) trabalhadores.
32. À data da acção inspectiva laboravam naquelas instalações um número de trabalhadores que, em concreto, não foi possível determinar, mas que variava entre 50 (cinquenta) e 70 (setenta), sendo que por conta da sociedade arguida seriam cerca de 5 (cinco) a 10 (dez).
33. No âmbito dessa inspecção foi verificado que: [i] não existiam documentos de transporte que comprovassem as transacções indicadas nas facturas referidas em 15. e 23.; [ii] os cheques emitidos para pagamento destas facturas eram levantados no espaço de 1 (um) a 2 (dois) dias; [iii] na contabilidade da sociedade arguida “X” indicavam-se preços de transferência que não constavam registados no relatório de preços de transferência; [iv] os suprimentos a esta sociedade cresciam a um ritmo muito elevado.
34. Em 2014 a sociedade arguida registou vendas na ordem dos €5.000.000,00 (cinco milhões de euros).
35. Esta sociedade, em 19 de Janeiro de 2017, recorreu a um processo especial de revitalização, após o que, em 17 de Novembro de 2017, foi declarada em situação de insolvência.
36. A sede da sociedade arguida “Y”, referida em 5., consistia nuns arrumos, afectos a uma casa de habitação.
37. Esses anexos não estavam apetrechados com materiais, nem maquinaria, para que ali pudesse funcionar uma estrutura industrial capaz de prestar os serviços de confecção enunciados nas facturas referidas em 15. e 23., com os nºs 248, 354, 404, 415, 427, 461 e 473.
38. A identificada “Y”, à data da factualidade que se discute, não tinha declarado nenhum trabalhador à Segurança Social.
39. A essa data não se conheciam veículos automóveis que fossem pertença da sociedade arguida.
40. No período sob discussão nos autos não há consumos de electricidade registados em nome desta arguida.
41. Não obstante o referido em 38., 39. e 40., a aludida “Y” declarou no ano de 2012 um volume de negócios no valor de €315.108,96 (trezentos e quinze mil, cento e oito euros e noventa e seis cêntimos) e no ano de 2013 no valor de €4.362.374,92 (quatro milhões, trezentos e sessenta e dois mil, trezentos e setenta e quatro euros e noventa e dois cêntimos).
42. Apesar do aumento referido em 41., esta sociedade arguida declarou ao Estado/Administração Fiscal que os custos em que incorreu foram superiores a esse aumento.
43. Aquando da acção inspectiva, a sede da aludida “Y” encontrava-se encerrada e o arguido R. V. mostrava-se recluído no Estabelecimento Prisional de ....
44. Este arguido reconheceu ser o representante (de direito e de facto) desta sociedade no período em apreço nos presentes autos.
45. A mesma sociedade declarou ao Estado/Administração Tributária que era sua fornecedora a empresa “W – Importação e Exportação, Lda.”, que tem por objecto social a importação, exportação, comércio por grosso e a retalho de bens móveis, têxteis e artigos para uso doméstico.
46. Não se conhecem instalações a esta sociedade, apesar das diligências encetadas para esse efeito.
47. Tampouco se registam consumos de electricidade em seu nome.
48. A mencionada “W – Importação e Exportação, Lda.” declarou ter 1 (um) trabalhador à Segurança Social, no período compreendido entre Março de 2013 e Abril de 2014.
49. Não se apurou que esta sociedade possuísse veículos automóveis.
50. A sede da sociedade arguida “R. E.”, referida em 8., consistia nuns anexos afectos a uma casa de habitação, que eram usados como escritório.
51. Esses anexos não estavam apetrechados com materiais, nem maquinaria, para que ali pudesse funcionar uma estrutura industrial capaz de prestar os serviços enunciados nas facturas referidas em 15. e 23., com os nºs129, 159 e 199.
52. Esta sociedade, à data dos factos sob discussão nos autos, possuía como único trabalhador declarado à Segurança Social o sócio-gerente R. V., aqui arguido, que reconheceu ser o seu representante (de direito e de facto).
53. A essa data não se conhecem viaturas que pertencessem à identificada “R. E.”.
54. No período que ora se discute não há consumos de electricidade registados em nome desta sociedade arguida.
55. Aquando da acção inspectiva, a sede daquela “R. E.” encontrava-se encerrada e o arguido R. V. mostrava-se recluído no Estabelecimento Prisional de ....
56. A mesma sociedade declarou que eram seus fornecedores as empresas “W – Importação e Exportação, Lda.” – já supra referida – e “G. P., Unipessoal, Lda.”.
57. Esta última sociedade teve por objecto social inicial o comércio por grosso de relógios e de artigos de ourivesaria e joalharia.
58. Posteriormente, em 2014, esse objecto passou a ser o comércio por grosso de produtos alimentares congelados de qualquer natureza e espécie, com predominância de peixe, carne e seus derivados; Comércio por grosso de peixe, crustáceos e moluscos frescos, de carne fresca e de produtos à base de carne, de bebidas alcoólicas e não alcoólicas; Comércio a retalho de produtos alimentares congelados de qualquer natureza e espécie, com predominância de peixe, carne e seus derivados, de peixe, crustáceos e moluscos frescos, de carne fresca e de produtos à base de carne, de bebidas alcoólicas e não alcoólicas.
59. Aquela “G. P., Unipessoal, Lda.”, na altura dos factos sob discussão, não possuía instalações, pessoal, maquinaria, materiais ou viaturas inerentes ao exercício de uma actividade industrial.
60. No âmbito da acção inspectiva à sociedade “K. – Unipessoal, Lda.” verificou-se que havia consumos de electricidade, registados entre Março e Setembro de 2016, numas instalações sitas em ... – Vila Nova de Famalicão.
61. Na sua contabilidade fizeram-se constar vendas de produtos sem que as mesmas se mostrassem suportadas por correspondentes compras destinadas à sua produção.
62. A maquinaria industrial registada não se encontrava paga por os cheques usados nesse pagamento terem sido devolvidos por falta de provisão.
63. Dos 3 (três) fornecedores, 2 (dois) eram empresas insolventes que manifestaram desconhecimento acerca da existência daquela “K. – Unipessoal, Lda.”.
64. Em relação ao terceiro fornecedor foi detectado no sistema informático da autoridade tributária que havia declarações periódicas de IVA entregues com o NIF do arguido R. V., apesar de este não ser o contabilista certificado.
65. Por sua vez, o contabilista certificado apenas havia contactado com o gerente desse fornecedor uma só vez, aquando da constituição da empresa.

Da contestação
66. Sem prejuízo de as facturas referidas em 15. e 23. não documentarem transacções e/ou serviços efectivamente prestados à identificada “X”, esta sociedade arguida, na sequência da emissão dessas facturas, remeteu cheques às sociedades arguidas “Y” e “R. E.”, bem como à sociedade “K. – Unipessoal, Lda.”, que, uma vez apresentados a pagamento, foram saldados.

Dos antecedentes criminais dos arguidos
67. Do Certificado de Registo Criminal da sociedade arguida “X” nada consta.
68. Do Certificado de Registo Criminal da sociedade arguida “Y” nada consta.
69. Do Certificado de Registo Criminal da sociedade arguida “R. E.” nada consta.
70. O arguido F. T. foi já condenado:
a) No Processo Comum Colectivo nº53/04.2IDAVR, do Juízo Central Criminal de Guimarães – Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por acórdão proferido no dia 27 de Maio de 2010, transitado em julgado no dia 13 de Janeiro de 2012, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, no dia 01 de Janeiro de 2000, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à razão diária de €10,00 (dez euros), num total de €1.800,00 (mil e oitocentos euros); posteriormente foi tal pena declarada extinta pelo pagamento;
b) No Processo Comum Singular nº3613/14.0TAMTS, do Juízo Local Criminal de Matosinhos – Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, por sentença proferida no dia 09 de Abril de 2018, transitada em julgado no dia 09 de Maio de 2018, pela prática de um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos, no dia 12 de Junho de 2014, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à razão diária de €7,00 (sete euros), num total de €630,00 (seiscentos e trinta euros).
71. O arguido R. V. foi já condenado:
a) No Processo Sumário nº238/07.0PAVCD, do (extinto) 1º Juízo Criminal, do Tribunal Judicial da comarca de Vila do Conde, por sentença proferida no dia 23 de Abril de 2007, transitada em julgado no dia 08 de Maio de 2007, pela prática, em 21 de Abril de 2007, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 45 (quarenta e cinco) dias de multa, à razão diária de €8,00 (oito euros), num total de €360,00 (trezentos e sessenta euros) e na pena acessória de proibição de conduzir veículo com motor pelo período de 3 (três) meses; posteriormente, foi tal pena declarada extinta pelo pagamento;
b) No Processo Comum Singular nº282/05.1GTBRG, do (extinto) 2º Juízo Criminal, do Tribunal Judicial da comarca de Guimarães, por sentença proferida no dia 01 de Outubro de 2007, transitada em julgado no dia 02 de Novembro de 2007, pela prática, em 25 de Junho de 2005, de um crime de desobediência, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à razão diária de €3,50 (três euros e cinquenta cêntimos), num total de €280,00 (duzentos e oitenta euros); posteriormente, foi tal pena declarada extinta pelo pagamento;
c) No Processo Sumaríssimo nº274/07.6GTBRG, do (extinto) 3º Juízo Criminal, do Tribunal Judicial da comarca de Guimarães, por sentença proferida no dia 11 de Abril de 2008, transitada em julgado no dia 11 de Abril de 2008, pela prática, em 14 de Junho de 2007, de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à razão diária de €10,00 (dez euros), num total de €1.200,00 (mil e duzentos euros); posteriormente, foi tal pena declarada extinta pelo pagamento;
d) No Processo Comum Colectivo nº1116/09.3TAGMR, da (extinta) 1ª Vara de Competência Mista de Guimarães, por acórdão proferido no dia 17 de Maio de 2011, transitado em julgado no dia 06 de Junho de 2011, pela prática, em Agosto de 2007, de dois crimes de uso de documento de identificação ou de viagem alheio, de um crime de falsificação ou contrafacção de documento e de um crime de burla simples, na pena de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período; posteriormente, foi tal pena declarada extinta nos termos do artigo 57º, do CP;
e) No Processo Comum Colectivo nº439/09.6PBCBR, da (extinta) 1ª Secção da Vara de Competência Mista e Juízos Criminais de Coimbra, por acórdão proferido no dia 20 de Julho de 2011, transitado em julgado no dia 20 de Setembro de 2011, pela prática, em 26 de Fevereiro de 2009, de um crime de abuso de confiança agravado, na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período, condicionada ao pagamento, nesse prazo, da indemnização arbitrada à demandante cível, no valor de €11.640,00 (onze mil, seiscentos e quarenta euros), à razão de 1/3 por ano; posteriormente, foi tal suspensão prorrogada por mais 1 (um) ano; posteriormente, foi tal pena declarada extinta nos termos do artigo 57º, do CP;
f) No Processo Comum Singular nº24/08.0JAAVR, do Juízo de Média Instância Criminal de Ílhavo (posteriormente, designado por Juízo de Competência Genérica de Ílhavo – Juiz 1), do Tribunal Judicial da Comarca do Baixo Vouga, por sentença proferida no dia 09 de Maio de 2013, transitada em julgado no dia 11 de Junho de 2013, pela prática, em 10 e 11 de Março de 2005, de um crime de falsificação de boletins, acta ou documentos e de um crime de burla qualificada, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à razão diária de €9,00 (nove euros), num total de €2.250,00 (dois mil, duzentos e cinquenta euros); posteriormente, foi tal pena substituída por 166 (cento e sessenta e seis) dias de prisão subsidiária; posteriormente foi esta prisão suspensa por 1 (um) ano; posteriormente, foi declarada extinta nos termos do artigo 57º, do CP;
g) No Processo Comum Singular nº89/12.0IDPRT, do Juízo Local Criminal de Paços de Ferreira, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, por sentença proferida no dia 03 de Abril de 2014, transitada em julgado no dia 13 de Maio de 2014, pela prática, em 26 de Maio de 2010, de um crime de burla tributária, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à razão diária de €6,00 (seis euros), num total de €1.200,00 (mil e duzentos euros); posteriormente, foi tal pena declarada extinta pelo pagamento;
h) No Processo Comum Singular nº473/10.3IDPRT, do (extinto) 3º Juízo Criminal, do Tribunal Judicial da comarca de Vila Nova de Gaia, por sentença proferida no dia 22 de Abril de 2014, transitada em julgado no dia 22 de Maio de 2014, pela prática, em 2007, de um crime de fraude fiscal qualificada, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, substituída por 400 (quatrocentas) horas de prestação de trabalho a favor da comunidade; posteriormente, foi tal substituição revogada e determinado que o arguido cumprisse a pena de prisão efectiva em que foi condenado;
i) No Processo Comum Colectivo nº378/03.4TASTS, do Juízo Central Criminal de Vila do Conde – Juiz 4, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, por acórdão proferido no dia 10 de Julho de 2013, transitado em julgado no dia 19 de Junho de 2015, pela prática, em 2001, de um crime de fraude fiscal qualificada, na pena de 2 (dois) anos de prisão efectiva e na pena acessória de publicidade da decisão condenatória;
j) No Processo Comum Colectivo nº7087/13.4TDLSB, do Juízo Central Criminal de Penafiel – Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, por acórdão proferido no dia 17 de Setembro de 2015, transitado em julgado no dia 19 de Outubro de 2015, pela prática, em 20 de Maio de 2010 e em 27 de Julho de 2010, de um crime de burla qualificada e de um crime de falsificação ou contrafacção de documento, na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período, sujeitando-se o arguido a regime de prova;
k) No Processo Comum Colectivo nº864/05.1TAPNF, do Juízo Central Criminal de Penafiel – Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, por acórdão proferido no dia 18 de Março de 2016, transitado em julgado no dia 26 de Maio de 2016, pela prática, em 01 de Janeiro de 2003, de um crime de burla qualificada e de um crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período, sujeitando-se o arguido a regime de prova, e na pena acessória de publicidade da decisão condenatória;
l) No Processo Comum Colectivo nº211/14.1TAPFR, do Juízo Central Criminal de Penafiel – Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, por acórdão proferido no dia 25 de Janeiro de 2017, transitado em julgado no dia 24 de Fevereiro de 2017, pela prática, em 27 de Janeiro de 2011, de um crime de falsificação de boletins, actas ou documentos, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão efectiva;
Posteriormente, nesses autos, procedeu-se ao cúmulo jurídico das penas aplicadas nos Processos referidos em f), g), h), i), j), k) e m), sendo que por acórdão proferido no dia 21 de Setembro de 2017, transitado em julgado no dia 25 de Outubro de 2017, foi o arguido condenado na pena única de 6 (seis) anos de prisão efectiva e na pena de 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa, à razão diária de €9,00 (nove euros), num total de €3.150,00 (três mil, cento e cinquenta euros); posteriormente, esta pena de multa foi declarada extinta pelo pagamento;
m) No Processo Comum Singular nº134/10.3IDBRG, do Juízo Local Criminal de Guimarães – Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por sentença proferida no dia 04 de Janeiro de 2016, transitada em julgado no dia 28 de Abril de 2017, pela prática, em Setembro de 2006, de um crime de fraude fiscal qualificada, na pena de 20 (vinte) meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período, acompanhada de regime de prova e sob a condição de o arguido, dentro desse período, pagar ao Estado o montante dos benefícios indevidamente obtidos em resultado do crime;
n) No Processo Comum Singular nº20/15.0IDVCT, do Juízo de Competência Genérica de Caminha, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castel, por sentença proferida no dia 25 de Junho de 2018, transitada em julgado no dia 27 de Junho de 2019, pela prática, em 2010, de um crime de fraude fiscal qualificada, na pena de 2 (dois) anos de prisão efectiva;
o) No Processo Comum Singular nº505/17.4T9BRG, do Juízo Local Criminal de Barcelos – Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por sentença proferida no dia 27 de Maio de 2019, transitada em julgado no dia 26 de Junho de 2019, pela prática, em 06 de Março de 2016, de um crime de burla tributária qualificada, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão efectiva;
p) No Processo Comum Singular nº610/16.4IDPRT, do Juízo Local Criminal de Penafiel – Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, por sentença proferida no dia 03 de Junho de 2019, transitada em julgado no dia 08 de Julho de 2019, pela prática, em 01 de Janeiro de 2013, de um crime de fraude fiscal qualificada, na pena de 2 (dois) anos de prisão efectiva.

Dos factos relativos à personalidade e condições pessoais do arguido F. T.
72. O arguido faz parte integrante de uma família com 4 (quatro) filhos, cujos pais foram industriais no ramo têxtil, de condição socioeconómica confortável.
73. A dinâmica familiar era funcional e com bom relacionamento entre os seus elementos.
74. O arguido iniciou o seu percurso escolar em idade regulamentar, com a conclusão do 12º ano, findo o qual, com cerca de 18 (dezoito) anos, iniciou funções na empresa que a família administrava – a “T. – Têxteis, Lda.”.
75. Esta empresa dedicava-se à produção de têxteis e o arguido exerceu aqui atividade até aos 24 (vinte e quatro) anos.
76. O aludido F. T. iniciou o desempenho de actividade no sector de produção da fábrica por imposição paterna e com a possibilidade de progredir no quadro da empresa, caso revelasse capacidades para o efeito.
77. O progenitor encarava a integração do filho na empresa com algum rigor salientando-lhe a necessidade de conhecer todos os sectores de produção para no futuro ter capacidade para exercer uma atividade de gestão competente.
78. Após este percurso inicial, o arguido optou por estabelecer-se por conta própria em 1984, e fundou, com um conhecido seu, a empresa “T. e G., Lda.”, que viria a encerrar em 1989 com prejuízos financeiros.
79. Em 1998/1999 voltou a exercer funções como gerente da “Indústria Têxtil R., Lda.”, com cerca de 120 (cento e vinte) funcionários, da qual se demitiu em 2002.
80. Posteriormente às funções de gestão, passou a exercer a função de comercial em várias empresas do sector.
81. Voltou a criar novas empresas em nome individual, sempre na área têxtil, nomeadamente e mais recentemente, a sociedade arguida “X”, que se encontrava insolvente.
82. A instalação da crise no sector e as dificuldades crescentes de apoio bancário foram a causa da ruína financeira e da decisão de encerrar todas as empresas que aquele F. T. foi criando.
83. Desde então manteve-se inativo.
84. Subsistiu com algumas poupanças que foi realizando e com o vencimento do cônjuge, M. S., com quem teve 2 (duas) filhas, e de quem se separou judicialmente de pessoas e bens há cerca de 10 (dez) anos, sem, no entanto, ter deixado de coabitar com a família constituída.
85. O arguido tem 59 (cinquenta e nove) anos de idade.
86. Reside na Rua …, da freguesia de …, do concelho de Braga (…), tratando-se de uma vivenda arrendada, com boas condições de habitabilidade e situada numa freguesia periférica à cidade de Braga, que partilha com o cônjuge e a filha mais nova, maior e activa profissionalmente.
87. No período a que se reportam os factos, o arguido exercia funções enquanto gerente de facto da sociedade arguida “X”.
88. Com a sua liquidação, o arguido ficou profissionalmente inactivo, situação que mantém.
89. A situação económica do agregado é actualmente precária e exclusivamente dependente do apoio financeiro da filha mais velha daquele F. T..
90. O arguido não tem rendimentos, bem como o seu cônjuge, que se encontra desempregado e doente.
91. As despesas com a renda do imóvel que habitam, no valor de €1.800,00 (mil e oitocentos euros), por mês, e as restantes despesas fixas, num valor mensal de cerca de €400,00 (quatrocentos euros), são exclusivamente assumidas pela filha mais velha, médica de profissão.
92. A filha mais nova não comparticipa nas despesas do agregado.
93. O quotidiano do arguido é actualmente dedicado à procura de trabalho junto de amigos e conhecidos que conheceu ao longo do seu percurso laboral.
94. Os seus tempos livres são dedicados, essencialmente, a convívios com amigos e família.
95. O arguido não é conhecido no meio onde actualmente reside.
96. Junto de antigos colaboradores e familiares e amigos, é tido como sendo uma pessoa dinâmica, empreendedora e resiliente, projectando uma imagem positiva.
97. O arguido sinaliza alterações significativas nas suas condições de vida, nomeadamente a nível profissional, familiar e financeiro.
98. A perda do seu posto de trabalho, a perda da capacidade de sustentar a família e a consequente desestabilização e sobrecarga relativamente à sua filha mais velha, são os factores que elenca como sendo os mais impactantes no momento que vivencia.
99. Perante o presente processo manifesta uma atitude de preocupação e constrangimento, sentimentos extensíveis à família.
100. Apesar de declinar qualquer tipo de protagonismo, manifesta, na eventualidade de condenação, disponibilidade para aderir a uma sanção na comunidade.

Dos factos relativos à personalidade e condições pessoais do arguido R. V.

101. O arguido é o mais velho de 2 (dois) irmãos, tendo beneficiado da integração num agregado familiar com uma situação desafogada e indicadores de funcionalidade relacional entre os seus membros.
102. O seu processo educativo foi fundamentado na transmissão de princípios concordantes com os socialmente dominantes, sendo evidente o investimento efetivado pelos progenitores a nível académico.
103. Nessa sequência e após frequência do então ciclo preparatório, o arguido integrou um colégio particular, onde permaneceu até concluir o 12º ano.
104. Logo após ingressou no ensino superior, na Universidade de …, onde chegou a frequentar um curso de gestão e planeamento em turismo, do qual desistiu por ausência de motivação.
105. Posteriormente, em 2001, no Porto, realizou e concluiu o curso superior de contabilidade, que conciliava com o trabalho que efectuava no gabinete de contabilidade de um familiar, bem como o apoio aos pais na churrascaria familiar durante o fim-de-semana.
106. A nível relacional possuía um grupo de pares sem referenciação negativa conhecida, com quem passava os seus tempos livres em ambientes comerciais e de diversão.
107. Após a conclusão dos seus estudos superiores, o arguido continuou a desempenhar funções no supra mencionado gabinete de contabilidade, até 2004, altura em que formou, em parceria com 2 (dois) sócios, o seu próprio escritório.
108. Retirou-se dessa sociedade em meados de 2005, por dificuldades financeiras.
109. Nessa sequência estabeleceu-se individualmente, na sua área de residência, em ....
110. Em 2006, resolveu alterar o seu domicílio profissional para a Póvoa de Varzim, motivado por um dos seus clientes, onde passou a residir durante cerca de 6 (seis meses), antes de contrair matrimónio, em 2007.
111. Cerca de um 1 (ano) depois, após término do seu relacionamento conjugal, regressou ao seu agregado de origem, quando a esposa se encontrava grávida do filho de ambos.
112. Após o nascimento, em Novembro de 2008, a criança ficou entregue aos cuidados maternos até aos 4 (quatros) meses, altura em que a sua guarda foi assumida pelos progenitores do arguido, a quem, posteriormente, lhes foi legalmente atribuída e com quem permanece, actualmente com 10 (dez) anos de idade.
113. À data dos factos constantes dos presentes autos, o aludido R. V. residia com os progenitores, reformados, e o seu descendente, na residência destes, os quais lhe garantiam todas as despesas básicas de alimentação e alojamento.
114. O arguido mantinha a sua empresa em nome individual, a qual acumulava com as funções de sócio-gerente da sociedade arguida “Y”.
115. A sua rotina diária passava também pelo convívio na Associação Recreativa e Desportiva do …, onde integra o Conselho Diretivo, para além da prática regular de futebol de salão, enquadrado num grupo de pares sem referenciação pró-delinquencial.
116. A dinâmica familiar era avaliada como tranquila, sem registo de especial conflituosidade, embora com referência a algum desgaste face aos envolvimentos afectivos que o arguido foi estabelecendo ao longo da vida, sendo salientada pelo agregado de origem alguma imaturidade e ingenuidade nos seus envolvimentos amorosos, com impacto na ausência de autonomização bem como na forma como aquele R. V. geria e canalizava os rendimentos auferidos para gastos supérfluos.
117. No seu meio sócio residencial, o arguido projecta uma imagem de imaturidade associada à sua falta de autonomização e concomitante dependência dos pais, apesar de lhe ser reconhecida uma interação adequada.
118. O arguido, em 26 de Fevereiro de 2016, deu entrada no Estabelecimento Prisional do … à ordem do processo nº378/03.4TASTS, referido em 71. – i), para cumprimento de uma pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão.
119. O arguido deu entrada no Estabelecimento Prisional de … no dia 09 de Janeiro de 2019, oriundo do Estabelecimento Prisional do …, encontrando-se actualmente à ordem do Processo nº610/16.4IDPRT, referido em 71. – p), em cumprimento de uma pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva, pela prática do crime de fraude fiscal qualificada.
120. Tem processos pendentes.
121. O arguido manifestou-se preocupado com o desfecho do presente processo, salientando aguardar com expectativa a total definição da sua situação jurídico-penal.
122. Numa avaliação abstracta da factualidade em causa no presente processo, demonstrou capacidade de identificar a censurabilidade associada e a existência de lesados, demonstrando capacidade de reflexão teórica sobre o bem protegido.
123. Relativamente aos crimes pelos quais se encontra condenado, enquadra-os no exercício da sua actividade profissional e num quadro de necessidades económicas, além de identificar a sua permeabilidade às influências e oportunidades criminais, reconhecendo a existência de danos e de prejuízos sociais e salientando o efeito intimidatório da atual reclusão.
124. Em contexto prisional regista 2 (duas) medidas disciplinares e, apesar de ter solicitado, até ao momento permanece sem ocupação laboral e/ou frequência escolar/formativa.
125. Verbaliza projectos de vida normativos, perspectivando, em meio livre, retomar as suas funções na área da contabilidade, pese embora actualmente refira encontrar-se suspenso das suas funções de técnico oficial de contas, assumindo a sua intenção de trabalhar por conta de outrem como forma de prevenção da reincidência e como factor de maior organização e estruturação do seu quotidiano.
126. No exterior dispõe do apoio dos seus familiares, especialmente dos seus progenitores que o visitam regularmente.

Factos não provados:

a) que à data dos factos sob discussão o arguido R. V. se dedicasse à venda de artigos têxteis na sociedade arguida “R. E.”;
b) que a vantagem patrimonial indevida, em sede de IRC, ascendesse ao montante de €18.866,44 (dezoito mil, oitocentos e sessenta e seis euros e quarenta e quatro cêntimos);
c) que a facturação da sociedade arguida “X”, quando no seu auge, ascendesse a cerca de €15.000.000,00 (quinze milhões de euros);
d) quaisquer outros factos para além dos descritos em sede de factualidade provada, que com os mesmos estejam em contradição ou que revelem interesse para a decisão a proferir.

E é do seguinte teor a motivação que incidiu sobre os factos provados e não provados:
«(…) Tecidas estas prévias considerações, no caso vertente assumiu relevância a prova documental junta aos autos e os dados objectivos que da mesma é possível extrair – sendo certo que não foi posta em causa em sede de audiência de julgamento –, em concreto:
[i] o auto de notícia respeitante à sociedade arguida “X”, a fls.2 (de 26.10.2017), fls.231-verso-236 (de 03.10.2017) e fls.335-336 (de 03.10.2017);
[ii] a visão do contribuinte – síntese cadastral da sociedade “X”, a fls.237-238;
[iii] a visão do contribuinte – síntese cadastral da sociedade arguida “Y”, a fls.366-367;
[iv] a visão do contribuinte – síntese cadastral da sociedade “R. E.”, a fls.368-369;
[v] a visão do contribuinte – síntese cadastral do arguido R. V., a fls.370;
[vi] a visão do contribuinte – síntese cadastral do arguido F. T., a fls.468-470;
[vii] a visão do contribuinte – síntese cadastral da sociedade “K. – Unipessoal, Lda.”, a fls.371-372/1081-1083;
[viii] a visão do contribuinte – síntese cadastral da sociedade “W – Importação e Exportação, Lda.”, a fls.381;
[ix] a visão do contribuinte – síntese cadastral da sociedade “V. D. - Têxteis, Lda.”, a fls.1084-1086;
[x] a certidão comercial da sociedade “X”, a fls.5-13/339-343/1294-1303/1478-1483, onde constam as inscrições da constituição, com menção da sede, do objecto e capital sociais, sócio(s) e respectiva(s) participação(ões) social(ais), alterações ao pacto constitutivo, bem como indicação do(s) representante(s) legal/legais, à data dos factos que se discutem nos autos;
[xi] a certidão comercial da sociedade “Y”, a fls.1305-1310/1484-1487, onde constam as inscrições da constituição, com menção da sede, do objecto e capital sociais, sócio(s) e respectiva(s) participação(ões) social(ais), alterações ao pacto constitutivo, bem como indicação do(s) representante(s) legal/legais, à data dos factos que se discutem nos autos;
[xii] a certidão comercial da sociedade “R. E.”, a fls.1312-1314/1488-1490, onde constam as inscrições da constituição, com menção da sede, do objecto e capital sociais, sócio(s) e respectiva(s) participação(ões) social(ais), alterações ao pacto constitutivo, bem como indicação do(s) representante(s) legal/legais, à data dos factos que se discutem nos autos;
[xiii] os comprovativos de entrega da declaração de IVA, relativos à sociedade arguida “X”, a relação de fornecedores e os reembolsos de IVA, a fls.247-334;
[xiv] a informação de cadastro da “K. – Unipessoal, Lda.”, da “R. E.” e da sociedade arguida “Y”, a fls.581/28;
[xv] a informação do site “...PT” da “K. – Unipessoal, Lda.”, da sociedade arguida “R. E.” e da sociedade arguida “Y”, a fls.582;
[xvi] a cópia dos seguintes cheques e informações de pagamento:
Data depósitoNº ChequeBancoMontanteCópia a fls.
02.08.20133096701823Banco …
(depositado no Banco …, em conta da “Y”)
€4.305,00190/796
13.01.20143009432184Banco …
(depositado no Banco …, em conta da “Y”)
€6.457,50191/797
04.09.20143026812935Banco …
(depositado no Banco …, em conta da “Y”)
€8.351,17192/798
31.10.20143026813129Banco …
(depositado no Banco …, em conta da “Y”)
€12.619,80193/799
12.05.20153009431990Banco …
(depositado no Banco …, em conta da “R. V.”)
€7.072,50141-142

[xvii] a informação respeitante à Conta de Depósito à Ordem nº …… do “Banco ...”, titulada pela sociedade arguida “X”, a fls.744-785/139-183;
[xviii] o extracto bancário de Julho de 2013 até final de 2016, da conta bancária do “Banco …, S. A.” nº …, titulada pela sociedade arguida “X”, a fls.670-733/65-128;
[xix] a informação bancária respeitante à conta titulada pela sociedade arguida “Y” no “Banco …”, a fls.210-225;
[xx] o extracto bancário de Outubro de 2015 até final de 2016, da conta bancária do “Banco ...” com o NIB ………, titulada pela sociedade “K. – Unipessoal, Lda.”, a fls.734-743/129-138, fls.202-207;
[xxi] as notas de cobrança de IRC relativas aos anos de 2013, 2014 e 2015, atinentes à sociedade arguida “X”, a fls.474-479, fls.1111-1117, fls.1120, fls.1139, fls.1143, fls.1148, fls.1152, fls.1156, fls.1160, fls.1164, fls.1168, fls.1172, fls.1176, fls.1180, fls.1184 e fls.1189;
[xxii] a cópia das declarações de IRC entregues pela sociedade arguida “X”, a fls.1124-1137;
[xxiii] a cópia do relatório realizado pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto relativa à sociedade arguida “R. E.”, a fls.498-509 (de 24 de Novembro de 2016);
[xxiv] a cópia do relatório realizado pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto relativa à sociedade arguida “Y”, a fls.510-522 (de 27 de Junho de 2016);
[xxv] a cópia do relatório realizado pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto relativa à sociedade “K. – Unipessoal, Lda.”, a fls.803-827 (de 19 de Setembro de 2017);
[xxvi] a cópia da factura nº248, emitida pela sociedade arguida “Y”, a fls.540, e a informação a seu respeito (extracto – fls.777; pagamento – fls.541-542; e cópia do cheque – fls.190/796);
[xxvii] a cópia da factura nº354, emitida pela sociedade arguida “Y”, a fls.543, e a informação a seu respeito (extracto – fls.779; pagamento – fls.544-545; e cópia do cheque – fls.191/797);
[xxviii] a cópia da factura nº404, emitida pela sociedade arguida “Y”, a fls.546, e a informação a seu respeito (extracto a fls.780; e pagamento a fls.547-548);
[xxix] a cópia da factura nº415, emitida pela sociedade arguida “Y”, a fls.549, e a informação a seu respeito (extracto a fls.781; e pagamento a fls.550-552);
[xxx] a cópia da factura nº427, emitida pela sociedade arguida “Y”, a fls.553, e a informação a seu respeito (extracto a fls.781; e pagamento a fls.554-555);
[xxxi] a cópia da factura nº461, emitida pela sociedade arguida “Y”, a fls.556, e a informação a seu respeito (pagamento a fls.557 e fls.559-verso; e cópia do cheque a fls.192/798);
[xxxii] a cópia da factura nº473, emitida pela sociedade arguida “Y”, a fls.558, e a informação a seu respeito (pagamento a fls.559-verso e fls.560-561; e cópia do cheque a fls.193/799);
[xxxiii] a cópia da factura nº129, emitida pela sociedade arguida “R. E.”, a fls.528, e a informação a seu respeito (extracto a fls.783; e pagamento a fls.529-531);
[xxxiv] a cópia da factura nº159, emitida pela sociedade arguida “R. E.”, a fls.532, e a informação a seu respeito (extracto a fls.784; e pagamento a fls.533-534);
[xxxv] a cópia da factura nº199, emitida pela sociedade arguida “R. E.”, a fls.535, e a informação a seu respeito (pagamento a fls.536-538; e cópia do cheque a fls.141-142);
[xxxvi] a cópia da factura nº5, emitida pela sociedade “K. – Unipessoal, Lda.”, a fls.565, e a informação a seu respeito (extracto a fls.562; e pagamento a fls.566-567);
[xxxvii] a cópia da factura nº34, emitida pela sociedade “K. – Unipessoal, Lda.”, a fls.563, e a informação a seu respeito (extracto a fls.562; e pagamento a fls.564);
[xxxviii] certidão comercial da sociedade “K. – Unipessoal, Lda.”, a fls.1048-1049, onde constam as inscrições da constituição, com menção da sede, do objecto e capital sociais, sócio(s) e respectiva(s) participação(ões) social(ais), alterações ao pacto constitutivo, bem como indicação do(s) representante(s) legal/legais, à data dos factos que se discutem nos autos;
[xxxix] documentação remetida pela contabilista da sociedade “K. – Unipessoal, Lda.” – M. C. – quando renunciou ao exercício de funções, a fls.1019-1023;
[xl] certidão comercial da sociedade “W – Importação e Exportação, Lda.”, a fls.377-380, onde constam as inscrições da constituição, com menção da sede, do objecto e capital sociais, sócio(s) e respectiva(s) participação(ões) social(ais), alterações ao pacto constitutivo, bem como indicação do(s) representante(s) legal/legais, à data dos factos que se discutem nos autos;
[xli] certidão comercial da sociedade “G. P., Unipessoal, Lda.”, a fls.385-391, onde constam as inscrições da constituição, com menção da sede, do objecto e capital sociais, sócio(s) e respectiva(s) participação(ões) social(ais), alterações ao pacto constitutivo, bem como indicação do(s) representante(s) legal/legais, à data dos factos que se discutem nos autos;
[xlii] certidão comercial da sociedade “P. M. – Confecções de Vestuário, Lda.”, a fls.396-403, onde constam as inscrições da constituição, com menção da sede, do objecto e capital sociais, sócio(s) e respectiva(s) participação(ões) social(ais), alterações ao pacto constitutivo, bem como indicação do(s) representante(s) legal/legais, à data dos factos que se discutem nos autos;
[xliii] certidão comercial da sociedade “M. L., Lda.”, a fls.408-416, onde constam as inscrições da constituição, com menção da sede, do objecto e capital sociais, sócio(s) e respectiva(s) participação(ões) social(ais), alterações ao pacto constitutivo, bem como indicação do(s) representante(s) legal/legais, à data dos factos que se discutem nos autos;
[xliv] certidão comercial da sociedade “Betão ... – Sistemas de Construção e Imobiliária, Lda.”, a fls.422-427, onde constam as inscrições da constituição, com menção da sede, do objecto e capital sociais, sócio(s) e respectiva(s) participação(ões) social(ais), alterações ao pacto constitutivo, bem como indicação do(s) representante(s) legal/legais, à data dos factos que se discutem nos autos;
[xlv] certidão comercial da sociedade “V. D. - Têxteis, Lda.”, a fls.431-439/1099-1101, onde constam as inscrições da constituição, com menção da sede, do objecto e capital sociais, sócio(s) e respectiva(s) participação(ões) social(ais), alterações ao pacto constitutivo, bem como indicação do(s) representante(s) legal/legais, à data dos factos que se discutem nos autos;
[xlvi] certidão comercial da sociedade “S. A. – Unipessoal, Lda.”, a fls.444-448/949953, onde constam as inscrições da constituição, com menção da sede, do objecto e capital sociais, sócio(s) e respectiva(s) participação(ões) social(ais), alterações ao pacto constitutivo, bem como indicação do(s) representante(s) legal/legais, à data dos factos que se discutem nos autos;
[xlvii] informação retirada do sistema informático da Autoridade Tributária relativa ao anterior gerente da sociedade “S. A. – Unipessoal, Lda.”, a fls.954-955;
[xlviii] informação retirada do sistema informático da Autoridade Tributária relativa ao contabilista certificado da sociedade “S. A. – Unipessoal, Lda.”, a fls.958;
[xlix] cópia da declaração de início de actividade da sociedade “S. A. – Unipessoal, Lda.” e documentos que a instruíam, a fls.966-972;
[l] certidão comercial da sociedade “E. G. – Importação e Exportação, Unipessoal, Lda.”, a fls.453-456, onde constam as inscrições da constituição, com menção da sede, do objecto e capital sociais, sócio(s) e respectiva(s) participação(ões) social(ais), alterações ao pacto constitutivo, bem como indicação do(s) representante(s) legal/legais, à data dos factos que se discutem nos autos; e
[li] informação prestada pela “Autoridade Tributária – Direcção de Finanças ...”, em sede de julgamento, a fls.1560-1614 e fls.1694-1695.
Os arguidos F. T. e R. V. usaram do direito de não prestar declarações (cfr. artigos 61º, nº1, alínea d), e 343º, nº1, 2ª parte, ambos do CPP).
Os elementos documentais supra enunciados foram conjugados com a apreciação crítica do depoimento das testemunhas R. M. – inspector tributário responsável pela inspecção à sociedade arguida “X” e à sociedade “K. – Unipessoal, Lda.” –, F. C. – inspector tributário responsável pela inspecção à sociedade arguida “Y” –, P. J. – inspector tributário responsável pela inspecção à sociedade arguida “R. E.” –, D. P. – inspector tributário responsável pela inspecção à sociedade “W – Importação e Exportação, Lda.” –, A. F. – que entre Janeiro de 2014 e Julho de 2018 exerceu as funções de fiel de armazém na empresa “X”, de que era gerente o arguido F. T. –, L. B. – que até finais de 2018 trabalhou no armazém da aludida “X”, tendo sido sua funcionária durante cerca de 2 (dois) ou 3 (três) anos no armazém –, P. O. – que teve contacto com a empresa “X” (não sabendo se a arguida, se a denominada “X”) por intermédio de um funcionário desta –, S. F. – que foi contabilista da sociedade arguida desde a data da sua constituição –, C. A. – que, em 2012, passou a sociedade arguida “Y” para o arguido R. V. –, J. L. – que foi quem passou esta “Y” para a testemunha C. A. –, L. E. – que prestou serviços para a mencionada “X” –, M. L. – que foi cliente da sociedade arguida “R. E.” durante cerca de 2 (dois) anos, mais concretamente, em 2015 e 2016 –, J. S. – administrador judicial da empresa “Betão ... – Sistemas de Construção e Imobiliária, Lda.” –, H. F. – cujo nome consta no registo comercial como sendo o legal representante da sociedade “S. A. – Unipessoal, Lda.” –, M. G. – que foi gerente desta sociedade –, H. C. – que foi gerente de facto da sociedade “V. D. - Têxteis, Lda.” Até Setembro de 2015 –, J. O. – que foi técnico oficial de contas da aludida “S. A. – Unipessoal, Lda.” –, M. C. – que foi contabilista da sociedade “K. – Unipessoal, Lda.” entre Setembro de 2015 e Maio de 2016 –, P. M. – que foi trabalhador da empresa “X” cerca de 3 (três) anos – e J. V. – que exerceu as funções de vendedor para esta empresa cerca de 3 (três) anos.
A convicção do tribunal formou-se em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões, parcialidade, coincidências e mais inverosimilhanças que transpareceram em audiência, desses mesmos depoimentos.
As testemunhas P. O., L. E., J. S., H. F., M. G., H. C. e J. O., não se revestiram de qualquer utilidade para a dilucidação dos factos que se apreciam, atento o desconhecimento que evidenciaram acerca dos mesmos, razão pela qual não foram atendidas.
Sabendo-se que a explicação da formação da convicção não carece da descrição exaustiva do teor dos relatos testemunhais, optaremos, in casu, por aprofundar os discursos das demais testemunhas nas partes que julgamos revestidas de maior interesse para a compreensão da formação da convicção do tribunal, na medida em que, por esta via e neste caso em concreto, se nos afigura que a análise resultará revestida de maior transparência.
Os inspectores tributários R. M., F. C., P. J. e D. P. explicaram, de forma que se teve por objectiva, séria, linear e coerente, qual a sua actuação na investigação da factualidade que se discute.
O primeiro esclareceu ter efectuado uma inspecção à sociedade arguida “X” na sequência de uma comunicação remetida pelo Serviço de Finanças do Porto no âmbito de uma fiscalização realizada às sociedades arguidas “Y” e “R. E.”.
Referiu ter-se deslocado à sede daquela “X” para averiguar o que era noticiado na comunicação recebida, sendo que o arguido F. T. foi quem se lhe apresentou como sendo o seu representante (de facto), sem prejuízo de os contactos com este serem esporádicos, pois que falava sobretudo com a testemunha S. F..
Por via da acção inspectiva apercebeu-se que esta sociedade dispunha de uma estrutura/organização empresarial, isto é, tratava-se de uma empresa em funcionamento – o que, de resto, não resulta infirmado por nenhum meio probatório.
Da análise que realizou à contabilidade da sociedade pôde observar que: [i] não existiam documentos de transportes que consubstanciassem as transacções indicadas nas facturas já supra elencadas; [ii] os valores titulados pelos cheques usados nos pagamentos eram levantados num prazo muito curto (cerca de um a dois dias); [iii] eram indicados preços de transferência que não constavam no competente relatório de preços de transferência; [iv] os suprimentos cresciam a um ritmo muito elevado, o mesmo se registando com os inventários.
Como elucidou, a pouca fiabilidade da contabilidade determinou que aquela “X” tivesse sido tributada por recurso a métodos indirectos.
A testemunha em apreço referiu ainda que para além de facturas emitidas pelas sociedades arguidas “Y” e “R. E.”, encontrou outras em que era emitente a empresa “K. – Unipessoal, Lda.”, também já identificadas.
Tal como sucedia com aquelas empresas arguidas, uma vez que havia a suspeita de que as facturas em questão não suportavam actividade industrial realmente exercida e serviços efectivamente prestados, encetou uma inspecção da respectiva contabilidade, detectando que: [i] a identificada “K. – Unipessoal, Lda.” não tinha qualquer estrutura material ou humana que permitisse realizar os serviços subjacentes à emissão dessas facturas; [ii] a sociedade arguida “X” não estava identificada como sua cliente; e [iii] os produtos que constavam como vendidos não se mostravam suportados por compras destinadas à sua produção.
A este propósito, afirmou que apesar de terem sido encontradas compras documentadas, estas normalmente respeitavam à aquisição de máquinas industriais (por exemplo, de costura) – e não a materiais –, que não se mostravam pagas por os cheques usados no seu pagamento terem sido devolvidos por falta de provisão.
Acresce que no âmbito da investigação que desenvolveu apenas conseguiu detectar 3 (três) fornecedores da sociedade “K. – Unipessoal, Lda.”.
Sucede que 2 (dois) deles eram empresas insolventes que manifestaram não conhecer nem esta sociedade, nem a arguida “X”. Quanto ao terceiro, uma vez contactado o contabilista certificado, este esclareceu que apenas esteve com o gerente no dia em que a empresa foi constituída, nunca mais o tendo visto. Consultado o sistema informático da autoridade tributária respeitante a esse fornecedor foi possível verificar que constavam algumas declarações periódicas de IVA entregues, sendo que o NIF do remetente era o do arguido R. V., apesar de não ser o contabilista certificado.
A testemunha R. M. contactou, também, a empresa que fornecia o software informático da sociedade “K. – Unipessoal, Lda.”, que lhe explicou que a quase totalidade das facturas não havia sido emitida por esse software.
Esta testemunha verificou, ainda, que a sociedade “K. – Unipessoal, Lda.” apresentava consumos de electricidade registados entre Março e Setembro de 2016 – isto é, só em data posterior à da emissão das facturas discutidas nos autos, com os nºs5 e 34, de 12 de Outubro e 31 de Dezembro de 2015, respectivamente –, respeitantes a um pavilhão/armazém sito em ... – Vila Nova de Famalicão.
*
Coube à testemunha F. C. efectuar a acção inspectiva à sociedade arguida “Y”, em 2016, relativa ao exercício de 2014, numa altura em que o arguido R. V. já se encontrava recluído em Custoias.
A testemunha deslocou-se ao estabelecimento prisional onde se encontrava o arguido, que se reconheceu como representante (de direito e de facto) dessa sociedade.
Deslocou-se, também, à sede da empresa, tendo sido recebido pelos progenitores do arguido, que confirmaram que era ali que se situavam as suas instalações.
Pôde, então, verificar que se tratava de uns arrumos situados na parte de baixo de uma habitação, sem condições que permitissem realizar os serviços melhor identificados nas facturas que se discutem.
Contactada a “Eletricidade”, foi informado da inexistência de consumos registados em nome da mencionada “Y”.
Apurou, também, que no período em causa não havia trabalhadores declarados à Segurança Social, nem viaturas que lhe pertencessem.
Em relação aos fornecedores detectou a sociedade “W – Importação e Exportação, Lda.” que apresentava as mesmas características que a arguida, ou seja: não dispunha de instalações, nem de maquinaria, nem de pessoal, enfim, de nenhuma estrutura que lhe permitisse desempenhar a actividade industrial descrita nas facturas emitidas à sociedade arguida “Y”, designadamente, os cerca de dois milhões e meio de euros em produtos que esta declarou ter adquiriu àquela em 2014.
A testemunha mais esclareceu ter fiscalizado empresas que apresentaram facturas emitidas por esta sociedade arguida que, por reconhecerem que não representavam transacções/serviços efectivamente prestados, sendo antes fictícios, regularizaram voluntariamente a sua situação fiscal, em sede de IRC e IVA.
*
A testemunha P. J. procedeu à inspecção da sociedade arguida “R. E.”, relativa aos exercícios de 2013 e 2014, numa altura em que o arguido R. V. se encontrava já detido no Estabelecimento de Custoias, que visitou.
Este arguido não desmentiu ser o representante (de direito e de facto) daquela “R. E.”.
A testemunha também efectuou uma deslocação à sede da sociedade em questão podendo então constatar tratar-se de uns anexos a uma casa de habitação, sem condições para ali funcionar uma estrutura empresarial que prestasse os serviços descritos nas facturas em apreço nos autos.
Quanto aos trabalhadores apenas apurou que o único declarado à Segurança Social era o próprio arguido.
Em relação a viaturas não encontrou nenhuma que fosse pertença daquela sociedade.
Em questão de compras verificou que eram seus fornecedores a já identificada “W – Importação e Exportação, Lda.” – cuja inspecção foi levada a efeito pela testemunha D. P. – e também a sociedade “G. P., Unipessoal, Lda.”, cujo objecto social se mostra relacionado com produtos alimentares e não com produtos têxteis.
A testemunha P. J., na acção inspectiva que desenvolveu, constatou que um dos clientes da sociedade arguida era a empresa “P. M. – Confecções de Vestuário, Lda.” que reconheceu que as facturas que lhe tinham sido emitidas por aquela não representavam transacções/serviços realmente prestados, razão pela qual regularizou a sua situação tributária.
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A empresa “W – Importação e Exportação, Lda.” foi inspeccionada pela testemunha D. P., tendo abrangido o exercício de 2013 e uma parte do ano de 2014.
Esta testemunha deslocou-se à morada que constava no registo informático da Autoridade Tributária tendo-se deparado com uma loja comercial fechada há vários anos, conforme conseguiu confirmar junto do carteiro.
Apesar de ter notificado os seus legais representantes, nunca conseguiu chegar ao seu contacto, pois que tratar-se-iam de 2 (dois) brasileiros que já não estavam em Portugal.
Notificou, também, os clientes dessa sociedade para que lhe remetessem as facturas por esta emitidas, com o que pôde verificar que na sua maioria respeitavam à venda de madeira e têxteis, reparação de máquinas e serviços de construção civil. Mais verificou que alguns dos produtos aí identificados como vendidos não eram abrangidos pelo objecto social da mencionada “W – Importação e Exportação, Lda.”.
A testemunha D. P., nas diligências que realizou, apercebeu-se que não havia registo de contratos de energia celebrados com esta sociedade e que a mesma terá tido apenas um funcionário, entre Março de 2013 e Abril de 2014, o que não se mostrava compatível com o volume de negócios que declarou à Autoridade Tributária.
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Assim, os inspectores tributários R. M., F. C., P. J. e D. P. foram absolutamente imparciais no depoimento que prestaram.
Não se logrou descortinar que procurassem ampliar os factos sobre que depuseram, antes pelo contrário, a sua postura em julgamento foi evidenciadora de que procuraram tão-só o esclarecimento do tribunal.
Da conjugação do depoimento destas testemunhas sobressaem semelhanças e correspondências de conteúdo.
Com efeito, sendo responsáveis pela realização de acções inspectivas às arguidas “Y” e “R. E.”, bem como às sociedades “K. – Unipessoal, Lda.”, “W – Importação e Exportação, Lda.” e “G. P., Unipessoal, Lda.” depararam-se com realidades muito análogas.
Na verdade, estas empresas ou não dispunham de instalações ou funcionavam em espaços que não se mostravam aptos a que pudessem prestar os serviços subjacentes às facturas emitidas.
O volume de negócios declarado ao Estado/Administração Fiscal não era compatível com a ausência de trabalhadores comunicados à Segurança Social, o mesmo sucedendo com a inexistência de consumos registados de electricidade, com a falta de maquinaria e com a falta de frota.
Os fornecedores declarados partilhavam das mesmas características, sendo que alguns emitiam facturas de serviços não abrangidos sequer pelo respectivo objecto social – é o caso da identificada “G. P., Unipessoal, Lda.”, cujo ramo de actividade se centra nos produtos alimentares e não nos têxteis [a este propósito não podemos, aqui, deixar de manifestar algum espanto com o facto de a sociedade arguida “R. V.” aliar serviços de contabilidade, auditoria e fiscalização com a importação, exportação e comércio por grosso de fibras têxteis].
Outras não apresentavam compras que sustentassem a produção dos produtos vendidos.
Todos os factores vindos de enunciar, conjugados entre si, tornam evidente a ausência de uma estrutura material ou humana, enfim, de uma estrutura empresarial sem a qual não é possível concluir pela efectiva prestação dos serviços discriminados nas facturas emitidas e que se mostram sob discussão nos presentes autos.
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A testemunha A. F. prestou um depoimento que se afigurou escorreito e dotado de simplicidade e cujo conhecimento advém do facto de ter sido funcionário da empresa “X”.
Explicou que esta empresa e a sociedade arguida “X” – cujo dono, como indicou, era o arguido F. T., seu patrão – trabalhavam com mercadorias do mesmo género e que ambas partilhavam o armazém, embora esta última não tivesse mais do que uns 8 (oito) trabalhadores – que não se confundiam com os da identificada “X” – e fossem raras as vezes em que se procedia à descarga de material que lhe era destinado.
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A testemunha L. B., também funcionária da aludida “X”, confirmou que o armazém desta empresa era usado pela arguida “X”, sendo patrão o mencionado F. T..
Esclareceu não ser trabalhadora desta arguida, nem estar encarregada de receber mercadorias, razão pela qual manifestou ignorância acerca do material que era descarregado e destinado àquela “X”.
Não obstante a sua espontaneidade no relato prestado, revelou um parco conhecimento acerca dos factos sob discussão nestes autos.
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O depoimento da testemunha S. F. foi seguro, claro, consistente e circunstanciado, advindo o seu conhecimento do facto de desempenhar as funções de contabilista na sociedade arguida “X”.
Esta testemunha corroborou o que havia já sido anteriormente afirmado acerca da responsabilidade do arguido F. T. pela gestão daquela arguida, sendo encarregado de contratar os trabalhadores e de validar os pagamentos (“o dia a dia era ali decidido pelo Sr. F.”).
Também confirmou que esta empresa funcionava nas mesmas instalações da sociedade “X”, frisando, porém, que não se confundiam, pois que aquela “X” dispunha de trabalhadores próprios, veículos próprios, enfim, logística própria.
Mais explicou que esta arguida não dispunha de produção sua, motivo pelo qual subcontratava, cabendo-lhe o controlo dos prazos da execução.
No entanto, como sublinhou, não chegou a conhecer os fornecedores e, em particular, as sociedades arguidas, na medida em que não era esse o âmbito das suas funções.
Do mesmo modo, não era sua função verificar se os produtos descritos nas facturas eram efectivamente descarregados nas instalações e se correspondiam ao que havia sido acordado.
Com efeito, estava apenas incumbida de receber as facturas emitidas por várias empresas, que eram encaminhadas para o departamento da contabilidade, onde trabalhava. Uma vez aí chegadas providenciava-se pela sua confirmação junto do departamento comercial. Quando obtida, procediam ao seu pagamento, o que faziam de acordo com o que era transmitido pelo arguido F. T..
Acrescentou que se fosse a primeira vez que laboravam com um fornecedor cuidavam, antes de mais, da sua validação, confirmando se os dados indicados nas facturas correspondiam à realidade, designadamente, por recurso ao portal da Autoridade Tributária, tratando-se de procedimento que também adoptaram com as sociedades “Y” e “R. E.”, sendo certo que não detectaram qualquer irregularidade, além de que as facturas emitidas correspondiam ao modo de funcionamento da sociedade “X”, não suscitando qualquer dúvida.
Indagada acerca do pagamento das facturas sob discussão nestes autos, afirmou que se mostram pagas.
No que respeita ao pedido de reembolso de IVA precisou que eram regularmente solicitados pois era essa a instrução do arguido F. T..
O que elucidou a mencionada S. F. mostrou-se dotado de coerência e de credibilidade, tanto mais que encontra suporte na prova documental já supra enunciada, não obstante em nada ter beliscado o que se afirma na acusação pública, pois que não tinha qualquer intervenção nos fornecimentos destinados à sociedade arguida “X”, não tendo sequer contacto com os seus fornecedores.
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A testemunha C. A., como explicou, foi contabilista da sociedade arguida “Y” até ao início de 2012, altura em que esta empresa lhe foi transmitida pelo seu representante legal – a testemunha F. L., como, aliás, este confirmou.
Ainda no ano de 2012, segundo crê em Agosto ou Setembro, passou essa sociedade para o arguido R. V. – que conhecia por ser contabilista certificado – que comentou com a testemunha estar à procura de uma empresa para um seu cliente.
Inquirido acerca das condições em que ocorreu essa transmissão afirmou que a sociedade arguida “Y” nada tinha a não ser o nome, pretendendo significar que não dispunha de trabalhadores, equipamentos e viaturas, tratando-se de uma “empresa pequenina”.
O aludido C. A. foi claro, ponderado e verosímil no seu depoimento, revelando ter conhecimento directo dos factos a que se reportou por ter neles intervenção, motivo pelo qual granjeou a adesão do tribunal.
Conjugando o que esta testemunha descreveu com o que foi verificado pelo inspector tributário F. C. na acção inspectiva que realizou àquela “Y” é possível apreender parecenças inegáveis, pois que este último, não obstante as diligências que empreendeu, não logrou descobrir trabalhadores, maquinaria e frota.
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A testemunha M. L. apesar de identificar a sociedade arguida “R. E.” como sendo seu fornecedor de material de confecção (elásticos, malha), revelou nada saber acerca do modo como se organizava a sua estrutura empresarial, pois que sempre teve no arguido R. V. o seu único interlocutor, desconhecendo, pois, se dispunha de instalações, de maquinaria e de veículos e se tinha trabalhadores a seu cargo.
A este respeito o depoimento em apreço foi inconsistente.
Acresce que, em certa medida, o relato prestado assumiu-se incongruente, na medida em que pela testemunha foi dito que preferiu “pagar ao Estado” quando o mencionado R. V. foi detido.
Essa asserção envolve o reconhecimento, ainda que tácito, de que a relação comercial estabelecida entre ambos padeceria de algum vício.
Esta constatação, por sua vez, acaba por ir de encontro ao que foi esclarecido pelos Srs. inspectores tributários inquiridos que referiram que no âmbito da inspecção efectuada às sociedades arguidas depararam-se com “clientes” que reconheceram que as facturas que haviam emitido não representavam transacções/serviços efectivamente prestados, razão pela qual regularizaram voluntariamente a sua situação tributária.
Terá sido, com grande probabilidade, o que aconteceu à testemunha M. L..
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A testemunha M. C., que foi técnica oficial de contas da sociedade “K. – Unipessoal, Lda.” desde Setembro de 2015 até Maio de 2016, afirmou de forma que se revestiu de verdadeira que apenas esteve com o “dono” dessa empresa no dia em que foi contratada, após o que não mais voltou a encontrá-lo, nem contactá-lo.
O que esclareceu permitiu atribuir maior crédito ao relato prestado pelo inspector tributário R. M. no que concerne à ausência de uma estrutura industrial que sustentasse àquela empresa.
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As testemunhas P. M. – que trabalhou no armazém da aludida empresa “X” cerca de 3 (três) anos – e J. V. – que foi vendedor desta mesma empresa durante cerca de 3 (três) anos –,foram espontâneas e sérias no seu discurso, não tendo dissentido do que elucidaram as testemunhas A. F., L. B. e S. F. acerca do modo como se mostrava organizada a sociedade arguida “X”, identificando o arguido F. T. como sendo o seu representante.
Esta última testemunha referiu, ainda, que por trabalhar há mais de 30 (trinta) anos no mercado, por vezes era procurado pelo arguido quando necessitava de um fornecedor para a empresa “X”.
Nessas situações o aludido J. V. tratava de fazer as apresentações, sendo que depois o arguido e o fornecedor “desenvolviam o que tinham de desenvolver”, sem que a testemunha tivesse alguma intervenção.
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Enunciada a prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos conclui-se que a demonstração das “transacções” estabelecidas entre as sociedades em discussão, melhor identificadas nas facturas já supra expostas, é apenas indiciária.
Como afirma SCAPINI (vide La Prova per Indizi nel Vigente Sistema del Processo Penale, p.165), a propósito da prova indiciária, a sua capacidade demonstrativa, que pode ser qualificada como “maior” ou “menor”, não é determinável de um modo apriorístico e puramente formal. Só em sede de valoração final do material probatório obtido num determinado processo se poderá verificar a maior ou menor eficácia persuasiva da prova directa em relação à prova indiciária e vice-versa.
A este respeito, aduz MICHELE TARUFFO que um único indício nem sempre tem uma força persuasiva inferior à da prova directa ou demonstrativa (vide La Prueba, Madrid, 2008, p.105).
A prova indiciária é uma prova indirecta de suma importância no processo penal, pois são mais frequentes os casos em que a prova é essencialmente indirecta do que aqueles em que se mostra possível uma prova directa.
Da prova indiciária induz-se, por meio de raciocínio alicerçado em regras de experiência comum ou da ciência ou da técnica, o facto probando. A prova deste reside fundamentalmente na inferência do facto conhecido – indício ou facto indiciante – para o facto desconhecido a provar, ou tema último da prova. É do facto indiciante que se infere um facto conclusivo quanto ao facto probando, juridicamente relevante no processo (vide CAVALEIRO FERREIRA, Curso de Processo Penal, Volume I, p.288ss).
Ou seja, a particularidade da prova indiciária ou circunstancial tem a ver com a necessidade de estabelecer uma conexão inferencial por meio da qual o julgador estabelece um vínculo entre uma circunstância e o facto em discussão. Se esta inferência é possível, a circunstância servirá para sustentar uma conclusão relativa à verdade de um enunciado sobre o facto em litígio.
Embora se trate de uma prova de natureza indutiva que, como todo o conhecimento baseado em raciocínios desta natureza, só proporciona um conhecimento provável, não é, por isso, e à partida, menos fiável do que a prova directa, que também pressupõe operações de natureza indutiva.
Trata-se, aliás, de prova especialmente apta para dilucidar os elementos do tipo subjectivo do crime que de outra forma seriam impossíveis de demonstrar a não ser pela confissão.
No entanto, a prova indiciária deverá obedecer aos seguintes requisitos: [i] a existência de uma pluralidade de dados indiciários plenamente provados ou absolutamente credíveis, admitindo-se que excepcionalmente baste um só indício pelo seu especial valor; [ii] a racionalidade da inferência obtida de maneira que o facto “consequência” resulte de forma natural e lógica dos factos-base, segundo um processo dedutivo, baseado na lógica e nas regras da experiência (vide FRANCISCO PASTOR ALCOY, Prueba de Indícios, Credibilidad del Acusado y Presuncion de Inocência, 2003, p25, e Acórdão da Relação de Guimarães, de 22 de Fevereiro de 2011, acessível em www.dgsi.pt/jtrg, processo nº541/06.6GCVT.G1, relator FERNANDO CHAVES).

No caso decidendo, da mobilização probatória, apurou-se que:

[i] sociedade arguida “Y”: a sua sede consistia nuns arrumos, afectos a uma casa de habitação; esses anexos não estavam apetrechados com materiais, nem maquinaria para que ali pudesse funcionar uma estrutura industrial capaz de prestar os serviços de confecção enunciados nas facturas que se discutem; esta sociedade, à data da factualidade que se aprecia, não tinha declarado nenhum trabalhador à Segurança Social; a essa data não se conheciam veículos automóveis que fossem pertença da sociedade arguida; no período sob discussão nos autos não há consumos de electricidade registados em nome desta arguida; a aludida “Y” declarou no ano de 2012 um volume de negócios no valor de €315.108,96 (trezentos e quinze mil, cento e oito euros e noventa e seis cêntimos) e no ano de 2013 no valor de €4.362.374,92 (quatro milhões, trezentos e sessenta e dois mil, trezentos e setenta e quatro euros e noventa e dois cêntimos); apesar do aumento do volume de negócios, a sociedade arguida declarou ao Estado/Administração Fiscal que os custos em que incorreu foram superiores a esse aumento; esta sociedade declarou ser sua fornecedora a empresa “W – Importação e Exportação, Lda.”;
[ii] sociedade arguida “R. E.”: a sua sede consistia nuns anexos afectos a uma casa de habitação, que eram usados como escritório; esses anexos não estavam apetrechados com materiais, nem maquinaria para que ali pudesse funcionar uma estrutura industrial capaz de prestar os serviços enunciados nas facturas já identificadas; esta sociedade, à data dos factos sob discussão nos autos, possuía como único trabalhador declarado à Segurança Social o sócio-gerente R. V., aqui arguido; a essa data não se conhecem viaturas que pertencessem à identificada “R. E.”; no período que ora se discute não há consumos de electricidade registados em nome desta sociedade arguida; a mesma sociedade declarou que eram seus fornecedores as empresas “W – Importação e Exportação, Lda.” – já supra referida – e “G. P., Unipessoal, Lda.”.
[iii] sociedade “K. – Unipessoal, Lda.”: verificou-se que havia consumos de electricidade, registados entre Março e Setembro de 2016, numas instalações sitas em ... – Vila Nova de Famalicão; na sua contabilidade fizeram-se constar vendas de produtos sem que as mesmas se mostrassem suportadas por correspondentes compras destinadas à sua produção; a maquinaria industrial registada não se encontrava paga por os cheques usados nesse pagamento terem sido devolvidos por falta de provisão; dos 3 (três) fornecedores apurados, 2 (dois) eram empresas insolventes que manifestaram desconhecimento acerca da existência daquela “K. – Unipessoal, Lda.” e em relação ao terceiro foi detectado no sistema informático da autoridade tributária que havia declarações periódicas de IVA entregues com o NIF do arguido R. V., apesar de este não ser o contabilista certificado; o contabilista certificado deste terceiro fornecedor apenas havia contactado com o gerente desse fornecedor uma só vez, aquando da constituição da empresa.
[iv] sociedade “W – Importação e Exportação, Lda.”: tem por objecto social a importação, exportação, comércio por grosso e a retalho de bens móveis, têxteis e artigos para uso doméstico; não se conhecem instalações a esta sociedade, apesar das diligências encetadas para esse efeito; tampouco se registam consumos de electricidade em seu nome; declarou ter 1 (um) trabalhador à Segurança Social no período compreendido entre Março de 2013 e Abril de 2014; não se apurou que esta sociedade possuísse veículos automóveis;
[v] sociedade “G. P., Unipessoal, Lda.”: teve por objecto social inicial o comércio por grosso de relógios e de artigos de ourivesaria e joalharia; posteriormente, em 2014, esse objecto passou a ser o comércio por grosso de produtos alimentares congelados de qualquer natureza e espécie, com predominância de peixe, carne e seus derivados; Comércio por grosso de peixe, crustáceos e moluscos frescos, de carne fresca e de produtos à base de carne, de bebidas alcoólicas e não alcoólicas; Comércio a retalho de produtos alimentares congelados de qualquer natureza e espécie, com predominância de peixe, carne e seus derivados, de peixe, crustáceos e moluscos frescos, de carne fresca e de produtos à base de carne, de bebidas alcoólicas e não alcoólicas; na altura dos factos sob discussão, não possuía instalações, pessoal, maquinaria, materiais ou viaturas inerentes ao exercício de uma actividade industrial.
Sendo estes os dados indiciários de que dispomos, consentem os mesmos que se desenvolva o seguinte raciocínio, alicerçado num processo dedutivo fundado na lógica da razão e nas máximas da experiência: se nenhuma das sociedades arguidas dispõe de instalações nas moradas correspondentes às sedes, se nenhuma delas apresenta qualquer estrutura material ou humana que permita realizar os serviços que as facturas que se discutem evidenciam, designadamente, materiais, maquinaria, frota e trabalhadores, e se nessa mesma situação estão os fornecedores que identificam, então as “transacções” a que respeitam tais facturas são (só podem ser) fictícias.
Dito por outras palavras, as aludidas “Y” e “R. E.”, bem como a “K. – Unipessoal, Lda.” não apresentam qualquer existência física, para além da que resulta das respectivas certidões comerciais.
Sendo esta a realidade com que nos defrontamos, as facturas aqui em causa não podem sustentar quaisquer transacções reais pois, face ao apontado vazio existencial destas sociedades, sempre seriam insusceptíveis de ser executadas por empresas que apenas existem “no papel”.
Fazendo, aqui, apelo às regras da lógica, da normalidade do acontecer e da experiência corrente, sustentarão elas uma resposta de sentido diverso?
Cremos que não.
Cumpre, também, aqui, salientar que, como decidiu o Tribunal da Relação de Guimarães, em Acórdão de 22 de Setembro de 2010 (acessível em www.dgsi.pt/jtrp, Processo nº439/07.0PUPRT.P1, relatora EDUARDA LOBO), (…) Relativamente ao “direito ao silêncio” (…) por contraposição à ausência de arrependimento (…) importa salientar que a génese do direito ao silêncio não assenta num intuito de beneficiar o arguido, antes decorrendo do princípio do acusatório, que impõe à acusação o dever de provar os factos que lhe são imputados, facultando ao arguido um comportamento que, em última análise, poderá obstar a que se auto-incrimine. No entanto, se o uso do direito ao silêncio não poderá em caso algum prejudicar o arguido, também o não deverá beneficiar! Aliás, não se vislumbra nenhuma razão de ordem lógica, ou mesmo jurídica, para que um arguido que se refugia no direito ao silêncio deva ser beneficiado, porventura na mesma medida dos arguidos que colaborem com a justiça ou que manifestem sincero arrependimento. O silêncio constitui, é certo, um direito do arguido, mas não se traduz numa circunstância atenuante; não implica diminuição da culpa e também não reduz a ilicitude do facto. Logo, o silêncio não beneficia o arguido; apenas o não prejudica! Aliás, como dizem Simas Santos e Leal Henriques não se deve confundir “desfavorecer” com o “não favorecer”. A confissão, se espontânea, beneficia a posição do arguido. E se do silêncio do arguido resultar o desconhecimento de circunstâncias que o poderiam favorecer – e de que, porventura, só ele tem conhecimento –, então poderá esse silêncio nitidamente desfavorecê-lo. O que estes autores salientam é, afinal, a evidência de que, muito embora o arguido esteja isento do ónus de provar a sua inocência, não podendo ver juridicamente desfavorecida a sua posição pelo facto de exercer o seu direito ao silêncio – de que não é legítimo extrair qualquer consequência, seja para determinar a culpa, seja para determinar a medida concreta da pena –, não é menos verdade que quando é do interesse do arguido invocar um facto que o favorece – e que ele poderá ser o único a conhecer –, a manutenção do silêncio poderá desfavorecê-lo.
No caso dos autos, os arguidos F. T. e R. V. optaram legitimamente pelo silêncio quanto aos factos imputados.
Desse silêncio não se pode extrair qualquer consequência jurídica desfavorável para o arguido, que se presume inocente antes de haver sentença condenatória com o trânsito em julgado.
Porém, por via dessa legítima opção, privou-se da oportunidade de apresentar a sua própria versão dos factos, ficando o tribunal circunscrito aos depoimentos testemunhais prestados em audiência e à prova documental.
E como se refere naquele acórdão (…) como vem sendo afirmado pelo nosso mais alto tribunal, a opção pelo silêncio pode ter consequências, que não passam pela sua valorização indevida. «Um arguido que mantém o silêncio em audiência, não pode ser prejudicado, pois não é obrigado a colaborar e goza da presunção de inocência, mas prescinde assim de dar a sua visão pessoal dos factos e eventualmente esclarecer determinados pontos de que tem um conhecimento pessoal. Daí que quando tal suceda não possa pretender que foi prejudicado pelo seu silêncio.
No que concerne aos factos que respeitam ao foro volitivo dos arguidos, insusceptível de percepção sensorial, importa salientar que, conforme ensina GERMANO MARQUES DA SILVA, na valoração da prova intervêm deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, sendo certo que se as inferências não dependem substancialmente da imediação, terão de basear-se na correcção do raciocínio, o qual se alicerçará nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência (vide Curso de Processo Penal, Volume II, p.127).
A prova do elemento subjetivo é, pois, indireta, devendo ser extraída dos demais elementos existentes nos autos e das regras da normalidade e da experiência comum.
No caso de que nos ocupamos, a convicção do tribunal formou-se em virtude da conjugação da atitude desenvolvida pelos arguidos F. T. e R. E. Vitorino com as consequências que, segundo é adequado e esperado – atentas as regras da experiência –, dela decorrem, podendo concluir-se, com segurança, que agiram de forma livre, deliberada e consciente, na execução de um plano que gizaram, com intenção, concretizada, de fazer crer ao Estado/Administração Fiscal que a declaração efectuada pela sociedade arguida “X”, em sede de IRC, respeitante ao exercício de 2014, se baseava, além do mais, nas facturas nº354, 404, 415, 427, 461 e 473, emitidas pela “Y” e na factura nº129, emitida pela “R. E.”, que titulavam verdadeiras transacções – o que não era verdade –, induzindo em erro acerca da autenticidade desses documentos, logrando conseguir que não entrasse nos cofres do Estado a quantia total de €17.986,44 (dezassete mil, novecentos e oitenta e seis euros e quarenta e quatro cêntimos), mais sabendo que incorriam na prática de um crime.
Foi, também, possível ao tribunal convencer-se que o arguido F. T., agindo em representação da sociedade “X”, servindo-se dessas mesmas facturas e ainda da factura nº248, emitida pela sociedade arguida “Y”, das facturas nºs159 e 199, emitidas pela sociedade arguida “R. E.”, e das facturas nº5 e 34, emitidas pela aludida “K. – Unipessoal, Lda.”, apesar de saber que as mesmas não documentavam transacções/serviços efectivamente prestados, decidiu, de modo livre, voluntário e consciente, sabendo do carácter censurável e reprovável dessa sua conduta, apresentar as declarações periódicas de IVA, nelas incluindo estes documentos, com o que solicitou ao Estado/Administração Tributária o reembolso desse imposto, o que veio a verificar-se, assim recebendo para a sua representada, de modo indevido, o montante global de €31.387,53 (trinta e um mil, trezentos e oitenta e sete euros e cinquenta e três cêntimos),
No que respeita às condições pessoais, familiares, profissionais, económicas e sociais dos arguidos F. T. e R. V., o tribunal fundou-se nos relatórios sociais juntos a fls.1517-1518 (quanto ao primeiro) e a fls.1513-1515 (quanto ao segundo), cujo teor foi confirmado pelos próprios.
A convicção do tribunal quanto aos antecedentes criminais dos arguidos ou à sua ausência, alicerçou-se nos Certificados de Registo Criminal juntos a fls.1512 (referente à sociedade arguida “X”), fls.1457-1458 (quanto ao arguido F. T.), fls.1511 (respeitante à sociedade arguida “Y”), fls.1510 (relativo à sociedade arguida “R. E.”) e fls.1459-1474 (respeitante ao arguido R. V.).
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III - Apreciação do Recurso

1. As nulidades
1.1. A nulidade por falta de inquérito.

O recorrente nas conclusões de recurso 1ª a 7ª esgrime argumentação que, na sua óptica, evidenciaria que a acusação e, consequentemente, a decisão recorrida estão afectadas da nulidade a que alude a alínea d) do art. 119º do Código de Processo Penal.
Nesse conspecto, aduz que a decisão recorrida não reconheceu nem declarou a existência da nulidade que imputa ao despacho de arquivamento/acusação quando no mesmo se refere: «(…) no que tange aos anos de 2013 e 2015, no referente ao IRC, e ao 3º Trimestre de 2013, aos meses de Janeiro, Abril, Maio, Junho, Setembro, Dezembro de 2014, Fevereiro, Abril, Outubro, e Dezembro de 2015 no valor referente ao valor de IVA, todos se cifram, por período, abaixo de € 15.000.00,00”. (...) “Assim, da prova produzida e não se vislumbrando outras diligências que possam ser realizadas, por não se terem coligido indícios suficientes da prática de qualquer ilícito criminal no que tange aos períodos supra referidos, determino, nesta parte, o arquivamento dos autos – art. 277º, n.º 2 do CPP. Para logo de seguida «nos artigos 9º a 15º deduzir acusação precisamente com base na factualidade arquivada por referência a facturas constantes de Janeiro, Abril, Maio, Junho, Setembro, Outubro e Dezembro de 2014.».
Vejamos.
A nossa lei processual penal consagra a regra de que um qualquer acto só sofre de nulidade quando a mesma “for expressamente cominada na lei” como tal (cfr. art. 118º, n.º 1).
E, entre as nulidades, a lei distingue as que são insanáveis e as que são dependentes de arguição. Quanto às primeiras, “que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento”, são apenas as que vêm previstas nas diversas alíneas do art. 119º e todas as demais as “que como tal forem cominadas em outras disposições legais”.
Nos termos da al. d) do art. 119º do Código de Processo Penal, constitui nulidade insanável, que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento, a falta de inquérito ou de instrução, nos casos em que a lei determinar a sua obrigatoriedade.
A Constituição da República, no art. 219º, atribui ao Ministério Público, além do mais, a função de exercer a acção penal, escrevendo Luís Osório, no comentário ao CPP, pág. 90 [citado pelo Conselheiro Vinício Ribeiro, no comentário ao CPP, pág. 100] «que a acção penal compreende toda a actividade dirigida a obter a punição do réu; compreendendo nessa actividade a de todas as pessoas que, cada uma na sua esfera de acção, cooperam para se obter aquele fim».
O Ministério Público, enquanto titular da investigação criminal, está legalmente obrigado à busca da verdade, no sentido de investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, com vista à decisão sobre o exercício ou não da acção penal, a tanto se destinando a fase de inquérito, como resulta do arts. 262º e 267º do Código de Processo Penal.
Em geral, havendo notícia de um crime de natureza pública, participada por qualquer autoridade, o Ministério Público tem o poder-dever de determinar e dirigir o conjunto de diligências que visam investigar a existência desse crime e determinar os seus agentes e recolher provas, em ordem à decisão sobre a acusação (art. 262º, n.º 1, do CPP). Terminado o inquérito, cabe ao Ministério Público, em exclusivo, legitimidade para tomar uma das posições previstas no art. 276º, n.º1 do Código de Processo Penal, a de arquivar (nas modalidades previstas no artigo 277º do CPP) ou de acusar.
Dito de outro modo, a realização de inquérito consiste, assim, em dar-lhe formalmente início, com a respectiva abertura e autuação, e em levar a cabo o conjunto de diligências a que alude o art. 262º, n.º 1, do Código de Processo Penal, traduzidas na investigação da existência de um crime, na determinação dos seus agentes e da respectiva responsabilidade, e na recolha de provas, com vista a ser proferida uma decisão sobre a acusação.
A sua direcção cabe ao Ministério Público, assistido pelos órgãos de polícia criminal (art. 263º, n.º 1), praticando, conforme preceituado no art. 267º, os actos e assegurando os meios de prova necessários à realização das finalidades a que alude o art.° 262°, n.º 1, todos do Código de Processo Penal.
Porém, no âmbito do processo penal tributário, o modelo imposto, em termos gerais, pelo Código de Processo Penal observa algumas especificidades na fase de inquérito, que decorrem da delegação da competência, legalmente presumida, aos órgãos da administração tributária para a prática de actos que, nos demais processos, o Ministério Público, ao qual compete o exercício da acção penal, (apenas) pode atribuir aos órgãos de polícia criminal. Ainda assim, aquela competência é (legalmente) delegada aos órgãos da administração tributária, mas sem prejuízo de a direcção do inquérito por noticiado crime tributário caber sempre ao Ministério Público, com as finalidades e nos termos do disposto no Código de Processo Penal, e de tal Órgão, a todo o tempo, poder avocar o processo (cfr. arts. 40º e 41º do RGIT).
Desde logo, no que respeita à notícia do crime, ainda que adquirida por conhecimento próprio do Ministério Público, deve a mesma ser «sempre transmitida ao órgão da administração tributária com competência delegada para o inquérito» (art. 35º, n.ºs 1 e 2 do RGIT (3)). Com efeito, antes mesmo da instauração do inquérito, o órgão da administração tributária terá de adquirir a notícia do crime, ou seja, da eventual prática de um crime, devendo a respectiva denúncia conter, na medida do possível, a indicação dos elementos referidos nas alíneas do n.º 1 do artigo 243º do Código de Processo Penal e ser remetida, no mais curto prazo, ao órgão da administração tributária competente para o inquérito (cf. nºs 5 e 6 do citado art. 35º).
Depois, admite-se, até, que, ao abrigo de tal competência presuntivamente delegada, a instauração do inquérito seja também feita pelos órgãos da administração tributária, exigindo-se, apenas, a imediata comunicação dessa instauração ao Ministério Público (art. 40º, n.º 3 do RGIT).
A especial natureza técnica das matérias em causa justifica, plenamente, a opção do legislador ordinário ao imprimir a anotada especificidade ao processo penal tributário, com um desvio ao regime geral, sem contudo, retirar, naturalmente, a respectiva direcção e promoção ao Órgão constitucionalmente incumbido do exercício da acção penal, com o inerente poder da realização de outras diligências instrutórias, complementares ou não, e sem que tal opção colida com qualquer outro princípio ou valor tutelado pela lei fundamental.
Todavia, a lei processual penal não impõe a prática de quaisquer actos típicos de investigação, prevendo apenas a obrigatoriedade de determinados actos de inquérito.
Tal significa que o Ministério Público procede apenas às diligências que considera úteis para a descoberta da verdade, estando apenas obrigado à prática dos actos de inquéritos considerados obrigatórios pela lei.
Deste modo, a nulidade de “falta de inquérito” ocorre quando se verifique ausência absoluta ou total de inquérito ou falta absoluta de actos de inquérito (4).
Para além das evidentes situações de omissão formal, há falta total de inquérito quando, materialmente, nenhum acto de investigação se pratica depois de adquirida a notícia do crime, situação que, no caso de processo comum, determina a nulidade prevista na al. d) do art. 119º do Código de Processo Penal, que é de conhecimento oficioso.
Ora, no caso vertente, foi o órgão da administração tributária que procedeu à instauração do inquérito, tendo-a comunicado, como se lhe impunha, ao Ministério Público, e após rematar as investigações, foi junto aos autos o parecer elaborado por aquela entidade cujo director expediu o inquérito ao Ministério Público, para que este Órgão, na sequência, cumprisse – como cumpriu – a incumbência que, constitucionalmente lhe estava cometida: a promoção do processo, nos termos do artigo 48º do Código de Processo Penal.
Resulta, pois, à saciedade que foram realizadas todas as diligências de inquérito que o titular do mesmo entendeu adequadas ao caso, dentro do mencionado quadro de autonomia em que se move.
Aliás, como decorre da motivação do recurso e respectivas conclusões, o recorrente não concretiza a nulidade que assaca ao despacho/acusação, ou seja, não invoca a falta/omissão da prática de actos de investigação essenciais, na sua óptica, para o apuramento da responsabilidade criminal, o que só pode significar que foram realizadas todas as diligências de inquérito que o titular do mesmo entendeu por pertinentes ao caso, dentro dos poderes de autonomia de que goza.
Improcede, pois, este segmento do recurso.

1.2 A violação do princípio ne bis in idem.

O recorrente invoca, ainda, a violação do princípio ne bis in idem (5), com base no mesmo fundamento com que sustentou, a nulidade da decisão: proferido despacho de arquivamento relativamente aos meses de Janeiro, Abril, Maio, Junho, Setembro, Outubro e Dezembro de 2014, Fevereiro, Abril, Outubro e Dezembro de 2015, referentes ao valor do IVA, em virtude de todos eles serem, por período, inferiores a 15.000,00 Euros, vieram esses mesmos períodos a ser incluídos no texto da acusação.
Como é sabido, o princípio ne bis in idem, não sendo sistematicamente regulado no actual Código de Processo Penal – ao contrário do que sucedida no de 1929 –, afirma-se, contudo, à luz dos preceitos constitucionais conjugados dos arts. 29º, n.º 5 e 18º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (6).
De harmonia com o disposto no primeiro dos citados normativos ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo crime. Esse comando alberga o concreto sentido de que «a necessidade de acatar a proibição do “duplo processo” sobre o mesmo facto, inerente ao princípio ne bis in idem, anda de mãos dadas com as razões que subjazem à eficácia do caso julgado de uma decisão anteriormente produzida, que se harmonizam, inteiramente, com o processo penal, em cuja especificidade tem todo o cabimento a imposição de efectivar a certeza do direito e a prevenção do risco da decisão inútil, impedindo que se reproduza ou contradiga uma decisão já tornada definitiva, e, por essa via, garantir também o prestígio dos tribunais, valores que colhem o seu fundamento nos princípios da confiança, da certeza e da segurança jurídicas, decorrentes da própria ideia de Estado de Direito, emergente do artigo 2º da Constituição» (7).
Neste âmbito, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (8) referem que o princípio ne bis in idem «comporta duas dimensões: (a) como direito subjectivo fundamental, garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra actos estaduais violadores deste direito (direito de defesa negativo); (b) como princípio constitucional objectivo (dimensão objectiva do direito fundamental), obriga fundamentalmente o legislador à conformação do direito processual e à definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto.
(…) A constituição proíbe rigorosamente o duplo julgamento e não a dupla penalização, mas é óbvio que a proibição do duplo julgamento pretende evitar tanto a condenação de alguém que já tenha sido definitivamente absolvido pela prática da infracção, como a aplicação renovada de sanções jurídico-penais pela prática do «mesmo crime».».
Como assinalou o acórdão do STJ de 20/10/2010 (9), «em processo penal o caso julgado formal atinge, no essencial, as decisões que visam a prossecução de uma finalidade instrumental que pressupõe estabilidade – a inalterabilidade dos efeitos de uma decisão de conformação processual ou que defina nos termos da lei o objecto do processo –, ou, no plano material, a produção de efeitos que ainda se contenham na dinâmica da não retracção processual, supondo a inalterabilidade sic stantibus aos pressupostos de conformação material da decisão».
Também o Prof. Damião da Cunha entende que este princípio deve ser entendido como «garantia subjectiva para o arguido não ser submetido duas vezes a um julgamento pelos mesmos “factos” e, consequentemente, e de acordo com um processo regido pelo princípio de acusação, não ser “acusado” duas vezes pelos mesmos factos» e esclarece que «o caso julgado penal em relação a futuros processos penais teria um efeito meramente negativo – a obrigação, para o juiz, de declinar a decisão sobre a questão já resolvida» (10).
Impõe-se a delimitação do conceito «mesmo crime», a que alude o preceito constitucional.
Para Frederico Isasca (11), «crime significa, aqui, um comportamento de um agente espácio-temporalmente delimitado e que foi objecto de uma decisão judicial, melhor, de uma sentença ou decisão que se lhe equipare” (...) “a expressão crime não pode ser tomada ao pé da letra, mas antes entendida como uma certa conduta ou comportamento, melhor como um dado facto ou acontecimento histórico que, porque subsumível em determinados pressupostos de que depende a aplicação da lei penal, constitui crime. É a dupla apreciação jurídico-penal de um determinado já julgado – e não tanto de um crime – que se quer evitar. O que o nº 5 do art.º 29º da Constituição da República Portuguesa proíbe é, no fundo, que um mesmo concreto objecto do processo possa fundar um segundo processo penal».
No que concerne ao que deva entender-se por definição do objecto do processo, o mesmo Autor (12), referenciando os ensinamentos de Eduardo Correia, Castanheira Neves e Figueiredo Dias e a evolução da doutrina, conclui: «O objeto do processo penal será, assim, o acontecimento histórico, o assunto ou pedaço de vida vertido na acusação e imputado, como crime, a um determinado sujeito e que durante a tramitação processual se pretende reconstituir o mais fielmente possível».

E na conformação ou preenchimento do conceito “identidade do facto”, ínsito ao princípio “ne bis in idem”, ou seja, para poder responder à questão de saber quando é que um facto se pode considerar “o mesmo” e, assim, saber se está a ser objecto dum duplo julgamento, encontramos arrimo no que professam Tereza Pizarro Beleza e Frederico Lacerda da Costa Pinto (13):

«(…) De acordo com a doutrina dominante, o conceito de identidade do facto é de natureza material e não puramente processual e, por outro lado, é um conceito normativo e não um conceito naturalístico.
Significa isto que não é o processo que determina se o facto é ou não o mesmo, mas sim as características materiais do facto que podem infirmar ou confirmar a identidade do mesmo.
A identidade do facto é, por seu turno, um conceito normativamente modelado para o qual concorrem não só aspectos naturalísticos do objecto do processo, liberdade de qualificação jurídica e caso julgado, acontecimento em causa, como também as conexões normativas que lhe conferem as qualidades que justificarão a sua integração no objecto dum processo.
Nesse sentido, a doutrina aponta três vectores da identidade do facto que devem ser tipos em conta, a saber: a identidade do agente, a identidade do facto legalmente descrito e a identidade de bem jurídico agredido. Agente, facto e bem jurídico são os três crivos de identificação da identidade do acontecimento que se pretende submeter a um processo.
Só perante a identidade destes três conjuntos de elementos (agente, facto legalmente descrito e bem jurídico) é que se pode afirmar que o facto que se pretende submeter a um certo processo é o mesmo ou é distinto de outro facto submetido, anteriormente ou concomitantemente, a outro processo.
(…) Existirá dupla valoração sobre o mesmo facto quando o juízo de valor jurídico formulado incida sobre o mesmo agente e o mesmo facto em função da tutela do mesmo bem jurídico. Isto acontecerá independentemente da natureza da sanção aplicável. Para além destes casos de identidade plena de factos, ainda será necessário ponderar as situações de identidade parcelar dos factos em função das relações lógicas e axiológicas de identidade (i.e. consunção e, eventualmente, especialidade) e subordinação (i.e. subsidariedade) entre as normas que valoram as situações jurídicas. O que vale por dizer que a dupla valoração só é realmente evitada quando se sujeita o material analisado às regras vigentes que regulam as relações de concurso de normas. Só assim se pode garantir que uma pessoa ou entidade não é duplamente julgada ou condenada pelo mesmo facto, no seu todo ou em parte. (…)»
Por fim, mas como decorrência do exposto, não olvidamos que estão em causa, não os factos abstractos configurados na lei, mera categoria legal, mas sim os factos concretos a que a lei atribui determinados efeitos jurídicos e que sejam invocados como fundamento da pretensão punitiva formulada em relação ao arguido.
Revertendo ao caso dos autos em face das considerações expostas, verificamos que o despacho de arquivamento parcial de que se cuida teve como pressuposto a inadmissibilidade (legal) do procedimento criminal para efeitos de cometimento do crime de fraude fiscal qualificado e não quanto ao crime de burla tributária pelo qual foi deduzida acusação.
Na verdade, por razões de conveniência político-criminal, fixou-se como pressuposto da criminalização da conduta de defraudação tributária, prevista no art. 103º, n.º 2, do RGIT, referente ao tipo base de fraude simples, também aplicável à fraude fiscal qualificada do artigo 104º, do mesmo diploma, a condição objectiva de punibilidade de a vantagem patrimonial ilegítima não ser inferior a € 15.000 (14).
E, com efeito, o aludido arquivamento fundamentou-se na circunstância de nos períodos aí mencionados a vantagem patrimonial alegadamente obtida pelos arguidos não atingir tal limite mínimo de €15.000, pressuposto necessário para a responsabilização criminal dos arguidos.
Para a imputação ao recorrente, em sede de acusação, da prática do mencionado crime de fraude fiscal qualificado, no que respeita ao IVA deduzido, com base em facturas que não suportam transacções reais, por força dessa dedução indevida, teria que ter resultado para a sociedade “X, Lda”, em sede de IVA, mensalmente (tendo em conta que esta sociedade se encontra enquadrada para efeitos de IVA no regime normal de periodicidade mensal), uma vantagem patrimonial superior a € 15.000, o que não se verificou.
Assim, como bem realça a Senhora Procuradora, na resposta ao recurso, apenas em sede de IRC e só no ano fiscal de 2014, os arguidos obtiveram, com a inserção na sua contabilidade de facturas que não correspondem a custos reais, vantagem patrimonial indevida, superior a € 15.000, motivo pelo qual só quanto a esse período foi deduzida acusação.
De todo o modo, anota-se que, contrariamente ao sustentado pelo recorrente, o arquivamento do inquérito, ao abrigo do disposto no art. 277.º do Código de Processo Penal, como sucedeu neste caso, não tem efeitos preclusivos, podendo ser reaberto nos termos do art. 279º, n.º 1 do mesmo diploma, caso surjam novos factos ou elementos de prova que invalidem os fundamentos invocados pelo Ministério Público no despacho de arquivamento (15).
De facto, em termos conceptuais, o despacho de arquivamento produz efeitos extraprocessuais (ao contrário do que sucede com a acusação), pois, decorridos os prazos peremptórios para a sua impugnação/revogação (através da abertura da instrução ou intervenção hierárquica), tem a força de caso decidido, apenas mutável e susceptível de reavaliação se surgirem novos elementos que ponham em causa os efeitos da decisão de abstenção, no âmbito do mesmo processo. E, sendo o despacho de arquivamento da exclusiva competência do Ministério Público, sem qualquer intervenção jurisdicional, não é susceptível de recurso, nem de trânsito em julgado.
Ora, à luz da reflexão globalmente exposta, não pode falar-se de violação do princípio ne bis in idem, como almejaria o recorrente.
Uma nota final para referir que é inadequada a alegação do recorrente quando sustenta que não foi reaberto o inquérito por parte do Ministério Público e que este Órgão não aportou aos autos, entre o momento do arquivamento e o da acusação, qualquer novo elemento de prova, tratando-se de um novo quadro probatório, pela simples razão, como dissemos, de que o arquivamento parcial teve como único pressuposto formal a inadmissibilidade legal do procedimento criminal para efeitos de cometimento do crime de fraude fiscal qualificado e não quanto ao crime de burla tributária, pelo qual foi deduzida acusação.
Nesta decorrência, também não descortinamos que o despacho de arquivamento/acusação padeça do lapso de escrita, conexo com opções de “corte e cola”, sugerido na decisão recorrida, razão pela qual será despiciendo abordar eventuais efeitos que daí poderiam advir, nomeadamente a violação do também invocado pelo recorrente (na respectiva motivação do recurso) princípio in dubio pro reo (16).
Nesta conformidade, é irrelevante (a inócua) referência ao alegado lapso do despacho de arquivamento na decisão recorrida, que, no demais, não merece qualquer censura, na apreciação da questão que lhe foi suscitada em sede de exposições introdutórias, improcedendo, assim, também nesta parte, o recurso.

2. A impugnação da matéria de facto por erro de julgamento.

Como vem sendo entendido, a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: pelo âmbito, mais restrito, dos vícios formais previstos no art. 410º, n.º 2, do CPP; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que o art. 412º, n.ºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma se refere.
No caso, a pretensão do recorrente dirige-se à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto pela via ampla, através da invocação de erro de julgamento, defendendo que os meios de prova produzidos não suportam os factos que ficaram a constar da respectiva enunciação. Sobressai das extensas conclusões do recurso [8ª a 25ª] a imputação ao Tribunal de 1ª instância da indevida valoração de tais meios de prova, porque teve por base o método indiciário, sem que tenha sido produzida prova particular quanto ao recorrente, limitando-se a dar por reproduzido o teor do relatório de inspecção tributária que fundamenta os factos referentes à sociedade R. E. e Y e K., inexistindo indícios graves e precisos demonstrados por prova directa sobre a sua actuação nos autos, para lá de extractos bancários. A par dessa circunstância, defende que não foram correctamente apreciados os depoimentos prestados pelos inspectores tributários e pela técnica oficial de contas S. F., pondo em causa, os factos constantes dos pontos 12), 13), 14), 16), 17), 18), 19), 20), 21), 22), 23), 25), 26), 27), 28) e 33) que deveriam ser considerados como não provados.
Para correctamente se impugnar a decisão com fundamento em erro de julgamento, é preciso que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal, mas assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou a insuficiência – pela qualidade, sobretudo – dos elementos considerados para as conclusões tiradas.
É certo que a possibilidade de a Relação modificar a decisão da 1ª instância, sem que se imponha qualquer limitação relacionada com a convicção que serviu de base à decisão impugnada – ainda que, quanto à prova gravada, com a consciência dos condicionamentos postos pela limitação da acção do princípio da imediação –, é inteiramente congruente com o objectivo de garantir um duplo grau de jurisdição em matéria de facto, claramente prosseguido pela lei de processo (17). Todavia, uma vez invocado o erro de julgamento, embora a sua apreciação se alargue à análise do que se contém e pode extrair da prova documentada e produzida em audiência, a mesma é balizada pelos concretos pontos impugnados e meios de prova indicados, ou seja pelos limites fornecidos pelo recorrente, a quem se impõe o estrito cumprimento dos ónus de especificação previstos no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP (18). É esta a doutrina recomendada pelo STJ, p. ex., nos sumários dos seus Acs. de 10-01-2007 e 15-10-2008 (19).
O que se visa é, pois, uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos concretos pontos de facto que o recorrente especifique como tendo sido incorrectamente julgados, na sua perspectiva, a fim de poder obviar a eventuais erros ou incorrecções na forma como foi apreciada a prova.
Daí que a delimitação desses pontos de facto seja determinante na definição do objecto do recurso, cabendo ao tribunal da relação confrontar o juízo que sobre eles foi realizado pelo tribunal a quo com a sua própria convicção, determinada pela valoração autónoma das provas que o recorrente identifique nas conclusões da motivação.
Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova apontados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa.
Sendo certo que neste tipo de recurso sobre a matéria de facto (impugnação ampla), o Tribunal da Relação não se pode eximir ao encargo de proceder a uma ponderação específica e autonomamente formulada dos meios de prova indicados, deverá fazê-lo com plena consciência dos limites ditados pela natureza do recurso e pelo facto de se tratar de uma apreciação de segunda linha, a que faltam as importantes notas da imediação e da oralidade de que beneficiou o tribunal a quo.
Precisamente por isso, o recorrente que pretenda impugnar amplamente a decisão sobre a matéria de facto deve cumprir o ónus de especificação previsto nas alíneas do n.º 3 do citado art. 412º. A referida especificação dos concretos pontos factuais traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam na sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados. E a especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico dos meios de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual impõem decisão diversa da recorrida. Exige-se, pois, que o recorrente refira o que é que nesses meios de prova não sustenta o facto dado por provado ou como não provado, de forma a relacionar o seu conteúdo específico, que impõe decisão diversa da recorrida, com o facto individualizado que se considera incorrectamente julgado.
Note-se que o cumprimento ou incumprimento da impugnação especificada pelo recorrente afecta os direitos do recorrido. Este, para defesa dos seus direitos, tem de saber quais os pontos da matéria de facto de que o recorrente discorda, que provas exigem a pretendida modificação e onde elas estão documentadas, pois só assim pode, eficazmente, indicar que outras provas foram produzidas quanto a esses pontos controvertidos e onde estão, por sua vez, documentadas. É que aos princípios da investigação oficiosa e da descoberta da verdade material contrapõem-se os do exercício do contraditório e da igualdade de armas, para que o processo se desenrole de acordo com o due process of law.
Daí a necessidade e importância da impugnação especificada, por permitir a devida fundamentação da discordância no apuramento factual, devendo tais especificações constar ou poder ser deduzidas das conclusões formuladas (art. 417º, n.º 3). Face ao nosso regime processual quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pelo recorrido e pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que, actualmente, se alcança com a indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação, como consta do n.º 4 do citado art. 412º.
É também por isso que se reconhece não existir fundamento bastante para rejeitar a impugnação da decisão numa situação em que, nas conclusões delimitadoras do objecto do recurso, tenha sido devidamente cumprido o ónus primário ou fundamental, identificando os concretos pontos de facto impugnados e as propostas de decisão alternativa sobre os mesmos, bem como os concretos meios de prova que imponham tal alternativa, já podendo – e até devendo – o cumprimento do ónus secundário ser satisfeito na motivação (corpo das alegações), para aí sendo relegadas a valoração dos concretos meios de prova indicados nas conclusões e a determinação da sua relevância para a distinta decisão proposta, bem como a indicação concreta das passagens da gravação (20).
E, nessa senda, a análise da impugnação tem que ser feita por referência à matéria de facto efectivamente provada ou não provada e não àqueloutra que o recorrente, colocado numa perspectiva subjectiva, não equidistante, tem para si como sendo a boa solução de facto e entende que devia ser provada.
Como em geral sucede, esta tarefa é norteada pela ideia de que a apreciação da prova, segundo o grau de confirmação que os enunciados de facto obtêm a partir dos elementos disponíveis, está vinculada a um conceito ou a um critério de probabilidade lógica preponderante e, especificamente, face a uma eventual divergência inconciliável de depoimentos, produzidos por pessoas dotadas de uma razão de ciência sensivelmente homótropa, prevalecerão os contributos colhidos por essa via, que sejam corroborados por outras provas, ou que, ao menos, melhor se conjuguem entre si e/ou com a experiência comum.
É ponto assente na doutrina e na jurisprudência que na fundamentação da matéria de facto se hão-de indicar as razões por que se atribui credibilidade a certos meios de prova, incluindo naturalmente os depoimentos prestados, e a explicação das razões por que se não confere essa credibilidade a outras provas que hajam sido produzidas e que apontem em sinal contrário. O que implica, claro está, que todos os meios de prova sejam escrutinados quanto ao seu interesse e ao seu valor. Sabendo-se que as provas são, em princípio, apreciadas segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (art. 127º CPP) é necessário que o processo de formação dessa convicção seja explicado, esclarecendo-se nomeadamente porque se entende que ele se encontra em conformidade com as regras da experiência. Isto significa que não basta afirmar que certo depoimento, onde se abordaram determinados pontos está de acordo com as regras da experiência e, por isso, é credível; é preciso, dar o passo seguinte que consiste exactamente em esclarecer de forma raciocinada a compatibilidade do seu teor com as tais regras da experiência. Tanto mais detalhadamente quanto a decisão esteja em aparente desconformidade com essas regras.
Acresce que não podemos olvidar que, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal, orientado pela descoberta da verdade material, aprecia livremente a prova e não está inibido de socorrer-se da chamada prova indiciária ou indirecta. Como é evidente, tais princípios não comportam apreciação arbitrária nem meras impressões subjectivas incontroláveis, antes têm, sempre, de nos remeter, objectiva e fundadamente, ao exame em audiência, com critérios da experiência comum e da lógica do homem médio supostos pela ordem jurídica, das provas aí validamente produzidas, visando a descoberta da verdade prático-jurídica e não a verdade transcendente, inalcançável, fruto de especulação projectada para fora do domínio da racionalidade prática, sem suporte em concretos argumentos e elementos de prova objectivos (21).
Realmente, como se sabe, os meios de prova nem sempre reproduzem por si directamente a imagem da verdade. Conforme refere G. Marques da Silva (22), é clássica a distinção entre prova directa e prova indiciária. Aquela refere-se aos factos probandos, ao tema da prova, enquanto a prova indirecta ou indiciária se refere a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova.
O indício não tem uma relação necessária com o facto probando, pois pode ter várias causas ou efeitos, e, por isso, o seu valor probatório é extremamente variável.
Na prova indiciária, mais do que em qualquer outra, intervém a inteligência e a lógica da entidade que a afere. Porém, qualquer um daqueles elementos intervém em momentos distintos.
Em primeiro lugar é a inteligência que associa o facto indício a uma máxima da experiência ou uma regra da ciência; em segundo lugar intervém a lógica através da qual, na valoração do facto, outorgaremos a inferência feita maior ou menor eficácia probatória.
Segundo expõe André Marieta (23), a prova indiciária realizar-se-á para tanto através de três operações: «Em primeiro lugar a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento faz despoletar no raciocínio do julgador uma regra da experiência ou da ciência que permite, num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento. A lógica tratará de explicar o correcto da inferência e será a mesma que irá outorgar à prova capacidade de convicção.».
A associação que a prova indiciária proporciona entre elementos objectivos e regras objectivas até leva alguns autores a afirmar a sua superioridade perante outro tipo de provas, nomeadamente a testemunhal, pois que nesta também intervém um elemento que ultrapassa a racionalidade, sendo, por isso, muito mais difícil de determinar a respectiva credibilidade (24).
Na ausência de referência na nossa lei a quaisquer requisitos especiais da prova indiciária, dependem da convicção do julgador os respectivos funcionamento e creditação, a qual, sendo uma convicção pessoal, deverá ser sempre objectivável e motivável.
Conforme menciona G. Marques da Silva, o juízo sobre a valoração da prova suscita, num primeiro nível, a credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova, depende substancialmente da imediação e nele intervêm elementos não racionais explicáveis. Num segundo nível, inerente à valoração da prova, intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e, agora, já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correcção do raciocínio que há-de fundamentar-se nas regras da lógica, princípio da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência (25).
Nada impedirá, pois, que devidamente valorada, a prova indiciária, por si, na conjunção dos indícios, permita fundamentar a condenação.
E, como é evidente, é na audiência de discussão e julgamento que tais princípios assumem especial relevo, tendo, porém, que ser sempre motivada e fundamentada a forma como foi adquirida certa convicção, impondo-se ao julgador o dever de dar a conhecer o seu suporte racional, o que resulta do art. 374º, n.º 2, do CPP.
É segundo esta perspectiva que hão-de ser apreciados os factos provados e não provados e a fundamentação que o tribunal recorrido levou a efeito para sustentar a sua convicção acerca deles, i. é, o processo avaliativo que o tribunal levou a cabo de modo a que se possa dizer com segurança se houve ou não uma apreciação arbitrária, caprichosa ou discricionária da prova produzida.

Analisemos, o sentido dos elementos de prova invocados na decisão impugnada e nas conclusões do recurso sobre os pontos factuais da impugnação deduzida.
À luz do que acima expendemos, o recorrente cumpriu formalmente, o apontado ónus de especificação, identificando os concretos pontos da matéria de facto que entende encontrar-se incorrectamente fixada, bem como a sua divergência probatória, fazendo-o por reporte aos suportes do registo da prova, remetendo para os concretos locais da gravação que amparam a sua tese, embora sustente a sua impugnação, essencialmente, na apreciação que faz dos depoimentos produzidos em audiência, reputando-os de insuficientes, sem qualquer sustentação externa por outros meios de prova, aduzindo que o Tribunal se teria estribado, essencialmente, no uso do método de prova indiciário.
Sendo de verificação praticamente impossível a produção de prova sem discrepâncias ou contradições, ou, mesmo, sem divergência inconciliável, a sua existência não pode impedir o tribunal de procurar formular a sua convicção acerca dos factos, de acordo, como se disse, com um critério de probabilidade lógica preponderante e da prevalência dos contributos que sejam corroborados por outras provas, ou que, ao menos, melhor se conjuguem entre si e/ou com a experiência comum.
Ademais, o tribunal deve interpretar a prova de forma conjugada e retirar as ilações lógicas, coerentes e de acordo com as regras da experiência comum (26).
E foi este exercício que procurámos fazer, ainda que dentro dos limites traçados pelo objecto do recurso, para além de não se olvidar que, em sede de avaliação da credibilidade dos depoimentos, o Tribunal de 1ª instância teve a seu favor a relação de imediação que se traduz no contacto pessoal e directo entre o julgador e os diversos meios de prova.
Por essa razão e também pelos específicos fundamentos de discordância invocados na impugnação da matéria de facto, umbilicalmente ligados à credibilidade que o Tribunal recorrido atribuiu aos diversos meios de prova, não obstante os termos da impugnação, procedeu-se à audição integral de todos os depoimentos prestados e produzidos na audiência de julgamento, podendo, desde já, adiantar-se que os mesmos devidamente interpretados e conjugados entre si, permitem, sem margem para qualquer dúvida razoável, concluir como o fez o Tribunal recorrido quanto ao núcleo essencial dos factos em apreciação.

Está em causa a emissão de facturas falsas, tema sobre o qual assim se sintetizou a pronúncia do acórdão da RP de 09-04-2014 (27):

«Através da emissão de facturas falsas o agente visa documentar operações económicas que não são verdadeiras, ou porque pura e simplesmente não existem, ou pelo menos não existem nos exactos termos que aparentam. Assim, o objetivo que subjaz à emissão de faturas falsas radica frequentemente na documentação falsa de custos fiscais, assegurando, deste modo, a diminuição de lucros com importantes consequências na determinação da matéria coletável (IRC) ou mesmo a obtenção ilícita de reembolsos fiscais (IVA).
Na trilogia proposta por Nuno Sá Gomes (28) tipificam-se três modalidades de facturas falsas: a) facturas falsas stricto sensu – conferidas pelo emitente-utilizador a empresas inexistentes; b) facturas forjadas – conferidas pelo emitente-utilizador a empresas existentes mas sem conhecimento destas últimas e c) facturas de favor – emitidas por um terceiro em resultado de acordo com o utilizador que as incorpora na sua contabilidade fiscal, existindo pagamento de uma quantia ao emitente ou mediante faturas emitidas gratuitamente.
Nos dois primeiros casos a emissão de faturas falsas ocorre através de um ato unilateral do infrator e não há qualquer operação/relação económica.
Na última situação, a emissão de faturas falsas pode ocorrer mediante acordo entre duas pessoas para prejudicar o Estado Fiscal.».
«(…) Apurada a utilização de documento falso, para efeitos de determinação da matéria coletável ou de obtenção de reembolso fiscal, acompanhado da consciência e vontade da realização do tipo de ilícito, tanto basta para responsabilizar o utilizador pelo crime de fraude fiscal, verificados que se mostrem todos os restantes elementos objetivos do tipo.»
Acresce que, tal factualidade pressupõe, em sede de julgamento, lidar com um manancial de factos negativos, sobre cuja demonstração surge uma verdadeira “probatio diabolica” e daí que sejam necessários instrumentos indiciários, nem sequer excessivamente elaborados.
Atenta a especificidade da matéria em questão e uma vez que o recorrente alega que a apreciação de prova feita pelo Tribunal a quo resulta de um “golpe de espírito”, estribado no uso do método de prova indiciário, impõe-se que retomemos a análise que muito sinteticamente acima se expôs.
Começamos por se sublinhar que os termos «prova indiciária» e «prova por presunções judiciais» são sinónimos. Está em causa, em ambos os casos, o recurso pelo tribunal de julgamento à chamada prova indirecta, ou seja, a processos inferenciais de descoberta de factos, baseados em regras da lógica e da experiência, através dos quais o julgador estabelece um facto desconhecido (factum probandum) a partir de um facto conhecido (factum probans).
Vaz Serra na caracterização desta figura, referiu que as presunções «pressupõem a existência de um facto conhecido (base das presunções), cuja prova incumbe à parte que a presunção favorece e pode ser feita pelos meios probatórios gerais; provado esse facto, intervém a lei (no caso de presunções legais) ou o julgador (no caso de presunções judiciais) a concluir dele a existência de outro facto (presumido), servindo-se o julgador, para esse fim, de regras deduzidas da experiência de vida» (29).

De facto, pese embora o Código de Processo Penal não faça qualquer menção à utilização de presunções judiciais, vejamos os termos em que sobre ela se pronuncia, p. ex., o acórdão do STJ de 27-05-2010 (30):

«I- Encontra-se universalmente consagrado o entendimento, desde logo quanto à prova dos factos integradores do crime, de que a realidade das coisas nem sempre tem de ser direta e imediatamente percecionada, sob pena de se promover a frustração da própria administração da justiça. II - Deve procurar-se aceder, pela via do raciocínio lógico e da adoção de uma adequada coordenação de dados, sob o domínio de cauteloso método indutivo, a tudo quanto decorra, à luz das regras da experiência comum, categoricamente, do conjunto anterior circunstancial. Pois que, sendo admissíveis, em processo penal, “… as provas que não foram proibidas pela lei” (cf. art. 125.º do CPP), nelas se devem ter por incluídas as presunções judiciais (cf. art. 349.º do CC). III - As presunções judiciais consistem em procedimento típico de prova indireta, mediante o qual o julgador adquire a perceção de um facto diverso daquele que é objeto direto imediato de prova, sendo exatamente através deste que, uma vez determinado, usando do seu raciocínio e das máximas da experiência de vida, sem contrariar o princípio da livre apreciação da prova, intenta formar a sua convicção sobre o facto desconhecido (acessória ou sequencialmente objeto de prova).»

No mesmo sentido, esse Supremo Tribunal escreveu no seu Acórdão de 10/1/2008:

«São admissíveis [em processo penal] as provas que não forem proibidas por lei» (art. 125.º do CPP), nelas incluídas as presunções judiciais (ou seja, «as ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido»: art. 349.º do CC). Daí que a circunstância de a presunção judicial não constituir «prova direta» não contrarie o princípio da livre apreciação da prova, que permite ao julgador apreciar a «prova» (qualquer que ela seja, desde que não proibida por lei) segundo as regras da experiência e a livre convicção do tribunal (Art.º 127.º do CPPenal). Não estaria por isso vedado às instâncias, ante factos conhecidos, a extração - por presunção judicial - de ilações capazes de «firmar um facto desconhecido» (31).
E a conformidade constitucional de tal interpretação vem sendo reiteradamente afirmada na jurisprudência do Tribunal Constitucional – Órgão a que, entre nós, incumbe, especificamente, administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional (art. 30º da LOSJ) –, como asseverou no seu Acórdão n.º 391/2015, de 12/8, publicado no DR Série II de 16/11/2015 (32), ou no mais recente Acórdão n.º 521/2018 de 17-10-2018 (p. 321/2018) (33), com a seguinte síntese: «[n]ão é julgada inconstitucional, por violação dos princípios da presunção de inocência e da estrutura acusatória do processo penal, consagrados nos n.ºs 2 e 5 do artigo 32.º da Constituição, o artigo 125.º do Código de Processo Penal, na interpretação de que a prova indiciária e a prova por presunções judiciais são admissíveis em direito penal e em direito processual penal».
Anote-se, ainda, que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem também já se pronunciou sobre a admissibilidade do recurso a prova indirecta em processo penal, designadamente no caso John Murray v. Reino Unido decidido por Acórdão de 08 de Fevereiro de 1996 (34), aí se exarando: «a formulação de juízos de inferência incriminatórios encontra-se, segundo o TEDH, condicionada à verificação de determinados pressupostos: (i) a acusação deverá estabelecer previamente, através de prova direta, as circunstâncias que permitem o juízo de inferência; (ii) estas deverão permitir que nelas se apoie a conclusão inferida; e (iii) a conclusão inferida (de que se encontram provados os elementos essenciais do crime) deverá ser estabelecida para além de dúvida razoável. A estes requisitos devem acrescer garantias processuais destinadas a assegurar que o juízo de inferência seja racionalmente exposto e sindicável por via de recurso. Onde tais exigências se mostrem cumpridas – como é o caso do ordenamento processual penal português−, a prova indireta é perfeitamente admissível à luz do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem».
Importa, pois, concluir que o recurso a prova indiciária, designadamente a presunções judiciais, não contende com o princípio da presunção de inocência do arguido.
Actualmente, também existem várias abordagens teóricas sobre a prova denominada de “indirecta”, “indiciária”, “circunstancial” ou “por presunções”, ensaiando a procura dos critérios que devem presidir à sua utilização de forma a compatibilizá-la com o princípio da presunção de inocência [v. Euclides Dâmaso Simões, em «Prova indiciária» [Revista Julgar, n.º 2, 2007, pp. 203 e ss.), José Santos Cabral, em «Prova indiciária e as novas formas de criminalidade» (Revista Julgar, n.º 17, 2012, p. 13), Marta Sofia Neto Morais Pinto, em «A prova indiciária no processo penal (Revista do Ministério Público, n.º 128, Out.- Dez. 2011, pp. 185-222), Luís Campos, em «A corrupção e a sua dificuldade probatória - o crime de recebimento indevido de vantagem» (Revista do Ministério Público, n.º 137, Jan.- Mar. 2014, pp. 132 e ss.) e André Lamas Leite, em «Nótulas sobre o crime de administração danosa» (Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Ano IX - 2012, pág. 56.)].
Assim, em processo penal, é legítimo o recurso a presunções simples ou naturais, na medida em que são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei (art. 125.º do CPP), que é o que sucede com as presunções, que o art. 349.º do C. Civil qualifica como as ilações que a lei ou o julgador retira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido, sendo admitidas as presunções judiciais nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art. 351.º do mesmo Código).
Dito de outro modo, a prova indirecta/indiciária ou por presunções assenta num processo lógico de inferência que não pode ser entendido como uma operação puramente subjectiva, emocional e imotivável, mas sim como uma valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos e proceder a uma efectiva motivação da decisão. Daí que a utilização de presunções judiciais não seja incompatível com o dever de fundamentação das decisões judiciais, antes exigindo uma explicação mais rigorosa que seja claramente explicitadora do processo lógico que lhe é inerente.
Acresce que, no âmbito da criminalidade organizada, económica e financeira, a prova indiciária, circunstancial ou indirecta, por vezes, é mesmo o único meio de chegar ao esclarecimento de um facto ilícito e à descoberta dos seus autores.
Concluindo-se pela validade deste meio de prova (indiciária), o passo seguinte consistirá em apurar, se no caso vertente, foi observado o rigor exigível para que se tivesse lançado mão deste meio, questão a que se responderá após conhecimento da impugnação que incidiu sobre os factos questionados pelo recorrente.
O núcleo da impugnação deduzida no recurso prende-se, essencialmente, com o acordo e conjugação de esforços e de intentos firmado entre o recorrente, na qualidade de representante (de facto) da sociedade arguida “X” e R. V., enquanto representante da sociedade arguida “Y”, e, posteriormente, da sociedade arguida “R. E.”, na criação de um estratagema para, através da emissão e utilização de facturas sem qualquer suporte em transacções/serviços prestados, evitarem o pagamento dos impostos devidos pela mencionada “X”, a título de IRC, e ainda para o primeiro as contabilizar e apresentar as competentes declarações periódicas de IVA, por forma a obter o correspondente reembolso.
Ora, debrucemo-nos, então, sobre tais factos, constantes dos pontos 12, 13, 14, 15, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 25, 26, 27, 28 e 33, que o recorrente considera terem sido incorrectamente julgados e que o Tribunal a quo fundamentou extensamente a aquisição de tal factualidade pelo modo que já reproduzimos e que aqui revisitamos.
O enunciado do exame crítico a que o Tribunal assim procedeu sobre a «vasta documentação» que identifica, designadamente a constante dos pontos [i] a [li], sobretudo das facturas emitidas pelas ditas sociedades, e sobre os depoimentos das testemunhas R. M. – inspector tributário responsável pela inspecção à sociedade arguida “X” e à sociedade “K. - Unipessoal, Lda.” –, F. C. – inspector tributário responsável pela inspecção à sociedade arguida “Y” –, P. J. – inspector tributário responsável pela inspecção à sociedade arguida “R. E.” – e D. P. – inspector tributário responsável pela inspecção à sociedade “W - Importação e Exportação, Lda.” – espelha cristalinamente o percurso trilhado na formação da convicção sobre a aquisição, com segurança, de tal factualidade e as razões pelas quais, ao invés, não se convenceu de que as ditas facturas correspondessem a transacções reais.
Assim, contrariamente ao que afirma o recorrente, o Tribunal a quo não se limitou a dar como reproduzida a visão (que reputa de) sectária dos inspectores tributários espelhada no teor dos relatórios da inspecção, uma vez que os respectivos subscritores explicaram devida e detalhadamente em audiência as razões pelas quais chegaram às conclusões naqueles vertidas e nessa oportunidade foi cabalmente exercido o contraditório, como a audição do registo da prova exibe amplamente.
Concretizemos, focalizando-nos nos aspectos com maior relevo e pertinência para os autos.
O inspector R. M. elucidou que, após a Direcção de Finanças ... ter recebido uma comunicação remetida pelo Serviço de Finanças do Porto no âmbito de uma fiscalização realizada às sociedades arguidas “Y” e “R. E.” e terem sido detectadas facturas emitidas a favor da sociedade “X”, foi-lhe distribuído esse serviço e, nessa sequência, deslocou-se à sede da sociedade “X”, tendo verificado a pertinência dessas dúvidas, pois que, para além de não existirem documentos de transportes que consubstanciassem as transacções indicadas nas mencionadas facturas, também os valores titulados pelos cheques usados nos pagamentos eram levantados num prazo muito curto e eram indicados preços de transferência que não constavam no relatório de preços de transferência, tendo ainda observado que os suprimentos cresciam a um ritmo muito elevado, o mesmo se registando com os inventários.
No apontado contexto, quando a testemunha referiu que confirmou a pertinência das dúvidas a que alude o recorrente, apenas pode ter o significado de que investigou e apurou as suspeitas que lhe foram transmitidas e que estiveram na génese da inspecção, inclusive que apurou uma realidade mais ampla ao ter detectado a existência de mais uma sociedade – a K. – que emitiu facturas a favor da inspeccionada que titulavam serviços que não correspondiam a serviços prestados. O mesmo se diga, quanto à ilação que o recorrente pretende extrair do afirmado pelo testemunha ao minuto 06:00, quando se pronunciou sobre os fluxos financeiros, aos levantamentos de dinheiro num curto período de um, dois dias, por parte das sociedades “R. E.” e da “Y”, sem ter aludido à sociedade “X”, porque esta, de acordo com o plano gizado, era a entidade que procedia ao pagamento, mas tal não significa que essas quantias ou, pelo menos, parte delas, tenham revertido a seu favor.
Também é irrelevante a objecção suscitada pelo recorrente da não verificação pela testemunha da eventual existência das mercadorias descritas nas facturas no armazém da sociedade “X”, pela simples razão de que já tinha solicitado as guias de transporte, sendo-lhe óbvio que as facturas não tinham qualquer correspondência real com o fornecimento de bens, que só por efeito de magia poderia encontrar no armazém da sociedade “X”.
Quanto às demais objecções concernentes à vantagem patrimonial ilegítima, embora se sugira a sua falta de sustento, tanto legal como fáctico (nos «elementos constantes dos autos»), o certo é que no recurso nada se aduz que, especificamente, suporte o alegado erro de julgamento, nesta vertente da matéria de facto, daí que as todas as afirmações e hipóteses aventadas, não passam disso mesmo, de meras conjecturas não alicerçadas em factos concretos.
O inspector F. C., reportando-se à acção inspectiva que efectuou à sociedade “Y”, informou ter constatado que a sua sede, nuns arrumos situados na parte de baixo de uma habitação, não tinha quaisquer condições que possibilitassem realizar os serviços identificados nas facturas em causa e que, para além da configuração do local, pôde apurar que não havia trabalhadores declarados à segurança social, não havia veículos de sua pertença, nem qualquer consumo de energia por parte da dita sociedade.
A par desses elementos, a testemunha colheu ainda que a sociedade “W-Importação e Exportação, Lda.”, que figurava nas facturas como fornecedora, apresentava as mesmas características que a “Y”: para além de não ter instalações, não dispunha de estrutura alguma que lhe permitisse desempenhar a actividade industrial descrita nas facturas emitidas àquela à sociedade.
Com muito relevo, asseverou ter fiscalizado (cerca de 10) empresas que apresentaram facturas emitidas pela “W-Importação e Exportação, Lda.” que, por reconhecerem que não representavam transacções efectivamente prestados, regularizaram voluntariamente a sua situação fiscal, em sede de IRC e IVA.
O inspector P. J., na inspecção que realizou à sociedade “R. E.”, constatou tratar-se de uns anexos de uma casa de habitação, sem o mínimo de condições para ali funcionar uma estrutura empresarial que prestasse os serviços descritos nas facturas em discussão nos autos, sem viaturas ou qualquer trabalhador declarado à segurança social. Detectou como fornecedora dessa sociedade a já mencionada “W-Importação e Exportação, Lda.” e como cliente a empresa “P. M.-Confecções de Vestuário, Lda.”, que reconheceu que as facturas que lhe tinham sido emitidas por aquela não representavam transacções/serviços realmente prestados, tendo regularizado a sua situação tributária.
Nesta linha, também não se descortina qualquer cabimento para o reparo feito pelo recorrente ao depoimento do inspector D. P., uma vez que esta testemunha, na vistoria que fez à empresa “W-Importação e Exportação, Lda.”, apurou uma situação incompatível com o volume de negócios declarado à Autoridade Tributária: a sociedade tinha a sede num espaço comercial fechado havia vários anos, não havia registo de contratos de energia com ela celebrados e apenas teve um funcionário entre Março de 2013 e Abril de 2014. Informou, ainda, que, embora tivesse consultado as facturas que se reportavam a diversos serviços não abarcáveis pelo objecto social declarado da sociedade em causa, constatou que nenhum dos fornecedores constantes dessas facturas havia declarado quaisquer serviços, e nunca conseguiu falar com qualquer dos gerentes nem encontrar alguém que lhe confirmasse que esta sociedade existiu na realidade.
Complementarmente, também se retira do depoimento prestado pela testemunha S. F., que desempenhou as funções de contabilista na sociedade “X”, incumbindo-lhe receber as facturas emitidas por várias empresas encaminhadas para o departamento da contabilidade, que, recebidas estas, a mesma providenciava pela sua confirmação junto do departamento comercial e procedia ao seu pagamento, o que era feito de acordo com o que era transmitido pelo recorrente F. T.. A testemunha esclareceu, ainda, que recorriam com normalidade ao portal da Autoridade Tributária, para confirmar os dados respeitantes às várias empresas que trabalhavam com a “X”, procedimento, ao que disse julgar, ter-se verificado com as sociedades “Y” e “R. E.”, não tendo sido detectado qualquer irregularidade digna de registo. Outrossim, no que respeita ao pedido de reembolso de IVA verbalizou que eram regularmente solicitados conforme a instrução geral que lhe foi transmita pelo recorrente. Afiançou ainda que as facturas em causa foram todas pagas (designadamente, por transferência bancaria), desconhecendo se houve ou não um reembolso de dinheiro à “X”.
E do depoimento prestado pela testemunha M. L., dono de uma empresa de lingerie e amigo do arguido R. E., extrai-se que durante dois anos, com uma periocidade de 15 dias, comprou a este produtos (elásticos, sacos e afins), cujo preço pagava em nome da sociedade R. E., Lda, embora desconhecesse as suas instalações, pois sempre contactou com o R. E. e só tinha o contacto deste. Terminou dizendo que as coisas não funcionaram muito bem e que está a pagar ao Estado por isso, ficando-se sem saber a razão desta afirmação.
Dos demais depoimentos produzidos não se extrai qualquer elemento relevante, quer num quer noutro sentido, ou que acrescentem algo de novo ao já mencionado.
Por sua vez, o recorrente, no uso do direito que lhe assistia, não quis prestar declarações sobre os factos, perdendo a suprema oportunidade de apresentar a sua versão sobre os mesmos.
Assim, embora não exista efectivamente prova directa sobre a posterior entrega à sociedade “X” ou ao arguido/recorrente dos montantes correspondentes aos levantamentos das quantias depositadas, o certo é que o Tribunal pôde retirar as ilações que ficaram a constar dos factos provados, por via da conjugação de tais elementos probatórios, apresentando-se com maior vigor a concatenação dos vários esclarecimentos dos inspectores tributários, que prestaram depoimentos isentos/seguros e forneceram a indicação de um conjunto de factos de que, linearmente, se extrai que as facturas em causa não tiveram na sua génese qualquer transacção, tratando-se, portanto de facturas falsas.
E quanto à prova (indirecta) do elemento subjectivo, esclareceu o Tribunal tê-la extraído, no caso em análise, dos demais elementos existentes nos autos e das regras da normalidade e da experiência comum. Na verdade, é lícito aos juízes, na formação da sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, utilizar a experiência da vida, inferindo de um facto conhecido outro ou outros factos desconhecidos, convencendo sobejamente as explicações vertidas na decisão recorrida: em face dos apurados condicionalismos pessoais do recorrente, os particulares contornos da sua conduta têm um significado evidente, mais do que probabilidade séria daquele elemento subjectivo, a certeza da sua verificação, posto que manifestamente preenchido o conhecimento da totalidade dos elementos típicos, com o que é evidente a vontade da prática dos factos, sem que se verifique qualquer erro na apreciação da prova e sem contradição da fundamentação na modalidade de se terem dado como provados factos contraditórios ou da omissão da sua motivação.
De facto, no que respeita aos factos atinentes ao foro volitivo, insusceptível de percepção sensorial, importa salientar que, conforme ensina Germano Marques da Silva, na valoração da prova intervêm deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, sendo certo que se as inferências não dependem substancialmente da imediação, terão de basear-se na correcção do raciocínio, o qual se alicerçará nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência (35) .
Ou como escreve Cavaleiro Ferreira (36), «existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são susceptíveis de prova indirecta como são todos os elementos de estrutura psicológica» o que é corroborado por Malatesta quando refere que «exceptuando o caso da confissão, não é possível chegar-se à verificação do elemento intencional, senão por meio de provas indirectas: percebem-se coisas diversas da intenção propriamente dita, e dessas coisas se a concluir pela sua existência... afirma-se muitas vezes sem mais nada o elemento intencional mediante a simples prova do elemento material... o homem, ser racional, não obra sem dirigir as suas acções a um fim. Ora quando um meio só corresponde a um dado fim criminoso, o agente não pode tê-lo empregado senão para alcançar aquele fim.” [A Lógica das provas em matéria Criminal, p. 172 ss; (cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23 de Fevereiro de 1993, in BMJ nº 324, pág. 620].
Realmente, não vislumbramos o menor fundamento para divergir da expressão da convicção adquirida pelo Tribunal a quo, tanto pela forma exaustiva como descreveu as razões pelas quais o levou a considerar a realidade inserta nos pontos questionados, como, essencialmente, porque o impugnante, para além de meros e parcos comentários de índole subjectiva, não forneceu um único elemento de prova que aponte em sentido contrário ao decidido.
Especificamente quanto aos pontos adversados no recurso não basta afirmar que não foi demonstrado nenhum elemento de prova que permita concluir pela conjugação de esforços entre o recorrente e R. V. porque nenhuma testemunha conseguiu estabelecer alguma relação entre ambos, assim como pela inexistência de extractos bancários a reflectir o retorno das quantias monetárias à sociedade “X” a somar à simples afirmação que esta sociedade perdeu € 118.429,37, porque nada se aduz que, especificamente, suporte o alegado erro de julgamento.
Assim, perante tais factos inequivocamente adquiridos e conhecidos, porque evidenciados por estes meios de prova, o que se imporia seria, pois, saber se os mesmos facultam a passagem para a aquisição de um facto desconhecido, através do (mero) instrumento metodológico de aquisição da prova, com a intervenção de «presunções naturais, como juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinada facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido», como se concluiu no acórdão do STJ de 7/01/2004 (37), em cujo sumário se escreve:
«Na presunção deve existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido; a existência de espaços vazios no percurso lógico determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões. A compreensão e a possibilidade de acompanhamento do percurso lógico e intelectual seguido na fundamentação de uma decisão sobre a matéria de facto, quando respeite a factos que só podem ter sido deduzidos ou adquiridos segundo as regras próprias das presunções naturais, constitui um elemento relevante para o exercício da competência de verificação da (in) existência dos vícios do artigo 410°, n° 2, do CPP, especialmente do erro notório na apreciação da prova, referido na alínea c).».
A ilação derivada de uma presunção natural não pode, porém, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável» (38).

Ou ainda como se escreveu no sumário do acórdão do mesmo Tribunal de 9/11/2017 (39):
«A prova indiciária opera a partir de um facto-base - que no caso de ser único terá de possuir uma especial força de acreditação - ou de uma pluralidade de factos-base mediante um raciocínio indutivo com um determinado grau de razoabilidade, suportado por regras de lógica e de experiência comum para chegar a uma conclusão que com consistência e coerência leve ao afastamento da presunção de inocência.».
O Tribunal Constitucional (40) chamado a apreciar esta matéria declarou «quando o valor da credibilidade do id quod e a consistência da conexão causal entre o que se conhece e o que não se apurou de uma forma direta atinge um determinado grau que permite ao julgador inferir este último elemento, com o grau de probabilidade exigível em processo penal, a presunção de inocência resulta ilidida por uma presunção de significado contrário, pelo que não é possível dizer que a utilização deste meio de prova atenta contra a presunção de inocência ou contra o princípio “in dubio pro reo”. O que sucede é que a presunção de inocência é superada por uma presunção de sinal oposto prevalecente, não havendo lugar a uma situação de dúvida que deva ser resolvida a favor do Réu.»
Questão é, pois, que essa avaliação suporte a conclusão de que o acusado praticou, sem margem para qualquer dúvida razoável, os factos que lhe são imputados.
Um apontamento final para demonstrar a falta de razão da alegação do recorrente de que consubstanciaria uma inconstitucionalidade a sua condenação com recurso a métodos indirectos, para o que buscou arrimo na exaração no acórdão recorrido que o inspector Tributário R. M. elucidou o Tribunal no sentido de que “ (…) a pouca fiabilidade da contabilidade determinou que aquela “X” tivesse sido tributada por recurso a métodos indirectos”.
Independentemente da validade do recurso a métodos indirectos para efeitos penais (41), a alegação do recorrente não passa de um patente equivoco, já que confunde “tributação” com recurso a métodos indirectos, com “condenação” por recurso a estes, sem olvidar, como bem observa a Sra. Procuradora da República, que a sua condenação teve subjacente o conjunto de facturas emitidas em nome da “X, Lda.”, sua representada, e foi com base nos concretos valores que delas constam, que foi efectuado o cálculo da vantagem patrimonial indevida obtida pela dita sociedade em sede de IRC, em virtude de os valores constantes destas facturas se traduzirem em custos que a sociedade não suportou e, não obstante, contabilizou, diminuindo assim a matéria colectável tributável declarada à Administração fiscal e com base na qual foi calculado o imposto devido a este título.
Ora, o Tribunal a quo explicou exemplarmente o percurso do raciocínio seguido para a formação da sua convicção acerca desta temática, com o qual concordamos, porquanto dos elementos probatórios produzidos e/ou analisáveis em audiência advém a corroboração de que estamos perante facturas falsas e/ou de favor, como, usualmente, são denominadas.
Estando nós perante uma convicção cuja formação assentou na imediação e na oralidade, não podemos deixar de observar que às razões pelas quais se confere credibilidade a determinados elementos de prova – sejam declarações do arguido sejam depoimentos de testemunhas – subjazem componentes de racionalidade e da experiência comum, mas nelas também se intrometem factores de que o tribunal de recurso não dispõe.
Ao recorrente assistia, evidentemente, o direito de apresentar a versão que lhe aprouvesse e que tivesse por mais adequada à sua defesa. Porém, o mesmo limitou-se a alegar a credibilidade ou falta dela dos depoimentos que refere, sem apontar razões ou provas impositivas de uma decisão diversa da que foi tomada pelo Tribunal nos segmentos aludidos. A argumentação desenvolvida no recurso não permite concluir que tenha ocorrido uma incorrecta apreciação das provas pelo Tribunal de cuja decisão sobressai o respectivo convencimento quanto à demonstração dos factos naquela questionados.
Não é suficiente pretender o reexame da convicção alcançada pelo tribunal de 1ª instância apenas por via de argumentos que apontem para a possibilidade de uma outra convicção, antes é necessário demonstrar que as provas indicadas impõem uma diversa convicção, ou, dito de outro modo, é indispensável a demonstração de que a convicção obtida pelo tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica, por violação de regras de experiência comum, uma patentemente errada utilização de presunções naturais.
Como tem vindo a referir o Tribunal Constitucional (42), «a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção.
Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão».
O recorrente, no que considera ser a falta de prova para consignar como provados tais factos, olvida as especificidades da matéria factual em questão, como acima já se disse de passagem. Factualismos como o dos autos pressupõem, em sede de julgamento, o lidar com um manancial de factos negativos, sobre cuja demonstração surge uma verdadeira “probatio diabolica” e daí que sejam necessários instrumentos indiciários, nem sequer excessivamente elaborados.
Faz, pois, todo o sentido afirmar que o Tribunal a quo teve um acesso confortável a uma certeza, para lá de toda a dúvida razoável, quanto à natureza ficta de volumosas cifras de facturação, utilizada pelo recorrente na contabilidade da Sociedade “X” e inegavelmente abastecida por vários entes essencialmente com personalidade quase meramente fiscal e não empresarial, o que passou, inexoravelmente, como tem de ser nestes casos, pelo percorrer de autênticas verificações por amostragem que, sem envolverem qualquer recurso desmesurado e inadmissível a presunções, constituem o barómetro de aferição da verosimilhança das transações entre entes económicos, que no sector em causa, nem sequer se revestem de uma imaterialidade transcendente que torne demasiado sinuosa a verificação.
Os indícios recolhidos são fortes e todos concordantes, direccionados num único sentido, permitindo extrair a ilação de que as facturas em causa não têm subjacente qualquer transacção real.
De facto, se nenhuma das sociedades arguidas dispunha de instalações nas moradas correspondentes às sedes e de logística material ou humana que lhes permitisse realizar os serviços descritos nas facturas, situação igualmente observada, quanto às suas supostas fornecedoras, estes dados indiciários, com recurso às regras da experiência e da normalidade da vida, só permitem a conclusão lógica de que as mesmas foram criadas com o objectivo de induzirem em erro e retirar dividendos do Estado/Administração Fiscal, como efectivamente veio a suceder.
Não se detecta qualquer patente irrazoabilidade na convicção probatória expressa pelos Julgadores com imediação (43): os Senhores Juízes fizeram um exame, uma observação atenciosa e cuidada, efectuando de modo crítico um juízo sobre a prova produzida, que permite compreender a opção pelos meios probatórios e os motivos pelos quais os elegeram em detrimento de outros. Na verdade, todos os aduzidos elementos, conjugados entre si, analisados criticamente, segundo o indicado critério de probabilidade lógica prevalecente, facultam as ilações extraídas na decisão quanto à matéria em apreço, incompatíveis com o acolhimento do sentido por que pugna o recorrente quanto aos pontos referidos no recurso.

Improcede na sua totalidade a impugnação da matéria de facto.

3. O enquadramento jurídico dos factos.

O recurso interposto pelo recorrente, para além de ter visado a decisão sobre a matéria de facto, tem ainda como escopo o reexame da matéria de direito. Ao arguido era imputando a prática, como co-autor material, na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103º e 104º, n.ºs 1 e 2, ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias e de um crime de burla tributária, p. e p. pelo artigo 87º, n.ºs 1, 3 e 5, do mesmo diploma legal;
O recorrente, para sustentar a não verificação dos requisitos dos crimes, uma vez mais, transpõe o seu ponto de vista para o domínio dos factos, ou para o juízo que faz sobre o que deveria ser tido por provado. Ora, não podendo confundir-se matéria de facto com matéria de direito, uma vez ultrapassada essa questão com o reconhecimento da improcedência total da impugnação da decisão sobre aquela, a subsunção jurídica é feita mediante a matéria de facto já tida por fixada. Essa é uma questão arrumada e decidida no momento próprio, uma vez que, num juízo sobre os factos que reputámos de acertado, o Tribunal concluiu estar provado que: o arguido/recorrente e o arguido R. V., enquanto representantes das sociedades arguidas, ao procederem nos termos descritos nos factos provados, lograram pôr em causa a verdade da situação tributária da sociedade “X”, violando deveres de colaboração e lealdade perante a Fazenda Nacional. Mediante a prática do plano que gizaram, conseguiram que a Estado/Administração Fiscal, convencido da veracidade das suas declarações e documentação apresentada, visse o seu património lesado no montante de €17.986,44 (dezassete mil, novecentos e oitenta e seis euros e quarenta e quatro cêntimos), agindo de forma deliberada, livre e consciente, com o conhecimento de que com a sua conduta defraudavam o património do Estado/Administração Fiscal, o que quiseram e alcançaram, bem sabendo ser essa sua conduta proibida e punida por lei.
Além disso, o recorrente, na qualidade de representante (de facto) da sociedade “X”, simulando operações económicas e emitindo declarações fiscais falsas, com vista a obter os reembolsos de IVA, agiu com o intuito de obter um enriquecimento patrimonial ilegítimo para aquela “X”, a que sabia não ter direito, e de determinar o Estado/Administração Tributária a efectuar atribuições patrimoniais a esse título no montante global de €31.387,53 (trinta e um mil, trezentos e oitenta e sete euros e cinquenta e três cêntimos).
Portanto, analisados os factos dados como provados, agora, em sede de aferição da tipicidade, é incontornável a conclusão de que os respectivos elementos se preenchem integralmente como, muito sinteticamente, passamos a exibir.

3. 1. Os elementos típicos do crime de fraude fiscal.
Efectivamente, no que concerne ao crime de fraude fiscal, como se extrai do art. 103º do RGIT, constitui crime de fraude fiscal a conduta ilegítima que vise a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. Podendo a fraude fiscal ter lugar por ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável, desde que a vantagem patrimonial ilegítima seja superior a € 15.000 (44).
Assim, para a punição do agente basta comprovar que este quis a respectiva acção ou omissão e que ela era adequada à obtenção das pretendidas vantagens patrimoniais e à consequente diminuição da receita tributária não inferior a tal montante.
Conforme resulta da descrição típica das condutas elencadas no preceito, o regime tem como alicerce uma relação jurídico-tributária previamente estabelecida, cuja estrutura compreende como sujeito activo o Estado, em sentido amplo, e, do lado passivo, o sujeito adstrito à obrigação tributária, seja esta a obrigação principal de pagamento do imposto, ou de devolução de certa quantia ou de benefício fiscal concedido. Deste modo, a incriminação pressupõe, prima facie, a violação de tal obrigação tributária, o incumprimento do dever fiscal que subjaz a qualquer das condutas típicas (45).
Trata-se de um crime de execução vinculada já que apenas pode ser cometido através de uma das formas típicas descritas nas alíneas do n.º 1 do artigo 103º (46), inserindo-se, na categoria dos delitos de infracção de dever, atenta a violação do dever jurídico extra-penal que lhe é inerente.
Como asseveram os Professores Figueiredo Dias e Costa Andrade (47), trata-se de um delito de resultado cortado, posto que a obtenção efectiva da vantagem ilegítima não é um elemento do tipo, repercutindo a sua relevância exclusivamente no domínio da graduação concreta da pena. É suficiente que a conduta do autor tenha por finalidade a obtenção de tal vantagem.
Como justamente se acentua no Acórdão do STJ de 13-11-2013 (48), «[n]o crime de fraude fiscal pretende-se obstar à diminuição de receitas tributárias globais, quer evitando a redução da entrega pelos contribuintes, quer evitando a concessão indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais indevidas, integrando-se na chamada «delinquência patrimonial astuta», assim o apelida Quintano Ripollés, in Tratado de la Parte Especial del Derecho Penal, I, 2.ª ed., Madrid, 1977, págs. 96 e segs”.
O crime em causa, sendo essencialmente doloso, pode consumar-se em qualquer das suas modalidades, sendo exigível que o agente vise obter vantagem patrimonial ilegítima, actuando com intenção defraudatória dirigida à obtenção dessa vantagem através da diminuição das receitas tributárias (49).
E, quando a vantagem patrimonial for de valor superior a € 50.000, tem-se por verificada a agravação a que alude o art. 104º do mesmo diploma na redacção introduzida pela Lei 64-B/2011, de 30/12.
Ora, resultou provado que, em circunstâncias não concretamente apuradas, o recorrente, na qualidade de representante (de facto) da sociedade arguida “X”, em conjugação de esforços e de intentos, combinou com o arguido R. E., enquanto representante (de facto e de direito) da sociedade “Y” e posteriormente da sociedade “R. E.”, um estratagema para, através da emissão e utilização de facturas sem qualquer suporte em transacções/serviços prestados (facturas falsas), evitarem o pagamento dos impostos devidos pela mencionada “X”, a título de IRC, assim se locupletando de verbas a que não tinham direito.
Esse estratagema consistia em incorporar na contabilidade regular da sociedade “X”, de forma sistemática e reiterada, facturas fictícias emitidas pelo arguido R. V., actuando em representação das aludidas “Y” e “R. E.”, que não titulavam qualquer operação efectivamente realizada e tinha como intenção primordial que esta sociedade, em sede de IRC, pagasse menos impostos, ao deduzir o respectivo custo e consequente diminuição das receitas tributárias a esse título.
Para o efeito, as empresas “Y” e “R. E.”, durante o ano de 2014, emitiram, forneceram e entregaram a favor da sociedade “X” várias facturas que totalizaram o valor de € 77.087,50 (€ 94.817,63 com IVA), logrando assim obter esta uma vantagem patrimonial ilegítima, em sede de IRC, no valor total de € 16.830,13 [(15.000,00 x 17%) + (62.087,50 x 23%)] (dezasseis mil, oitocentos e trinta euros e treze cêntimos), que, acrescida da derrama no valor de € 1.156,31 (mil cento e cinquenta e seis euros e trinta e um cêntimo), ascendeu a €17.986,44 (dezassete mil, novecentos e oitenta e seis euros e quarenta e quatro cêntimos).
Em face de tão cristalina factualidade, contendo, irrefutavelmente, a totalidade dos elementos típicos (objectivos e subjectivos) do ilícito (doloso) pelo qual o recorrente foi condenado, nem se percebe onde o mesmo pretenderia chegar com este recurso. Na verdade, não permitem os factos qualquer dúvida legítima.
Em síntese conclusiva, conclui-se, pois, que a conduta do recorrente consistiu em simular transacções (contractos de compra e venda fictícios), com o propósito, aliás concretizado, de prejudicar o património do Estado, diminuindo as receitas tributárias, enquadrando-se o seu comportamento na modalidade típica do crime de fraude fiscal, prevista na alínea c), do n.º1 e 2, do artigo 103º e no artigo 104º, n.º1 e 2, alínea a), ambos do RGIT..

3.2. Da unidade ou pluralidade de infracções.
Sustenta ainda o recorrente que a conduta que lhe é imputada ao nível do crime de fraude fiscal não é punível porque as facturas em causa foram emitidas por duas sociedades diferentes a “Y” e “R. E.”, não podendo falar-se de uma única unidade de resolução criminosa e sendo assim, o valor a considerar é o de cada uma das referidas facturas, não ultrapassando nenhum deles o valor de € 15.000, condição objectiva de punibilidade.
Vejamos se lhe assiste razão.
A distinção entre unidade e pluralidade de crimes é determinante para as consequências jurídicas do facto, ou seja, para a punição do agente. A regra é a de que, sendo vários os preceitos violados, ou sendo o mesmo preceito objecto de plúrimas violações, haja uma pluralidade de crimes. Esta pluralidade só fica afastada no caso de concurso aparente, ou nas formas de unificação de condutas como crime continuado, como um único crime ou como crime de trato sucessivo.
Dispõe o n.º 1 do art. 30º que “O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”.
O n.º 2 do mesmo preceito prescreve: “Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.”
As sucessivas condutas do arguido afectaram o mesmo bem jurídico, preenchendo o mesmo tipo legal de crime, e decorreram no contexto de um quadro factual – interno e externo – relativamente homogéneo que, não diminuindo a gravidade do sucedido, não pode deixar de impor, em abstracto, a reflexão sobre o número de crimes praticados.
Assim sendo, justificar-se-á, que a conduta do arguido seja reconduzida à figura da continuação criminosa?
Uma vez que, como se disse, não se suscitam dúvidas quanto à identidade do bem jurídico protegido, importa, pois, começar por verificar se se mostram integralmente preenchidos todos os pressupostos da continuação criminosa.
E a resposta parece-nos ser evidentemente negativa.
Desde logo, como já se disse, sobressai no exposto quadro legal a noção de que a figura do crime continuado não pode ser erigida em solução-regra para as situações em que o agente repetiu as condutas delituosas.
Por outro lado, a unificação criminosa no quadro da continuação criminosa tem como primeiro pressuposto a renovação da resolução criminosa perante as solicitações externas exercidas sobre o agente – não a unidade de tal resolução – e o seu fundamento reside, não propriamente na execução essencialmente homogénea das violações, mas, sim, na diminuição sensível da culpa do agente, originada pelo “sucumbir” a uma solicitação exterior (50). No caso de o agente provocar a repetição da ocasião criminosa, não só não há diminuição sensível da culpa como, ao invés, a culpa pode até ser mais grave, por revelar firmeza e persistência do propósito criminoso.
Contudo, a delimitação num único crime das situações em que uma série de actividades que preenchem o mesmo tipo legal de crime – ou diversos tipos legais de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico – e que, por serem presididas por diversas resoluções criminosas, deveriam ser, por regra, regulados no quadro da pluralidade de infracções, só se justifica quando se afirme uma diminuição sensível da culpa do agente em face do concurso real de infracções. Mas essa diminuição «só tem lugar quando a ocasião favorável à prática do crime se repete, sem que o agente tenha contribuído para essa repetição, isto é, quando a ocasião se proporciona ao agente e não quando ele activamente a provoca» (51). É certo que a homogeneidade da actuação delituosa, num quadro de proximidade temporal das condutas, é um elemento (meramente) indiciário da continuação criminosa. Todavia, esta deverá ser confirmada pela verificação de uma efectiva solicitação exterior mitigadora da culpa.
Retornando aos factos, extrai-se dos pontos 12) a 14) não só a ausência de reiteração da resolução criminosa, como, pelo contrário, que as plúrimas violações do bem jurídico posto em crise foram presididas por um único propósito, ou seja, uma única resolução criminosa formulada em data não concretamente apurada (entre o recorrente e o arguido R. E.), ainda que tenham sido, depois, executadas de forma essencialmente homogénea.
Por outro lado, não podemos olvidar que neste tipo de ilícito o número de crimes deve ser aferido em função da beneficiária da emissão das facturas, no caso a sociedade “X” e não na perspectiva do número de entidades emitentes das mesmas.
Neste particular, uma vez mais, assume pertinência a consideração da Senhora Procuradora da República quando afirma que «não podemos esquecer que o valor da vantagem patrimonial ilegítima indevida é aquele que deve constar de cada declaração. Assim, tratando-se de IRC, o valor dessa vantagem é aferido anualmente, sendo que, no caso, todas as facturas fictícias, emitidas e contabilizadas durante o ano fiscal em causa (2014), são necessária e conjuntamente (do ponto de vista do utilizador – a sociedade recorrente) tidas em conta para esse efeito».
Assim, mostra-se correcta e, por isso, nada há a censurar à decisão recorrida, ao perfilhar o entendimento de que, no caso vertente, os arguidos incorreram na prática de um único crime de fraude fiscal qualificada, ainda que o mesmo haja sido executado de forma prolongada ou protraída no tempo.
Realmente, havendo uma única resolução por banda dos arguidos, com que pretenderam determinar uma diminuição das receitas tributárias, a título de IRC, respeitantes à sociedade “X”, tendo em vista que esta pagasse menos impostos, verifica-se apenas o cometimento de um só crime, embora executado de forma continuada no tempo, figura que, na sua construção dogmática, não se confunde com a do crime continuado.
Assim sendo, improcedem as conclusões aduzidas a este respeito.

3.3 A burla tributária.

O recorrente também refuta o enquadramento da sua conduta neste tipo de ilícito, na medida em que, segundo sustenta, contrariamente ao vertido no acórdão, não lhe adveio qualquer enriquecimento, tendo antes empobrecido, para além de ter agido sem dolo.
Importa, pois, apurar se em face aos factos dados como provados, estão ou não preenchidos todos os elementos constitutivos do crime de burla tributária agravada e, mais precisamente, a de saber se houve um enriquecimento.
Sob a epígrafe “burla tributária”, estabelece o n.º 1 do art.º 87º do RGIT que “[q]uem, por meio de falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante ou outros meios fraudulentos, determinar a administração tributária ou a administração da segurança social a efetuar atribuições patrimoniais das quais resulte enriquecimento do agente ou de terceiro é punido com prisão até três anos ou multa até 360 dias.” Acrescenta o n.º 2 do mesmo artigo que se a atribuição patrimonial for de valor elevado, a pena é a de prisão de 1 a 5 anos para as pessoas singulares e se for de valor consideravelmente levado, a pena é a de prisão de dois a oito anos para as pessoas singulares.
Como refere Germano Marques da Silva (52), o crime de burla tributária, embora com especificidades relevantes, foi estruturado em moldes correspondentes ao crime de burla do art. 217º do C. Penal e teve em vista pôr termo à discussão que até aí se verificava na doutrina e na jurisprudência sobre se o comportamento constitutivo do crime de burla comum, quando tivesse por finalidade uma prestação de natureza tributária, se enquadraria ainda no âmbito da fraude fiscal ou seria punível como crime comum. E não há quaisquer divergências quanto aos elementos objectivos do tipo-de-ilícito do art. 87º, designadamente sobre o uso de engano sobre factos por meio de falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante ou outros meios fraudulentos – entendendo-se aqui como meios fraudulentos qualquer outro meio enganoso, além, portanto, das falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante –, nem sobre o elemento da determinação da administração tributária ou da segurança social a efectuar atribuições patrimoniais que levaram ao enriquecimento do agente ou de terceiro.
Novamente nas palavras de Germano Marques da Silva (53), «o crime de burla tributária é um crime de resultado material, de dano, pelo que a realização do evento – a efectiva atribuição patrimonial e o correspondente enriquecimento ilegítimo – são essenciais para a sua consumação».
Assim, para o preenchimento dos descritos elementos objectivos típicos, tem que ocorrer, num primeiro momento, uma conduta astuciosa comissiva que, directamente, induza em erro ou engano e, num segundo momento, a ocorrência de atribuição patrimonial de que resulte, para o sujeito activo ou para terceira pessoa, um enriquecimento ilegítimo, por este se entendendo a vantagem que não tem, objectiva ou subjectivamente, qualquer correspectivo em direito.
Ao nível subjectivo, o crime exige apenas o dolo genérico ou comum.
Ora, no caso vertente, é incontornável que o recorrente, na qualidade de representante (de facto) da sociedade “X”, requereu e obteve reembolsos de IVA, com base em facturas fictícias, declarando falsamente, perante a Administração fiscal, ter pago o IVA delas constante, fazendo crer que gozava de um crédito para com o Fisco o que, não tinha correspondência com a realidade, obtendo um necessário enriquecimento.
Dito por outras palavras, e em conformidade com o resultado da matéria de facto provada, o recorrente, agindo livre, deliberada e conscientemente, simulou operações económicas e emitiu declarações fiscais falsas, com o intuito de obter o reembolso de IVA e o inerente enriquecimento patrimonial ilegítimo para aquela “X”, a que sabia não ter direito, e de determinar o Estado/Administração Tributária a efectuar atribuições patrimoniais a esse título no montante global de € 31.387,53 (trinta e um mil, trezentos e oitenta e sete euros e cinquenta e três cêntimos).

Por conseguinte, não havendo qualquer outra questão a tratar, nenhuma censura merece o acórdão recorrido, improcedendo na sua totalidade a pretensão do recorrente.
*
Decisão:

Nos termos expostos, acorda-se em negar provimento ao recurso e, por consequência, em manter integralmente a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em cinco UC´s.
Guimarães, 9/12/2020

Ausenda Gonçalves
Fátima Furtado

1 A arguida “X, LDA, também interpôs recurso. Todavia, o requerimento de interposição de recurso foi deduzido por quem não tinha poderes de representação, tendo, assim, ficado sem efeito.
2 Como sucede, nomeadamente, nos casos previstos nos art.s 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, e 410º, n.º 2, al.s a), b) e c), do C. Processo Penal, e resulta do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/95 do STJ, de 19-10-1995, in Diário da República – I -A, de 28-12-1995
3 Ainda segundo o nº 3 de tal artigo, «Qualquer autoridade judiciária que no decurso de um processo por crime não tributário tome conhecimento de indícios de crime tributário dá deles conhecimento ao órgão da administração tributária competente».
4 Cf. Souto de Moura in Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 118; Maia Gonçalves in CPP Anot., 1996, pág. 250; José da Costa Pimenta, in CPP Anot., pág. 523 de 1987 e Acórdão do TRP de 15-06-2011 (processo n.º 1645/08.6PIPRT.P1)
5 Embora apenas o tenha feito na motivação do recurso.
6 O aludido princípio é manifestação substantiva do caso julgado, figura que, em si mesma, tem proteção constitucional alicerçada, quer no disposto no n.º 3 do artigo 282.º, quer nos princípios da confiança e da segurança jurídica, decorrentes da própria ideia de Estado de Direito, emergente do artigo 2.º, ambos da Constituição, pelo que não poderia ser arredada do âmbito dos processos penais. Ainda assim, apesar da aludida omissão sistemática, o diploma vigente contém disposições dispersas aflorando o caso julgado, em sede de admissibilidade de recursos e de execução das decisões penais (cfr., designadamente, a conjugação dos artigos 396º/4, 399º, 400º, 411º, 427º, 432º, 438º, 447º/1, 449º/1, 467º, 487º, 492º e 498º/3).
Nesse sentido, o acórdão do STJ de 22-11-2017 (p. 1764/13. 7TACBR.S1): «A circunstância de a lei adjectiva penal vigente não regular o caso julgado não significa que o processo penal prescinde daquele instituto, consabido que nesta concreta área do Direito se sente com muito maior intensidade e acuidade a necessidade de protecção do cidadão contra situações decorrentes da violação do caso julgado. Aliás, a CRP consagra de forma irrefutável o caso julgado penal, no seu art. 29.º, n.º 5».
7 Sumário do precedente acórdão desta Secção de 15/12/2016 (p. 72/15.3GBVPA.G1), em cuja fundamentação se adita:
«Em relação a este instituto, muito antigo e conhecido, pode dizer-se, sucintamente, que se forma caso julgado quando de uma decisão judicial se não pode já recorrer ou reclamar, por via ordinária, e tem como fundamento razões de justiça, naturalmente, mas, sobretudo, da segurança ou paz social, da certeza e segurança jurídicas, visando evitar situações de instabilidade, atribuindo-se assim força vinculativa ao determinado por um tribunal, que definiu uma questão em dados termos, nos seus aspectos factuais e jurídicos».
Dispõe o art. 4º do CPP: «Nos casos omissos, quando as disposições deste Código não puderam aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal». Nessa senda, a fundamentação do anterior acórdão desta Secção de 24-09-2018 (p. 25/13.6TAVNF.G1) obteve a seguinte síntese:
«A intangibilidade (tendencial) do caso julgado (art. 628º do CPC) é um princípio do nosso ordenamento jurídico decorrente da exigência da boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, dado que dá expressão aos valores da segurança e certeza imanentes a qualquer ordem jurídica: o caso julgado acarreta para o tribunal do processo subsequente a dupla proibição de contradição ou de repetição da decisão transitada e resolve-se num pressuposto processual negativo e, portanto, numa excepção dilatória própria [art. 577º i) do CPC], mas a decisão proferida sobre o mesmo objecto também vale entre as mesmas partes de ambas as acções, como “autoridade de caso julgado”, e, quando tal sucede, o tribunal da acção posterior está vinculado à decisão proferida na causa anterior, mesmo sem a tríplice homotropia de sujeitos, pedido e de causa de pedir
8 In “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Volume I, 4ª ed., Coimbra Editora, pp. 497 e 498.
9 p. 3554/02.3TDLSB.S2.
10 in “Caso Julgado Parcial, Questão da Culpabilidade e questão da sanção num processo de estrutura acusatória”, Porto 2002, Publicações Universidade Católica, pp. 484 e 59, respectivamente.
11 In “Alteração Substancial dos Factos e Sua Relevância no Processo Penal Português”, Almedina, pp. 220 e 221, nota de rodapé (1).
12 In ob. cit. p. 240
13 In “Direito Processual Penal I, Objecto do Processo, Liberdade de Qualificação Jurídica e Caso Julgado”, 2001, acessível no endereço https://docentes.fd.unl.pt, pp. 25 e 26.
14 Neste sentido, Germano Marques da Silva, Notas sobre o Regime Geral das Infracções Tributárias, Direito e Justiça, Vol. XV, Tomo II, 2001, pág. 64; Nuno Pombo, Fraude Fiscal, Almedina, 2007, pág. 215; Simas Santos e Jorge de Sousa, Regime Geral das Infracções Tributárias, 2ª Edição, 2008, pág. 737, anotação 3 ao art. 104º; ISABEL MARQUES DA SILVA in Regime Geral das Infracções Tributárias, Cadernos do IDEFF, nº5, 3ª edição, Almedina, p.212-213; no mesmo sentido SUSANA AIRES DE SOUSA, Os Crimes Fiscais – Análise Dogmática e Re Os Crimes Fiscais – Análise Dogmática e Reflexão sobre a Legitimidade do Discurso Criminalizador, Coimbra Editora, 2009, p.114ss e acórdãos da RP de 18/9/2013, proc. 67/10.3IDPRT.P1 (relatado por Élia São Pedro) e 21/05/2014, proc.5722/04.4TDLSB.P1 (relatado por Pedro Vaz Pato).
15 No mesmo sentido, ver Acórdão do STJ de 06-05-2004 (1132/2004-Rodrigues da Costa) e Acórdão da Relação de Évora de 11-03-2008 (2846/07-1-Ribeiro Cardoso).
16 Que estabelece a imposição de que, após a produção da prova, o tribunal terá de decidir a favor do arguido, perante a persistência de uma dúvida razoável: exige-se uma pronúncia favorável ao arguido quando o tribunal não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Neste conspecto, esse princípio constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova, na medida em que impõe orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre os factos. Ora, como resulta do exposto, a violação desse princípio só se pode verificar quando o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido. Normalmente, a imputação de uma alegada violação desse princípio suscita a necessidade de ser demonstrado o erro na apreciação da prova produzida, com vista a evidenciar no recurso a carência de prova de que os factos imputados ao arguido foram por este protagonizados ou de que se verificou qualquer circunstância que a lei faz depender a punibilidade do mesmo.
17 O legislador pretendeu um grau de recurso que atentasse e procedesse – dentro dos limites que uma gravação, despida dos factores possibilitados pela imediação consentisse – uma verdadeira e conscienciosa reapreciação da decisão de facto.
18 Como se expendeu no acórdão do Tribunal Constitucional nº 312/2012, relatado pelo Conselheiro Cura Mariano «…o direito ao recurso constitucionalmente garantido não exige que o controlo efetuado pelo tribunal superior se traduza num julgamento ex-novo da matéria de facto, face às provas produzidas, podendo esse controlo limitar-se a aferir se a instância recorrida não cometeu um error in judicando conforme já se decidiu no Acórdão n.º 59/2006 deste Tribunal (acessível em www.tribunalconstitucional.pt), onde se escreveu: “Na verdade, seria manifestamente improcedente sustentar que o recurso para o Tribunal da Relação da parte da decisão relativa à matéria de facto devia implicar necessariamente a realização de um novo julgamento, que ignorasse o julgamento realizado em 1ª instância. Essa solução traduzir-se-ia num sistema de “duplo julgamento”. A Constituição em nenhum dos seus preceitos impõe tal solução…».
19 Processos nºs 06P3518 e 08P2894, respectivamente, ambos relatados pelo Conselheiro Henriques Gaspar.
20 É, aliás, no cumprimento deste último requisito que, segundo parece ser consensual, se deve estabelecer alguma maleabilidade, em função das especificidades do caso, da maior ou menor dificuldade que ofereça, com relevo, designadamente, para a extensão dos depoimentos e das matérias em discussão, uma vez que se considere que a insuficiência de tal indicação não dificulta de forma substancial e relevante o exercício do contraditório, nem o exame pelo Tribunal.
21 A óbvia vinculação dessa liberdade às regras fundamentais de um estado-de-direito democrático, sobretudo as vertidas na lei fundamental e na do processo penal, não obsta à busca da verdade material. Por ser condição da realização da justiça e da sua própria subsistência, não pode a concretização dessa tarefa, embora exercida com exigência e rigor, tropeçar em exagero ou comodismos, travestidos de juízos matematicamente infalíveis ou de argumentos especulativos e transcendentes, sob pena de essencialmente deixar de o ser e de o julgamento passar à margem da verdadeira, fundamental e íntima convicção dos juízes, com o risco indesejável de, assim, o tribunal abdicar da sua soberana função de julgar em nome da comunidade (cfr. Ac. STJ de 15/6/2000, in CJ (S), 2º/228, sobre a questão da livre convicção).
Mas, ainda a propósito da livre apreciação da prova, convém lembrar o que refere o Prof. F. Dias: «(…) o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e, portanto, arbitrária – da prova produzida». E acrescenta que tal discricionaridade tem limites inultrapassáveis: «a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» – , de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo». E continua: «a «livre» ou «íntima» convicção do juiz ... não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e, portanto, imotivável». Embora não se busque o conhecimento ou apreensão absolutos de um acontecimento, nem por isso o caminho há-de ser o da pura convicção subjectiva. E «Se a verdade que se procura é...uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença (maxime da penal) é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v. g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais – mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impôr-se aos outros». E conclui: «Uma tal convicção existirá quando e só quando ... o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável», isto é, «quando o tribunal ... tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse» - Direito Proc. Penal, 1º. Vol., pp. 203/205.
22 Curso de Processo Penal, p. 82.
23 La Prueba em Processo Penal, p. 59.
24 Cfr. Mittermaier, Tratado de la Prueba em Matéria Criminal.
25 Ainda sobre o recurso a tal espécie de prova, o STJ em Ac. de 8/11/95 (BMJ 451/86) refere que «Um juízo de acertamento da matéria de facto pertinente para a decisão releva de um conjunto de meios de prova, que pode inclusivamente ser indiciária, contanto que os indícios sejam graves, precisos e concordantes» e acrescenta que as regras da experiência a que alude o art. 127º, têm um importante papel na convicção do Tribunal. E o Ac. da RC de 6/3/96, in CJ 2º/44, que: «A prova pode ser directa ou indiciária; A prova indiciária assenta em dois elementos: a) - o indício que será todo o facto certo e provado com virtualidade para dar a conhecer outro facto que com ele estará relacionado; b) - a existência de presunção que é a inferência que, obtida do indício, permite demonstrar um facto distinto; Nada impede que, devidamente valorada a prova indiciária, a mesma por si, na conjugação dos indícios permita fundamentar uma condenação» – doutrina reafirmada no Ac. do mesmo Tribunal de 9/2/2000, também in CJ, 1º/51. Também sobre prova directa, prova indiciária e regras da experiência, os Acs. Do STJ de 25/2/99 (BMJ 484/288) e de 3/3/99 (BMJ 485/248).
26 Recorrendo aos ensinamentos do Prof. Germano Marques da Silva (“Curso de Processo Penal”, Verbo, 2011, Vol. II, pág.188), regras da experiência comum, «são generalizações empíricas fundadas sobre aquilo que geralmente ocorre. Tem origem na observação de factos, que rotineiramente se repetem e que permite a formulação de uma outra máxima (regra) que se pretende aplicável nas situações em que as circunstâncias fáticas sejam idênticas. Esta máxima faz parte do conhecimento do homem comum, relacionado com a vida em sociedade
27 Proc. 31/06.7IDVRL.P1, relatado pela Desembargadora Eduarda Lobo.
28 In Relevância Jurídica, penal e fiscal das facturas falsas e respectivos fluxos financeiros e da sua eventual destruição pelos contribuintes, Ciência e Técnica Fiscal, Lisboa, nº 377, DGI, Jan-Mar.1995, pág. 9.
29 In Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 108.º, n.º 3559, pág. 352.
30 Proc. nº 86/08.0GBPRD.P1.S1.
31 No mesmo sentido Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12-09-2007, de 6-10-2010, de 7-4-2011 e de 09-02-2012.
32 Tendo concluído por não julgar inconstitucional a «norma constante do artigo 127.º, na interpretação de que a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador permite o recurso a presunções judiciais em processo penal».
33 Este aresto, contendo profusas referências à doutrina e à precedente jurisprudência sobre a temática, também dá conta de que o «Tribunal Constitucional já se debruçou sobre problemas de constitucionalidade de normas que estabelecem presunções legais em matéria penal, tendo concluído pela sua admissibilidade, desde que seja conferida ao arguido a possibilidade de abalar os fundamentos em que a presunção se sustenta e que baste para tal a contraprova dos factos presumidos, não se exigindo a prova do contrário».
34 Citado no Acórdão n.º 521/2018 de 17-10-2018 (p. 321/2018) do Tribunal Constitucional.
35 Curso de Processo Penal, Volume II, p.127
36 Curso de Processo Penal, Volume II, p. 292
37 Proc. 03P3213, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar.
38 Ainda o mesmo aresto.
39 Proc. 263/08.3JABRG.G1.S1, relatado pelo Conselheiro Nuno Gomes da Silva.
40 Acórdão 391/2015 (Diário da República n.º 224/2015, Série II de 2015-11-16), já citado (cf. nota 32).
41 Acórdão da Relação do Porto, de 5/4/2006 (Processo n.º 0542276), citado pela Sra. Procuradora da República na resposta ao recurso.
42 Designadamente no acórdão n.º 198/2004, de 24-03-2004, in DR, II Série, n.º 129, de 02-06-2004.
43 Devendo anotar-se que a falta dessa imediação, sempre imporia a este Tribunal de recurso alguma cautela na afirmação de tal irrazoabilidade. Como se sabe, apesar de as palavras serem importantes, só uma percentagem da nossa comunicação é feita verbalmente. Ora o simples registo audiofónico da prova não permite interpretar, na sua plenitude, as emoções reflectidas nos sinais não-verbais (movimentos corporais ou expressões faciais), designadamente os involuntários e inconscientes, dos depoentes e demais intervenientes. Como ensina o Prof. Figueiredo Dias, in “Princípios Gerais do Processo Penal”, p. 160, só a oralidade e a imediação permitem o indispensável contacto vivo com o arguido e a recolha deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por um lado, avaliar o mais contritamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Tal relação estabelece-se com o tribunal de 1ª instância, e daí que a alteração da matéria de facto fixada deverá ter como pressuposto a existência de elemento que pela sua irrefutabilidade, não possa ser afectado pelo princípio da imediação.
44 Na redacção introduzida pela Lei nº 60-A/2005 de 30.12.
45 Tem sido largamente debatido na doutrina se o delito em questão é comum ou se pelo contrário é especifico:
Paulo Dá Mesquita entende o crime de fraude fiscal como específico, visto o ilícito exigir a intervenção de pessoas de um determinado círculo (sujeitos passivos de relações tributárias), mas podendo, contudo, ser imputado a qualquer pessoa (in “A tutela penal das deduções e reembolsos indevidos de imposto”, Revista do Ministério Público, Ano 23, n.º 91, p. 58-154). Susana Aires de Sousa configura-o igualmente como delito específico (in “Os Crimes Fiscais - Análise Dogmática e Reflexão Sobre a Legitimidade do Discurso Criminalizador”, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 98 e 99), entendendo esta Autora, contudo, que a conduta plasmada na alínea c) do n.º 1 desse artigo 103º conforma-se como um crime comum. No mesmo sentido, Germano Marques da Silva (“Direito Penal Tributário - Sobre as responsabilidades das Sociedades e dos seus Administradores Conexas com o Crime Tributário”, Universidade Católica Editora, 2009, p. 235) e André Teixeira dos Santos (“O Crime de Fraude Fiscal - Um Contributo para a Configuração do Tipo Objectivo de Ilícito a Partir Do Bem Jurídico”, 2009, Coimbra Editora, p. 251-272).
Diferentemente, Isabel Marques da Silva (in “Regime Geral das Infracções Tributárias”, Cadernos DEFF, n.º5, 2.ª edição, pp. 157 e 158) defende que se trata de um crime comum e, no mesmo rumo, Nuno Pombo (“A Fraude Fiscal – a norma incriminadora, a simulação e outras reflexões”, Coimbra, 2007, Almedina, pp. 58-59). Também no sentido de que o crime de fraude fiscal pode ser perpetrado por qualquer pessoa, pronunciaram-se, na jurisprudência, os Acs da Rel. de Coimbra de 4-5-2011, p. 954/02.2JFLSB.C1, de 12-9-2012, p. 379/07.3TAILH.C1 e de 2-10-2013, todos rel. por Des. Jorge Dias.
Importa, porém acentuar, com Susana Aires de Sousa, que “…as diferentes consequências que poderiam retirar-se a partir da uma classificação do crime de fraude Fiscal como crime específico quer na vertente activa, quer na vertente omissiva, ou de uma tal classificação apenas na vertente omissiva, acabam por diluir-se por via da aplicação a estas situações do regime previsto no artigo 28.º do CP, aplicável através do artigo 3.º do RGIT” (“Os Crimes Fiscais …”, cit. nota 185, pp. 98-99).
46 Cfr., v.g., Isabel Marques da Silva, “Regime Geral …”, cit., p. 158.
47 In “O Crime de Fraude Fiscal no Novo Direito Penal Tributário Português (considerações sobre a factualidade típica e o concurso de infrações), em Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários”, Vol. II, Coimbra Editora, pp. 55 e 56.
48 P. 33/05.0JBLSB.C1.S2, relatado pelo Cons. Armindo Monteiro.
49 Neste sentido, Isabel Marques da Silva, ( in Regime Geral das Infracções Tributárias, Cadernos IDEFF, n.º5, 2.ª edição, p. 160; ver, igualmente, Os crimes fiscais: Análise dogmática…, Coimbra Editora, 2006 pp. 93 e segs.), não se vislumbrando, igualmente, que postule a verificação de dolo específico do agente (neste sentido, Isabel Marques da Silva, ob. cit., p. 160; ver, igualmente, Susana Aires de Sousa, ob. cit., pp. 93 e segs.) e . Acórdão da R.P. de 13-1-10.
50 Cf. Ac. do STJ de 23/1/2008 (07P4830- Maia Costa).
51 Ac. do STJ de 13/7/2011 (451/05.4JABRG.G1.S1 - Raul Borges).
52 In “Direito Penal Tributário, Universidade Católica Editora, Lisboa 2009, p. 190.
53 Ob. citada, p. 185.