Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
838/22.8T8BRG-G2
Relator: JOSÉ ALBERTO MARTINS MOREIRA DIAS
Descritores: EXTINÇÃO DE PROCEDIMENTO CAUTELAR
DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE
INTERPRETAÇÃO DE DECISÃO JUDICIAL
CASO JULGADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- São despachos de mero expediente aqueles em que o juiz se limita a prover ao andamento regular do processo e que se mostrem conformes ao regime processual que lhes seja aplicável e em que não decide qualquer questão de forma ou de fundo, deixando o juiz intocado o conflito de interesses das partes e que, por isso, são insuscetíveis de ofender direitos processuais ou substantivos das partes ou de terceiros.
2- Por isso, tendo transitado em julgado o despacho que declarou extintos, por caducidade, os efeitos jurídicos de providência cautelar antes decretada e executada e que, em consequência, ordenou o levantamento dessa providência e extinto o procedimento cautelar, o despacho que indefere o requerimento da parte requerida da providência para que a situação pré-existente ao decretamento da providência fosse resposta (restituição de grua), não é de mero expediente. O recurso a interpor desse despacho de indeferimento dessa pretensão tem de ser interposto de imediato.
3- Conjuntamente com o despacho que julga extintos, por caducidade, os efeitos jurídicos de providência cautelar antes decretada e executada e, em consequência, ordena o levantamento dessa providência e extinto o procedimento cautelar, o juiz pode ordenar medidas necessárias à reposição da situação anterior ao decretamento e à execução da providência levantada, as quais, em caso de incumprimento, terão de ser executadas coercivamente no âmbito dos autos de procedimento cautelar.
4- As decisões judiciais (acórdãos, sentenças ou despachos) são atos jurídicos, encontrando-se, por isso, submetidas às regras interpretativas fixadas nos arts. 236º a 238º do CC para os negócios jurídicos, mas, tratando-se de atos formais, não podem valer com um sentido interpretativo que não tenha um mínimo de correspondência no texto da decisão judicial, ainda que imperfeitamente expresso, e nelas o intérprete não se pode cingir à parte dispositiva, mas terá de atender aos fundamentos de facto e de direito que sustentam o aí decidido, bem como aos termos que corporizam o litígio espelhado nos articulados e, bem assim, às demais circunstâncias anteriores, contemporâneas e posteriores à decisão judicial que, em geral, se impõe atender na interpretação dos negócios jurídicos.
5- A violação do caso julgado formal que cobre uma decisão por uma posterior decisão judicial determina a ineficácia jurídica desta última decisão e impõe que se tenha de cumprir a decisão anterior, transitada em julgado, por o nela decidido não poder ser reapreciado dentro do mesmo processo, tornando-se o decidido incontestável intra processualmente.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

I- RELATÓRIO

M..., Lda., instaurou procedimento cautelar antecipatório, com inversão de contencioso, para restituição provisória da posse, contra A..., S.A. e AA, pedindo:

a) a entrega do bem (grua ...) retido pelos Requeridos à aqui Requerente;
b) a condenação dos Requeridos ao pagamento do montante de 2000,00 € por dia, correspondente ao prejuízo efetivamente sofrido pela Requerente, pela privação do uso do bem e das restantes viaturas que os Requeridos retiveram nas suas instalações, desde o dia .../.../2022, até à data da entrega do bem à Requerente;
c) a fixação de uma sanção pecuniária compulsória adequada a efetivar os fins da providência, em montante nunca inferior a 200,00 euros por cada dia de atraso na entrega da grua; e
d) a inversão do contencioso.
Tendo sido dispensada a prévia audição dos requeridos, veio a ser ouvida a prova pessoal apresentada pela requerente, no termo do que foi proferida decisão na qual se julgou parcialmente procedente o pedido cautelar, absolvendo-se o 2.º requerido do pedido, e condenando-se a 1.ª requerida à «imediata restituição à requerente da posse da grua ..., absolvendo-se a requerida dos demais pedidos contra si deduzidos pela requerente», sem qualquer inversão do contencioso.
Cumprido o disposto no artº 366.º, nº 6, do C.P.C., veio a 1.ª requerida apresentar oposição, em conformidade com o disposto no artº 371.º, nº 1, al. b), do C.P.C.
Produzida prova, foi proferida nova decisão, em que se julgou procedente a oposição e, em consequência, totalmente improcedente o procedimento cautelar de restituição provisória da posse instaurado pela requerente, ordenando a imediata devolução à 1ª requerida da grua ....
Inconformada com o decidido, a requerente M..., Lda. interpôs recurso dessa decisão, tendo esta Relação, por acórdão proferido em 13/07/2022, transitado em julgado, julgado procedente a apelação e, em consequência, revogou a decisão recorrida e, em sua substituição, julgou improcedente a oposição e manteve a decisão de restituição da posse da grua ... à requerente.
Tendo os autos baixado à 1ª Instância, em 16/09/2022, a Secção notificou a requerente M..., via Citius, “de que a decisão que ordenou a providência, devidamente notificada, transitou em julgado no dia 02/08/2022, sendo que o procedimento cautelar caducará se, no prazo de 30 dias, contados da presente notificação, não propuser a ação da qual a providência depende (art. 373º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil”.
Em 03/11/2022, a requerida A..., S.A., requereu que se declarasse a caducidade da providência decretada e já executada, alegando que a requerida M..., Lda. não instaurou a ação principal, no prazo de trinta dias, a contar da notificação de que a decisão que decretou a providência cautelar transitou em julgado.
A M..., Lda. opôs-se ao requerido.
Por decisão proferida em 16/11/2022, transitada em julgado, declarou-se a caducidade da providência cautelar decretada e, em consequência, determinou-se o levantamento da providência e a extinção do procedimento cautelar.
Essa decisão foi notificada à requerente e à requerida, via Citius, em 16/11/2022.
Por requerimento entrado em juízo em 09/12/2022, a requerida A..., S.A. requereu que fosse notificada a agente de execução “que acompanhou a diligência de remoção da grua das instalações da requerida para, com auxílio da força policial, se necessário, proceder ao acompanhamento e devolução daquela grua ... à requerida, com a entrega da mesma no local de onde foi removida”.
Para tanto alegou, em síntese, que, apesar de notificada do despacho que declarou caducada a providência cautelar e determinou o seu levantamento e a extinção do procedimento cautelar, e desse despacho ter transitado em julgado, a requerente M..., até à data, não procedeu à entrega da grua e assumiu expressamente, no requerimento que apresentou a 15/11/2022, que não o irá fazer, pelo que lhe resta o cumprimento coercivo da decisão que, na sequência da caducidade da providência, ordenou o levantamento desta e que, consequentemente, impôs à requerente M... a restituição àquela da grua.
Observado o contraditório, em 14/12/2022, a M... opôs-se ao requerido, sustentando, em síntese, não lhe ter sido ordenada a entrega da grua, nem tal ser possível, dado que a requerida A... não é sua proprietária, nem nunca teve a posse desta, sendo a grua propriedade da M... e, bem assim, que caso a A... se sinta lesada por a mesma ter deixado caducar a providência cautelar terá que o fundamentar em sede própria.   
Sobre o requerimento apresentado pela requerida A..., S.A. recaiu, em 16/12/2022, a decisão que se segue:
“Tendo sido declarada a caducidade da providência, qualquer diligência encetada no âmbito e na sequência de decisão do tribunal (deslocação do bem) tem que ser revertida pelas partes, tendo que se repor a situação de facto que existia antes das decisões proferidas nos autos”.

A decisão acabada de transcrever foi notificada, via Citius, em 16/12/2022, aos mandatários da M... e da A....
Por requerimento entrado em juízo em 28/12/2022, A..., S.A., alegando ter sido notificada do despacho datado de 16/12/2022, que determinou que se deve “repor a situação de facto que existia antes das decisões proferidas nos autos”, declarou renovar “o seu requerimento datado de 09/12/2022, designadamente, que seja ordenada a notificação da agente de execução (que executou a diligência de remoção da grua das instalações da requerida) para, com o auxílio da força policial, se necessário, proceder ao levantamento e entrega à requerida da grua ..., nas instalações onde havia sido levantada, repondo a situação de facto existente antes da decisão cautelar que caducou”.
A M... opôs-se ao requerido, alegando, em síntese, que, no âmbito da providência cautelar nunca esteve em questão que a propriedade da grua é sua, pelo que a reposição da situação existente antes da decisão proferida nos autos encontra-se reposta, por natureza, uma vez que a grua está na posse da sua legal proprietária, não podendo a requerida A... pretender que o tribunal atue em violação do seu direito de propriedade, designadamente, que depois de findo o processo intervenha a agente de execução para proceder à entrega de um bem que se encontra na posse da sua proprietária. Se a A... pretender que algum direito lhe seja reconhecido, seja ele qual for, deverá promover a ação competente para o efeito.
Em 08/02/2023, a 1ª Instância proferiu decisão de indeferimento do requerido pela A..., constando essa decisão do seguinte:
“Conforme resulta da consulta dos autos e ficou definitivamente assente no acórdão adrede proferido, a situação de facto ex-ante correspondia à existência de um simples comodato, de onde se retirava que «[o] comodatário, titular de um direito de gozo sobre a coisa, é considerado um mero detentor da mesma, à luz da previsão do art. 1253º, al. c), do Código Civil»; sendo que «[a]dquire a posse do direito de propriedade dessa coisa, por constituto possessório, a pessoa que a compra ao dono, comodante, sem a entregar e incumbindo o comprador de a recolher (art. 1264º, nº 2, do Código Civil)»; ao que acresce que o direito do comodatário (neste caso, requerida) tem um direito de eficácia relativa, em função do contrato de comodato, direito esse «inoponível ao que adquire o bem da esfera do comodante» (ou seja, à adquirente e aqui requerente).
Do exposto resulta que a simples declaração de caducidade da presente providência não implica, necessariamente, a obrigação do bem adquirido pelo terceiro (aqui requerente) ao contrato de comodato, proceder à entrega do mesmo ao comodatário (aqui requerida).
Indefere-se, pelo exposto, a pretensão da requerida.
Custas pela requerida, com taxa de justiça fixada em duas unidades de conta”.

Inconformada com o decidido, A..., S.A., interpôs o presente recurso de apelação em que formula as seguintes conclusões:

A - Conforme se pode ler na nossa melhor Doutrina e Jurisprudência “tanto podem transitar em julgado as sentenças ou despachos recorríveis, relativos a questões de carácter processual, como a decisão referente à relação material em litígio. No primeiro caso, forma-se o caso julgado formal ou externo, no segundo, o caso julgado material, substancial ou interno”.
B - O caso julgado formal “tem força obrigatória apenas dentro do processo, obstando a que o juiz possa, na mesma ação, alterar a decisão proferida”.
C - A douta decisão recorrida está em contradição com a decisão, transitada em julgado, proferida em 16/12/2022 (Refª. ...76), que determinou o seguinte:
“Tendo sido declarada a caducidade da providência, qualquer diligência encetada no âmbito e na sequência de decisão do tribunal (deslocação do bem) tem que ser revertida pelas partes, tendo que se repor a situação de facto que existia antes das decisões proferidas nos autos”.
C - A douta decisão recorrida fez tábua rasa das anteriores (a de 16/11/2022 e a de 16/12/2022) sendo que a primeira declarou a caducidade da providência e a segunda, de forma expressa, ordenou a reposição da situação de facto que existia antes das decisões proferidas;
D – A douta decisão recorrida é inválida e/ou juridicamente inexistente, uma vez que foi proferida depois de esgotado o poder jurisdicional do Juiz a quo, tudo conforme resulta do artigo 613º, nºs 1 e 3, do CPC.
E – Incorreu em violação do caso julgado, pelo que a mesma deverá ser revogada nos termos do disposto nos artigos 620º, 621º, e 625º do Cód. Processo Civil, devendo ser cumprir-se aquelas que passaram em julgado em primeiro lugar.
F – Dispõe o artigo 373º, nº1, alínea a) do CPC, que a providência cautelar caduca quando o requerente não propuser a ação da qual a providência depende dentro de 30 dias contados da data em que lhe tiver sido notificado o trânsito em julgado da decisão que a haja ordenado;
G - A Apelada não propôs a ação declarativa da qual a providência cautelar estava dependente, tendo o tribunal declarado a providência caduca por esse mesmo facto,
H - A providência cautelar extinguiu-se por caducidade, pelo que terá que ser reposta a situação de facto existente antes da providência, conforme determinou o tribunal a quo;
I – É irrelevante, o que, de forma perfunctória se disse no douto acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães que ordenou a revogação da decisão da primeira instância, uma vez que tal acórdão não decidiu de forma definitiva sobre o objeto do litígio, antes de pronunciou de forma perfunctória e face aos elementos indiciários que foram trazidos pelas partes em sede de providência cautelar;
J - A situação material das partes e seus direitos só poderiam ser regulados, de forma definitiva, na ação declarativa principal, uma vez não ter sido decidida a inversão do contencioso;
K - Conforme resulta do douto despacho datado de 16/12/2022 (Refª. ...76), face à extinção por caducidade da providência, haverá que repor a situação de facto que existia antes das decisões proferidas nos autos;
L - Ao decidir em sentido diverso, a douta decisão recorrida, violou, entre outros os artigos 613º, 620º, 621º e 625º do CPC, e ainda os artigos 364º, 371º e 373º, também todos do CPC, pelo que deve ser revogada e ordenada a nomeação de Agente de Execução que reponha a situação dos autos antes das decisões proferidas e subsequente restituição da grua ... à Apelante.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida e substituindo a mesma por aquela que transitou em julgado em primeiro lugar, ordenando-se ao tribunal que nomeie agente de execução para proceder à entrega à apelante da grua ..., assim se repondo a situação de facto que existia antes das decisões proferidas nos autos.
 
A apelada M..., Lda., contra-alegou, advogando que o recurso é inadmissível em virtude do despacho recorrido ser de mero expediente e que, em todo o caso, se impõe julgar a apelação improcedente, apresentando as seguintes conclusões:
I - Ante qualquer consideração sobre o objeto do presente recurso importa analisar que o despacho, - em nosso entendimento - não cabe na alínea g) do n.º 2 do artigo 644º do Código do Processo Civil (adiante apenas designado CPC), e por esse motivo é indubitavelmente irrecorrível.
II – Sendo a decisão de que se recorre um mero despacho de expediente, não consubstancia uma decisão proferida após decisão final, esta é claramente irrecorrível.
III - Invoca a Recorrente que a nossa melhor Doutrina e Jurisprudência institui que tanto podem transitar em julgado as sentenças ou despachos recorríveis, relativos a questões de caráter processual, como a decisão referente à relação material em litígio.
IV - Olvidou certamente a Recorrente, que em momento algum o despacho a que se refere, versa sobre o objeto da ação, do litígio.
V - Na verdade, não se concebe qual o fundamento da Recorrente, ao invocar a violação do caso julgado, ao afirmar que a decisão recorrida, vem pronunciar-se em sentido contrário à anteriormente proferida que julgou dever ser reposta a situação de facto que existia antes das decisões proferidas nos autos.
VI - Por um lado, não estamos perante nenhuma decisão que julgou dever ser reposta a situação existente antes das decisões proferidas nos presentes autos.
VII - Antes sim, perante um despacho de veio declarar a caducidade da providência cautelar e não perante uma decisão sobre o objeto do procedimento cautelar.
VIII - Por outro lado, o despacho que de se recorre, não contraria de forma alguma o despacho da declaração de caducidade da providência cautelar.
IX – Apenas indefere o requerido pela Requerida, que solicita ao tribunal a ordenação da notificação da Agente de Execução para reposição dos bens no local onde estes se encontravam antes das decisões proferidas.
X – Recusando somente a pretensão da Requerida, aqui Recorrente, no que concerne ao deslocação do bem.
XI - Prevê o artigo 373º, nº1, alínea a) do CPC, que a providência cautelar caduca quando o requerente não propuser a ação da qual a providência depende dentro de 30 dias contados da data em que lhe tiver sido notificado o trânsito em julgado da decisão que a haja ordenado.
XII - É verdade que a Recorrida não propôs a ação declarativa da qual a providência cautelar estava dependente.
XIII - Pois, como bem esclareceu o douto Tribunal da Relação de Guimarães, a Requerida, ora Recorrente, nunca teve a posse do bem.
XIV - Pelo que, a Requerente, aqui Apelada, para fazer valer a sua propriedade e chamar a si a posse do bem (grua) não necessitava de promover a providência cautelar porque a Recorrida NUNCA teve a posse do bem.
XV - Ora, se a Requerida não tinha a posse do bem, nem em momento algum declarou ser dele proprietária, porque seria a aqui Recorrida obrigada a interpor a ação declarativa para fazer valer o seu direito de propriedade que nunca foi “atacado”.
XVI – Em suma, e sendo admitido o presente recurso o que desde já não se concebe, deve o mesmo improceder por inexistência de violação de caso julgado, devendo manter-se o despacho proferido nos presentes autos que indeferiu a pretensão da Recorrente, de ordenar a notificação da senhora Agente de Execução para que esta em violação ao direito de propriedade da Recorrida, lhe subtraísse o bem e o entregasse a quem dele nunca teve a POSSE.
Termos em que não deve o recurso interposto ser admitido, pelo facto de não consubstanciar uma decisão nos termos e para os efeitos do disposto na alínea g) do n.º 2 do CPC.
Caso assim não se entenda, o que apenas e por mera cautela de patrocínio se concebe, deve ser negado provimento ao recurso de apelação interposto pela Requerida, uma vez que inexiste violação de caso julgado da decisão, com a prolação do douto despacho recorrido, assim como violação do decretamento da caducidade da providência cautelar, declarada pelo douto Tribunal a quo.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
No seguimento desta orientação, as questões que se encontram submetidas à apreciação do tribunal ad quem são as seguintes:
a- questão prévia suscitada pela apelada: se a decisão recorrida, proferida em 08/02/2023, é irrecorrível por se tratar de decisão de mero expediente e se, em consequência, se impõe rejeitar o recurso interposto pela apelante;
b- em caso negativo, se a decisão recorrida viola o caso julgado que cobre a decisão proferida pelo tribunal a quo em 16/12/2022 e, no caso afirmativo, quais as consequências jurídicas daí decorrentes;
c- a improceder a questão que antecede, se a decisão recorrida, que indeferiu o requerimento apresentado pela apelante A..., em que esta renovou o requerimento de 09/12/2022, em que requeria que, na sequência da providência cautelar decretada e executada, sem inversão do contencioso, que ordenou a entrega da grua à apelada M..., ter sido julgada extinta, por caducidade, por decisão proferida em 16/11/2022, transitada em julgada, se notificasse a agente de execução “que acompanhou a diligência de remoção da grua das instalações da requerida para, com auxílio da força policial, se necessário, proceder ao acompanhamento e devolução daquela grua ... à requerida, com a entrega da mesma do local de onde foi removida”, padece de erro de direito, porquanto:
c.1- uma vez declarada a caducidade dos efeitos da providência cautelar antes decretada e executada impõe-se que, no âmbito dos autos de providência cautelar, o tribunal reponha a situação de facto que existia antes do decretamento e da execução da referida providência cautelar julgada extinta por caducidade, por decisão transitada em julgado;
c.2- o tribunal não pode indeferir essa reposição da situação de facto pré-existente ao decretamento e à execução da providência cautelar julgada extinta por caducidade, por decisão transitada em julgado, apelando aos fundamentos de facto e de direito explanados na decisão que decretou essa providência, dado que esses fundamentos assentam numa prova sumária e perfunctória, assentes num mero juízo de mera verosimilhança - fumus boni iuris -, destinado a afastar o periculum in mora, caracterizando-se essa decisão pela sua precaridade, instrumentalidade e dependência em relação a uma causa principal (ação declarativa ou executiva), em que os fundamentos de factos e de direito invocados pela apelada (requerente do procedimento cautelar) e de defesa apresentados pela apelante (requerida no âmbito daquele procedimento cautelar) carecem de ser analisados, discutidos e decididos, com observância de todas as garantias próprias dessa ação, e se, em consequência, se impõe revogar a decisão recorrida e proceder à sua substituição por outra em que se determine que a 1ª Instância notifique a agente de execução que na execução do decretamento da mencionado procedimento cautelar julgado extinto por caducidade, acompanhou a diligência de remoção da grua das instalações da apelante para, com auxílio da força policial, se necessário, proceder ao acompanhamento e devolução dessa grua ... à apelante, com a entrega da mesma no local de onde foi removida.
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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que relevam para a decisão a proferir no âmbito da presente apelação são os que constam do relatório acima elaborado.
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IV- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A- Da (ir)recorribilidade da decisão sob sindicância.
Sustenta a apelada que a decisão recorrida, proferida em 08/02/2013, em que a 1ª Instância indeferiu o requerimento apresentado pela apelante em 09/12/2022, em que, na sequência da decisão proferida em 16/12/2022, renovou o seu requerimento de 09/12/2022, em que solicitava que se ordenasse “a notificação da agente de execução que executou a diligência de remoção da grua das suas instalações para, com o auxílio da força policial, se necessário, procedesse ao levantamento e entrega àquela da grua BB, nas instalações de onde tinha sido levantada”, repondo-se, assim, a situação de facto existente antes da decisão cautelar que foi julgada extinta, por caducidade, ter sido decretada e executada, é de mero expediente, sendo, por isso, irrecorrível, e em defesa do seu ponto de vista invoca o disposto no art. 644º, n.º 2, al. g), do CPC, advogando que essa decisão não se insere nessa alínea e, “por esse motivo é indubitavelmente irrecorrível”, mas, antecipe-se, desde já, sem manifesta razão.
Vejamos:
Contrariamente ao entendimento sufragado pela apelante, o art. 644º do CPC limita-se a distinguir as decisões judiciais sujeitas a recurso imediato daquelas outras cuja impugnação mediante recurso é relegada para momento ulterior, conforme resulta claramente do disposto nos n.ºs 1 e 2 desse preceito quando confrontado com os seus nºs 3 e 4, nada dispondo, pois, esse normativo quanto à recorribilidade ou não das decisões judiciais, mas antes pressupondo essa recorribilidade[1].
Assim, são imediatamente recorríveis as decisões que ponham termo ao processo, procedimento cautelar ou incidente autónomo (al. a), do n.º 1, do art. 644º), os despachos saneadores que, sem porem termo ao processo, decidam do mérito da causa ou absolvam da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos (al. b), do mesmo n.º 1) e, bem assim, as decisões tipificadas no n.º 2, do art. 644º.
Uma vez proferidas essas decisões e notificadas, as partes principais a quem sejam desfavoráveis e que, por isso, nelas tenham ficado vencidas (n.º 1, do art. 631º do CPC), e os terceiros, a quem essas decisões sejam prejudiciais, por os respetivos efeitos jurídicos se projetarem negativamente, direta e efetivamente, na sua esfera jurídica pessoal e/ou patrimonial,  causando-lhes gravame (n.º 2, daquela art. 631º), têm de interpor imediatamente recurso das mesmas, dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito no art. 638º, n.º 1, sob pena de transitarem em julgado, operando caso julgado, tornando-se inatacáveis, isto naturalmente caso se verifiquem os demais requisitos de que depende a recorribilidade dessas decisões.
Todas as decisões judiciais que não se insiram no n.º 1 ou no n.º 2, do art. 644º do CPC, que sendo abstratamente recorríveis, não são imediatamente recorríveis, apenas podem ser impugnadas no âmbito do recurso que eventualmente seja interposto das decisões previstas no n.º 1desse preceito (n.º 3, do mesmo), ou seja, no recurso que venha a ser interposto de decisão, proferida em 1ª Instância, que ponha termo à causa ou a procedimento  cautelar ou incidente processado autonomamente ou de recurso que seja interposto de despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns do pedido, ou, se não for interposto recurso da decisão final, nas condições previstas no n.º 4, do art. 644º.
Quanto aos requisitos da recorribilidade das decisões judiciais, estes constam dos arts. 629º e 630º do CPC.
De acordo com o n.º 1, do art. 629º do CPC, com exceção das decisões judiciais previstas no seu n.º 2, em que é sempre admissível recurso até ao Supremo Tribunal de Justiça, independentemente do valor da causa e da sucumbência, e das decisões previstas no seu n.º 3, em que é sempre admissível recurso para a Relação, independentemente do valor da causa e da sucumbência, as decisões judiciais apenas admitem recurso ordinário quando a causa em que são proferidas tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, devendo atender-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, apenas ao valor da causa.
Acrescidamente, não são recorríveis os despachos de mero expediente nem os proferidos no uso legal de um poder discricionário e, bem assim, as decisões previstas no n.º 2, do art. 630º do CPC (art. 630º).
Destarte, apenas verificado que seja que a decisão judicial não se insere em nenhuma das previsões do art. 630º e que, portanto, não se encontra excluída a respetiva recorribilidade e, bem assim, que se enquadra no elenco das decisões previstas no n.º 2 ou do n.º 3, do art. 629º, em que, independentemente do valor da causa e da sucumbência, conforme atrás referido, é sempre admissível recurso, respetivamente, até ao Supremo ou à Relação, ou não se enquadrando nesse elenco, cumpra os requisitos de recorribilidade referentes  ao valor da causa e da sucumbência determinados pelo n.º 1, do  629º, é que, concluído que está que essa decisão judicial admite recurso ordinário, se coloca a questão de saber se o recurso ordinário a ser interposto daquela carece de ser interposto imediatamente ou apenas em momento diferido.
Essa resposta é dada pelo art. 644º do CPC.

No caso dos autos, a apelada não coloca em crise que a decisão sob sindicância, de 08/02/2023, cumpre os requisitos de recorribilidade relativos ao valor da causa e da sucumbência, mas sustenta que essa decisão não é recorrível, por se tratar de despacho de mero expediente.
Nos termos do art. 152º, n.º 4 do CPC, são despachos de mero expediente os que se destinam a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes, isto é, trata-se de despachos que respeitam à mera tramitação do processo e que observem a tramitação processual legalmente prescrita para os mesmos e em que o neles decidido deixa intocado os direitos processuais ou substantivos das partes ou de terceiros,  de que são exemplo os despachos que designam data para a realização da audiência de julgamento ou de outros atos processuais, nomeadamente, perícias, inquirições, etc., bem como os despachos determinando a remessa do processo ao Ministério Público, os vistos em correição, etc.[2].
Os despachos de mero expediente têm uma finalidade, que é a de se destinarem a prover ao andamento regular do processo, de harmonia com a lei e os termos do processo, e têm um pressuposto, que é o de não interferirem no conflito de interesses das partes. Neles o juiz não decide qualquer questão de forma ou de fundo, deixando intocado o conflito de interesses entre as partes, não sendo tais decisões suscetíveis de ofenderem direitos processuais ou substantivos destas ou de terceiros.
Trata-se de despachos inócuos do ponto de vista da decisão, julgamento, aceitação ou reconhecimento do direito requerido, em que, conforme é enfatizado por Alberto dos Reis, esses despachos “não admitem recurso, porque, pela sua própria natureza, não são suscetíveis de ofender direitos processuais das partes ou de terceiros”, tratando-se de “despachos banais, que não põem em causa interesses das partes, dignos de proteção”[3].
Revertendo ao caso dos autos, salvo o devido respeito e melhor opinião, prefigura-se-nos ser indiscutível que o despacho recorrido, de 08/12/2023, não assume nenhuma das características próprias de um despacho de mero expediente, na medida em que o juiz a quo,  ao proferi-lo, não teve por finalidade prover ao andamento regular do processo, de acordo com a tramitação legalmente prescrita no direito adjetivo aplicável, por forma a ficar habilitado a decidir, e sem que nele tivesse interferido no conflito de interesses das partes ou de terceiros, mas antes, pelo contrário, interferiu nesse conflito de interesses.
Para demonstrar que assim é, impõe-se fazer uma breve síntese daquele que foi o percurso processual percorrido nos presentes autos de procedimento cautelar de restituição provisória da posse.
A apelada M... instaurou procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse contra a apelante A..., S.A., e outro, em que requereu, além do mais, que lhe fosse restituída a grua da marca ...”.
Essa providência foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, ordenou-se a restituição provisória à posse da apelada da identificada grua e condenou-se a apelada a restituí-la.
Acontece que, uma vez executada a providência, a apelante A... veio deduzir oposição, a qual veio a ser julgada procedente e, em consequência, julgou-se improcedente o procedimento cautelar e ordenou-se a imediata devolução da grua à apelante.
Essa decisão veio a ser revogada por esta Relação, por acórdão proferido em 13/07/2022, transitado em julgado, que julgou improcedente a oposição e, em consequência, manteve a decisão de restituição provisória da grua à posse da apelada.
Acontece que, não tendo sido decretada a inversão do contencioso, a apelada não instaurou a ação principal de que o procedimento cautelar decretado e executado é dependente, pelo que, por decisão proferida em 16/11/2022, transitada em julgado, a 1ª Instância, deferindo o requerimento apresentado pela apelante, declarou a caducidade da providência cautelar decretada e já executada e, em consequência, determinou o levantamento dessa providência e a extinção do procedimento cautelar.
Na sequência dessa decisão, em 09/12/2022, a apelante requereu que se notificasse a agente de execução que acompanhou a diligência de remoção da grua das suas instalações para, com auxílio da força policial, se necessário, proceder ao acompanhamento e devolução da grua, com a entrega desta àquela, recolocando-a no local de onde fora removida na sequência do decretamento e da execução do procedimento julgado extinto, por caducidade.
Sobre essa pretensão, após observância de contraditório, em que a apelada se opôs ao requerido, com fundamento de que a apelante não é proprietária, nem possuidora da grua, a qual é antes sua propriedade, e que caso se sinta lesada por via daquela ter deixado caducar a providência cautelar, terá que o fundamentar em sede própria, recaiu a decisão de 16/12/2022, em que o tribunal a quo decidiu que: “Tendo sido declarada a caducidade da providência, qualquer diligência encetada no âmbito e na sequência de decisão do tribunal (deslocação do bem) tem que ser revertida pelas partes, tendo que se repor a situação de facto que existe antes das decisões proferidas nos autos”.
Não tendo essa decisão se pronunciado expressamente quanto ao modo como seria reposta a situação de facto da grua que existia antes da decisão cautelar que deferiu a entrega provisória da posse daquela à apelada, nomeadamente, quanto à pretensão da apelante para que essa reposição fosse realizada mediante a notificação da agente de execução que acompanhou a diligência de entrega da grua à apelada para que acompanhasse a devolução dessa grua, com a entrega da mesma à apelante, no mesmo local de onde fora removida, veio então a apelante renovar o seu requerimento de 09/12/2022, o qual, após observância do contraditório, em que a apelada se opôs novamente ao requerido, através do despacho recorrido, de 16/12/2022, em que a 1ª Instância, apelando aos fundamentos de facto perfunctória e sumariamente julgados provados no âmbito da decisão que decretou o procedimento cautelar e dos fundamentos de direitos que aí se explanaram,  antes julgada extinta, por caducidade, indeferiu a pretensão da apelante.
Como é sabido, as providências cautelares constituem os procedimentos de natureza sumária e urgente que a lei processual civil coloca ao dispor dos interessados com vista a antecipar ou garantir o efeito útil do reconhecimento de um direito ou, como refere o art. 2º, n.º 2 do CPC, para “acautelar o efeito útil da ação”, neutralizando-se o denominado periculum in mora, ou seja, os prejuízos que possam advir para o requerente do procedimento cautelar na tutela do direito de que se arroga titular e que alega estar em perigo em consequência da demora normal e inevitável do processo[4].
Atenta essa finalidade, os procedimentos cautelares foram estruturados pelo legislador como meios simples e urgentes, que permitem, sem delongas, acautelar os prejuízos que decorrem da demora na obtenção de uma decisão favorável, em que a decisão neles proferida assenta numa análise sumária (summaria cognitio) que permite afirmar a provável existência do direito invocado pelo requerente (fumus boni juris) e o justificado receio de que o direito de que se arroga titular será seriamente afetado ou inutilizado se não for decretada a providência cautelar requerida (periculum in mora).
Daí que, exceto se for decretada a inversão do contencioso, as providências cautelares não constituem um fim em si mesmo, mas representam uma antecipação ou garantia, de caráter cautelar e provisório, relativamente ao resultado de uma ação (declarativa ou executiva), já pendente ou a instaurar, que tenha por fundamento o direito acautelado (n.º 1, do art. 364º do CPC), de que é instrumental.
Trata-se de uma instrumentalidade em segundo grau ou, nas palavras de Calamandrei,  uma “garantia da garantia” ou “instrumentalidade hipotética”, isto porque, exceto nos casos em que seja decretada a inversão do contencioso, o procedimento cautelar pressupõe sempre uma ação principal (declarativa ou executiva) de que é dependente e que tenha por fundamento o direito acautelado, a qual, por sua vez, é instrumental em relação ao direito substantivo, em que, no caso de decretamento do procedimento em que não tenha sido decretada a inversão do contencioso, como preliminar de ação a instaurar, a não instauração dessa ação principal ou o não reconhecimento nela do direito material acautelado não pode deixar de ter como efeito jurídico a extinção do procedimento cautelar decretado[5].
Atentas essas finalidades e instrumentalidade, a decisão que decreta uma providência cautelar tem necessariamente caráter de garantia precária e provisória e com duração limitada no tempo, posto que, ressalvando a possibilidade de inversão do contencioso, essa decisão cautelar e provisória tem de ser confirmada num juízo principal, a ser emitido na ação principal.
Em decorrência do que se vem dizendo, compreende-se que, nos termos da al. a), do n.º 1, do art. 373º, do CPC, se estabeleça que, salvo nos casos em que tenha sido decretada a inversão do contencioso, o procedimento cautelar extingue-se e, quando decretada, a providência cautelar caduca, quando o requerente não propuser a ação da qual a providência cautelar é dependente dentro do prazo de trinta dias contados da data em que lhe tiver sido notificado o trânsito em julgado da decisão que a tenha ordenado.
O referido dispositivo estabelece não uma verdadeira obrigação, mas antes um ónus que recai sobre o requerente da providência de, uma vez decretada esta, sem inversão do contencioso, como preliminar de ação ou de execução de que o procedimento é instrumental, ter de promover a instauração dessa ação, no prazo de 30 dias, a contar da data em que tiver sido notificado do trânsito em julgado da decisão que a decretou, sob pena de se verificar a caducidade dos efeitos jurídicos da providência cautelar antes decretada e, inclusivamente, a extinção do procedimento cautelar[6].
A ratio da norma é a de forçar o requerente do procedimento a ser diligente na defesa, pelos meios comuns, do seu direito provisório e sumariamente analisado e garantido no âmbito do procedimento cautelar decretado, evitando-se o risco deste retardar ou pura e simplesmente não instaurar a ação principal, prevalecendo-se daquela decisão cautelar que lhe foi favorável, transformando essa decisão cautelar, instrumental e com eficácia temporalmente limitada numa decisão definitiva, com eventuais graves prejuízos de injustiça para o requerido.
Aliás, são precisamente essas razões que justificam que, embora nos direitos disponíveis a caducidade não seja do conhecimento oficioso do tribunal (art. 333º, n.º 3, do CC), seja entendimento doutrinário e jurisprudencial maioritários que se as circunstâncias de que a lei faz depender a extinção do procedimento ou a caducidade da providência antes decretada resultarem imediata e objetivamente dos autos, sem necessidade de recurso a elementos externos ou a averiguação de fatores de índole subjetiva, o juiz, após prévia audiência do requerente (n.º 2, do art. 373º do CPC), deverá oficiosamente decretar os efeitos  extintivos, por caducidade, do procedimento; de contrário, essa declaração tem de ser requerida[7].
Posto isto, revertendo ao caso dos autos, tendo, por decisão de 16/11/2022, a providência cautelar que determinou a entrega provisória da grua à apelada sido declarada extinta, por caducidade, determinando-se o levantamento desta e, bem assim, a extinção do procedimento cautelar, abstendo-se, nessa decisão, o tribunal de ordenar expressamente a adoção de medidas necessárias a repor a situação anterior ao decretamento da providência julgada extinta[8], e  sendo essa decisão, porque final, imediatamente recorrível, nos termos da al. a), do n.º 1, do art. 844º do CPC, dispondo as partes do prazo de 15 a contar da notificação dessa decisão para dela recorrerem (art. 638º, n.º 1, in fine, do CPC), uma vez notificada esta à apelante e à apelada, via Citius,  em 16/11/2022, que dela não interpuseram recurso, coloca-se a questão de saber se a lei processual civil permitia que a requerente, por requerimento de 09/12/2022, requeresse ao tribunal, no âmbito dos autos de providência cautelar, julgados extintos, que fossem adotadas medidas destinadas a lhe ser entregue a grua restituída à apelada no âmbito da execução da providência cautelar antes decretada e julgada extinta, notificando-se para o efeito a agente de execução que acompanhou a diligência de remoção dessa grua para, com auxílio da força policial, se necessário, proceder ao acompanhamento e devolução daquela à apelante, com a entrega da mesma no local de onde fora retirada, conforme requereu, ou, se antes, já não o podia fazer por, uma vez extintos os autos de procedimento cautelar, a lei adjetiva já não consentir ao tribunal a adoção de tais medidas, restando à apelante instaurar ação declarativa contra a apelada, reclamando desta, nos termos do art. 374º, n.º 1, do CPC, indemnização por eventuais danos que sofreu em consequência da apelada ter deixado caducar o procedimento cautelar, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, conforme parece ser a posição perfilhada pela apelada no requerimento de oposição que apresentou em 12/12/2022. E também se coloca a questão de saber se, mediante o despacho proferido em 16/12/2022, a 1ª Instância determinou que, no âmbito dos autos de providência cautelar, tinham de ser adotadas medidas destinadas a repor a situação de facto que existia antes do decretamento e da execução da providência cautelar anteriormente decretada e cujo procedimento julgara extinto, por caducidade dessa providência, despacho esse já transitado em julgado, por essa imposição já estar (implicitamente) contida no decidido em 16/11/2022. E, a ser assim, conforme pretende a apelante acontecer, se essa decisão de 16/12/2022 transitou em julgado, conforme é igualmente defendido pela apelante, e se, consequentemente, mediante o despacho recorrido de 08/02/2023, em que a 1ª Instância indeferiu o requerimento da apelante de 28/12/2022, onde renovou o seu requerimento de 09/12/2023, violou o caso julgado que cobre a decisão de 16/12/2022.
Ora, saber se a decisão recorrida de 08/02/2023 respeita (ou não) a tramitação legalmente prescrita para o procedimento cautelar depende necessariamente das respostas que se venha a dar às questões que se acabam de enunciar.
Acresce que, na decisão recorrida, a 1ª Instância não se limita a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes, mas antes, ao nela indeferir o requerimento apresentado pela apelante de 28/12/2022, em que renovou o requerimento que tinha apresentado em 16/12/2022, decidiu indiscutivelmente de fundo (mérito) o conflito de interesses que contrapunha (e contrapõe) a apelante à apelada ao, com base nos fundamentos fácticos e jurídicos que se encontram explanados no acórdão proferido por esta Relação, que julgou improcedente a oposição ao procedimento cautelar antes decretado e executado apresentada pela ora apelante, acórdão esse em que se conclui que a apelante é mera comodatária da grua e, como tal, mera detentora precária e em nome alheio (da apelada) desta, a qual é propriedade da apelada (requerente da providência), em virtude de a ter comprado e, por isso, sua possuidora, e, em consequência, ao decretar o procedimento cautelar, ordenando a restituição provisória à posse da apelada da grua, isto apesar dos efeitos jurídicos desta decisão cautelar terem, por decisão de 16/11/2022, transitada em julgado, sido julgados extintos por caducidade.
Destarte, contrariamente à posição da apelada, a decisão recorrida não é indiscutivelmente de mero expediente, mas antes é, inclusivamente, de mérito e, por isso, é recorrível.
De resto, independentemente do valor da causa e da sucumbência, sustentando a apelante que a decisão recorrida viola o caso julgado que cobre a decisão antes proferida em 16/12/2022, o recurso daquela, quanto à questão da eventual violação do caso julgado, nos termos do art. 629º, n.º 2, al. a), parte final, do CPC, é sempre admissível.
Acresce dizer que a decisão recorrida foi proferida depois da decisão de 16/11/2022, que julgou extintos, por caducidade, os efeitos da providência antes decretada e executada que ordenou a entrega da grua à apelada e que, em consequência, determinou o levantamento dessa providência e extinto o procedimento cautelar, pelo que, nos termos da al. g), do n.º 2, do art. 644º, do CPC, contrariamente ao entendimento sufragado pela apelada, a decisão recorrida é imediatamente recorrível, tendo de ser impugnada, mediante a interposição de recurso, no prazo de quinze dias, a contar da sua notificação (art. 638º, n.º1, parte final, do CPC), como foi o caso do recurso interposto pela apelante.
Resulta do exposto, em suma, improceder a questão prévia suscitada pela apelada, dado que a decisão recorrida, por não ser de mero expediente, mas antes interferindo no conflito de interesses que contrapõe apelante e apelada, é recorrível, e esse recurso tinha de ser interposto pela apelante imediatamente, no prazo de quinze dias, a contar da sua notificação àquela, como foi o caso.
Nesta conformidade, sem mais, por desnecessárias, considerações, improcede a questão prévia suscitada pela apelada.

B- Do caso julgado. 
Sustenta a apelante que a decisão recorrida, de 08/02/2023, ao indeferir o seu requerimento de 28/12/2022, em que renovou o requerimento datado de 09/12/2022, em que, na sequência do despacho proferido em 16/11/2022, no qual a 1ª Instância declarou extintos, por caducidade, os efeitos da providência cautelar que ordenou a restituição provisória à posse da apelada da grua e em cuja execução esta lhe foi efetivamente entregue e, em consequência, determinou o levantamento dessa providência e extinto o procedimento cautelar, requereu que fosse notificada a agente de execução que acompanhou a diligência de remoção da grua das suas instalações para, com auxílio da força policial, se necessário, proceder ao acompanhamento e devolução dessa grua àquela, com a entrega desta no local de onde foi removida, viola o caso julgado que cobre o despacho proferido em 16/12/2022, em que se decidiu que: “Tendo sido declarada a caducidade da providência, qualquer diligência encetada no âmbito e na sequência de decisão do tribunal (deslocação do bem) tem que ser revertida pelas partes, tendo que se repor a situação de facto que existia antes das decisões proferidas nos autos” .
Vejamos se assiste fundamento jurídico à apelante para as críticas que assaca à decisão recorrida.
Conforme se extrai dos arts. 580º, n.º 1 e 581º, do CPC, o caso julgado tem como pressuposto a repetição de uma causa já julgada, por decisão que, por já não admitir recurso ordinário, transitou em julgado, pressupondo que entre ambas as ações ocorra identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir.
Trata-se de uma exceção dilatória, que obsta que o tribunal possa conhecer de mérito na ação instaurada após a primeira ter sido já decidida, por decisão judicial transitada em julgado, que dá lugar à absolvição da instância nessa segunda ação (art. 576º, n.ºs 1 e 2 e 577º, al. i) do CPC), e que, na sua vertente de caso julgado material, exerce uma dupla função: i) uma função positiva e ii) uma função negativa.
Exerce a função positiva, quando faz valer a sua força e autoridade, e exerce a sua função negativa quando impede que a mesma causa seja de novo apreciada pelo tribunal[9].
A exceção do caso julgado tem como fundamento teleológico o prestígio dos tribunais,  o qual seria altamente comprometido caso, uma vez proferida uma decisão judicial, transitada em julgado, por já não comportar recurso ordinário, o tribunal pudesse reapreciar a questão processual ou de mérito que nela decidiu, correndo o risco de repetir o decidido, com a inerente prática de atos e despesas inúteis, ou de vir a decidir essa mesma questão em moldes distintos, o que, além de comprometer no mais alto grau o prestígio dos tribunais, seria fundamento de incerteza e insegurança jurídica, tornando a vida em sociedade impossível, uma vez que ninguém poderia confiar em nada, nem nos direitos que uma sentença judicial lhe reconheceu.
Por isso é que, uma vez transitadas em julgado, as decisões dos tribunais se tornam estáveis, isto é, o nelas decidido, não pode ser submetido a novo julgamento, tornando-se inatacáveis e incontestáveis intra ou intra e extra processualmente[10], impondo-se, a este propósito, distinguir entre caso julgado formal e material.
O caso julgado formal, externo ou de simples preclusão, incide apenas sobre decisões que versem sobre a relação processual (art. 620º do CPC) e que, por isso, não definem a concreta relação jurídica material controvertida entre as partes, ou seja, não decidem de mérito. Uma vez transitadas em julgado, por não admitirem recurso ordinário, essas decisões que versam apenas sobre a relação processual adquirem força vinculativa obrigatória, mas apenas dentro do processo em que foram  proferidas, obstando a que o juiz possa, nesse processo, reapreciar a mesma questão processual, tornando-se o decidido incontestável e obrigatório apenas dentro do processo em que foram proferidas, mas não impede que essa mesma questão possa ser apreciada e decidida em termos diversos num outro processo, pelo mesmo ou por outro tribunal.
O caso julgado formal que cobre as decisões que apenas versam sobre a relação processual não  projeta, assim, a sua eficácia para fora do processo em que foram proferidas, sendo a eficácia, imutabilidade ou estabilidade de tais decisões restrita ao processo em que foram proferidas[11].
Por sua vez, o caso julgado material, ou interno, tem como pressuposto a prolação de sentença ou despacho-saneador que decida sobre o mérito da causa, isto é, que versem sobre o fundo da causa, sobre os bens discutidos no processo”, definindo a relação ou situação jurídica deduzida em juízo, estatuindo sobre a pretensão do Autor. Essas decisões de mérito, uma vez que dirimem o concreto conflito que foi submetido pelas partes à apreciação e decisão do tribunal, logo que transitem em julgado, por não admitirem recurso ordinário, ficam a ter força obrigatória dentro e fora do processo, mas apenas nos limites fixados pelos arts. 580º e 581º do CPC (arts. 619º, n.º 1 e 621º do mesmo diploma), ou seja, contanto que entre ação em que foram proferidas e a segunda ação que venha a ser instaurada ocorra identidade de sujeitos do ponto de vista da sua qualidade jurídica, identidade de pedidos e de causas de pedir.
A decisão de mérito proferida na primeira ação, transitada em julgado, impõe-se, de modo absoluto, a todos os tribunais, às partes e, inclusivamente, dentro de certos limites e pressupostos, a terceiros, intra e extra processualmente, de modo que quando a mesma relação jurídica material controvertida seja submetida aos tribunais a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão de mérito já transitada em julgado) ou prejudicial (ação destinada a fazer valer um outro efeito jurídico dessa mesma relação jurídica material controvertida antes decidida, por decisão de mérito transitada em julgado), todos têm que acatá-la, julgando-se em conformidade, sem nova discussão[12].
Para o efeito reconhece-se ao réu, na segunda ação em que se discuta a mesma relação jurídica material controvertida (o que exige, relembra-se, que entre as duas ações ocorra identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir) já decidida em anterior ação, por decisão de mérito transitada em julgado, a exceção dilatória do caso julgado e, bem assim, impõe-se ao tribunal que conheça dessa exceção dilatória oficiosamente, a fim de se obstar que o caso julgado que cobre a primeira decisão de mérito, transitada em julgado, seja desrespeitado na segunda ação e se repita ou contradiga o antes decidido sobre essa mesma relação jurídica material controvertida, em definitivo, decidida.
O caso julgado material exerce, assim, um duplo efeito: um efeito negativo de inadmissibilidade de uma segunda ação (proibição de repetição), funcionando como bloqueio ao direito de acesso aos tribunais, em que funciona como exceção dilatória do caso julgado material, e um efeito positivo, ao impor a decisão proferida, transitada em julgado, sobre a mesma relação jurídica material controvertida a outras decisões de mérito em que essa mesma relação material seja discutida a título principal ou prejudicial (proibição de contradição: autoridade de caso julgado), em que faz valer a sua autoridade.
Revertendo ao caso dos autos, nele está em discussão saber se, mediante a prolação da decisão recorrida de 08/02/2023, a 1ª Instância reapreciou a questão que lhe foi submetida pela apelante, por requerimento entrado em juízo em 09/12/2022, e sobre a qual recaiu o despacho de 16/12/2022; no caso positivo, se este despacho transitou em julgado e a natureza do caso julgado que o cobre e, finalmente, se a decisão nele proferida é contrariada pela decisão recorrida, violando o caso julgado que eventualmente cobre a decisão de 16/12/2022 e, inclusivamente, a de 16/11/2022.
Nos requerimentos apresentados pela apelante em 09/12/2012 (sobre o qual recaiu a decisão de 16/12/2022) e 28/12/2012 (sobre o qual recaiu a decisão recorrida de 08/02/2023) esta formulou uma pretensão que tem como sujeito passivo a apelada M..., pelo que, quanto a esses dois requerimentos é indiscutível ocorrer identidade jurídica de partes.
Na verdade, conforme antedito, tendo sido decretada a providência cautelar de restituição provisória da posse instaurada pela apelada M... contra a apelante e outro, em que a primeira pedia que estes fossem condenados, além do mais, a restituir-lhe uma grua de que se arrogava proprietária e possuidora, e tendo, na sequência do decretamento e execução dessa providência cautelar, a grua sido efetivamente restituída/entregue pela apelante à apelada (requerente da providência), vindo, por decisão proferida em 16/11/2022, transitada em julgado, a ser decretados extintos, por caducidade, os efeitos jurídicos dessa decisão cautelar, determinando-se o seu levantamento e declarando-se extinto o procedimento cautelar, mediante o requerimento de 09/12/2022, a apelante solicitou ao tribunal que fossem adotadas, no âmbito do procedimento cautelar, medidas necessárias para repor a situação anterior ao decretamento daquela providência levantada,  ou seja, para que a grua lhe fosse restituída, requerendo especificamente que se notificasse a agente de execução que acompanhou a diligência de remoção da grua das suas instalações para, com o auxílio da força policial, se necessário, proceder ao acompanhamento e devolução dessa grua àquela, com a entrega da grua no local de onde fora removida.
Sobre essa pretensão recaiu, em 16/12/2022, a decisão que se segue: “Tendo sido declarada a caducidade da providência, qualquer diligência encetada no âmbito e na sequência de decisão do tribunal (deslocação do bem) tem que ser revertida pelas partes, tendo que se repor a situação de facto que existia antes das decisões proferidas nos autos”.
Na sequência dessa decisão, não tendo nela a 1ª Instância nada determinado expressamente quanto à requerida notificação da agente de execução, a apelante, por requerimento de 28/12/2022, veio renovar o seu requerimento de 09/12/2022, ou seja, para que se notificasse a agente de execução para que diligenciasse pela entrega da grua nos termos já atrás enunciados.
Destarte, resulta do que se vem dizendo que, em ambos os apontados requerimentos, o pedido nele deduzido pela apelante é o mesmo – a adotação de medidas pelo tribunal, no âmbito dos autos de procedimento cautelar, destinadas a repor a situação anterior ao decretamento e à execução da providência cautelar julgada extinta, por caducidade, mais concretamente, que se notificasse a agente de execução para que procedesse ao acompanhamento e devolução da grua à apelante, com a entrega desta no local de onde fora removida.
E a causa de pedir invocada pela apelante em ambos esses requerimentos é igualmente a mesma, consubstanciando-se no facto de os efeitos jurídicos da providência antes deferida e executada, na sequência do que se entregou a grua à apelada, terem sido julgados extintos, por caducidade, e, em consequência, se ter levantado esse procedimento cautelar, por decisão proferida em 16/11/2022, transitada em julgado.
Logo, entre ambos os requerimentos que se vem analisando ocorre identidade de sujeitos, pedidos e causas de pedir.
Avançando…
Sobre o primeiro dos identificados requerimentos recaiu a decisão de 16/12/2022 e sobre o segundo a de 08/02/2023 (decisão recorrida).
Confrontada a decisão de 16/12/2022, caso o sentido interpretativo a dar ao nela decidido seja o de que o tribunal decidiu que as partes tinham de reverter a deslocação do bem (da grua) no sentido de reporem a situação de facto que existia antes do decretamento da providência cautelar que determinou a entrega dessa grua à apelada e que veio a ser efetivamente entregue à última na execução dessa decisão cautelar, e que essa reversão tinha de ser realizada no âmbito dos autos de providência cautelar em que se proferiu essa decisão, apesar desses autos terem sido julgados extintos, por decisão proferida em 16/11/2022, transitada em julgado,  então é  indiscutível que a decisão recorrida de 08/02/2023 contraria aquela anterior decisão de 16/12/2022.
Na verdade, na decisão recorrida, apelando aos fundamentos de facto e de direito que recolheu no acórdão proferido por esta Relação, que decretou a providência cautelar, desconsiderando ou olvidando a natureza sumária e perfunctória da prova aí produzida e, bem assim, o caráter instrumental e precário da decisão de facto e de direito sobre a relação jurídico-material controvertida que contrapõe apelante (apelada M... e apelada A...) que aí se decidiu, com o único propósito de acautelar, sumária e de forma temporalmente limitada, o direito de propriedade e posse de que a apelada se arrogava (e arroga) titular sobre essa grua, questões essas que teriam (e terão) necessariamente de ser apreciadas e decididas no âmbito da ação principal de que aquele procedimento era dependente, ação principal essa que a apelada M... não cuidou em instaurar e que, por isso, os efeitos jurídicos dessa decisão cautelar vieram a ser julgados extintos, por caducidade, por decisão de 16/11/2022, transitada em julgado,  a 1ª Instância (com indiscutível erro de direito) decidiu de mérito, resolvendo aquele conflito que contrapõe apelante e apelada no sentido de que a propriedade e a posse da grua é da apelada, sendo a apelante mera comodatária desta e, portanto, sua mera detentora precária e, em consequência, indeferiu a pretensão da apelante no sentido de que a grua lhe fosse entregue, mediante a notificação da agente de execução para esse efeito.
Acontece que ao proferir indevidamente essa decisão de mérito, no âmbito da decisão recorrida, é inegável que a 1ª Instância contrariou a decisão antes proferida em 16/12/2022, naturalmente, caso o sentido interpretativo a dar a essa decisão anterior seja o atrás mencionado.
Enfatize-se, de resto, que não tendo a apelada cuidado em instaurar a ação principal, dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito, por forma a poder continuar a beneficiar daquela decisão cautelar que lhe entregou provisoriamente a grua, contrariamente ao que propugna, nada mais lhe resta se não instaurar ação de reivindicação, alegando os factos essenciais constitutivos do seu pretenso direito de propriedade sobre a grua, para que, uma vez discutidos e decididos esses fundamentos de facto e de direito e, bem assim, os fundamentos de defesa que aí venham a ser eventualmente apresentados pela aqui apelante (aí ré), a grua lhe venha a ser restituída, caso venha a fazer prova desse seu direito de propriedade sobre a grua e a aí ré não venha a fazer prova dos eventuais fundamentos de defesa que apresente e que eventualmente lhe confiram um direito real ou obrigacional a reter a grua.
Note-se, aliás, que a ser o já referido sentido interpretativo a dar à decisão de 16/12/2022, tratar-se-á de decisão em que a 1ª Instância se limita a decidir uma questão processual respeitante à relação processual dos autos de procedimentos cautelar, qual seja: uma vez julgados extintos os efeitos jurídicos da providência cautelar antes decretada e executada, em que a apelante A... entregou a grua à apelada M..., uma vez levantada essa providência cautelar e julgado extinto o procedimento cautelar, por decisão transitada em julgado, apesar de nessa decisão não se ter proferido qualquer comando expresso no sentido de que a grua fosse restituída pela apelada à apelante, repondo-se, assim, a situação pré-existente ao decretamento e execução daquela decisão cautelar levantada, essa imposição encontrava-se implicitamente contida nessa decisão e, por isso, a grua tinha de ser devolvida à apelante A... pela apelada M..., tendo essa reposição de ocorrer no âmbito dos autos de procedimento cautelar, pelo que o caso julgado que cobre essa decisão de 16 de dezembro de 2022 é o formal.
Essa decisão, porque foi proferida em 16/12/2022 e, consequentemente, após a decisão final, transitada em julgado, de 16/11/2022, que julgou extintos os efeitos jurídicos da providência cautelar antes decretada e executada quanto à grua, determinando o seu levantamento e a extinção do procedimento cautelar, nos termos da al. g), do n.º 2, do art. 644º do CPC, era imediatamente recorrível. Assim, tendo essa decisão sido notificada, via Citius, em 16/11/2022 à apelante e apelada, estas tinham de dela ter interposto recurso, no prazo de quinze dias, a contar da sua notificação, pelo que não o tendo feito, essa decisão de 16/12/2022, transitou em julgado, operando caso julgado formal.
Posto isto, conforme se vem enunciando, a questão da violação do caso julgado suscitada pela apelante resume-se ao apuramento do sentido interpretativo a dar à decisão proferida pela 1ª Instância em 16/12/2022, no sentido de se saber se o alcance do aí decidido é ou não de que, uma vez julgados extintos os efeitos jurídicos da providência cautelar antes decretada e executada, que culminou com a entrega da grua que era detida ou possuída pela apelante A... à apelada M..., e ordenado o levantamento dessa providência cautelar e, inclusivamente, julgados extintos os autos de procedimento cautelar, por decisão proferida em 16/11/2022, o tribunal a quo determinou que, apesar de nessa decisão de 16/11/2022, nada ter decidido expressamente quanto à restituição da grua pela apelada à apelante e, inclusivamente, ter julgado extinto o procedimento cautelar, a grua em causa tinha de ser restituída, no âmbito desses autos, à apelante, repondo-se, assim, a situação pré-existente à providência cautelar decretada e executada, por essa decisão eventualmente já estar contida no despacho de 16/11/2022.
Neste conspecto, cumpre referir ser entendimento doutrinário e jurisprudencial pacífico que as decisões judiciais (sentenças, acórdãos ou despachos) constituem verdadeiros atos jurídicos, a que se aplicam as disposições dos negócios jurídicos, na medida em que a analogia das situações o justifique (art. 295º do CC), incluindo as regras interpretativas desses negócios, fixadas nos arts. 236º a 238º do CC[13].
De acordo com essas regras, em  sede interpretativa dos negócios jurídicos, vigora, como regra geral, o disposto no art. 236º, n.º 1 do CC., segundo o qual a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele, e em que se consagra a doutrina da impressão do destinatário, de cariz objetivista, da qual decorre que, em homenagem aos princípios da proteção da confiança e da segurança do tráfico jurídico, se dá prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratário. Não ao seu ponto de vista subjetivo, isto é, ao que o concreto declaratário realmente compreendeu em face de declaração negocial de que foi destinatário, mas na sua dimensão objetiva, ou seja, ao que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, depreenderia ou poderia depreender da declaração negocial de que é destinatário.
Dito por outras palavras, o princípio regra vigente em sede de “interpretação das declarações de vontade é este: o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que será apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratório, em face do comportamento do declarante”[14] ou, conforme expende Mota Pinto,[15]”(…) a declaração deve valer com o sentido que um destinatário razoável, colocado na posição concreta do real declaratário lhe atribuiria; considera-se o real declaratário nas condições concretas em que se encontra e tomam-se em conta os elementos que ele conhece efetivamente mais os que uma pessoa razoável, quer dizer, normalmente esclarecida, zelosa e sagaz, teria conhecido e figura-se que ele racionou sobre essas circunstâncias como o teria feito um declaratário razoável”.
Na mesma linha, Vaz Serra sustenta que “… o declaratário não pode interpretar sem mais, a declaração pelo seu elemento literal, devendo ter em atenção as circunstâncias por ele conhecidas ou reconhecíveis por um declaratário normal, colocado na sua posição que possam esclarecê-lo sobre o que o declarante pretendeu significar. O declaratário deve procurar determinar o que o declarante quis significar com ela; nessa indagação não é obrigado a toda e qualquer diligência, mas à que teria um declaratório normal, colocado na posição concreta em que ele real declaratário se encontra, devendo ter, assim, em atenção as circunstâncias por ele conhecidas ou cognoscíveis por um declaratário normal[16].
Também João Calvão da Silva escreve que, “o alcance decisivo da declaração negocial será aquele que em abstrato lhe atribuiria um declaratário razoável, medianamente inteligente, diligente e sagaz, colocado na posição concreta do declaratário real, em face das circunstâncias que este efetivamente conheceu e das outras que podia ter conhecido, máxime dos termos da declaração, dos interesses em jogo e seu mais razoável tratamento, da finalidade prosseguida pelo declarante, das circunstâncias concomitantes, dos usos da prática e da lei”[17].
Deste modo, impondo-se que a declaração negocial valha de acordo com um critério interpretativo objetivo, ou seja, com o sentido que lhe seria dado por um declaratário medianamente inteligente, diligente e sagaz, quando colocado na posição do declaratário real, em face das circunstâncias que este efetivamente conhecia e das outras que lhe eram cognoscíveis, conforme é bom de ver, na busca do sentido interpretativo a dar à declaração negocial podem surgir como elementos essenciais a que o intérprete se deve socorrer para fixar o sentido interpretativo a dar à declaração negocial uma multiplicidade de circunstâncias, anteriores, contemporâneas e posteriores à declaração negocial, nomeadamente, "a letra do negócio, as circunstâncias de tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respetivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e os costumes por ela recebidos"[18] ou, dito de outra maneira, “… os termos do negócio, os interesses que nele estão em jogo (e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento), a finalidade prosseguida, etc…”[19] e, em particular, tratando-se de uma decisão judicial, os termos que corporizam o litígio espelhado nos articulados que as partes delinearam e submeteram à apreciação e à decisão do tribunal e, inclusivamente, as circunstâncias posteriores à prolação dessa decisão[20].
Acresce que, nos negócios formais, a declaração negocial não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (art. 238º, nº 1 do CC), devendo, uma vez aplicada a regra interpretativa geral da chamada doutrina da impressão do destinatário, caso persista a dúvida sobre o sentido interpretativo a dar à declaração negocial, nos negócios gratuitos, prevalecer o sentido interpretativo menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações (art. 237º do CC).
Todavia, não sendo a decisão judicial um verdadeiro negócio jurídico, na medida em que não traduz uma declaração pessoal de vontade do julgador, mas antes exprime uma injunção aplicativa do direito à vontade da lei ao caso concreto, importa ter presente que, na interpretação daquela, o declarante, isto é, o juiz, se situa numa específica área técnico jurídica, investido na função de aplicador da lei, que, por sua vez, está obrigado a interpretar, em conformidade com as regras estabelecidas no art. 9º do CC, dirigindo-se a outros técnicos de direito[21] e, bem assim, que sendo as decisões judiciais, por natureza, atos formais, amplamente regulamentados pela lei processual e implicando uma objetivação da composição de interesses nelas contidas, assume particular importância na respetiva interpretação o comando segundo o qual não pode valer um sentido que não tenha no documento ou escrito que corporiza a decisão judicial um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso[22]. E também importa ter presente que na interpretação da decisão judicial não pode o intérprete cingir-se exclusivamente à respetiva parte dispositiva, mas há-de necessariamente atender aos fundamentos fácticos e jurídicos  que serviram de fundamento ou de sustentação a essa parte dispositiva para fixar o sentido e alcance da decisão nela contida[23].
Na verdade, já Alberto dos Reis, que era defensor da tese restritiva do caso julgado, de acordo com a qual o caso julgado apenas se formava sobre a parte dispositiva da sentença, isto é, sobre a parte final desta, em que o juiz ditava a injunção legal aplicável ao caso, isto é, o seu dictat para o litígio que as partes submeteram à sua apreciação e decisão, e não também aos fundamentos de facto e de direito em que assentou esse dictat (tese esta que, cremos, ser atualmente minoritária ao nível da doutrina e da jurisprudência nacionais), sustentava que a parte dispositiva da sentença carecia de ser sempre interpretada por referência aos fundamentos fácticos e jurídicos em que assentou, ao ponderar que, “há casos em que a sentença foi favorável à parte que recorre e contudo não pode considerar-se o recorrente parte ilegítima para impugnar a decisão. Suponhamos que a sentença absolve o réu da instância (…), que o autor tem legitimidade para recorrer da sentença de absolvição da instância, não pode oferecer dúvida séria; mas já não pode afirmar-se com segurança que ao réu esteja vedado o recurso. É que a absolvição da instância pode representar menos do que aquilo a que o réu aspirava, pode exprimir benefício inferior àquele que o réu se propunha obter”[24].E a propósito da admissibilidade legal dos denominados julgamentos implícitos, o mesmo mestre já ponderava que: “não se esqueça que a decisão é uma declaração como todas as outras, na qual há que subentender, por força lógica, muitas coisas que não foram ditas explicitamente. Se a solução duma questão supõe, como prius lógico, a solução de outra, esta está contida, implicitamente, na decisão (caso julgado implícito). Devem, pois, considerar-se implicitamente resolvidas todas as questões, cuja solução é logicamente necessária para chegar à solução expressa na decisão. Se, por exemplo, o juiz se pronuncia sobre a resolução dum contrato, implicitamente afirma a validade dele; não será admissível, por isso, que, declarada a resolução, se proponha depois ação a pedir que o contrato seja anulado”[25].
Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, conforme já antes referido, tendo sido decretada e executada a providência cautelar em que a apelada M... requeria que a grua detida pela apelante A... fosse restituída provisoriamente à sua posse, uma vez executada essa decisão, em que a grua foi efetivamente retirada das instalações em que a apelante a tinha e entregue à apelada, não tendo esta instaurado a ação principal de que a referida providência cautelar era dependente, na sequência de requerimento apresentado pela apelante, por decisão de 16/11/2022, transitada em julgado, declararam-se extintos, por caducidade, os efeitos jurídicos dessa providência e ordenou-se o levantamento da mesma e extinto o procedimento cautelar.
Não tendo a 1ª Instância, nessa decisão de 16/11, nada expressamente decidido quando à reposição da grua na situação em que se encontrava antes do decretamento e da execução da identificada providência cautelar, em 09/12/2022, a apelante requereu, no âmbito dos autos de providência cautelar, que se notificasse a agente de execução “que acompanhou a diligência de remoção da grua das instalações da requerida para, com auxílio da força policial, se necessário, proceder ao acompanhamento e devolução daquela grua ... à requerida, com a entrega da mesma no local de onde foi removida”, alegando que, apesar da decisão que ordenou o levantamento da providência cautelar ter transitado em julgado, a apelada não lhe restituíra a grua e já manifestara nos autos o seu propósito de não lha restituir, nada mais lhe restando se não recorrer ao cumprimento coercivo dessa decisão que ordenara o levantamento da providência decretada e executada.
Apesar da oposição a essa pretensão por parte da apelada, sustentando, além do mais, que, na decisão de 16/11/2022, o tribunal não lhe ordenou que restituísse a grua à apelante, sobre a pretensão desta recaiu, em 16/12/2022, a decisão que se segue, a qual, conforme acima se demonstrou, transitou em julgado, operando caso julgado formal:
“Tendo sido declarada a caducidade da providência, qualquer diligência encetada no âmbito e na sequência de decisão do tribunal (deslocação do bem) tem que ser revertida pelas partes, tendo que se repor a situação de facto que existia antes das decisões proferidas nos autos”.
Analisada a decisão que se acaba de transcrever, o facto de ter sido proferida na sequência do despacho de 16/11/2022, em que, a requerimento da apelante solicitando que a providência cautelar antes decretada e executada fosse julgada extinta, por caducidade (o que significa que a apelante tinha um qualquer interesse na obtenção dessa decisão), julgaram-se extintos os efeitos da providência cautelar antes decretada e executada e, em consequência, levantou-se essa providência e extinguiu-se o procedimento cautelar, bem como o facto desse despacho ter sido proferido na sequência do requerimento apresentado pela apelante em 09/12/2022, em que dizia recorrer ao cumprimento coercivo da decisão proferida em 16/11/2022, na qual alegava que esta tinha sido incumprida pela apelada, apesar de se encontrar transitada em julgado, que não lhe restituíra a grua e que já manifestara que não o iria fazer, nada mais lhe restando se não recorrer à execução coerciva daquele despacho de 16/11/2022,  força a que se conclua que o único sentido interpretativo a dar ao decidido no despacho de 16/12/2022, é o de que, apesar de, na decisão de 16/11/2022, nada se ter expressamente determinado quanto à restituição da grua pela apelada à apelante, nele se considerou que essa imposição estava implicitamente contida no decidido em 16 de novembro.
O que se acaba de dizer tem acolhimento no facto de, na decisão em que se julgou procedente a oposição (posteriormente revogada por acórdão desta Relação), na sequência de se ter julgada procedente a oposição da apelante e de se ter julgado improcedente o procedimento cautelar instaurado pela apelada, o tribunal ter aí determinado que a apelada restituísse imediatamente a grua à apelante.
Tem acolhimento no facto da providência ter sido julgada extinta, por despacho de 16/11/2022, a requerimento da apelante, o que é demonstrativo do seu interesse em obter decisão que assim decidisse.
Tem especial acolhimento na circunstância da decisão de 16/12/2022 ter sido proferida na sequência do requerimento apresentado pela apelante em que esta dizia recorrer ao cumprimento coercivo da decisão proferida em 16/11/2022, que apesar de ter transitada em julgado, alegava não ter sido cumprida pela apelada, que já manifestara nos autos o seu propósito de não a cumprir, não lhe restituindo a grua.
E, sobretudo, tem acolhimento na oposição apresentada pela apelada a esse requerimento da apelante, em que a apelada sustenta que, na dita decisão de 16/11/2022, o tribunal não lhe ordenara que restituísse a grua, quando se verifica que, apesar dessa alegação e de tudo o que se vem dizendo, na decisão de 16/12/2022, o tribunal decidiu que: “Tendo sido declarada a caducidade da providência, qualquer diligência encetada no âmbito e na sequência de decisão do tribunal (deslocação do bem) tem que ser revertida pelas partes, tendo que se repor a situação de facto que existia antes das decisões proferidas nos autos”.
 Com efeito, ao assim decidir, perante o que se vem a dizer, o único sentido interpretativo que qualquer declaratário que se encontrasse na posição concreta da apelante e da apelada (declaratários da decisão em análise) poderia extrair do teor dessa decisão era o de que perante a extinção, por caducidade,  dos efeitos jurídicos da providência antes decretada e executada, segundo o aí decidido pelo tribunal (declarante), a grua que tinha sido deslocada da detenção ou posse da apelante para a apelada tinha de ser revertida por aquelas e que, consequentemente, caso não o fizessem voluntariamente, a situação de facto pré-existente antes do decretamento e da execução dessa providência tinha de ser reposta coercivamente no âmbito dos autos  de procedimento cautelar, na sequência da decisão neles proferida em 16/11/2022, onde esse comando legal se encontrava implícito.
Este é o único sentido interpretativo que, em face de tudo o quanto se vem dizendo, qualquer declaratário dessa decisão teria extraído do teor dessa decisão, caso se encontrasse na concreta situação em que se encontravam apelantes e apelados e foi o sentido interpretativo que a apelante lhe deu, conforme se extrai do teor do requerimento que, na sequência dela, apresentou em 16/12/2022, em que alegando ter sido notificada desse despacho, em que se determinou que fosse reposta a situação de facto que existia antes das decisões proferidas nos autos, isto é, antes do decretamento e da execução da providência cautelar entretanto julgada extinta, por caducidade, e, nessa sequência, levantada, renovou o seu requerimento de 09/12/2022, ou seja, reafirmando o seu requerimento para que a grua lhe fosse restituída pelo tribunal, mediante recurso à agente de execução.
O identificado sentido interpretativo também não deixou de ser igualmente extraído dessa decisão pela apelada, a qual naturalmente não podia ignorar, nem ignorava, que, na sequência da oposição à providência decretada que tinha sido apresentada pela apelada ter sido julgada procedente, o tribunal lhe ordenara então que restituísse a grua à apelante.
Acresce que a apelada também não ignorava, nem podia ignorar, o teor do requerimento apresentado pela apelante em 09/12/2022, em que expressamente afirma visar obter o cumprimento coercivo da decisão de 16/11/2022 e, bem assim, também não ignorava, nem ignora, que, apesar de na oposição que apresentou a esse requerimento da apelante sustentar que, nessa decisão de 16/11, o tribunal não lhe ordenara a restituição da grua, essa sua alegação não mereceu a adesão do tribunal, no âmbito da decisão que proferiu em 16/12/2022, onde antes determina expressamente que a situação da grua tinha de ser revertida à situação pré-existente ao decretamento e execução da providência cautelar.
Acresce que o mencionado sentido interpretativo é reafirmado pelo teor da decisão recorrida de 08/02/2023, em que, na sequência do requerimento da apelante, alegando ter sido notificada da decisão de 16/12/2022, em que se determina que a situação pré-existente ao decretamento e à execução da providência cautelar tinha de ser reposta, renovou o seu requerimento de 16/12/2022, no qual solicitou que essa reposição fosse determinada pelo tribunal mediante recurso à agente de execução.
Com efeito, apesar da apelada se ter oposto novamente a essa pretensão da apelante com os mesmos fundamentos que já antes invocara na sua anterior oposição, veio adicionalmente alegar que o procedimento cautelar se encontrava extinto. Pois bem, apesar dessa sua alegação, no âmbito da decisão recorrida, a 1ª Instância não indeferiu a pretensão da apelante com base em nenhum dos fundamentos invocados pela apelada nessa oposição ou na anterior, mas sim, erroneamente e com evidente erro de direito (atentos os fundamentos jurídicos acima já enunciados), por razões de mérito.
Ora, assim sendo, verificando-se que o sentido interpretativo a dar à decisão proferida em 16/12/2022, é o de que, de acordo com o que nela ficou decidido, na decisão proferida a 16/11/2022, transitada em julgado, em que se julgaram extintos, por caducidade, os efeitos jurídicos da providência cautelar antes decretada e executada e em que, em consequência, se ordenou o levantamento dessa providência e extinto o procedimento cautelar, encontrava-se implicitamente contemplado o comando de que a situação pré-existente ao decretamento dessa providência tinha de ser reposta por apelada e apelante, tendo aquela de restituir a grua à última, sob pena de, no âmbito dos autos de procedimento cautelar, serem adotadas medidas necessárias e coercivas a essa reposição, tenda as identificadas decisões de 16/11/2022 e 16/12/2022 transitado em julgado, operando caso julgado formal, verificando-se que o nelas decidido é frontalmente contrariado pela decisão recorrida, pelo que importa concluir que esta última viola o caso julgado formal que cobre aquelas duas anteriores decisões.
A violação do caso julgado formal por parte da decisão recorrida que cobre as decisões de 16/11/2022 e 16/12/2022, determina a ineficácia jurídica do nela decidido[26] e, nos termos do disposto no art. 625º do CPC, impõe que se tenha de cumprir o nelas decidido em definitivo, que se tornou incontestável intra processualmente.
Acresce que, não tendo a apelada cumprido com o decidido em tais decisões, impõe-se, no âmbito dos presentes autos de procedimento cautelar, a adoção de medidas destinadas a obter a execução coerciva do decidido nas mesmas, ou seja, determinar que a 1ª Instância notifique a agente de execução “que acompanhou a diligência de remoção da grua das instalações da apelante para, com auxílio da força policial, se necessário, proceder ao acompanhamento e devolução daquela grua ... à apelante, com a entrega da mesma no local de onde foi removida”, tal como vem requerido pela apelante.
 Do exposto resulta, encontrar-se prejudicado o conhecimento dos restantes fundamentos de recurso deduzidos pela apelante, impondo-se concluir pela procedência da presente apelação e, em consequência, declarar a ineficácia jurídica da decisão recorrida e ordenar à 1ª Instância que, em cumprimento das decisões proferidas em 16/11/2022 e 16/12/2022, transitadas em julgado, proceda à notificação da agente de execução que acompanhou a diligência de remoção da grua das instalações da apelante para, com auxílio da força policial, se necessário, proceda ao acompanhamento e devolução dessa grua, de marca ..., à apelante, com a entrega da mesma no local de onde foi removida.
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Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).

1- São despachos de mero expediente aqueles em que o juiz se limita a prover ao andamento regular do processo e que se mostrem conformes ao regime processual que lhes seja aplicável e em que não decide qualquer questão de forma ou de fundo, deixando o juiz intocado o conflito de interesses das partes e que, por isso, são insuscetíveis de ofender direitos processuais ou substantivos das partes ou de terceiros.
2- Por isso, tendo transitado em julgado o despacho que declarou extintos, por caducidade, os efeitos jurídicos de providência cautelar antes decretada e executada e que, em consequência, ordenou o levantamento dessa providência e extinto o procedimento cautelar, o despacho que indefere o requerimento da parte requerida da providência para que a situação pré-existente ao decretamento da providência fosse resposta (restituição de grua), não é de mero expediente. O recurso a interpor desse despacho de indeferimento dessa pretensão tem de ser interposto de imediato.
3- Conjuntamente com o despacho que julga extintos, por caducidade, os efeitos jurídicos de providência cautelar antes decretada e executada e, em consequência, ordena o levantamento dessa providência e extinto o procedimento cautelar, o juiz pode ordenar medidas necessárias à reposição da situação anterior ao decretamento e à execução da providência levantada, as quais, em caso de incumprimento, terão de ser executadas coercivamente no âmbito dos autos de procedimento cautelar.
4- As decisões judiciais (acórdãos, sentenças ou despachos) são atos jurídicos, encontrando-se, por isso, submetidas às regras interpretativas fixadas nos arts. 236º a 238º do CC para os negócios jurídicos, mas, tratando-se de atos formais, não podem valer com um sentido interpretativo que não tenha um mínimo de correspondência no texto da decisão judicial, ainda que imperfeitamente expresso, e nelas o intérprete não se pode cingir à parte dispositiva, mas terá de atender aos fundamentos de facto e de direito que sustentam o aí decidido, bem como aos termos que corporizam o litígio espelhado nos articulados e, bem assim, às demais circunstâncias anteriores, contemporâneas e posteriores à decisão judicial que, em geral, se impõe atender na interpretação dos negócios jurídicos.
5- A violação do caso julgado formal que cobre uma decisão por uma posterior decisão judicial determina a ineficácia jurídica desta última decisão e impõe que se tenha de cumprir a decisão anterior, transitada em julgado, por o nela decidido não poder ser reapreciado dentro do mesmo processo, tornando-se o decidido incontestável intra processualmente.
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Decisão:

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a presente apelação procedente e, em consequência:
a- declaram a ineficácia jurídica da decisão recorrida de 08/02/2023, por violação do caso julgado formal que cobre as decisões proferidas em 16/11/2022 e 16/12/2022;
b- em cumprimento dessas decisões ordenam que a 1ª Instância notifique a agente de execução que acompanhou a diligência de remoção da grua das instalações da apelante para que, com auxílio da força policial, se necessário, proceda ao acompanhamento e devolução dessa grua, da marca ..., à apelante, com a entrega da mesma no local de onde foi removida.
*
Custas em ambas as instâncias pela apelada M... (arts. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Guimarães, 27 de abril de 2023

Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores:
José Alberto Moreira Dias – Relator
Alexandra Maria Viana Parente Lopes - 1ª Adjunta
Rosália Cunha - 2ª Adjunta--.


[1] Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, pág. 189 e 190, em que expende que: “O preceito limita-se a distinguir as decisões sujeitas a recurso imediato daqueles cuja impugnação é relegada para momento ulterior, devendo conjugar-se com outras normas que definem as demais condições que devem estar presentes para que a decisão possa ser impugnada, entre as quais avulta o art. 629º, n.º 1, que define a recorribilidade em função do valor do processo ou da sucumbência, e o art. 630º, n.º 2, que limita seriamente a impugnação de decisões interlocutórias”. 
[2] Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 70 e 71; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, págs. 196 e 197; Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1ª, 4ª ed., Almedina, pág. 324.
[3] Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, Coimbra Editora, 1984, pág. 249.
[4] Marco Carvalho Gonçalves, “Providências Cautelares”, 2016, 2ª ed., Almedina, págs. 85 e 86.
[5] Marco Carvalho Gonçalves, ob. cit., págs. 123 a 127; Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., pág. 63
[6] Neste sentido Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. III, Almedina, 1998, pág. 247; Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 3ª ed. Coimbra, 1982, pág. 629: “O requerente da providência obtém um determinado efeito provisório sobre a base duma apreciação jurisdicional sumária, porque se inculca titular dum direito e alega o perigo de dano, o risco de insatisfação do direito, se houver de esperar pelo julgamento normal e definitivo. A lei concede-lhe este benefício, mas impõe-lhe um ónus: o de, dentro de prazo curto, propor a ação destinada à apreciação jurisdicional definitiva da relação litigiosa. Este ónus é a contrapartida do benefício. (…). O requerente foi favorecido por uma providência que se traduz numa intromissão grave do seu adversário (apreensão judicial de bens, suspensão de deliberações ou obras, pagamento de quantias, etc.); e conseguiu esse efeito mediante uma instrução resumida e um julgamento superficial, que não podem dar garantias de segurança e justiça. Não faria sentido que o efeito se mantivesse indefinidamente sobre base precária; a urgência, expressa no periculum in mora justifica a providência a título provisório; não justifica, porém, que sobre o património ou a esfera jurídica do adversário fique pesando definitivamente a restrição que se lhe impôs. Urge que ao julgamento ligeiro e sumário se substitua um julgamento profundo e ponderado, que dê garantias completas de atuação do direito objetivo; urge que a relação litigiosa seja submetida a exame consciencioso, demorado, refletido, a fim de que o réu seja libertado do peso que se lhe impôs, se a análise amadurecida da relação jurídica revelar que o autor não tem razão”.
[7] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 460, nota 5; Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., pág. 73, onde defendem que apenas algumas das causas previstas nas várias alíneas do n.º 1, do art. 373º, do CPC, são de conhecimento oficioso do tribunal, defendendo, contudo, que é do conhecimento oficioso do tribunal a caducidade decorrente do requerente da providência propor tardiamente a ação ou quando esta é julgada improcedente, por decisão transitada em julgado, ou seja, os fundamentos das als. a) e c), do n.º 1, do art. 373º, sem prejuízo de previamente declarar extintos, por caducidade, os efeitos da providência cautelar e extinto o procedimento cautelar, o juiz dever observar o contraditório quanto ao requerente da providência cautelar decretada.
[8] Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil”, Lex, 1997, pág. 253, em que defende que, conjuntamente com o levantamento da providência cautelar antes decretada, por caducidade, “o tribunal pode ordenar as medidas necessárias a repor a situação anterior ao decretamento da providência”.
[9] Ac. STJ. de 28/11/2013, Proc. 106/11.0TBCPV.P1.S1, in base de dados da DGSI, onde constam todos os acórdãos que se venha a citar sem menção em contrário.
[10] Manuel Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 306 e 307; Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manuel de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, págs. 704 e 705.
[11] Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 304.
[12] Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 305.
[13] Ac. STJ. de 06/12/1984, BMJ. 342º, pág. 375; de 13/10/2011, Proc. ...02; Sumários, outubro de 2011.
[14] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 223.
[15] Carlos Mota Pinto, in “Teoria Geral Do Direito Civil”, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 447. 
[16] Vaz Serra. RLJ, ano 110º, pág. 351.
[17] João Calvão da Silva, in “Estudos de Direito Comercial”, 1992, págs. 102 e segs. e 217.
[18] Luís Carvalho Fernandes, in “Teoria Geral do Direito Civil, II, Fontes, Conteúdo e Garantia da Relação Jurídica, pág. 416/417.
[19] Manuel de Andrade, in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, vol. II, pág. 213.
[20] Ac. STJ. de 5/12/2002, Ver. nº 3349/02-2ª, Sumários, 12/2002;
[21] Ac. STJ. de 22/03/2007, Proc. 06....
[22] Ac. RL. de 29/03/2011, Proc. 521-A/19....
[23] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manuel de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, pág. 715, que sendo defensores da tese restritiva, ou seja, tradicional do caso julgado, sustentam que, “embora se aceite que a eficácia do caso julgado não se estende aos motivos da decisão, é ponto assente na doutrina que os fundamentos da sentença podem e devem ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão contida na parte final da sentença, coberta pelo caso julgado”.
[24] Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, Coimbra Editora, 1984, pág. 267.
[25] Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 64.
[26] Acs. STJ., de 15/02/2007, Proc. 07...; de 04/06/2019, Proc. 3076/03....