Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
335/17.3T8CHV-D.G1
Relator: ANIZABEL PEREIRA
Descritores: VENDA EM PROCESSO EXECUTIVO
EXERCÍCIO DO DIREITO DE REMIÇÃO
UNIDO DE FACTO
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DE PROTEÇÃO DA FAMÍLIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/03/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
- O exercício do direito de remição (na venda em processo executivo) pelo unido de facto não está previsto expressamente na lei ordinária em geral, nem nas leis que preveem medidas concretas de proteção dos unidos de facto, nomeadamente a Lei 7/2001.
- Apesar de esta Lei nº 7/2001 ter resolvido alguns problemas, com a previsão de medidas concretas de proteção dos unidos de facto, na verdade a união de facto, na lei portuguesa, não foi equiparada ao casamento e as normas respeitantes ao casamento não devem, em princípio, ser aplicadas à união de facto por via da analogia.
- Assim, a decisão sobre a questão da admissibilidade do direito de remição pelo unido de facto numa venda executiva há de situar-se, não já no plano da diferente natureza do casamento e da união de facto, mas numa pura perspetiva constitucional, no plano do interesse da família enquanto casal nascido da união de facto sem distinções quanto às relações de filiação daí decorrentes.
- Daí concluir-se que seria inconstitucional a norma constante do art. 842.º do CPC se interpretada de forma a não admitir o exercício do direito de remição ao unido de facto, assim se reconhecendo a este o direito de remição aí previsto, sob pena de, não se fazendo essa interpretação, se violar o princípio constitucional da proteção da família ínsito no art. 36.º, n.º 1 da CRP, conjugado com os princípios da igualdade e da proporcionalidade.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
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I- Relatório:

Na ação executiva comum para pagamento de quantia certa, que corre termos no Juízo de Execução de Chaves – do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, em que é exequente J. C. e executados C. E. e outros, procedeu-se à venda dos imóveis penhorados nos autos sob as verbas nº 2, 3 e 4.

- A venda, por proposta em carta fechada, teve lugar no dia 22.01.2020 e foram adjudicadas as verbas nº2, 3 e 4 ao proponente A. R., pelo valor proposto de 107.500€, o qual apresentou um cheque visado no valor de 5.750€.

- Notificado para proceder ao depósito do resto do preço, o proponente não conseguiu fazer o pagamento com a referência enviada, pois por questões técnicas e informáticas a mesma só permite o pagamento único até 99.999,00 euros, e o pagamento era superior e não permitiu qualquer pagamento.

- A AE teve de criar nova referencia com o nº 000969613, a 28/01/2020, para que permitisse ao proponente fazer o pagamento dividindo-o e o proponente fez o pagamento, a 31/01/2020 que foi quando a referência ficou disponível, mas apenas para a primeira tranche do pagamento, tendo avisado a AE disso mesmo, não fez no mesmo dia os dois pagamentos porque a referência criada não o permitiu, e teve de aguardar ficar novamente disponível e a segunda tranche entrou com data de 4/02/2020.

- No dia 31.01.2020, M. O., alegando ser unida de facto com o executado C. A. há mais de 18 anos, veio exercer o direito de remição na venda dos bens imóveis penhorados nos presentes autos e objeto de venda como verbas n.º2, 3 e 4 do auto de abertura de propostas junto sob ref.ª34108292, juntando os documentos.

- Apesar de a AE não ter criado referência de multibanco para pagamento do valor de 107.500,00 euros, referente ao pedido de remição de M. O., por entender estar a aguardar despacho judicial do pedido, foi esse valor depositado na conta pessoal e privada
da agente de execução em 07-02-2020, a qual posteriormente transferiu para a conta de execução em 10.02.2020.

- Notificadas as partes do pedido de remição, o exequente opôs-se singelamente a tal pedido, por requerimento junto aos autos, em 13.02.2020 e o executado deu a sua anuência a tal pedido.

- Em 09.06.2020, a AE informou que após despacho a autorizar a remição, por notificação solicitou, nos termos do artº 843º, nº 2 do CPC, o pagamento dos 5% do valor da indemnização do valor da venda, pago pelo proponente, e não do valor base.

- Em 07-05-2020 foi proferido despacho nos seguintes termos:
A Remidora M. O., Unida de Facto ao Executado, veio exercer o direito de remissão na venda dos bens imóveis penhorados nos presentes autos e objeto de venda como verbas n.º2, 3 e 4 do auto de abertura de propostas junto sob ref.ª34108292.
Como resulta da comunicação junta pela AE e respetivos documentos, tal pretensão foi exercida tempestivamente.
A Remidora remeteu à AE as certidões dos registos de nascimento dos membros da união de facto, bem como cópia do cheque, cópia do depósito e comprovativo da transferência respeitante ao depósito do preço da remissão.

Vejamos se é de deferir tal pretensão:
O art. 842.º, que prevê o Direito de Remição, estipula que “Ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda.”
Ora, por via da figura jurídica de Remição, a lei do processo prevê a possibilidade de o cônjuge do executado ou qualquer dos parentes em linha reta haverem para si o património adjudicado ou alienado na venda executiva, mediante o pagamento do maior preço que tenha sido oferecido por terceiros, pelo exequente ou pelos credores reclamantes, preterindo a proposta de compra por estes apresentada.
A finalidade declarada desta opção legislativa radica numa ideia de proteção do interesse do círculo familiar em evitar a saída do património da família dos bens alienados em processo executivo, ou seja, a família prefere aos estranhos.
Na verdade, este direito não implica um qualquer prejuízo do interesse dos terceiros credores pois a estes pouco importa que o adquirente seja uma pessoa da família do devedor, ou uma pessoa estranha.
Com efeito, o que interessa aos credores é o preço por que os bens são vendidos sendo certo que os remidores hão-de pagar, pelo menos, o preço que pagaria um comprador alheio à família do devedor.
Por outro lado, as normas contidas no regime constante dos artigos 1690.º e seguintes do Código Civil assumem-se como normas especiais em relação ao regime geral do Direito das Obrigações pelo que é possível recorrer à interpretação analógica ao unido de facto das normas constantes dos artigos 842.º e seguintes do C. P. C.
Em face dos normativos supra mencionados, verificando-se os pressupostos plasmados nos arts.842.º e 843.º ambos do CPC, defere-se o requerido devendo os bens adquiridos pelo proponente (bens melhor identificados nas verbas n.º2, 3 e 4 do auto de abertura de propostas lavrado em 22/01/2020, junto sob ref.ª34108292), serem objeto do direito de remissão pela Requerente, Unida de Facto ao Executado.
Diligencie a AE, com a brevidade possível, em conformidade com o decidido.
Notifique.
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Inconformado com aquele despacho, veio o proponente dela interpor recurso, e a terminar as respetivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):

1. Dispõe o artigo 842º do C.P.C. que ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço que tiver sido feita a adjudicação ou venda.
2. Por sua vez, entendeu o Tribunal a quo que, radicando a finalidade declarada desta opção legislativa numa ideia de protecção do interesse do círculo familiar em evitar a saída do património da família dos bens alienados em processo executivo e, por outro lado, assumindo-se as normas contidas no regime constante dos artigos 1690º e seguintes do Código Civil como normas especiais em relação ao regime geral das obrigações, é possível recorrer à interpretação analógica ao unido de facto das normas constantes dos artigos 842º e seguintes do C.P.C.
3. Salvo o devido respeito que se impõe, ao reconhecer o direito de remição à Unida de Facto ao Executado, a decisão a quo incorreu em duplo erro: fez errada interpretação do artigo 842º do C.P.C. e recorreu erradamente à aplicação analógica do regime das dívidas dos cônjuges constante dos artigos 1690º e seguintes do C.C.
4. Com efeito, na tomada de tal decisão a Meritíssima Juiz não teve em conta o plasmado no artigo 9º, nº 1 do C.C. (que visa, precisamente, afastar os excessos interpretativos): se é certo que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, também é certo que, nos termos do nº 2, não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
5. Entendemos nós que o direito de remição – direito de preferência qualificado – compete apenas e só às pessoas enunciadas no preceito em causa como, aliás, no mesmo sentido vai o entendimento do Dr. V. R. que, apesar de não se pronunciar sobre o tema, atribui carácter taxativo ao artigo 842.º (in A acção Executiva Anotada e Comentada, página 527, 2.º Edição); o que, pelo menos de forma indirecta, afasta o exercício do direito de remição pelo unido de facto.
6. E, com todo o respeito, não se nos afigura que o regime do casamento possa ser equiparado, no nosso sistema jurídico, ao regime da união de facto, nem se vislumbra qualquer indício de que tenha sido, aliás, esse o propósito do legislador ao regular e adoptar medidas de protecção das uniões de facto, consubstanciadas na Lei 7/2001, de 11 de Maio.
7. Outrossim, não temos nele qualquer norma, ou sequer encontramos no seu espírito (mens legis), qualquer indício de que o legislador pretendesse alargar à protecção da união de facto – além do direito à casa de morada de família e, mesmo aí, em termos limitados e bem diferentes dos do regime do casamento – a protecção dada pelo nosso sistema jurídico à família stricto sensu;
8. Menos ainda se poderá perspectivar na letra e no espírito da norma que concede o direito de remição às pessoas enunciadas no preceito, um sinal de que foi vontade do legislador incluir e equiparar aos membros da família, o unido de facto!
9. Assim sendo, entendemos que a não inclusão do unido de facto nas pessoas que podem remir não pode, como foi, ser interpretada como lacuna legislativa a ser resolvida por aplicação analógica genérica do regime respeitante às dívidas dos cônjuges, porque não é, de facto, dum caso omisso que se trata.
10. Ao entender de forma diversa, a decisão recorrida incorreu em errada e excessiva interpretação do artigo 842º do C.P.C.
11. Como errou, igualmente, no recurso à aplicação analógica do regime das dívidas dos cônjuges, uma vez que tomou por igual o que é desigual, não só à luz da norma, mas também do consabido propósito do legislador que lhe subjaz - a protecção do património familiar – postergando, inclusivamente, a possibilidade de um descendente ou ascendente do executado poder exercer tal direito (com violação da linha de parentesco).
12. Tanto mais que, como bem ensinam os Mestres Professores Pires de Lima e Antunes Varela, a analogia das situações mede-se em função das razões justificativas da solução fixada na lei, e não por obediência à mera semelhança formal das situações (Vide Código Civil anotado, volume 1, artigo 10º, fls. 59 4ª Edição).
13. Mas independentemente (e para além) dos apontados erros, a decisão a quo entendeu ainda que estavam igualmente cumpridos os pressupostos plasmados no artigo 843º.
14. Também com tal entendimento não se conforma o recorrente, considerando que, mais uma vez, a Meritíssima Juiz errou na interpretação de tal preceito.
15. De facto, como vem sendo entendido pela Jurisprudência dos Tribunais Superiores, da qual o Acórdão da Relação de Coimbra, de 24/05/2011 é meramente exemplificativo (in www.dgsi.pt.), ao não efectuar o depósito do preço no momento em que se apresentou a exercer o direito de remição a Requerente não observou um dos requisitos necessários ao exercício do seu direito, pelo que não pode ter-se o mesmo como validamente praticado.
16. É hoje consabido que quando tem lugar a venda por negociação particular, o direito de remição pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta, nos termos do artigo 843 nº 1 al.b) do C.P.C..
17. Mas o preço deve ser integralmente depositado no momento da remição, de acordo com o estabelecido no nº 2 deste artigo, uma vez que o direito já é exercido em momento ulterior ao da abertura das propostas em carta fechada – vide neste sentido, Salvador da Costa, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I, pág. 1240, a propósito do direito de remição na venda executiva.
18. No mesmo sentido se pronuncia também Lopes do Rego, in Comentário ao Código de Processo Civil, Volume II, pág 51: quando, porém o direito de remição seja exercido em momento ulterior ao acto de abertura e aceitação de propostas, deverá o remidor depositar logo a totalidade do preço, acrescido dos 5% para indemnização do proponente que já tiver efectuado o depósito referido no nº 2 do artigo 897º.
19. Uma coisa é o remidor poder exercer o seu direito até à emissão do título da transmissão dos bens para o proponente; coisa diversa é ter exercido o direito sem cumprir todos os requisitos que a lei impõe.
20. Ao não entender assim, o tribunal recorrido incorreu, igualmente, em errada interpretação daquele comando normativo.
Nestes termos, e nos mais que Vossas Excelências suprirão, deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando a decisão recorrida e substituindo por outra que adjudique o bem ao proponente.”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão essencial que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em saber: se o despacho recorrido incorreu em erro de julgamento ao reconhecer a M. O. o direito de remição na venda ( através de propostas em carta fechada) dos imóveis efetuada na execução que corre termos contra C. A., atenta a relação de união de facto entre ambos, em condições análogas às dos cônjuges.
Caso assim se não entenda, coloca-se a questão de saber se estão ou não preenchidos os pressupostos do art. 843º,nº2 do CPC, nomeadamente caso não se deposite os 5% para indemnização do proponente.
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III. Fundamentação de facto.

Os factos a atender com relevo jurídico-processual constam do relatório elaborado.
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IV. Fundamentação de direito.

1.Vejamos a primeira questão: : saber se o despacho recorrido incorreu em erro de julgamento ao reconhecer a M. O. o direito de remição na venda ( através de propostas em carta fechada) dos imóveis efetuada na execução que corre termos contra C. A., atenta a relação de união de facto entre ambos, em condições análogas às dos cônjuges.

O despacho recorrido atribuiu o exercício do direito de remição a M. O., por via de aplicação analógica das normas previstas nos artigos 1690º do CC e 842º do CPC, por, em síntese, julgar que a situação daquela, enquanto companheira do executado, era análoga à situação do cônjuge.

O Recorrente discorda da aplicação analógica do artigo 842.º do CPC, argumentando que a vivência em união de facto não confere o direito de remição na venda dos imóveis do executado C. A., seu companheiro, pois esse direito não figura na Lei n.º 7/2001, nem encontramos na mens legis qualquer indício de que o legislador pretendesse alargar à união de facto- além do direito à casa de morada de família, mas em regime mais limitado- a proteção dada à família ou que e letra da lei e espírito da norma concebesse uma total equivalência entre as pessoas que vivem em união de facto e os cônjuges, não se justificando, assim, a equiparação feita no despacho entre a situação do unido de facto e a do cônjuge.
Também errou, na sua ótica, no recurso à aplicação analógica do regime das dívidas dos cônjuges, uma vez que tomou por igual o que é desigual, postergando a possibilidade de um descendente ou ascendente poder exercer tal direito ( com violação da linha de parentesco).
Razão por que pede a revogação do despacho recorrido e sua substituição por outra decisão que determine a adjudicação definitiva ao proponente, ora recorrente.
Vejamos a primeira questão: a de saber se é legalmente admissível a aplicação do artigo 842.º do CPC aos casos de venda em sede executiva de imóveis do executado que vive em união de facto e em condições análogas às dos cônjuges. E a segunda questão, a examinar apenas no caso de resposta positiva à primeira, é a de saber se se verificam ou não os pressupostos do nº2 do art. 843º do CPC.
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O artigo 842.º do CPC, que prevê a figura jurídica da remição, estipula que «Ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda».
A lei prevê, assim, a possibilidade de o cônjuge do executado que dele não esteja separado judicialmente de pessoas e bens, bem como os descendentes e ascendentes, haverem para si os bens alienados na venda executiva, mediante o pagamento do maior preço que tenha sido oferecido, recaindo sobre o remidor o ónus de depositar, para exercitar validamente esse direito, a totalidade do preço por que tenha sido feita a adjudicação ou a venda, nos termos e prazos estipulados no artigo 843.º do CPC, acautelando-se, dessa forma, tanto os interesses do exequente como os interesses da família do executado.
Por outro lado, a atribuição deste direito não implica um qualquer prejuízo do interesse dos terceiros credores. Neste sentido se pronunciava já ALBERTO DOS REIS ( in Processo de Execução II, 1985, p. 477) salientando que a “estes pouco importa que o adquirente seja uma pessoa da família do devedor, ou uma pessoa estranha. O que aos credores interessa é o preço por que os bens são vendidos; ora, os remidores hão de pagar, pelo menos, o preço que pagaria um comprador alheio à família do devedor. ” . O Autor continuava constatando que “o direito de remição representa uma homenagem prestada à família do devedor. Homenagem justa, porque evita desagregação do património familiar; homenagem inocente, porque nenhum prejuízo causa aos credores” ( in ob cit, p. 488-489).
Assim, no plano da prevalência interna, o direito de remição pertence sucessivamente, a: cônjuge; descendentes e ascendentes.
No plano da prevalência externa, havendo concurso entre direito de remissão e um direito de preferência, o direito de remição prevalece sobre o direito de preferência ( cfr. art. 844,nº1 do CPC).
Em suma: trata-se, assim, de um “ direito de preferência qualificado” ( como lhe chama Lebre de Freitas, “Acção Executiva…”, 7ª ed., p. 388), com o qual se quis proteger “ o património familiar, evitando que os bens saíssem para fora da família, pondo o património do executado ( membro dela) a coberto de outros maiores prejuízos, de qualquer das maneiras sem pôr em causa a essência da satisfação do interesse do exequente”, como é reaçado no AC desta RG de 5-06-2008 ( relator Gomes da Silva).
Importa ainda salientar que ao titular do direito de remição é conferido o estatuto processual de terceiro – e não de parte. Por isso, o legislador dispensa a necessidade de notificação do remidor sobre actos e diligências que venham a ocorrer na tramitação da causa. Na verdade, a lei presume que o executado dará conhecimento oportuno ao interessado na remição das circunstâncias relevantes para o atempado exercício do seu direito. Daí não é notificado para exercer o direito que processualmente lhe assiste, ao invés do que ocorre com o preferente legal nos termos do art.º 892.º ( vide neste sentido por ex. AC da RP de 17-03-2016, citado in A acção Executiva”, prof. Rui Pinto, p. 886, ed. 2019).
O prazo e condições de exercício do direito variam consoante a modalidade de venda
dos bens e o tipo de formalização para ela exigida ( cfr. art. 843 e mais adiante analisado).

É pois sobre este pano de fundo que se impõe pensar a hipótese de alargar o âmbito de aplicação do art.º 842.º à pessoa que com o executado viva em união de facto, aliás como se fez no Ac. do STA de 08-09-2010 e aludido pelo executado aquando da notificação para se pronunciar sobre o pedido de remição.
Ou seja, o citado aresto decidiu, em concreto, a questão de saber se é legalmente admissível a possibilidade de aplicação do art 842.º(no quadro legal em vigor à data do acórdão, o pretérito art. 912.º) aos casos de venda judicial em sede executiva da casa de morada de família de um agregado familiar que vive em união de facto.
Concordamos na íntegra com tal explanação, cuja fundamentação, por uma questão de economia, se dá por reproduzida, e se irá seguir de perto atenta a sua irrepreensível argumentação, a qual se adapta perfeitamente aos casos de venda judicial em sede executiva dos bens em geral do executado que vive em união de facto e cujo companheiro, unido de facto pretende remir.
Aliás, o discurso argumentativo daquele acórdão é muito próximo de alguns acórdãos do Tribunal Constitucional a respeito de matérias que contendem com direitos dos membros da união de facto, v.g, como o acórdão TC nº 359/91, mostrando-se elucidativa a seguinte passagem deste último acórdão que se transcreve e cuja linha de racicocínio é seguida naquele outro AC do STA:
'Aliás, em última análise, a decisão …há de situar-se, não já no plano da diferente natureza do casamento e da união de facto, mas sim no plano do interesse dos filhos, que, por força daquele preceito constitucional [refere-se ao nº 4 do artigo 36º], não podem conhecer tratamento discricionário derivado do facto de os respectivos pro­genitores serem ou não casados, mostrando-se assim irrelevante a argumen­tação que, pelo facto de a lei civil proibir a aplicação analógica de normas excepcionais, acaba por não rejeitar àquela discriminação”.
Com efeito, tal como referido no citado aresto do STA, se a Lei nº 7/2001, enquanto diploma que prevê as medidas de proteção das uniões de facto, permite estender alguns direitos às pessoas que vivem em união de facto, já quanto aos efeitos jurídicos reconhecidos a uma união de facto no art. 3º, resulta, claramente, que o diploma nada prevê quanto ao direito de remição.
Porém, apesar de a Lei n.º 7/2001 não prever o direito de remição, o mencionado diploma não consagra uma lista taxativa de todos os direitos que o legislador pretendeu reconhecer aos unidos de facto, pelo que pode aquele direito estar previsto em outro dispositivo legal, mormente no Código de Processo Civil, com a vantagem da sua aplicação analógica.
Sem embargo, constituindo a Lei n.º 7/2001 um diploma que consagra um regime especial e que, por isso, contém normas de carácter excecional, a analogia está excluída como processo de integração de lacunas em cumprimento do art. 11.º do CCiv.
Mutatis mutandis, chegar-se-á a tal conclusão por outra via de resolução: por via de uma interpretação extensiva da norma, nesta mesma questão de se poder alargar a titularidade do direito de remição à pessoa que com o executado viva em união de facto.
Partindo da distinção entre interpretação extensiva e analogia, seguida de uma análise da ratio legis subjacente à norma contida no art. 842.º, em busca de uma possível interpretação extensiva e atualista, tal como no citado Acórdão, acaba-se por concluir que nem a letra nem a história do preceito reservam espaço à possibilidade de uma interpretação extensiva do art. 842.º (1).
Também assim o entendemos, aliás conforme também é sustentado pelo recorrente, quando faz alusão ao art. 9º do CC.
Razão por que discordamos, em absoluto, do entendimento perfilhado pelo executado e que foi acolhido no despacho recorrido, no sentido de que a falta de previsão do direito de remição no caso do unido de facto traduz a existência de uma lacuna, cuja integração deve ser feita com o recurso à analogia, ou seja, preenchendo-se o caso omisso por via da equiparação da situação do unido de facto a caso análogo do cônjuge referido no artigo 842.º do CPC, ou do regime constante do art. 1640º do CC.
Ou seja, não faz sentido estabelecer, como se estabelece no despacho recorrido, uma paridade entre as pessoas em união de facto e os cônjuges para efeitos de direito de remição com base na ratio do artigo 842.º ou do regime das dívidas dos cônjuges do art. 1690º do CC.
O que nos leva a concordar com o Recorrente quando advoga que não é aceitável, nem à luz das normas do regime especial da lei quadro das uniões de facto - que não estabeleceu uma paridade absoluta entre as uniões de facto e as relações matrimoniais clássicas - equiparar a unida de facto ao cônjuge e aplicar, pela via analógica, o preceituado no artigo 842.º do CPC.
Rita Lobo Xavier ( in “Estatuto Privado da União de Facto, in RJLB, ano 2, 2016, nº1, pag. 1513)afirma que “ Resulta da lei portuguesa que a união de facto juridicamente relevante, embora considerada como uma relação análoga à dos cônjuges, não é equiparada ao casamento, constituindo, por isso, uma relação parafamiliar ( pararafraseando Pereira Coelho), mais precisamente, paraconjugal”. Noutros ordenamentos jurídicos, por exemplo, no ordenamento brasileiro, a união estável é equiparada ao casamento e constitui uma entidade familiar.
Aquela mesma autora ( in ob cit, pag.1532 ) realça que “ A Lei n.º 23/2010, de 30/8, que procedeu à primeira alteração da LUF, não consagrou quaisquer soluções para os problemas relacionados com responsabilidade solidária por dívidas contraídas para acorrer aos encargos da vida do lar e à divisão do património adquirido durante a relação. As sugestões da doutrina e dos tribunais enfrentam todavia duas objeções importantes. Por um lado, tratar-se-á de “adivinhação judiciária”, isto é, da construção de uma teoria a posteriori para justificar aquilo em que os membros da união de facto nem sequer pensaram; ou de “contorções” do direito comum, muitas vezes insatisfatórias. Por outro lado, se as pessoas vivem em união de facto porque não querem casar, “seria uma violência impor-lhes o estatuto matrimonial, que elas deliberadamente rejeitaram” ( aliás este último aspeto é realçado pelo recorrente).
Contudo, importa salientar que algumas das normas inseridas na LUF pressupõem o reconhecimento da existência de uma forma de “economia doméstica”, tal como refere a mesma autora.
Em suma: apesar de tudo, a lei 7/2001 ( com todas as alterações que já teve) resolveu alguns problemas, mas a união de facto não foi equiparada ao casamento e as normas respeitantes ao casamento não devem, em princípio, ser aplicadas à união de facto por via da analogia.
Pelo que, a sentença errou ao fazer a referida aplicação analógica.

Chegados aqui: resta perguntar se a questão poderá vir a ser decidida numa pura perspetiva constitucional, aliás como ocorreu no passado recente, em muitos outros casos em que agora a querela doutrinal e jurisprudencial já está resolvida com a previsão plasmada na LUF ( por exemplo, o que ocorreu com as normas inseridas na LUF e que pressupõem o reconhecimento da existência de uma forma de designada “economia doméstica- art. 4º, 5º, art. 6º da LUF) ou até no CC ( cfr. art. 2020º do CC e art. 496º, nº3 do CC).
Aliás, em última análise, e tal com o frisámos no início desta exposição quando citámos o AC do TC. Nº 359/91, a decisão sobre a questão há de situar-se, não já no plano da diferente natureza do casamento e da união de facto, mas sim no plano do interesse da família enquanto casal nascido da união de facto sem distinções quanto às relações de filiação daí decorrentes, nomeadamente por força dos arts. 36ºnº1 e 67º da CRP, mostrando-se assim irrelevante a argumentação que, pelo facto de a lei civil proibir a aplicação analógica de normas excecionais, acaba por não se rejeitar aquela discriminação.
O enquadramento constitucional da união de facto terá se ser analisado tendo em atenção o disposto nos artigos 36º,nº1 , 67º e 26º e 13º, todos da CRP.
Neste particular, veja-se a anotação ao art. 36º da CRP, de Gomes Canotilho e Vital Moreira ( in CRP Anotada, 3ºed., p. 220): “ Conjugando o direito de constituir família com o direito de contrair casamento, a Constituição não admite todavia a redução do conceito de família à união conjugal baseada no casamento, isto é, à família “matrimonializada”. Para isso apontam a clara distinção das duas noções no texto ( “constituir família” e “contrair casamento”) mas também o preceito nº4 sobre a igualdade dos filhos, dentro ou fora do casamento…Constitucionalmente, o casal nascido da união de facto também é família, e ainda que os seus membros não tenham o estatuto de cônjuges, seguramente que não há distinções quanto às relações de filiação daí decorrentes”. (2)
Assim sendo pergunta-se: a prevalência atribuída pelo art. 842.º do CPC à família matrimonializada conflitua ou não com o entendimento constitucional de família?
Desde já dir-se-á, na esteira da doutrina supra citada e igualmente afirmada no citado AC do STA, que que não existe na Constituição qualquer indício bastante de valorização do casamento relativamente à unidade familiar constituída a partir da união de facto, pelo que é lícito afirmar que está vedada, em absoluto, ao legislador ordinário a possibilidade de optar pela proteção da família fundada no casamento em detrimento da família resultante da união de facto, a não ser que exista um motivo razoável e objectivamente fundado que justifique essa diferenciação e que tenha apoio explícito em valores constitucionais positivos.

Revertendo para o caso sub judicio, dir-se-á que afastar a pessoa que viva em união de facto com o executado da possibilidade de, ao abrigo do art. 842.º do CPC, resgatar o património familiar perante uma venda executiva em processo executivo – atribuindo-se, com isso, primazia à posição de “cônjuge” –, só seria justificado na medida em que se pudesse afirmar a existência de um motivo razoável e objetivamente fundado capaz de justificar essa discriminação, o que não se verifica in casu.
Inexistindo um motivo de tal ordem, a mesma revela-se desproporcionada e não justificada constitucionalmente.
Por conseguinte, no pressuposto de que o direito de preferência não é de todo uma realidade estranha à união de facto (já que o mesmo é reconhecido, em certas situações, pela Lei n.º 7/2001), e tendo ainda em conta a unidade do sistema jurídico e as condições do tempo em que a norma esta a ser aplicada, conclui-se que a diferenciação entre o cônjuge e o companheiro em união de facto, para efeitos de titularidade do direito de preferência qualificado na aquisição do património familiar sujeito a venda forçada em processo executivo, não se afigura conforme a Constituição.
E, não se diga, conforme sustentado pelo recorrente, que com este entendimento, se viola o princípio da igualdade ( no segmento tratar igual o que é igual e desigual o que é desigual), enquanto princípio vinculativo da lei, porquanto este princípio traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio, pois embora não proíba as distinções de tratamento, se materialmente fundadas, proíbe a discriminação arbitrária, ou seja, as diferenciações que se considerem irrazoáveis por inexistir um fundamento material bastante segundo critérios objetivos e relevantes.
Assim sendo, e conjugando-se este princípio da igualdade com o princípio constitucional de proteção da família, conclui-se pelo dever de não desproteger, sem uma justificação razoável, essa família que não se funda no casamento, pelo menos quanto àqueles pontos do regime jurídico que diretamente contendam com a proteção dos seus membros e que não sejam aceitáveis como instrumento de eventuais políticas de incentivo à família que se funda no casamento.
Não cremos, igualmente, que este entendimento “viola a linha de parentesco”, conforme sustentado pelo recorrente, “postergando a possibilidade de um descendente ou ascendente do executado poder exercer tal direito”.
Com efeito, e conforme se argumenta no citado AC do STA, “como decorre do teor do artigo 842º ( pretérito 912º ) do CPC, a atribuição do direito de remição não está intimamente relacionada com as implicações económicas da eventual morte do executado e preservação do seu património para os herdeiros. Isto porque, ao atribuir, em primeira linha, o direito de remição somente ao cônjuge, e não à primeira e segunda classe de sucessíveis previstas no art.º 2133.º do C.Civil (cônjuge e descendentes, cônjuge e ascendentes), a lei permite que os descendentes e a família consanguínea do executado percam a faculdade de defender esse património para efeitos sucessórios e a possibilidade de preservá-lo dentro da família-linhagem. Com efeito, numa situação de segundas núpcias, com filhos apenas do primeiro matrimónio, se o cônjuge exercer o direito de remição, adquirindo onerosamente o bem na execução, poderá ficar titular exclusivo do direito de propriedade se vigorar o regime de separação de bens. E caso ele sobreviva ao executado, os descendentes e os ascendentes deste perdem a possibilidade de alcançar o bem por via hereditária, o qual se extravia, assim, da família consanguínea do executado”.
Assim sendo, não poderá proceder a argumentação aduzida pelo recorrente no sentido de que a aplicação do 842.º do CPC ao membro da união de facto lhe dá a possibilidade de "desviar" o património do executado dos herdeiros legítimos deste, pois essa situação também pode acontecer no caso exemplificado, em que o cônjuge também pode ficar, através do instituto da remição, com aquele património em detrimento dos descendentes e/ou ascendentes do executado.
Aliás, o mesmo acontece no caso de o executado casado não ter quaisquer filhos, pois os ascendentes (que seriam necessariamente chamados como herdeiros) só podem exercer o direito de remição no caso de o cônjuge não o ter exercido.
Deste modo, e visto que no nosso atual ordenamento jurídico até o núcleo constituído por duas pessoas do mesmo sexo que se encontrem casadas é tutelado como unidade familiar protegida – inclusive podem adotar - gozando da proteção que o instituto da remição dá à família, não cremos que tenha atualmente fundamento razoável, para efeitos de noção e defesa de família, a diferenciação entre cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens e pessoas em situação de união de facto estável e douradora em condições análogas às dos cônjuges, sobretudo tendo em conta que muitas destas uniões persistem dezenas de anos, -como é o caso dos autos: há mais de 18 anos-, gerando filhos, netos e bisnetos, constituindo, enfim, uma efetiva família.
Por tudo o exposto, seria inconstitucional a norma constante do art. 842.º do CPC se interpretada de forma a não admitir o exercício do direito de remição ao unido de facto, assim se reconhecendo a este o direito de remição aí previsto, sob pena de, não se fazendo essa interpretação, se violar o princípio constitucional da proteção da família ínsito no art. 36.º, n.º 1 da CRP, conjugado com os princípios da igualdade e da proporcionalidade.
Razão por que o despacho recorrido deve ser confirmado, ainda que com distinta fundamentação.
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2ª questão: verificam-se ou não os pressupostos do art. 843º,nº2 do CPC, nomeadamente por não ter depositado os 5% para indemnização do proponente?

Desde já, dir-se-á que, no caso sub judicio, não ocorreu uma “simples” omissão de depósito do preço ou dos 5% para indemnização prevista na lei e imputável à remidora em causa, tal como defende o Recorrente.
Com efeito, tal como foi “confessado” pela Agente de execução, esta entendeu que, apenas posteriormente ao despacho judicial que iria apreciar o pedido de remição é que se justificava enviar à remidora a referência MB para que procedesse quer ao depósito do preço, quer ao pagamento dos 5% para indemnização. Contudo, a remidora não seguiu tal entendimento e depositou na conta particular da AE a quantia correspondente apenas ao preço.
Não se olvide que estamos perante o exercício do direito de remição após o ato da abertura e aceitação das propostas em carta fechada, pelo que a remidora teria sempre de depositar o preço, com um acréscimo de 5% para indemnização.

Mas, atualmente a remidora pode faze-lo espontaneamente ou tais trâmites dependerão sempre de um ato do agente de execução?

Ora, a Reforma da Ação Executiva empreendida desde a entrada em vigor do D.L. n.º 38/2003, de 08/03 deslocou o centro do processo executivo do Juiz de Execução para o Agente de Execução, passando a caber a este a prática da generalidade dos atos processuais.
Em concreto, decorre do atual n.º 1 do art. 719.º do C.P.Civil, e já decorria do anterior 808.º da versão anterior, que cabe ao agente de execução efetuar todas as diligências de execução, incluindo as citações, notificações e publicações.
Por outro lado, os arts. 7º a 9º da Portaria n.º 282/13 determinam além do mais que “O depósito de quaisquer valores nas contas-clientes à ordem do agente de execução efetua-se através da utilização de um identificador único de pagamento, previamente emitido através do sistema informático de suporte à atividade dos agentes de execução.”
Aliás, a Agente de Execução estava perfeitamente consciente desta legislação uma vez que, em resposta ao pedido da remidora, refere expressamente que estava a aguardar o despacho judicial que recaísse sobre o pedido de remissão para criar uma referência multibanco.
Assim sendo, e por aplicação das disposições legais citadas, a Agente de Execução tinha a obrigação legal de ter notificado ou indicado à remidora as referências necessárias para a efetivação do pagamento através da rede multibanco ou depósito bancário, independentemente da prolação do despacho ( tudo por forma a efetuar o depósito dos 5% - alias como já o fez em 09.06, dando de barato o trânsito em julgado do despacho ora recorrido).
Em face desta omissão da Agente de Execução, a remidora não pode ser prejudicada, considerando-se que não fez o depósito por culpa sua.
No entanto, tal omissão, deverá ser colmatada com a indicação da referência respetiva para pagamento respetivo dos ditos 5% ( caso não tenha já sido feita em face da notificação já ocorrida em 09.06.2020), a que tem direito o proponente, ora recorrente.
Nestes termos, também neste segmento, improcede o recurso do proponente.
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V. Decisão.

Por tudo o exposto, acordam as Juízes que constituem esta 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida, ainda que com fundamentos diferentes.

Custas pelo recorrente.
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Guimarães, 3 de dezembro de 2020

Assinado electronicamente por:
Anizabel Sousa Pereira ( relatora)
Rosália Cunha e
Lígia Venade
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1. Os fundamentos em que o Supremo Tribunal sustenta a sua tese podem resumir-se a três: desde logo, somos confrontados com a barreira literal do art. 842.º, já que a letra da lei não autoriza a extensão do conceito de cônjuge à pessoa que com o executado viva em união de facto. Para lá disso, os unidos de facto “nunca foram designados nem na linguagem jurídica, nem na linguagem corrente, como cônjuges.” Mais ainda, invoca-se o contexto histórico em que surgiu a norma para concluir que, à época, o legislador terá pretendido proteger apenas a família matrimonializada e, em concreto, a “família-linhagem”. De facto, até à Reforma de 1977 só o casamento era considerado fonte de relações jurídicas familiares, vigorando em pleno o conceito de família circunscrito à união matrimonial. Não era pois pensada a família resultante da união de facto. Só então por ocasião daquela revisão o legislador passou a reconhecer e a admitir a possibilidade de constituir família por outras vias que não unicamente o casamento.
2. Conforme é realçado por Rita Lobo Xavier ( in ob cit., p. 1507) se bem que a Declaração Universal dos Direitos do Homem não refere expressamente a união de facto, já dedica dois preceitos às relações familiares: o art. 12.º, que tutela o respeito pela vida familiar, e o art. 16.º, que estabelece o direito a casar e a constituir família e à proteção desta pela sociedade e pelo Estado. Também a Convenção Europeia dos Direitos do Homem contempla dois preceitos dedicados à família: o art. 8.º (respeito pela vida privada e familiar) e o art. 12.º (direito de casar e constituir família). O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem vindo a interpretar o art. 8.º da Convenção no sentido de nele se incluir, não só as famílias constituídas com base no casamento – como sucede no art. 12.º – mas também, as situações familiares de facto, assumindo, como critério relevante, a “efetividade de laços interpessoais”