Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
117/22.0T8VCT.G1
Relator: ALEXANDRA VIANA LOPES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRIVAÇÃO DO USO DE VEÍCULO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
CUSTAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. Apenas a matéria de facto pode ser objeto de prova, de decisão de facto e de impugnação.
2. A matéria de facto distingue-se: dos meios de prova com que os factos podem ser julgados provados; das conclusões que apenas na apreciação jurídica podem ser extraídas a partir de factos previamente provados.
3. Apenas podem ser considerados como factos passíveis de aditar à matéria de facto, no âmbito da impugnação à decisão de facto: os factos essenciais alegados pelas partes, nos termos do art.5º/1 do CPC, ou os passíveis de considerar, nos termos do art.5º/ 2 do C. P. Civil); entre estes, os que sejam relevantes para a decisão de recurso e os que sejam conformes ao ónus de alegação e prova que cabe às partes (art.342º do C. Civil).
4. A privação do uso do veículo sinistrado é um dano indemnizável, contado desde a data do embate e a data da disponibilização pela seguradora de um veículo de substituição ou da entrega do veículo reparado se aquela não ocorreu previamente.
5. São relevantes para a fixação de indemnização de danos não patrimoniais decorrentes do acidente, pela equidade, para além das lesões, das dores e dos tratamentos: as circunstâncias graves em que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do lesante (circulação contrário ao seu trânsito e condução com taxa de alcoolémia no sangue); o grande susto e o medo sofrido pela autora com a previsão de um embate frontal, que se podem presumir judicialmente e atender, nos termos dos arts.349º e 351º do C. Civil.
6. A reparação de veículo na pendência da ação, geradora de extinção da instância quanto ao pedido de reparação por inutilidade superveniente da lide, onera a ré com as custas da proporção do pedido extinto, nos termos do art.536º/3-2ª parte e 4 do C. P. Civil.
Decisão Texto Integral:
As Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam no seguinte
ACÓRDÃO

I- Relatório:

AA instaurou a presente ação declarativa comum contra a T... - Companhia de Seguros, S.A., ação na qual:
1. A autora:
1.1. Pediu:
«A) Deve a Ré ser condenada a mandar efectuar a reparação do ..-..-QS, cujos danos ascendem a quantia não inferior a € 20.000,00 (vinte mil euros), e pague o respectivo valor à oficina;
B) Deve a Ré ser condenada a pagar à Autora, a título de imobilização e privação do uso do ..-..-QS, uma quantia diária não inferior a € 10,00 (dez euros), contada desde a data em que ocorreu o acidente – 05 de Novembro de 2021 -, até à data em que o veículo, reparado, seja restituído à Autora, quantia que, já liquidada até à presente data, ascende ao montante de € 680,00 (€ 10,00 x 68 dias);
C) Deve a Ré ser condenada a pagar à Autora a quantia de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), a título de desvalorização do ..-..-QS;
D) Deve a Ré ser condenada a pagar à Autora a quantia global de € 2.428,91 (dois mil, quatrocentos e vinte e oito euros e noventa e um cêntimos), respeitante a salários perdidos peticionados no artigo 56º (€ 542,00), danos morais peticionados no artigo 57º (€ 1.000,00), despesas peticionadas no artigo 58º (€ 136,91) e telemóvel peticionado no artigo 59º (€ 750,00);
E) Deve a Ré ser condenada nos juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, contados sobre as importâncias atrás referidas, desde a citação até efectivo e integral pagamento;
F) Bem como deve a Ré ser condenada em custas e procuradoria condigna, esta a favor da Autora.».
1.2. Invocou, como fundamento, a ocorrência de um acidente de viação o qual se ficou a dever à culpa exclusiva do condutor do veículo ..-EO-.., segurado na Ré e causador de danos patrimoniais e não patrimoniais à autora.
2. A ré apresentou contestação nos termos constantes de fls. 21 e seguintes, na qual:
2.1. Defendeu-se:
a) Por impugnação parcial, impugnando uns factos e aceitando outros.
b) Por invocada exceção ao pedido formulado em a) da petição inicial, alegando: que o atraso na conclusão da peritagem iniciada a 10.11.2021 se deveu à autora, tendo em conta que, apesar de ter enviado o perito à oficina escolhida pela autora nos dias que indicou desde 23.11.2021, este não pode fazer a peritagem por a autora não ter dado autorização para a desmontagem do veículo; que a 27.12.2021 foi concluída a peritagem e foi apurado com a concordância da oficina que seria necessário o valor de € 17 039, 95 para a reparação do veículo; que a 30.12.2021 comunicou à oficina que a peritagem passava a definitiva desde que a reparação fosse autorizada pela autora; que, como não obteve resposta da oficina, a 19.01.2022 comunicou à oficina que poderiam proceder à reparação da viatura e posteriormente remeter fatura- recibo no valor de € 17 039, 95; que a ré concedeu à autora, pelo período de 20.01.2022 A ...8.01.2022 um veículo de substituição à autora; que o veículo da autora lhe foi entregue reparado A ...8.01.2022.
2.2. Deduziu incidente de intervenção acessória provocada contra o condutor do veículo com matrícula ..-EO-.., por entender que lhe assiste direito de regresso contra o condutor, nos termos do artigo 27º/c) do DL nº 291/2007, de 21 de agosto, por o mesmo conduzir com uma taxa de álcool no sangue de 2,30 g/l.
3. Por despacho de 30.03.2022, a fls.45, foi admitida a intervenção acessória provocada requerida.
4. O chamado apresentou contestação à ação, a fls. 50 e seguintes dos autos, impugnando os factos alegados na petição inicial nos arts.4º a 15º, 17º a 59º.
5. Foi dispensada a audiência prévia e foi proferido despacho saneador, a fls. 55 dos autos, no qual: foi fixado o valor da ação em € 23 858, 92 e proferido despacho saneador tabelar; foi identificado o objeto do litígio e foram enunciados os temas da prova; foram apreciados os requerimentos de prova e marcado julgamento
6. A Autora apresentou articulado, a fls. 57 e seguintes, no qual declarou pretender pronunciar-se sobre as exceções deduzidas na contestação, alegar factos supervenientes e alterar parte do pedido e da causa de pedir, após o que:
6.1. Impugnou factos alegados como fundamento das exceções (salvo a concessão do veículo de substituição), alegando: que mesmo após ter enviado à ré os emails de 17.11.2021, de 3.12.2021 e de 17.12.2021, a reclamar que realizasse a vistoria e desse instruções de reparação à oficina, não teve conhecimento se o perito foi à oficina e se foi efetuada a peritagem; que até 19.01.2022 a ré ainda não tinha dado ordem de reparação à oficina e não lhe foi transmitido se foi dada a ordem e em que termos.
6.2. Alegou, como factos que qualificou de novos e supervenientes: que o seu veículo foi submetido a uma reparação e lhe foi entregue A ...8.01.2022; que, após chegar a casa, verificou que não foram eliminados todos os danos sofridos pelo veículo com o acidente, tendo alertado a oficina que o vidro da porta da frente esquerda estava riscado devido a estilhaços do vidro retrovisor, que a porta da frente esquerda não fechava corretamente e fazia um ruído, que a porta da frente traseira fazia bastante ruído (arts.9º e 10º); que, depois de levar o veículo à oficina, esta lhe disse que apenas tinha instruções para proceder à reparação do vidro da frente e não dos demais danos (arts.11º e 12º); que reiterou que os danos decorriam todos do acidente (art.13º), uma vez que tinha-o adquirido novo e estava novo antes do acidente (arts.14º e 15º); que, como nada foi feito, enviou à oficina a carta de 16.02.2022 que reproduziu, carta na qual referia os danos alegados em 10º e refere ainda que «O vidro da frente (vulgo para-brisas) também se encontra riscado do lado do embate» (art.16º); que o perito deu ordem para reparar parte dos danos, faltando presentemente substituir o para-brisas partido e o vidro da porta do condutor e estando nesta data concluída (arts.17º e 18º), em relação aos quais a oficina não obteve ordem de reparação da ré conforme comunicou a 23.05.2022 (art.20º).
6.3. Concluiu e pediu: «deve o pedido formulado sob a al. A) ser alterado, no sentido de apenas ser a Ré condenada a efectuar a reparação dos danos existentes em sequência do acidente de viação e que ainda não foram reparados, ou seja, falta substituir o para-brisas partido e o vidro da porta do condutor, mantendo-se os demais pedidos formulados na p.i».
7. A Ré exerceu o contraditório, a fls. 66 e ss, no qual: defendeu que não deveria ser admitido o articulado, uma vez que a autora não foi notificada para o efeito e deveria sê-lo no início da audiência de julgamento; impugnou os factos alegados de 9º a 16º e 20º e 21º por desconhecimento e falta de obrigação de conhecimento e os de 13º, 17º, 18º e 22º por se tratarem de conceitos e conclusões jurídicas.
8. Realizou-se a audiência final, com ata de fls. 73 ss, na qual: produziu-se prova de declarações e depoimento da autora e de depoimento de testemunhas; prestação de alegações.
9. A 13.11.2022 foi proferida sentença, que decidiu:
«Nestes termos e perante todo o exposto, o tribunal decide julgar a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:
- julga-se a inutilidade superveniente do primeiro pedido formulado;
- condena-se a Ré no pagamento à Autora de uma indemnização no valor global de € 656,91 (seiscentos e cinquenta e seis euros e noventa e um cêntimos), a título de danos patrimoniais e de danos não patrimoniais (€ 230,00 pela privação de uso, € 26,91 pelas suportadas e € 400,00 pelos danos não patrimoniais), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação e até efectivo e integral pagamento;
- absolve-se a Ré do demais peticionado.
**
Custas a cargo da Ré e do Autor, na proporção dos respectivos decaimentos.».
10. A autora interpôs recurso de apelação, no qual apresentou as seguintes conclusões:
«1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pela Mma. Juiz a Quo, que julgou parcialmente procedente a acção.
2. Entende a recorrente ser a sentença nula nos termos da alínea d) do número 1 do artigo 615º do Código de processo Civil, uma vez que o Tribunal não se pronunciou acerca de questões que exigiam apreciação.
3. Isto porque, não obstante serem referidos os novos factos na sentença “A Autora apresentou articulado nos termos constantes de fls. 57 e seguintes, alegando factos supervenientes. A Ré ofereceu a sua pronúncia, nos termos constantes de fls. 66 e seguintes dos autos.”, a mesma é omissa concretamente quanto aos mesmos.
4. Não se pronuncia o tribunal acerca dos pedidos supervenientes, nomeadamente do que peticiona a condenação da Ré “na reparação dos danos existentes em sequência do acidente de viação e que ainda não foram reparados, ou seja falta substituir o pára-brisas partido e o vidro da porta do condutor”.
5. A sentença padece de ausência de posição e decisão sobre matérias que os sujeitos processuais submeteram à apreciação do tribunal, termos pelos quais entende a recorrente ser a sentença nula nos termos da alínea d) do número 1 do artigo 615º do Código de processo Civil.
6. Entende ainda a autora recorrer da decisão sobre a matéria de facto, tanto de factos dados por provados, como de factos dados por não provados, que deverá obedecer ao disposto no art.º 640.º do CPC.
7. Deu-se por provado no facto 40 que “o avaliador voltou à oficina no dia 23-11- 2021, não tendo concluído o relatório, porquanto a Autora não tinha dado autorização para desmontar a viatura;”
8. Em detrimento ao artigo 40 deveria ser dado por provado que “A autora não foi contactada para autorizar a desmontagem da viatura”.
9. As testemunhas da Ré, afirmam que aguardam ordem de reparação por parte da Autora, no entanto nenhuma confirma ter contactado a autora para o efeito, bem sabendo que a mesma tinha mandatário.
10. A testemunha L... com referência à ata do dia 11- 10-2022 com início às 10:51:06 e fim às 11:23:33, e BB com referência à ata do dia 11-10-2022 com início às 11:2909 e fim às 11:45:41, em momento algum afiram terem contactado a autora ou o seu mandatário.
11. Nos emails, enviados a 17 de Novembro de 2021, 03 de Dezembro de 2021, 17 de Dezembro de 2021 e 24 de dezembro de 2021, a recorrente, por intermédio do seu mandatário, reiteradamente pede à recorrida que proceda “à vistoria dos danos sofridos no seu veiculo em sequência do acidente supra referido” alertando “que o mesmo é-lhe totalmente imprescindível”, não tendo obtido resposta.
12. Também deve ser analisado o depoimento da testemunha CC com referência à ata do dia 11-10-2022 com início às 10:37:48 e fim às 10:49:59 cuja transcrição feita em alegações se dá aqui por reproduzida que afirma que a filha foi várias vezes à oficina saber porque o carro não era arranjado.
13. Não se coaduna com as regras da experiência que a Autora tivesse qualquer intenção de protelar a situação. Assim devia ser dado por não provado que “A autora não foi contactada para autorizar a desmontagem da viatura” em detrimento do facto provado 40.
14. Deu-se por provado no facto 41 que “O referido avaliador retomou à oficina nos dias 2-12-2021, 8-12-2021 e 15-02-2022, tendo sido informado que a viatura não se encontrava desmontada porque a Autora ainda não tinha dado informação para o efeito;”
15. Deveria em detrimento ser dado por provado que “O referido avaliador deu informação à Ré nos dias 2-12-2021, 08-12-2021 e 15-12-2021 onde consta que aguarda autorização de desmontagem por parte do segurado”
16. É errado afirmar que o avaliador retomou à oficina quando o mesmo diz que, não sabe informar se nas datas referidas se deslocou à oficina, como se retira do depoimento de BB com referência à ata do dia 11-10-2022 com início às 11:29:09 e fim às 11:45:41.
17. Por outro lado, afirma a testemunha BB com referência à ata do dia 11- 10-2022 com início às 11:29:09 e fim às 11:45:41 cuja transcrição feita em alegações se dá aqui por reproduzida, que o facto de constar na ficha que o veículo não está desmontado, não significa que não estivesse na realidade.
18. Mais nos questionamos, como poderia no dia 15-02-2022 ter o averiguador sido informado que a viatura não se encontrava desmontada, se, como se prova no facto 42 no dia 27 de Dezembro de 2021 foi concluída a peritagem?!
19. Assim, porque vai contra as regras da experiência, e encontra-se em contradição com o facto provado 42, o facto provado 41. “O referido avaliador retomou à oficina nos dias 2-12-2021, 8-12-2021 e 15-02-2022, tendo sido informado que a viatura não se encontrava desmontada porque a Autora ainda não tinha dado informação para o efeito” deveria ser substituído por “O referido avaliador deu informação à Ré nos dias 2-12-2021, 08-12-2021 e 15-12-2021 onde consta que aguarda autorização de desmontagem por parte do segurado”.
20. Quanto aos factos provados 46 e 47, que não se transcrevem por economia processual, mas que se dão aqui por reproduzidos deveriam ser dados por não provados por decorrência do pedido de alteração do facto provado 40.
21. As testemunhas da Ré, afirmam que aguardam ordem de reparação por parte da Autora, no entanto nenhuma confirma ter contactado a autora para o efeito, bem sabendo que a mesma tinha mandatário.
22. A recorrente reiteradamente pediu vistoria aos danos sem obter qualquer resposta.
23. Não se coaduna com as regras da experiência que a Autora tivesse qualquer intenção de protelar a situação e bem assim que esperasse 47 dias para dar autorização para desmontar o veículo. Assim, tais factos deverão ser dados por não provados.
24. Foi dado por não provado o envio e receção das comunicações enviadas pela recorrente à recorrida descritas no nº 1, 2, 3 e 4 dos factos não provados. Dão-se aqui por reproduzidas tais comunicações que não se transcrevem por economia processual.
25. Assim, e em cumprimento do artigo 640ºCPC, consideram-se incorretamente julgados os quatro pontos enunciados e respeitantes às comunicações eletrónicas enviadas pela recorrente à recorrida, sendo que nos quatro pontos, a decisão que deveria ser proferida seria dar tais factos como provados.
26. Os meios probatórios que impunham decisão diferente também são comuns aos quatro.
27. Em primeiro plano os factos foram confessados pela Ré no seu articulado quando diz no seu artigo 25º ser totalmente falsa a matéria alegada nos artigos 20º apenas na parte “a Ré nada fez”. Sendo assim todo o demais verdade.
28. Mesmo lendo o artigo 24º da contestação, do mesmo não se retira a impugnação da Ré por falsidade. A Ré impugna apenas a parte que determina que “a Ré nada fez”, impugnando igualmente por no seu entender se tratarem de conceitos e conclusões de natureza jurídica (artigo 24º).
29. Admitindo que a Ré impugna por desconhecimento os factos alegados, nos termos do número 3 do artigo 574º CPC “Se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento e equivale a impugnação no caso contrário”, pelo que a impugnação por desconhecimento equivaleria à confissão na medida em que são factos que a Ré deve ter conhecimento.
30. Se os argumentos aduzidos, salvo melhor opinião seriam suficientes para alterar a matéria de facto, a prova testemunhal é clara na existência das comunicações.
31. M... com referência à ata do dia 11-10-2022 com início às 10:51:06 e fim às 11:23:33, com depoimento transcrito e passagens identificadas em alegações (que se dão aqui por reproduzidas), gestor de sinistros da recorrida leu as comunicações referidas na audiência de discussão e julgamento, o que claramente só pode significar que as recebeu. Aliás, admite-o expressamente.
32. Atento ao exposto pensa-se que só por mero lapso tais factos foram dados por não provados, no entanto porque determinantes para a decisão, tal matéria deve ser alterada dando-se por provado o facto 1 a 4 dos factos não provados, que se dão aqui por transcritos.
33. Entende-se igualmente que ficou demonstrado facto alegado no articulado superveniente: “A Autora alertou a oficina e a Recorrida de que o vidro da porta da frente esquerda estava riscado devido aos estilhaços do vidro do retrovisor que, no embate, foi parar a esse vidro, a mesma porta da frente esquerda não fechava correctamente e fazia um ruído como se houvesse passagem de ar, a porta traseira, em condução em paralelo, fazia bastante ruido como se se encontrasse mal colocada ou com falta de borrachas, o que fez que enviasse email para a ... a 29 de Janeiro de 2022”.
34. CC com referência à ata do dia 11-10-2022 com início às 10:37:48 e fim às 10:49:59 (cuja transcrição feita em alegações se dá aqui por reproduzida) descreveu as anomalias que o veículo tinha após ser entregue “A porta fechava mal, o vidro está todo.. tem muitos riscos, também reclamou e ainda continua. Tinha várias coisas e era a porta. Não sei se não era a mala também”. Do referido depoimento denota-se que os defeitos foram reclamados e que o veículo ainda não se encontra reparado.
35. Também o perito averiguador da Ré, BB com referência à ata do dia 11-10-2022 com início às 11:29:09 e fim às 11:45:41 (cuja transcrição feita em alegações se dá aqui por reproduzida) afirma ter conhecimento dos danos.
36. Tal facto consta ainda do documento ...0 junto pela Ré com a contestação.
37. Também foi dado por não provado e deveria ser dado por provado que “A Ré verificou a existência dos danos descritos, nomeadamente o vidro da porta da frente esquerda estava riscado devido aos estilhaços do vidro do retrovisor que, no embate, foi parar a esse vidro, a mesma porta da frente esquerda não fechava correctamente e fazia um ruído como se houvesse passagem de ar, a porta traseira, em condução em paralelo, fazia bastante ruido como se se encontrasse mal colocada ou com falta de borrachas.”
38. Desde logo ficou demonstrado pelo depoimento da testemunha perito averiguador da Ré, BB com referência à ata do dia 11-10-2022 com início às 11:29:09 e fim às 11:45:41 (cuja transcrição feita em alegações se dá aqui por reproduzida) que afirma ter verificado os danos.
39. Perante as evidências deveria ainda ser dado por provado que “A Ré apenas assumiu parte dos novos danos reclamados”.
40. Demonstra-se tal facto do articulado superveniente (igualmente dado por não provado) pelo depoimento da testemunha da recorrida L... com referência à ata do dia 11-10-2022 com início às 10:51:06 e fim às 11:23:33 (cuja transcrição feita em alegações se dá aqui por reproduzida) que sem nenhum interesse em beneficiar a autora afirma ter indicação que a autora reclamou algumas anomalias e uma delas foi considerada como tendo relação com o acidente, sendo que a outra não.
41. Deveria ainda ser dado por provado que o veículo ..-..-QS teve a sua primeira matrícula a 14-05-2019, o que se retira do certificado de matrícula junto como documento ... da PI.
42. Por último deveria ser dado por provado que “o acidente e respectiva reparação determinam uma desvalorização do veículo”.
43. Tal facto resulta das regras da experiência, conjugadas com o depoimento da testemunha CC com referência à ata do dia 11-10-2022 com início às 10:37:48 e fim às 10:49:59 (cuja transcrição feita em alegações se dá aqui por reproduzida) e certificado de matrícula, que demonstra que o veículo tinha um ano e meio.
44. O veículo foi atingido de forma substancial, conforme se retira do documento ... junto com a contestação e integrante dos factos provados, tendo sido atingido em órgãos mecânicos importantes que impediam o veículo de circular após o acidente.
45. Assim e de modo indiciário, deveria ser dado por provado que o acidente e respectiva reparação determinam uma desvalorização do veículo.
46. Impunha igualmente a sentença recorrida decisão diferente quanto à aplicação do direito, nomeadamente quanto às custas por inutilidade superveniente da lide.
47. Pede a autora que a Ré seja condenada a mandar efetuar a reparação do ..-..- QS. Após a entrada em juízo da presente ação judicial, assumiu a Ré responsabilidade no acidente dando ordem de reparação.
48. Se é certo que tais factos geram inutilidade superveniente da lide, certo é também que tal não é imputável à autora.
49. A recorrente viu-se forçada a recorrer a vias judiciais porque, não obstante não ter responsabilidade no acidente, viu-se privada do seu veículo desde o dia .../.../2021 até dia 28 de Janeiro de 2022 (sendo que mesmo nessa data não pode usufruir plenamente do veículo).
50. A Ré não respondeu às comunicações da Autora, nomeadamente de 3, 17 e 24 de Dezembro.
51. Não se podia exigir à recorrente uma espera infindável, sem reparação e sem qualquer resposta da companhia.
52. A recorrida não articulou, como lhe competia a comunicação com a recorrente, escudando-se em emails que envia à oficina indo contra o imposto pelo DL 291/2007, de 21 de Agosto nomeadamente no seu artigo 36.
53. Assim, deverá ser a recorrida condenada nas custas da inutilidade superveniente da lide parcial nos termos do nº 3 do artigo 450º do CPC.
54. Deu-se por provado que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do segurado da recorrida. Assim, a ré seguradora é responsável pelo ressarcimento dos prejuízos sofridos pela autora em consequência do sinistro em causa.
55. A privação do uso é um dano indemnizável.
56. Foi demonstrado que a autora é apenas proprietária do veículo que interveio no acidente e precisa de se deslocar no mesmo diariamente, residindo na freguesia ... e trabalhando em ... (facto 20, 21 e 22).
57. Ficou demonstrado que o ..-..-QS não podia circular e foi transportado de reboque, do local onde ocorreu o embate, para a oficina ... em ... (facto 19).
58. O acidente deu-se dia 05 de novembro de 2021.O veículo foi entregue à autora A ...8 de Janeiro de 2022. A autora esteve 84 dias privada da utilização do seu veículo automóvel, não tendo contribuído para o agravamento do dano.
59. Como se demonstrou a recorrente é a principal interessada na reparação do veículo. A recorrente, conforme refere a sua mãe foi diversas vezes à oficina, acabando por ter que recorrer aos serviços de mandatário. O mandatário enviou diversas comunicações pedindo veículo alternativo, não tendo obtido qualquer resposta como decorre das próprias comunicações.
60. Pelo que deverá ser a sentença alterada no que tange à condenação por privação do uso, devendo ser a recorrida condenada no montante de €840,00 (oitocentos e quarenta euros) – 84 dias x 10 euros.
61. O veículo tinha cerca de um ano e meio quando ocorreu o embate que o deixou imobilizado. Um acidente com a dimensão do relatado nos autos, implica necessariamente uma desvalorização do veículo.
62. O valor da indemnização deve ser fixado seguindo critérios de equidade.
63. Assim deverá ser a sentença recorrida alterada, condenando a recorrida no pagamento de €750,00 (setecentos e cinquenta euros) a título de desvalorização do ..-..-QS.
64. Os factos provados no que tange às dores, sofrimentos, receios, ansiedade e transtornos que a recorrente sofreu em virtude do acidente merecem cautela do direito, e bem assim são indemnizáveis pela sua gravidade (ver facto provado 7, 25 a 31 e 35).
65. A recorrente padeceu do susto de ver a sua via ser invadida por veículo que seguia em sentido contrário, e ter a consciência de lhe ser impossível evitar o embate.
66. Sofreu de dores, necessitou de tomar medicação, teve de recorrer novamente ao hospital.
67. Os factos enunciados impunham uma indemnização por danos morais da quantia de € 1.000,00 (mil euros) ficando a quantia atribuída de € 400,00 muito aquém da gravidade dos danos.
68. Por outro lado, refere a sentença que a autora pede a condenação da Ré por perdas salariais no montante de € 2.428,91 (dois mil quatrocentos e vinte e oito euros e noventa e um cêntimos) quando na realidade o pedido é de € 542,00 (quinhentos e quarenta e dois euros), devendo assim ser corrigida.
69. Requer a autora em articulado superveniente que seja a “Ré condenada a efectuar a reparacao dos danos existentes em sequêncja do acidente de viação e que ainda nào foram reparados, ou seja falta substituir o pára-brjsas partido e o vidro da porta do condutor”
70. Conforme se demonstrou, a recorrente informou e a recorrida verificou a existência dos danos descritos.
71. Apenas foram reparados parte dos defeitos, faltando substituir o pára-brjsas partido e o vidro da porta do condutor.
72. Tais danos existem em virtude do acidente. Pelo que deverá ser a Recorrida condenada a reparar os danos ainda existentes no veículo.
Viola a sentença recorrida o nº 4 do artigo 607º do CPC por não ter sido compatibilizada toda a matéria de facto extraindo-se dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras da experiência, havendo erro na apreciação da prova. Entende-se igualmente que viola o artigo 566º 496º, e 564º todos do Código Civil.
Termos pelos quais:
1. Deverá a sentença ser declarada nula por omissão de pronúncia nos termos da alínea d) do número 1 do artigo 615º do Código de processo Civil. Assim não se entendendo, deverá ser revogada e substituída por Acórdão que:
2. Condene a recorrida nas custas da inutilidade superveniente da lide parcial;
3. Condene a recorrida a pagar à recorrente a indemnização no valor de €840,00 (oitocentos e quarenta euros) – 84 dias x 10 euros a título de dano de privação do uso.
4. Condene a recorrida a pagar à recorrente a quantia de €750,00 (setecentos e cinquenta euros) a título de desvalorização do ..-..-QS.
5. Condene a recorrida a pagar à recorrente a quantia de € 1.000,00 (mil euros) por danos não patrimoniais.
6. Corrija a sentença na parte em que improcede o pedido de perdas salariais no valor de € 2.428,91 (dois mil quatrocentos e vinte e oito euros e noventa e um cêntimos) quando na realidade o pedido é de € 542,00 (quinhentos e quarenta e dois euros).
7. Condene a Recorrida a reparar os danos ainda existentes no veículo.».
11. A Companhia de Seguros G..., S.A. respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões:
«a) Contrariamente ao alegado, pronunciou-se o Tribunal a quo acerca do articulado superveniente deduzido pela Recorrente – fls. 57 e seguintes –, considerando não provados os danos invocados e, consequentemente, concluindo pela improcedência do pedido.
b) Motivo pelo qual inexiste fundamento para a invocada nulidade, alicerçada na al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, dado que inexistiu omissão de pronúncia acerca de questões que o Tribunal devesse apreciar.
c) Conforme decorre da prova produzida, a Recorrente foi contactada por inúmeras vezes pela Oficina para autorizar a desmontagem do veículo, e depois ainda para autorizar a reparação, tendo a delonga condicionado a conclusão da peritagem e, como tal, a reparação do veículo, que só viria a ser entregue A ...8.01.2022.
d) A obrigação de contacto incumbia apenas à Oficina, inexistindo, nesta fase, qualquer intervenção por parte dos serviços da Recorrida, apenas prestando esclarecimentos quando indagados.
e) Aliás, a Recorrente confirmou que foi contactada nesse sentido pela Oficina, junto da qual veio a autorizar a desmontagem do veículo12.
f) Termos em que, deverá manter-se na íntegra a redacção do facto 40 integrante da factualidade dada como provada, uma vez que a 23.11.2021 a Recorrente ainda não havia autorizado a desmontagem do veículo.
g) E, consequentemente, deverá manter-se na íntegra a redacção dos factos 46 e 47 integrantes da factualidade dada como provada.
h) Quanto ao facto 41 integrante da factualidade dada como provada, decorre identicamente da prova produzida que a Testemunha DD, nas datas indicadas, terá analisado o processo e verificado se existiam desenvolvimentos, isto é, se a Recorrente já havia conferido autorização para a desmontagem, o que condicionou a passagem da peritagem de provisória a definitiva apenas a 27.12.2021.
i) Quanto aos factos 1, 2, 3 e 4 não se alcança de que forma pretendia a Recorrente que fossem dados como provados, dado que tais comunicações não foram juntas aos autos, apenas as suas pretensas transcrições, impossibilitando as partes e o Tribunal a quo de conferir a sua veracidade.
j) No entanto, acerca da prova que pretende a Recorrente efectuar por via dessas comunicações, reitera-se que a delonga na reparação do veículo ficou a dever-se à Recorrente, não podendo ser imputada à Recorrida, a quem não incumbia a obtenção dessa mesma autorização.
k) Termos em que, deverão manter-se tais factos como não provados.
l) Quanto ao pedido superveniente deduzido, reitera-se que as anomalias invocadas pela Recorrente, relacionadas com o sinistro, foram devidamente reparadas, apenas não sendo assumidas as relacionadas com o párabrisas e o vidro da porta do condutor.
m) Sendo certo que, se a Recorrente tivesse autorizado a desmontagem do veículo num prazo razoável, este ter-lhe-ia sido entregue mais cedo, e as anomalias detectadas, e reparadas, previamente à instauração da acção judicial, não havendo necessidade de deduzir o articulado superveniente.
n) Motivo pelo qual, perante a manifesta inutilidade do articulado superveniente, as custas devem ser da inteira responsabilidade da Recorrente.
o) Quanto à desvalorização do veículo, tal factualidade não decorre da prova produzida, sobretudo o valor peticionado (€ 750,00), sendo certo que o veículo foi reparado e restituído pela Recorrida ao estado anterior à ocorrência do sinistro.
p) Quanto à privação do uso, sempre seria impensável condenar a Recorrida em valor superior, sobretudo o peticionado (€ 840,00), dado que o valor arbitrado corresponde aos 23 dias em que a Recorrente se viu privada sem se contabilizar os dias em que tal sucedeu por sua exclusiva culpa, novamente, pela delonga na concessão da autorização para a desmontagem do veículo.
q) Finalmente, quanto aos danos não patrimoniais, seria identicamente impensável condenar a Recorrida em valor superior (€ 1.000,00), uma vez que o valor arbitrado (€ 400,00) é suficientemente reparador dos danos por si sofridos, enquanto ferida leve que teve alta hospitalar no próprio dia.
Nestes termos, e nos que V. Exas. muito doutamente suprirão,
Deve o recurso ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.».
12. Por despacho de 15.02.2023 foi admitido o recurso de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo e foi julgado não se verificar a nulidade arguida, com os seguintes fundamentos:
«Cumpre apreciar.
Desde logo, importa sublinhar que não assiste razão à recorrente na nulidade invocada, uma vez que o Tribunal não deixou de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
Vejamos.
Compulsados os autos, verifica-se que da sentença consta o elenco dos factos provados e o elenco dos factos não provados.
Do elenco dos factos provados consta expressamente “O alegado nos artigos 10º, 13º a 16º do articulado de fls. 57 dos autos”. O articulado constante de fls. 57 dos autos é precisamente o articulado superveniente a que a recorrente se refere no seu recurso.
Após se terem elencado os factos provados e os factos não provados passou-se à motivação, aí se afirmando, quanto aos factos não provados que “os mesmos resultaram da não realização de prova suficiente e credível sobre os mesmos, designadamente, não ofereceram as partes nem foi produzido qualquer meio probatório documental, testemunhal ou pericial suficiente e seguro que sustentasse ou confirmasse tais alegações.”.
No segmento decisório o Tribunal julgou a inutilidade superveniente do primeiro pedido formulado, condenou a Ré no pagamento à Autora de uma indemnização no valor global de € 656,91 (seiscentos e cinquenta e seis euros e noventa e um cêntimos), a título de danos patrimoniais e de danos não patrimoniais (€ 230,00 pela privação de uso, € 26,91 pelas suportadas e € 400,00 pelos danos não patrimoniais), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação e até efectivo e integral pagamento e absolveu a Ré do demais peticionado.
Os pedidos supervenientes enquadram-se necessariamente na parte em que se absolveu a Ré do demais peticionado.
Reconhece-se que se poderia ter acrescentado a seguir à pronúncia quanto aos pedidos no pagamento de € 136,91 e de € 750,00, os pedidos supervenientes, nomeadamente, consignando-se que não se apurou nenhum facto que sustentasse estes pedidos, devendo os mesmos improceder. No entanto, considerando o que se fez constar dos factos provados, dos factos não provados, da motivação e do segmento decisório (absolvição), entende-se, salvo melhor opinião, não se verificar a apontada omissão. Contrariamente ao sustentado pela recorrente, os factos alegados no articulado apresentado a fls. 57 foram apreciados pelo Tribunal e julgados não provados, por falta de prova quanto aos mesmos. Não tendo a Autora provado os factos alegados e nos quais se baseou para formular pedido superveniente, este foi, consequentemente, julgados improcedente, dele se absolvendo a Ré.
O Tribunal apreciou, pois, todas as questões que devia ter apreciado, tendo absolvido a Ré do pedido formulado no âmbito do articulado superveniente, uma vez que a Autora não logrou provar, como lhe competia, a factualidade que alegou para sustentar o aludido pedido, não ocorrendo nulidade, por omissão de pronúncia.
Nestes termos e perante todo o exposto, não se verifica a invocada nulidade.».
13. Recebido o recurso de apelação nesta Relação, nos termos admitidos na 1ª instância, colheram-se os vistos e realizou-se a conferência.

II. Questões a decidir:        

As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objeto, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso não decididas por decisão transitada em julgado e da livre qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608º/ 2 (ex vi do art. 663º/2), 635º/4, 639º/1 e 2, 641º/2- b) e 5º/ 3 do C. P. Civil.

Definem-se como questões a decidir:

1. Se a sentença é nula por falta de apreciação dos pedidos supervenientes do articulado superveniente (de fls.57 ss, respondido a fls. 66 ss), nos termos do art.615º/1-d) do C. P. Civil (conclusões 2 a 5).
2. Se deve ser alterada e ampliada a matéria de facto:
2.1. Pedidos de alteração de matéria (provada e não provada) impugnada:
a) O facto provado em 40, de forma a neste constar, em substituição da sua redação, que «A autora não foi contactada para autorizar a desmontagem da viatura» (conclusões 6 a 13).
b) O facto provado em 41, de forma a neste constar, em substituição da sua redação, que «O referido avaliador deu como informação à Ré nos dias 2-12-2021, 08-12-2021 e 15-12-2021 onde consta que aguarda autorização de desmontagem por parte do segurado.» (conclusões 14 a 19).
c) Os factos provados em 46 e 47, de forma a que estes se julgassem não provados (conclusões 20 a 23).
d) O 1º facto não provado (em relação aos 4 emails aí constantes), de forma a serem julgados provados (conclusões 24 a 32).
e) O facto alegado no art.10º do articulado superveniente de fls.57 ss, de forma a ser julgado provado, com adaptação, que «A Ré verificou a existência dos danos descritos, nomeadamente o vidro da porta da frente esquerda estava riscado devido aos estilhaços do vidro do retrovisor que, no embate, foi parar a esse vidro, a mesma porta da frente esquerda não fechava correctamente e fazia um ruído como se houvesse passagem de ar, a porta traseira, em condução em paralelo, fazia bastante ruido como se se encontrasse mal colocada ou com falta de borrachas.», de forma a ser julgado provado (conclusões 33 a 36e 37 e 38).
2.2. Pedidos de ampliação de matéria (não constante de factos provados e não provados):
f) «A Ré apenas assumiu parte dos novos danos reclamados» (conclusões 39 e 40).
h) «O veículo ..-..-QS teve a sua primeira matrícula a 14.05.2019» (conclusão 41).
i) «o acidente e a respetiva reparação determinam uma desvalorização do veículo.» (conclusões 42 a 45).
3. Se deve ser retificado o pedido de perdas salariais, de forma que onde consta o valor de € 2 428,91 passe a constar o valor de € 542,00 (conclusão 68).
4. Se ocorreu erro de direito e deve ser alterada a decisão nos seguintes segmentos:
a) Quanto à reparação, devendo a recorrida ser condenada a reparar os danos ainda existentes no veículo de substituição de para-brisas partido e de vidro da porta do conduto (conclusões 69 a 72).
b) Quanto à indemnização pela privação do veículo, de forma a que a mesma corresponda ao valor de €840,00, correspondente a 84 dias de privação, a 10 euros por dia (conclusões 54 a 60).
c) Quanto à indemnização pela desvalorização do veículo, devendo a mesma ser fixada na quantia de €750,00 (conclusões 61 a 63).
d) Quanto à indemnização por danos não patrimoniais, de forma a que a mesma seja ampliada para o valor de € 1 000,00 (conclusões 64 a 67).
e) Quanto às custas da inutilidade superveniente da lide parcial, de forma a que as mesmas fiquem por conta da ré responsável pelas mesmas, nos termos do art.450º/3 do C. P. Civil (conclusões 46 a 53).

III. Fundamentação:

1. Matéria de facto provada e não provada na decisão recorrida:

«Factos provados
1- No dia 5 de Novembro de 2021, cerca das 9h e 30m, na A ...8, na zona da ... que liga a cidade ... a ..., no concelho ..., ocorreu um embate entre dois veículos;
2- No mesmo foram intervenientes o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de serviço particular, com a matrícula ..-..-QS, propriedade e conduzido pela Autora, e o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de serviço particular, matrícula ..-EO-.., propriedade e conduzido por EE;
3- No sentido seguido pela Autora, a A ...8 tem duas faixas de rodagem para quem circula no sentido ... → ..., e duas faixas de rodagem para quem circula no sentido ..., separadas por corredor central;
4- A Autora conduzia o ..-..-QS pela A ...8, no sentido ... → ...;
5- Fazendo-o na faixa esquerda de rodagem das duas vias destinadas a quem circula no sentido ... → ...;
6- Isto porque, na via direita atento o sentido seguido, seguiam outros veículos de forma compacta, e a Autora realizava, na via esquerda, uma ultrapassagem, o que igualmente faziam outros veículos;
7- Quando assim está a Autora vê que, em sentido contrário, na via onde seguia, circulava um veículo contra a mão, ou seja, o veículo entrou na A ...8 em sentido contrário;
8- Circulando no sentido ...;
9- Ao ver a manobra do ..-EO-.., a Autora ainda tenta deslocar o ..-..-QS à direita a fim do EO não lhe embater;
10- Só que na via direita circulava um veículo pesado, e não consegue evitar que o ..-EO-.. embata na frente do ..-..-QS;
11- As entradas nas duas vias da A ...8, respectivamente quer num, quer noutro sentido, encontram-se devidamente sinalizadas, com permissão de entrada para quem nelas entrar, e de proibição de entrada para quem nelas entrar em sentido contrário;
12- EE conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 2,30 gr/l;
13- Por tal razão, o EE entrou na A...8, julga-se, em ..., na entrada que tem sinal de trânsito proibido;
14- E, consequentemente, começou a circular na A...8 pela faixa contrária, ou seja, pelas faixas esquerdas atento o sentido ..., sendo que tais faixas apenas se destinam à circulação dos veículos que circulam no sentido ... → ...;
15- Por tal razão dá-se o embate entre os dois veículos;
16- O embate dá-se sensivelmente a meio da via esquerda da faixa de rodagem, sentido ... → ..., e que se destina à circulação dos veículos em tal sentido;
17- EE transferiu para a Ré seguradora a responsabilidade civil emergente de acidente de viação através da apólice de seguro em vigor à data do acidente, com o número ...16;
18- Como consequência directa do embate, resultaram no ..-..-QS danos na sua parte da frente, nomeadamente ficaram partidos o pára-choques, o capo, o guarda-lamas, os faróis e farolins, bem como ficou danificada a mecânica e a pintura;
19- O ..-..-QS não podia circular e foi transportado de reboque, do local onde ocorreu o embate, para a oficina ..., em ...;
20- A Autora reclamou à Ré que esta procedesse à vistoria dos danos e alertou que o veículo era imprescindível, reclamando um veículo alternativo;
21- A Autora é apenas proprietária do veículo que interveio no acidente;
22- Necessita diariamente se deslocar no mesmo;
23- A Autora reside na freguesia ... e trabalha na vila de ...;
24- Em consequência do embate descrito a Autora sofreu dores na zona dorsal;
25- Após o embate, a Autora foi transportada pelo INEM, do local do acidente para o Centro Hospitalar ...;
26- Unidade onde efectuou TAC e RX;
27- Após alta hospitalar, foi prescrita à Autora medicação;
28- E repouso;
29- O que a Autora fez;
30- Em 12 de Novembro de 2021 a Autora foi consultada no Hospital ...;
31- Tendo-lhe sido prescrita medicação para as dores;
32- A Autora nasceu no dia .../.../1992;
33- Não sofria de qualquer lesão;
34- A Autora desempenhava a actividade profissional de escriturária, auferindo o vencimento mensal de € 739,82;
35- Devido ao acidente a Autora sentiu dores;
36- Devido ao acidente, a Autora suportou as seguintes despesas:
a) Consulta de medicina geral e familiar, no montante de € 17,00 (dezassete euros);
b) Aquisição de medicação, no montante de € 9,91 (nove euros e noventa e um cêntimos);
37- No momento em que aconteceu o embate, o condutor do veículo ..-EO-.. conduzia com uma taxa de álcool de 2,30 gr/l;
38- A peritagem ao veículo da Autora foi marcada para o dia 10 de Novembro de 2021;
39- Todavia, como a viatura não estava desmontada e era necessária a sua desmontagem para apurar os danos verificados em consequência do acidente em apreço, o avaliador dos danos contratado pela Ré, DD, combinou com o responsável da oficina que voltaria no dia 18 de Novembro de 2011, ficando o relatório pendente da apresentação da estimativa dos danos;
40- O avaliador voltou à oficina no dia 23-11-2021, não tendo concluído o relatório, porquanto a Autora não tinha dado autorização para desmontar a viatura;
41- O referido avaliador retomou à oficina nos dias 2-12-2021, 8-12-2021 e 15-02-2022, tendo sido informado que a viatura não se encontrava desmontada porque a Autora ainda não tinha dado informação para o efeito;
42- No dia 27 de Dezembro de 2021 foi concluída a peritagem, tendo o avaliador em concordância com a oficina apurado que seria necessário o montante de 17.039,39 € para reparar a viatura em consequência dos danos sofridos com este embate –relatório de peritagem junto sob o nº 7 da contestação e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
43- No dia 30 de Dezembro de 2021, a Ré remeteu um email à oficina, dando conta de que a peritagem passava a definitiva, desde que a reparação fosse autorizada pela aqui Autora – documento nº ... junto com a contestação e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
44- Como não obteve resposta da oficina, no dia 19.01.2022 a Ré remeteu novo email à oficina informando que podiam proceder à reparação da viatura e posteriormente remeter factura-recibo no montante de 17.039,95€ - documento nº ... junto com a contestação e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
45- Pelo período de 20.01.2022 A ...8.01.2022 a Ré concedeu à Autora um veículo de substituição, tendo o veículo com a matrícula ..-..-QS sido entregue pela oficina à Autora no dia 28.01.2022 – documento nº ...0 junto com a contestação e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
46- Desde o dia .../.../2021 tinha a Autora conhecimento que a vistoria/peritagem ao veículo e subsequente ordem de reparação estava dependente da sua autorização para que se procedesse à desmontagem do veículo;
47- Somente no dia 27.12.2021, ou seja, 47 dias após lhe ter sido informado que a peritagem ao veículo estava dependente da sua autorização para desmontar o veículo é que a Autora deu autorização para o efeito;
48- O veículo da Autora foi submetido a reparação e entregue à Autora pela oficina no dia 28 de Janeiro de 2022;
49- A ... prestou uma informação à Autora nos termos constantes de fls. 63v e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
*
Factos não provados

A Autora, através do seu mandatário, enviou os seguintes emails, com os seguintes conteúdos:
1 – Em 17 de Novembro de 2021:
“Assunto: Sinistro de 05-11-2021
V/Referência: Apólice n.º ...16
Veículo matrícula: ..-EO-..
Segurado: EE
N/Refª. e Sinistrada: AA
Veículo matrícula: ..-..-QS
Exmos. Senhores:
Refere a nossa cliente que reclamou que V. Exas. procedessem à vistoria dos danos sofridos no seu veículo em sequência do acidente supra referido, bem como alertou que o mesmo é-lhe totalmente imprescindível, reclamando que V. Exas. lhe colocassem à disposição um outro veículo com características semelhantes às do sinistrado.
Até à data nada disseram.
Assim, vimos solicitar, e agora por escrito:
a) que urgentemente efectuem a vistoria dos danos do veículo matrícula ..-..-QS,  e dêem ordem de reparação;
b) que coloquem à disposição da nossa cliente um veículo ou, em alternativa, que aceitem pagar a quantia diária de € 30,00 (trinta euros) a título de imobilização.
Agradecemos resposta urgente.
Atentamente.
Dr. FF
Advogado”
2 – Em 03 de Dezembro de 2021:
“Ocorrência nº: ...03
Sinistro nº: ...94
Data do acidente: 05-11-2021
Apólice: ...16
Veículo Danificado: ..-..-QS
Gestor: GG
N/Refª. e Sinistrada: AA
Exmos. Senhores:
Incumbiu-me a Sra. AA de entrar em contacto com V. Exas. no sentido de responder à carta que lhe enviaram datada de 9 de novembro de 2021.
Nessa conformidade o venho fazer, dizendo:
1 – O veículo continua imobilizado à espera que V. Exas. procedam à vistoria dos danos e dêem ordem de reparação.
2 – A D. AA continua a necessitar de veículo alternativo, como já fez saber.
Assim, mais uma vez solicitamos que coloquem à disposição da mesma um veículo com características semelhantes às do sinistrato, ou aceitem pagar a quantia de € 30,00 diários.
3 – A D. AA continua com dores resultantes do acidente, pelo que necessita de efectuar sessões de fisioterapia e tomar medicação.
Todo e qualquer contacto deverá ser efectuado com o nosso escritório.
Atentamente.
Dr. FF”
3 – Em 17 de Dezembro de 2021:
“N/Refª. e Sinistrada: AA
Exmos. Senhores:
Não recebemos qualquer resposta ao email enviado a 3 de Dezembro de 2021, o que é  sempre de lamentar.
Assim, continua o veículo imobilizado na oficina da marca, e a nossa cliente a andar de  carros de aluguer e emprestados.
Porque o assunto é urgente, solicitamos que nos informem:
a) se assumem a culpa do segurado;
b) se vão ou não dar instruções para reparação.
Solicitamos igualmente que, enquanto o veículo estiver imobilizado, coloquem à disposição da nossa cliente um veículo alternativo, ou que aceitem pagar a quantia de 30 € diários, a título de imobilização.
Aguardamos resposta com a urgência que o assunto merece.
Atentamente.
Dr. FF”
4 – Em 24 de Dezembro de 2021:
“Exmos. Senhores:
Acusamos email enviado a 21/12/2021.
Na sequência do mesmo vimos dizer que o que afirmam não corresponde à verdade.
Com efeito, logo após ter ocorrido o acidente, o veículo foi para a oficina e a nossa cliente reclamou a reparação.
Assim, devem V. Exas. proceder à vistoria dos danos a fim da mesma se realizar.
Atentamente.
O Advogado,
Dr. FF”.
Era o primeiro veículo que a Autora era proprietária, adquirido novo a 14-05-2019.
Estava com a pintura nova.
Nunca tinha intervindo em qualquer acidente de viação.
A Autora praticava corrida e natação.
Bem como tem dificuldade em pegar em peso.
Dificuldade em baixar-se.
E dificuldade em dormir.
Tendo de tomar analgésicos para aliviar as dores.
Devido ao acidente, a Autora esteve sem poder exercer a sua actividade profissional desde o dia .../.../2021 até 27 de Novembro de 2021.
Devido ao acidente a Autora teve a seguinte despesa: Gasóleo, no montante de € 110,00 (cento e dez euros).
Tendo, igualmente em consequência do acidente, sido partido um telemóvel que a Autora levava no carro, no qual havia despendido a quantia de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros).
O alegado nos artigos 10º, 13º a 16º do articulado de fls. 57 dos autos.
*
Não resultaram provados os restantes factos alegados na petição inicial e que não constam dos factos provados.
*
Não se faz alusão ao demais alegado pelas partes por se tratar de matéria conclusiva, matéria de direito ou considerações sobre o caso.».

2. Apreciação do objeto do recurso:
2.1. Arguição de nulidade da sentença:
A recorrente arguiu a nulidade da sentença por entender que na mesma não foram apreciados factos alegados no articulado superveniente e os pedidos formulados no mesmo (de fls.57 ss, respondido a fls. 66 ss), nos termos do art.615º/1-d) do C. P. Civil (conclusões 2 a 5).
A recorrida opôs-se à arguição, defendendo que o Tribunal a quo julgou não provados factos alegados nesse articulado e concluiu pela improcedência do pedido.
O Tribunal a quo, pronunciando-se sobre a nulidade arguida, entendeu que esta não existe, por a apreciação dos pedidos formulados no articulado superveniente ter sido feita com o julgamento genérico de improcedência de todos os demais pedidos não abrangidos pela procedência reconhecida.
Importa apreciar a arguição.
A sentença proferida é nula quando «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;» (art.615º/1-d) do C. P. Civil), sanção esta referida à inobservância da obrigação do art.608º/2 do C. P. Civil, que dispõe que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.».
Nestas questões a resolver indicadas no art.608º/2 do C. P. Civil não se integram os factos que preenchem os fundamentos dos pedidos, factos estes que, caso seja omitida a sua apreciação, a omissão pode ser invocada como erro de direito. Neste sentido, veja-se, nomeadamente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.03.2017, proferido no processo nº7095/10.7TBMTS.P1.S1, relatado por Tomé Gomes, que sumaria, de forma que se perfilha por inteiro: «I. O não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. II. Tais situações reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC.»[i].
Ora, examinando a arguição e seus fundamentos, em comparação com o regime de direito aplicável, não pode deixar de se verificar e entender que a arguição de nulidade não pode proceder, tendo em conta: que a omissão de apreciação de factos alegados, quando exista, não corresponde à omissão de conhecimento de uma questão mas a um erro de julgamento, a suscitar pela via própria da impugnação da decisão de facto ou da suscitação da ampliação de julgamento de facto; que o pedido de reparação reduzido, e formulado no articulado superveniente face à invocada reparação parcial realizada na pendência da ação, não pode deixar de se considerar implicitamente apreciado, tendo em conta que o Tribunal a quo considerou extinto o pedido de reparação face à reparação de danos que havia sido julgada provada e considerou improcedente toda a parte não reconhecida como indemnizável ou suportada por factos provados (sendo que, previamente, o tribunal a quo dera como não provados os factos alegados nos arts.10º, 13º e 16º do articulado superveniente); que, ainda que se assim não fosse, a pronúncia realizada pelo Tribunal a quo quanto à nulidade de falta de apreciação de pedido, ter-se-ia como suprimento de alguma nulidade existente, pela consideração que o pedido deduzido no articulado superveniente fora considerado improcedente.

2.2. Impugnação de matéria de facto:
2.2.1. Impugnação dos factos provados em 40, 41, 46 e 47 da matéria de facto provada:
A sentença recorrida, em referência a matéria alegada na contestação como exceção, julgou provados os factos 40, 41, 46 e 47 («40- O avaliador voltou à oficina no dia 23-11-2021, não tendo concluído o relatório, porquanto a Autora não tinha dado autorização para desmontar a viatura; 41- O referido avaliador retomou à oficina nos dias 2-12-2021, 8-12-2021 e 15-02-2022, tendo sido informado que a viatura não se encontrava desmontada porque a Autora ainda não tinha dado informação para o efeito; (…) 46- Desde o dia .../.../2021 tinha a Autora conhecimento que a vistoria/peritagem ao veículo e subsequente ordem de reparação estava dependente da sua autorização para que se procedesse à desmontagem do veículo; 47- Somente no dia 27.12.2021, ou seja, 47 dias após lhe ter sido informado que a peritagem ao veículo estava dependente da sua autorização para desmontar o veículo é que a Autora deu autorização para o efeito;»), com base na seguinte apreciação sumária e genérica de um grupo de factos- «Os factos constantes dos pontos 38- a 48- dos factos provados apurou-se com base nos elementos documentais juntos com a contestação, conjugados entre si e conjugados com as declarações das testemunhas L..., DD e HH.».
A recorrente impugnou estes factos julgados provados, de acordo com a análise realizada dos meios de prova indicados nas conclusões 6 a 23, pedindo: que no facto provado em 40, em substituição da redação da sentença, passe a constar que «A autora não foi contactada para autorizar a desmontagem da viatura» (conclusões 6 a 13); que no facto provado em 41 passe a constar, em substituição da redação da sentença, que «O referido avaliador deu como informação à Ré nos dias 2-12-2021, 08-12-2021 e 15-12-2021 onde consta que aguarda autorização de desmontagem por parte do segurado.» (conclusões 14 a 19); que os factos provados em 46 e 47 se julguem não provados (conclusões 20 a 23).
A recorrida opôs-se às pretensões, com base nas als. c) a h) da resposta às alegações, para que se remete.
Impõe-se apreciar esta impugnação, apresentada com cumprimento elementar e suficiente dos ónus de impugnação do art.640º/1-a), b) e c) e 2-a) do C. P. Civil.
Numa primeira ordem de apreciação, importa registar, em enquadramento jurídico: que apenas pode ser julgada provada, pelo Tribunal a quo ou pelo Tribunal ad quem em decisão de impugnação, matéria essencial alegada pelas partes ou matéria instrumental decorrente da instrução ou matéria concretizadora ou complementar também decorrente da instrução e após audição das partes (art.5º/1 e 2-a) e b) do C. P. Civil); que a seleção de matéria a julgar e a provar deve ser feita de acordo com o ónus de prova que cabe às partes (art.342º do C. Civil); que, na dúvida sobre a realidade de um facto, esta deve ser resolvida contra a parte a quem o facto aproveita (art.414º do C. P. Civil).
Examinando a matéria julgada provada em 40 e 41, 46 e 47, e aqui impugnada neste recurso, verifica-se que esta corresponde a matéria cujo ónus de alegação e de prova caberia à ré, nos termos dos arts.5º/1, 571º e 572º/c) do C. P. Civil e nos termos do art.342º/2 do C. Civil, uma vez: que foi alegada pela ré na sua contestação como matéria de exceção; que corresponde a matéria passível de integrar uma exceção impeditiva ou modificativa do invocado direito indemnizatório pela privação de uso do veículo danificado.
Como apreciação liminar desta impugnação em relação aos factos 40 e 41 e ao regime jurídico enunciado, verifica-se:
a) Que a autora pretendeu que se substituísse a versão provada do facto 40, em relação à alegado pela ré na contestação como fundamento da exceção («40- O avaliador voltou à oficina no dia 23-11-2021, não tendo concluído o relatório, porquanto a Autora não tinha dado autorização para desmontar a viatura;») pela versão «A autora não foi contactada para autorizar a desmontagem da viatura», correspondente à impugnação do facto que fez na resposta à contestação e com uma versão de redação por si realizada pela primeira vez neste recurso.
Assim, não cabendo na decisão judicial selecionar e decidir a versão impugnante de factos, a impugnação do facto 40 apenas pode ser apreciada, em conjugação com os demais factos provados e impugnados que se situam no mesmo tema fático (do conhecimento pela autora que deveria dar autorização de desmontagem e na sua falta de autorização até 27.12.2021), para concluir se o facto 40 deve julgar-se provado ou não deve julgar-se provado.
b) Que a autora pretendeu que se substituísse a versão provada do facto 41, decorrente da alegação da ré na contestação («41- O referido avaliador retomou à oficina nos dias 2-12-2021, 8-12-2021 e 15-02-2022, tendo sido informado que a viatura não se encontrava desmontada porque a Autora ainda não tinha dado informação para o efeito;») pela descrição de meios de prova, juntos pela ré como documentos nº... a ... da contestação, de fls.35/v e 36/frente verso dos autos («O referido avaliador deu como informação à Ré nos dias 2-12-2021, 08-12-2021 e 15-12-2021 onde consta que aguarda autorização de desmontagem por parte do segurado.»).
Todavia, a matéria de facto a considerar pelo Tribunal distingue-se dos meios de prova com que a mesma pode ou não ser julgada provada.
Desta forma, para além de não interessar no facto provado se o perito foi ou não informado, nem a descrição irrelevante do meio de prova, na impugnação apenas importa apreciar, no que de relevante o facto 41 pode aportar, se nas datas indicadas o perito da ré não pode realizar a peritagem por a ré não ter dado autorização para a desmontagem.
Numa segunda ordem de abordagem, reapreciando os factos provados (e o essencial que dos mesmos se pode retirar entre a matéria conclusiva alegada) de acordo com a prova produzida, examinada e ouvida integralmente por este Tribunal ad quem, verifica-se, por ordem cronológica dos acontecimentos a que a prova se refere, que não podem julgar-se provados os factos essenciais a que se referem os factos 40, 41, 46 e 47: nem que a autora conhecesse que devia dar autorização da desmontagem do veículo desde o início da peritagem de 10.11.2021; nem que não tivesse sido realizada a peritagem em qualquer uma das datas alegadas e anteriores a 27.12.2021 por a autora ter recusado ou ter omitido a prestação de autorização após ter sido interpelada para o fazer.
De facto, e por um lado, verifica-se que a ré: não juntou qualquer documento, emitido pela mesma ou pela oficina, que documentasse que foi comunicado à autora, antes de 10.11.2021, nesta data ou após (antes das datas alegadas como datas em que a peritagem se frustrou), que esta deveria prestar esta autorização da desmontagem do veículo, sob pena de o mesmo não poder ser peritado e não poder ser reparado; não juntou qualquer documento que documentasse uma resposta de recusa ou de entrave da autora à realização da desmontagem.
Por outro lado, verifica-se, através da análise dos depoimentos das testemunhas da ré, que estas não tiveram qualquer conhecimento pessoal e direto ou indireto de interpelações realizadas à autora e de reações desta (nomeadamente de omissão de resposta ou de recusa de desmontagem do veículo sinistrado):
a) O profissional de seguros M...: interveio apenas na fase inicial do processo (não se sabendo até quando) e não tinha qualquer memória concreta do caso, limitando-se a depor com recurso a documentos internos (em particular os registos do perito juntos como documentos nº... a ... da contestação, com descrição de falta de reparação por aguardar autorização para desmontagem); não relatou qualquer comunicação feita à autora pela ré antes de 21.12.2021 e apenas declarou detetar em concreto os e-mails de 21.12.2021 e de 24.12.2021, nos quais referiu ao advogado da autora, em resposta aos e-mails de protesto (pela falta de reparação do veículo) que o mesmo lhe enviara a 17.12.2021 e de 24.12.2021, que o veículo aguardava a autorização da autora para desmontagem; não ouviu, nem leu, qualquer reação da autora de recusa de reparação ou omissão de resposta a pedido de autorização.
b) O perito DD, que presta serviços à ré: não conhecia à autora não interveio em alguma comunicação a esta, não se recordando dos dias nem das vezes em que se deslocou à oficina para a peritagem; confirmou os registos juntos como documentos nº... a ... da contestação, explicando que quando mencionavam que a peritagem aguardava autorização para desmontagem, nem sempre se deslocavam ao local nos dias dos registos (podendo limitar-se a falar com a oficina por telefone).
c) O Eng. HH, funcionário da oficina da ... na altura da peritagem e da reparação:  não se recordava do veículo nem da situação; não conhecia qualquer comunicação realizada à autora nem resposta desta; referia, que regra geral, enquanto a Companhia de Seguros não assumisse a responsabilidade pelo acidente e pela reparação, apenas desmontavam o veículo com autorização do proprietário.
Por fim, regista-se: que foi a própria autora que reconheceu que lhe foi dito na oficina (em altura que não soube identificar) que seria necessário a sua autorização para a desmontagem do veículo, autorização que declarou ter dado “evidentemente” pois precisava muito do veículo, num contexto em que explicou que ninguém lhe dizia o que se passava com o veículo e o processo do sinistro, apesar de se ter deslocado muitas vezes à oficina e falado com a sua companhia de seguros; que este depoimento é consonante com o depoimento da mãe da autora, CC, que referiu que o veículo demorou muito tempo a ser arranjado, pois não havia respostas, tendo a filha ido várias vezes à oficina e recorrido a um advogado por não ter obtido resposta; que ambos os depoimentos são coerentes com o protesto realizado pelo advogado da autora junto da ré, confirmado pela testemunha da ré M..., que reconheceu que recebeu emails daquele, pelo menos, de 03.12.2021, de 17.12.2021 e de 24.12.2021 (alegados na petição inicial, emails que leu parcialmente na audiência), nos quais o mesmo denunciava que o carro estava imobilizado à espera de vistoria, reclamava a reparação do veículo e pedia que a ré informasse se assumia a responsabilidade, admitindo a testemunha que não sabia se nessa altura a Companhia/ré já havia assumido ou não a responsabilidade pelo acidente.
Ora, a insuficiência dos documentos nº... a ... da contestação (apenas com registo do perito de datas agendadas para a perícia e informação que se aguarda autorização da proprietária) para provar a comunicação realizada à autora e a resposta ou falta da resposta da mesma, conjugadas com a contraprova realizada pela autora (coerente com as regras da experiência), determina que os factos alegados pela ré, e provados em 40, 41, 46 e 47, se devam julgar não provados.
Pelo exposto, julgando-se procedente a impugnação, determina-se a eliminação da decisão de facto dos factos provados em 40, 41, 46 e 47, que devem passar a constar da matéria de facto não provada.
2.2.2. Impugnação de factos não provados:
A sentença recorrida julgou não provados os factos da mesma constante, apresentando a seguinte motivação: «Quanto aos factos não provados, os mesmos resultaram da não realização de prova suficiente e credível sobre os mesmos, designadamente, não ofereceram as partes nem foi produzido qualquer meio probatório, documental, testemunhal ou pericial suficiente e seguro que sustentasse ou confirmasse tais alegações.»
A recorrente pediu que se julgassem provados, com base na apreciação dos meios de prova aí indicados, os seguintes factos julgados não provados na decisão recorrida: a remessa e do conteúdo dos 4 emails constantes do primeiro facto julgado não provado (conclusões 24 a 32); o facto alegado no art.10º do articulado superveniente de fls.57 ss, de forma a ser julgado provado numa versão aditada e corrigida que «A Ré verificou a existência dos danos descritos, nomeadamente o vidro da porta da frente esquerda estava riscado devido aos estilhaços do vidro do retrovisor que, no embate, foi parar a esse vidro, a mesma porta da frente esquerda não fechava correctamente e fazia um ruído como se houvesse passagem de ar, a porta traseira, em condução em paralelo, fazia bastante ruido como se se encontrasse mal colocada ou com falta de borrachas.» (conclusões 33 a 36, 37 e 38).
A recorrida defendeu que não poderiam ser julgados provados os emails uma vez que não foram juntos os documentos.
Importa apreciar.
Por um lado, reexaminando a decisão do primeiro facto não provado, conjugada com a produzida, verifica-se que, apesar dos emails não terem sido juntos aos autos, como cabia à autora, a testemunha da ré M... admitiu em audiência a receção, pelo menos dos emails de 03.12.2021, de 17.12.2021 e de 24.12.2021, lendo parcialmente os mesmos em audiência.
Desta forma, é passível julgar que a autora comunicou à ré, através do seu advogado, o essencial do alegado em relação a estes e-mails.
Por outro lado, reexaminando os factos que a recorrente pretende ver provados, em referência ao facto alegado no art.10º do seu articulado superveniente e julgado não provado, verifica-se:
a) Que os danos referentes às portas não foram objeto do pedido de reparação do articulado superveniente.
A seleção de factos sujeitos a prova está submetida ao critério da relevância dos mesmos para apreciar a questão a decidir, de acordo com as soluções plausíveis das questões de direito. A conexão entre os factos a considerar e a decisão a proferir (sendo a impugnação dos mesmos instrumental a esta decisão a proferir) e o princípio da utilidade dos atos processuais (art.130º do C.P. Civil) têm levado a jurisprudência a entender que não se deve apreciar a matéria impugnada ou não se deve aceitar a ampliação da matéria de facto quando a mesma seja irrelevante para a decisão do recurso, em qualquer uma das soluções plausíveis das questões de direito a decidir.
A este propósito, Tomé Soares Gomes refere: «Mas o tribunal só deve atender aos factos que, tendo sido oportunamente alegados ou licitamente introduzidos durante a instrução, forem relevantes para a resolução do pleito, não cabendo pronunciar-se sobre factos que se mostrem inequivocamente desnecessários para tal efeito.»[ii]
E, no sentido que a jurisprudência tem vindo a adotar nesta matéria, o acórdão da Relação de Guimarães de 22.10.2020, proferido no processo nº5397/18.3T8BRG.G1, relatado por Maria João Matos, defendeu também e sumariou  «V. Por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for(em) insusceptível(eis) de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter(em) relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil»[iii].
Desta forma, não existindo pedido de reparação de danos nas portas do veículo, não interessa apurar se a autora comunicou à oficina a existência destes danos ou má reparação e se estes existiam ou não.
b) Que o dano no «vidro da porta da frente esquerda estava riscado devido aos estilhaços do vidro do retrovisor», apesar de ter sido objeto do pedido do articulado superveniente, não se pode considerar um dano passível de atender neste articulado superveniente, tendo em conta: que este dano foi invocado pela autora como dano decorrente do embate objeto desta ação e que ainda se encontrava subsistente após a reparação realizada na pendência da ação e não foi alegado como dano de ocorrência posterior em desenvolvimento de um dano inicial; que, em relação ao referido dano, a autora não invocou e provou que apenas teve conhecimento do mesmo após a instauração da ação; que, nesta medida, este dano decorrente do embate deveria ter sido alegado na petição inicial e não no articulado superveniente do art.588º do C. P. Civil, ainda que pudesse ser causa do pedido de reparação não se poder julgar extinto quanto ao mesmo por inutilidade superveniente da lide a falta de reparação do mesmo na pendência da ação; que a autora no art.17º da sua petição inicial alegou apenas que o seu veículo sofreu danos na parte da frente (em relação aos quais indica danos parcelares exemplificativos) e não alegou que o veículo sofreu danos na parte lateral do veículo, facto esse que resultou provado no facto 18 nos seguintes termos alegados- «Como consequência direta do embate, resultaram no ..-..-QS danos na sua parte da frente, nomeadamente, ficaram partidos o para-choques, o capo, o guarda-lamas, os faróis e farolins, bem como ficou danificada a mecânica e a pintura» (bold aposto nesta Relação); que não foi invocada a ampliação da causa de pedir, nos termos do art.265º do C. P. Civil (nem se verificariam os pressupostos previstos na norma para a sua admissão, ainda que tivesse sido invocada).
Assim, não sendo admissível a alegação superveniente de facto constitutivo de direito que não foi alegado na petição inicial, não é admissível a prova sobre o mesmo.
Pelo exposto:
a) Julga-se parcialmente procedente a impugnação quanto ao primeiro facto julgado não provado na decisão recorrida, julgando-se provado:
A autora, através do seu mandatário, insistiu com a ré pela reparação do seu veículo, pelo menos: a 03.12.2021, comunicando-lhe «1 – O veículo continua imobilizado à espera que V. Exas. procedam à vistoria dos danos e dêem ordem de reparação. 2 – A D. AA continua a necessitar de veículo alternativo, como já fez saber. Assim, mais uma vez solicitamos que coloquem à disposição da mesma um veículo com características semelhantes às do sinistrato, ou aceitem pagar a quantia de € 30,00 diários.»; a 17.12.2021, comunicando-lhe «Não recebemos qualquer resposta ao email enviado a 3 de Dezembro de 2021, o que é sempre de lamentar. Assim, continua o veículo imobilizado na oficina da marca, e a nossa cliente a andar de carros de aluguer e emprestados. Porque o assunto é urgente, solicitamos que nos informem: a) se assumem a culpa do segurado; b) se vão ou não dar instruções para reparação. Solicitamos igualmente que, enquanto o veículo estiver imobilizado, coloquem à disposição da nossa cliente um veículo alternativo, ou que aceitem pagar a quantia de 30 € diários, a título de imobilização.»; a 24.12.2021, referindo «Acusamos email enviado a 21/12/2021. Na sequência do mesmo vimos dizer que o que afirmam não corresponde à verdade. Com efeito, logo após ter ocorrido o acidente, o veículo foi para a oficina e a nossa cliente reclamou a reparação. Assim, devem V. Exas. proceder à vistoria dos danos a fim da mesma se realizar.».
b) Determina-se a eliminação da decisão de facto o art.10º do articulado superveniente e rejeita-se a apreciação da impugnação quanto ao mesmo.
2.2.3. Pedido de ampliação de factos:
A recorrente pediu que se julgasse provada a seguinte matéria, em relação à qual não indicou a proveniência: que «A Ré apenas assumiu parte dos novos danos reclamados» (conclusões 39 e 40); que o «O veículo ..-..-QS teve a sua primeira matrícula a 14.05.2019» (conclusão 41); que «o acidente e a respetiva reparação determinam uma desvalorização do veículo.» (conclusões 42 a 45).
A recorrida não se pronunciou expressamente quanto a estes pedidos.
Importa apreciar.
Por um lado, devendo o pedido de ampliação de factos não julgados reportar-se aos factos alegados ou aos factos que o Tribunal pode considerar oficiosamente, nos termos do nº1 e 2 do art.5º do C. P. Civil, cabe à parte que pretender a ampliação de julgamento e de aditamento da matéria de facto identificar a proveniência do facto objeto do pedido, o que não foi realizado pela recorrente. 
Por outro lado, apenas é admissível a prova de factos (que retratam uma realidade concreta, situada no espaço e no tempo- arts.341º ss do C. Civil e 410º ss do C. P. Civil) e não é admissível a produção de prova sobre conclusões que apenas na apreciação jurídica possam ser extraídas a partir de factos previamente provados.
Revertendo aos pedidos formulados, confrontados com estas exigências, não se pode deixar de entender que estes pedidos de ampliação não podem ser admitidos.
De facto, não se pode admitir a pretensão de ser ampliado o julgamento e de ser julgado provado que «A Ré apenas assumiu parte dos novos danos reclamados», uma vez que a matéria objeto do pedido é totalmente conclusiva e apenas poderia ser extraída na apreciação jurídica de factos concretos previamente provados (que de demonstrassem quais os danos causados pelo embate e quais os danos concretos reparados).
Também, não se pode admitir a pretensão de ser ampliado o julgamento e de se julgar provado que «O veículo ..-..-QS teve a sua primeira matrícula a 14.05.2019», uma vez: que esta matéria não se encontra alegada na petição inicial; que, ainda que se considerasse matéria instrumental decorrente da instrução, seria irrelevante para apreciar o pedido de indemnização pela desvalorização do veículo, face à falta de alegação de factos suficientes para reconhecer este dano.
Por fim, não é admissível, também, a pretensão de ser ampliado o julgamento e de se julgar provado que «o acidente e a respetiva reparação determinam uma desvalorização do veículo.», uma vez: que esta afirmação é abstrata e conclusiva e apenas na apreciação jurídica poderia ser aferida e concluída; que a autora não alegou, nem provou, nomeadamente, o valor comercial do veículo na data do acidente e o valor comercial do mesmo depois da reparação.
Pelo exposto, indefere-se a apreciação dos pedidos de ampliação desta matéria e aditamento à matéria de facto provada.
2.3. Retificação de pedido mencionado na fundamentação da sentença recorrida:
A sentença recorrida, na apreciação jurídica dos pedidos a apreciar:
a) Indicou que a autora formulara um pedido de indemnização por perdas salariais no valor de € 2 428,91:
«Pretende receber as seguintes indemnizações:
(…)
- € 2.428,91 (dois mil, quatrocentos e vinte e oito euros e noventa e um cêntimos) pelas perdas salariais;»
b) Declarou apreciar o pedido das perdas salariais nos seguintes termos:
«Quanto ao pedido de condenação da Ré no montante de € 2.428,91 (dois mil, quatrocentos e vinte e oito euros e noventa e um cêntimos) pelas perdas salariais.
Não se apurou nenhum facto que sustente este pedido, devendo o mesmo improceder.»
A recorrente, neste recurso, pediu a retificação do pedido de perdas salariais mencionado na sentença, de forma que onde consta o valor de € 2.428,91 passe a constar o valor de € 542,00 (conclusão 68).
Examinando a petição inicial, em confronto com a fundamentação da sentença enunciada, verifica-se, efetivamente: que o valor de € 2 428,91 corresponde à soma de um conjunto de indemnizações pedida; que a indemnização de perdas salariais foi pedida no valor de € 542, 00.
O erro material da sentença é retificável, nos termos do art.614º do C. P. Civil.
Não tendo sido apreciado no despacho que admitiu o recurso, deve agora ser apreciado.
Pelo exposto, determina-se a correção das menções da fundamentação enunciadas supra, de forma que onde consta o valor de «€ 2.428,91» passe a constar o valor de «€ 542,00».
2.4. Reapreciação das decisões da sentença objeto do recurso:
Reanalisar-se-ão as decisões da sentença recorrida, e objeto de recurso, pela sua ordem lógica.
2.4.1. Quanto à reparação do veículo:
A sentença recorrida:
a) Julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de reparação do veículo formulado em A) da sua petição inicial e referido em I-1 supra, mediante a seguinte fundamentação:
«Comecemos pela reparação do veículo e cujos danos ascendem, segundo alegado pela Autora, a € 20.000,00.
Apurou-se que o veículo ficou danificado na sua parte da frente, ficaram partidos o pára-choques, o capot, o guarda-lamas, os faróis e farolins, a mecânica e a pintura. Porém, também se apurou que o veículo da Autora foi submetido a reparação e entregue à mesma pela oficina no dia 28 de Janeiro de 2022, tendo a Ré ordenado a reparação e solicitado a emissão de factura recibo em seu nome, no valor de € 17.039,95.
Neste contexto, ocorre uma inutilidade superveniente da lide quanto a este pedido.».
b) Julgou improcedente o pedido de reparação na parte considerada pela autora não extinta com a reparação realizada, conforme decorre da análise referida em III-2.1. supra.
A recorrente, neste recurso de apelação: não pediu qualquer alteração quanto à declaração da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide; pediu que a ré fosse condenada a reparar os danos ainda existentes no veículo, através da substituição de para-brisas partido e do vidro da porta do condutor, que considerou não estarem ainda reparados (conclusões 69 a 72).
A recorrida, na sua resposta, considerou que a ré não assumiu os danos em causa (al. l) das conclusões).
Impõe-se apreciar o pedido, face aos atos processuais e aos factos julgados provados.
Por um lado, a autora/aqui recorrente pediu no seu articulado superveniente que se procedesse à substituição do para-brisas partido.

Todavia, examinando os factos provados, em confronto com os factos alegados no articulado superveniente de fls.57 ss e com o objeto do recurso, verifica-se:
a) Que não existe qualquer facto provado que afirme que o para-brisas se encontra partido na sequência do acidente e que demonstre qual a reparação do veículo provada: no facto 18 da sentença recorrida (que não foi impugnado pela recorrente) provou-se a versão alegada no art.17º da petição inicial, no qual consta que «Como consequência direta do embate, resultaram no ..-..-QS danos na sua parte da frente, nomeadamente, ficaram partidos o para-choques, o capo, o guarda-lamas, os faróis e farolins, bem como ficou danificada a mecânica e a pintura»; no facto 48 da sentença recorrida (que também não foi impugnado pela recorrente) consta apenas «O veículo da Autora foi submetido a reparação e entregue à Autora pela oficina  no dia 28 de janeiro de 2022;».
b) Que, ainda que se entendesse que o para-brisas objeto do pedido poderia estar abrangido nos danos da parte da frente do veículo (com invocação genérica do art.17º da petição inicial e do facto provado em 18 da sentença recorrida), verificar-se-ia:
b1) Que no articulado superveniente de fls.57 ss, a autora/aqui recorrente: não alegou no art.10º desse articulado que, após a reparação, o para -brisas se mantinha partido, não existindo assim alegação de dano no para-brisas que pudesse ser sujeito a prova; invocou apenas, no contexto da transcrição de uma carta remetida à oficina a 16.02.2022, realizada no art.16º desse articulado, que o para-brisas estava riscado (e não partido), facto este que, para além de insuficiente, foi julgado não provado e não foi impugnado neste recurso.
b2) Que na audiência a autora não suscitou a consideração de qualquer facto concretizador de facto previamente alegado, recolhido na produção de prova, nos termos e para os efeitos do art.5º/2-b) do C. P. Civil.
b3) Que neste recurso não foi pedido o aditamento deste facto, nomeadamente com recurso à possibilidade legal referida em b2) supra (sendo que, ainda que o tivesse feito, a testemunha DD referiu que não considerou que as “picadelas” no para-brisas não decorreram do acidente mas do andamento do carro e não foi apresentada prova identificadora do dano e da sua avaliação).
Por outro lado, a autora/aqui recorrente pediu no seu articulado superveniente que se procedesse à substituição do vidro da porta do condutor.
Todavia, este dano na porta lateral não se encontra provado, uma vez que não foi alegado nos danos do art.17º da petição inicial como causa de pedir do pedido formulado, e a ampliação do seu julgamento foi rejeitada por não se tratar de facto superveniente, nos termos referidos em III-2.2.2. supra, para que se remete e reproduz.

Pelo exposto, julga-se improcedente este pedido do recurso.

2.4.2. Da indemnização pela privação do veículo:
A sentença recorrida condenou a ré no pagamento de € 230, 00 de indemnização pela privação do uso do veículo, com o seguinte fundamento:
«A Autora pretende ser indemnizada no valor de € 680,00, pela privação do uso de veículo.
Vejamos o que se apurou quanto a este pedido:
- A peritagem ao veículo da Autora foi marcada para o dia 10 de Novembro de 2021;
- Todavia, como a viatura não estava desmontada e era necessária a sua desmontagem para apurar os danos verificados em consequência do acidente em apreço, o avaliador dos danos contratado pela Ré, DD, combinou com o responsável da oficina que voltaria no dia 18 de Novembro de 2011, ficando o relatório pendente da apresentação da estimativa dos danos;
- O avaliador voltou à oficina no dia 23-11-2021, não tendo concluído o relatório, porquanto a Autora não tinha dado autorização para desmontar a viatura;
- O referido avaliador retomou à oficina nos dias 2-12-2021, 8-12-2021 e 15-02-2022, tendo sido informado que a viatura não se encontrava desmontada porque a Autora ainda não tinha dado informação para o efeito;
- No dia 27 de Dezembro de 2021 foi concluída a peritagem, tendo o avaliador em concordância com a oficina apurado que seria necessário o montante de 17.039,39 € para reparar a viatura em consequência dos danos sofridos com este embate –relatório de peritagem junto sob o nº 7 da contestação e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
- No dia 30 de Dezembro de 2021, a Ré remeteu um email à oficina, dando conta de que a peritagem passava a definitiva, desde que a reparação fosse autorizada pela aqui Autora – documento nº ... junto com a contestação e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
- Como não obteve resposta da oficina, no dia 19.01.2022 a Ré remeteu novo email à oficina informando que podiam proceder à reparação da viatura e posteriormente remeter factura-recibo no montante de 17.039,95€ - documento nº ... junto com a contestação e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
- Pelo período de 20.01.2022 A ...8.01.2022 a Ré concedeu à Autora um veículo de substituição, tendo o veículo com a matrícula ..-..-QS sido entregue pela oficina à Autora no dia 28.01.2022 (…).
- Desde o dia .../.../2021 tinha a Autora conhecimento que a vistoria/peritagem ao veículo e subsequente ordem de reparação estava dependente da sua autorização para que se procedesse à desmontagem do veículo;
- Somente no dia 27.12.2021, ou seja, 47 dias após lhe ter sido informado que a peritagem ao veículo estava dependente da sua autorização para desmontar o veículo é que a Autora deu autorização para o efeito;
- O veículo da Autora foi submetido a reparação e entregue à Autora pela oficina no dia 28 de Janeiro de 2022.
*
Em face da factualidade apurada e acima evidenciada, entende-se que assiste razão à Ré na posição assumida, tendo a Autora contribuído para a agravação do dano da privação do uso, entende-se restringir os dias de privação e pelos quais a Ré a responsável para vinte e três dias (desde o dia do acidente – 5-11 – e até ao dia teve conhecimento da necessidade de autorizar a desmontagem do veículo – 10-11 – e desde o dia .../.../2021 (data em que a Ré deu a ordem de reparação) até a dia 19-01-2022, sendo nesta data que foi facultado um veículo de substituição à Autora).
Assim sendo, afigura-se-nos adequado fixar a indemnização no valor de € 230,00 (duzentos e trinta euros), correspondendo ao valor diário de € 10,00 por cada um dos 23 dias de privação.».
A recorrente, neste recurso, pediu que se alterasse a condenação, de forma a que a indemnização pela privação do veículo correspondesse ao valor de €840,00 de 84 dias de privação a 10 € por dia (conclusões 54 a 60).
A recorrida opôs-se ao pedido e defendeu os fundamentos da sentença (conclusão p) supra).
Impõe-se apreciar.
As partes, neste recurso junto deste Tribunal ad quem: não discutiram a indemnizabilidade do dano de privação do uso nem o valor diário de reparação atribuído pelo Tribunal a quo; discutiram apenas os dias de privação do veículo, contados pela recorrente entre o dia do embate (05.11.2021) e o dia da entrega do veículo reparado (28.01.2022) e pela recorrida nos termos realizados na sentença recorrida (em que subtraiu os dias em que considerou haver mora da credora e em que a esta foi disponibilizado veículo de substituição).
Examinando os factos provados na sentença recorrida referidos em III-1 supra e a decisão que julgou a impugnação de III-2.2.1. supra, verifica-se: que a autora esteve privada do seu veículo entre a data do embate de 05.11.2021 e a data de entrega A ...8.01.2028; que foram julgados não provados os factos 40, 41, 46 e 47, em sede de impugnação, com base nos quais o Tribunal a quo considerou haver culpa da autora no atraso da vistoria e reparação; que encontra-se provado no facto 45 (não impugnado neste recurso) que a ré concedeu à autora um veículo de substituição entre 20.01.2022 e 28.01.2022. 
Assim, não se pode deixar de entender que a autora sofreu um período de privação de veículo (próprio e de substituição), durante 75 dias compreendidos entre 05.11.2021 e 19.01.2022 (inclusive), abrangidos pelo pedido inicial da ação (que integrava danos vencidos e vincendos após a instauração da ação).
Desta forma, impõe-se alterar a fixação da indemnização, no quadro da indemnização do dano de privação e do valor diário de € 10, 00 já reconhecidos à autora/recorrente e não contestados, pelos 75 dias de privação reconhecidos neste acórdão.
Pelo exposto, procede parcialmente o pedido, com revogação da indemnização de € 230, 00 e fixação de indemnização de € 750, 00. 
2.4.3. Da indemnização pela desvalorização do veículo:
A sentença recorrida julgou improcedente o pedido de indemnização por desvalorização do veículo, nos seguintes termos:
«Quanto à desvalorização.
A Autora peticiona a condenação da Ré no pagamento de € 750,00, a título de desvalorização do seu veículo na sequência deste acidente.
Não se tendo apurado nenhum facto que sustente este pedido de desvalorização, deverá o mesmo improceder.»
A recorrente, neste recurso, pediu que a ré fosse condenada a pagar a indemnização pela desvalorização do veículo no valor de €750,00 por o veículo ter um ano e meio quando foi embatido e este facto e o provado nos autos causar necessariamente uma desvalorização do veículo, indemnizável de acordo com a equidade (conclusões 61 a 63).
A recorrida contestou este pedido de indemnização, defendendo que o veículo foi entregue à autora no estado anterior à ocorrência do sinistro.
Impõe-se apreciar.
Os danos, que fundamentam os pedidos, devem ser concretos e reais e não abstratos e possíveis.
A autora/recorrente não logrou alegar e provar quaisquer factos que permitissem a aferir a existência de uma desvalorização real do veículo, decorrente do acidente e do resultado da reparação (também já expressa no indeferimento de prova de factos conclusivos apreciada em III-2.23. supra) e que pudesse informar a avaliação do Tribunal a quo.
Desta forma, improcede este pedido do recurso.

2.4.4. Da indemnização por danos não patrimoniais:
A sentença recorrida fixou a indemnização por danos não patrimoniais em € 400, 00, mediante os seguintes fundamentos:
«Passemos aos danos não patrimoniais – pedido de indemnização no valor de € 1000,00.
A indemnização por danos não patrimoniais funda-se no artigo 496º do Código Civil, que dispõe que apenas são merecedores de reparação os danos que se revelem graves. Ora, a gravidade da lesão de um bem há-de aferir-se pela própria natureza do bem em causa, através de “um padrão objectivo (conquanto a apreciação deve ter em linha de conta as circunstâncias concretas) (...). O dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão da indemnização pecuniária ao lesado”.
É certo que os transtornos e os incómodos não podem ser reintegrados mesmo por equivalente, mas é possível proporcionar ao lesado uma satisfação “em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, no qual se podem incluir mesmo interesses de ordem refinadamente ideal”.
A compensação deve ser fixada equitativamente, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494º do Código Civil, conforme resulta do referido artigo 496º, nº 3, do mesmo diploma.
Com revelo para a fixação da indemnização resultou provado o seguinte:
“- Em consequência do embate descrito a Autora sofreu dores na zona dorsal;
- Após o embate, a Autora foi transportada pelo INEM, do local do acidente para o Centro Hospitalar ...;
- Unidade onde efectuou TAC e RX;
- Após alta hospitalar, foi prescrita à Autora medicação;
- E repouso;
- O que a Autora fez;
- Em 12 de Novembro de 2021 a Autora foi consultada no Hospital ...;
- Tendo-lhe sido prescrita medicação para as dores;
- A Autora nasceu no dia .../.../1992;
- Não sofria de qualquer lesão;
- A Autora desempenhava a actividade profissional de escriturária, auferindo o vencimento mensal de € 739,82;
- Devido ao acidente a Autora sentiu dores;
”.
Sendo tal situação merecedora da tutela do direito, atenta a sua gravidade, peticiona a esse título o Autor a condenação da Ré no pagamento de € 1.000,00.
Sopesando os danos suportados, as suas consequências, os incómodos, os transtornos e os critérios de equidade orientadores da determinação do quantitativo indemnizatório, importa, pois, encontrar um valor para a necessária compensação. Ora, a tutela do direito no âmbito dos danos de natureza não patrimonial que agora nos ocupam, depara-se com um problema de princípio, consubstanciado no facto de existir uma natural inconciliabilidade entre um bem de natureza imaterial e a expressão monetária da sua violação. Muito embora não exista uma correspondência directa entre o plano dos valores e o plano patrimonial deverá procurar-se um critério para fixar o montante indemnizatório que é devido nestas situações. A quantia compensatória deverá proporcionar ao lesado os meios adequados a minorar o mal sofrido, pelo que os critérios não deverão situar-se em limiares quase simbólicos mas atentar na realidade das coisas.
Neste contexto, parece-nos ajustado fixar a indemnização em € 400,00 (quatrocentos euros).».
A recorrente, no seu recurso, defendeu a ampliação da indemnização por danos não patrimoniais para o valor de € 1 000,00 pedidos na petição inicial, face aos factos provados já valorados na sentença e face ao susto de se ter deparado com um veículo que circulava na sua direção no sentido contrário ao trânsito, conforme provado no facto 7 (conclusões 64 a 67).
A recorrida opôs-se à ampliação pedida, por entender que a ferida foi leve e que a autora teve alta no mesmo dia (al. q) das conclusões).
Impõe-se apreciar.
A indemnização por responsabilidade civil extracontratual deve compensar os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art.496º/1 do C. Civil, em referência aos arts.483º e 562º ss do C. Civil).
Esta cláusula indemnizatória geral, em consonância com a tutela geral da personalidade física e moral contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça (art.70º do C. Civil), protege «mais amplamente, a tutela da pessoa, na completa expressão do seu ser (Cfr. MENEZES CORDEIRO, 2010: 408-418 e BRANDÃO PROENÇA 217b: 313-388)»[iv], compensando o dano grave, aferido objetivamente,  gravidade essa que pode abranger “não apenas o «dano exorbitante ou excecional», mas também aquele que sai da mediania, ultrapassando as fronteiras da banalidade (cfr., v.g., o Ac. STJ 04.03.2008 08A164)»[v]  
O valor desta indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que se justifiquem (arts.496º/4 e 494º do C. Civil), como as «flutuações do valor da moeda, etc.» e «E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras da boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida»[vi]
O valor a arbitrar não deve reconduzir-se apenas a um valor simbólico mas significativo, ainda que baseado em critérios objetivos e não arbitrários[vii].
Esta indemnização: reveste uma natureza compensatória («tem por fim facultar ao lesado meios económicos que, de alguma sorte, o compensem da lesão sofrida, por tal via reparando, indirectamente, os preditos danos, por serem hábeis a proporcionar-lhe alegrias e satisfações, porventura de ordem puramente espiritual, que consubstanciam um lenitivo com a virtualidade de o fazer esquecer ou, pelo menos, mitigar o havido sofrimento moral»[viii] ) e uma natureza também sancionatória, que pondera a culpa do agente[ix]; deve ser fixada num valor único, ainda que que pondere diversas categorias de danos - «não se justificando autonomizar as diversas categorias para o efeito de ser atribuída uma distinta parcela indemnizatória a cada uma- cfr. os Acs. STJ 07.07.2009, 25.11.2009, 25.11.2009, 07.5.2014.26.06.2014 e 02.06.2015- solução que se compreende pela necessidade de evitar a dupla reparação do mesmo dano, uma vez que as diversas subespécies podem não revestir autonomia dogmática e são identificadas, sobretudo, com um fim descritivo»[x].
Examinando os factos provados, verifica-se: que a sentença recorrida ponderou como fatores de avaliação do dano e da sua reparação pela equidade- o estado saudável da autora antes do acidente, as dores sofridas pela autora com o embate, a sua submissão a avaliação hospitalar e alta no mesmo dia 05.11.2021, a sua deslocação a consulta médica de 12.11.2021 com prescrição de dores, o seu vencimento mensal de € 739, 82; que a sentença, todavia, não ponderou as circunstâncias graves em que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do lesante (que entrou na A...8 com circulação contrário ao seu trânsito e que conduzia com taxa de alcoolémia no sangue de 2, 30 gr/l- factos provados de 7 a 15) e o grande susto e medo sofrido pela autora com esta circunstância e a previsão de um embate frontal (que se podem presumir judicialmente e atender, nos termos dos arts.349º e 351º do C. Civil).
Assim, perante a globalidade destes factos, que ultrapassam o grau das consequências lesivas e tempo de tratamento, considera-se ser de ampliar a indemnização fixada para um valor aproximado ao salário mensal da autora na altura do acidente.
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso e fixa-se a indemnização por danos não patrimoniais em € 750, 00.
2.4.5. Da responsabilidade por custas da inutilidade superveniente da lide do pedido de reparação de veículo:
A sentença recorrida:
a) Julgou extinto o primeiro pedido formulado pela autora na sua petição inicial por inutilidade superveniente da lide, nos termos supra transcritos em III- 2.4.1. supra.
b) Condenou as partes na responsabilidade pelas custas com base nos vencimentos, nos seguintes termos: «Custas a cargo da Ré e do Autor, na proporção dos respetivos decaimentos.»
A recorrente, sem atacar a extinção parcial da instância por inutilidade superveniente da lide, pediu que se revisse a condenação em custas pela mesma, de forma a que as mesmas ficassem por conta da ré (conclusões 46 a 53).
A recorrida defendeu que a condenação em custas se deveria manter, uma vez que a responsabilidade pela reparação não se ter feito antes da instauração da ação se deveu à autora e à sua falta de autorização para desmontar o veículo (conclusões l) a n) supra).
Impõe-se apreciar.
As custas, como regra geral, são de responsabilidade das partes em função do vencimento ou, não havendo vencimento da ação, em função do proveito obtido com o processo, nos termos do art.527º do C. P. Civil («1 - A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito. 2 - Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.»)
Todavia, numa situação de extinção da instância por causa superveniente, o art.536º do C.P. Civil prevê três tipos de responsabilidade (repartida, pelo autor ou pelo réu):
«1 - Quando a demanda do autor ou requerente ou a oposição do réu ou requerido eram fundadas no momento em que foram intentadas ou deduzidas e deixaram de o ser por circunstâncias supervenientes a estes não imputáveis, as custas são repartidas entre aqueles em partes iguais.
2 - Considera-se que ocorreu uma alteração das circunstâncias não imputável às partes quando:
a) A pretensão do autor ou requerido ou oposição do réu ou requerente se houverem fundado em disposição legal entretanto alterada ou revogada;
b) Quando ocorra uma reversão de jurisprudência constante em que se haja fundado a pretensão do autor ou requerente ou oposição do réu ou requerido
c) Quando ocorra, no decurso do processo, prescrição ou amnistia;
d) Quando, em processo de execução, o património que serviria de garantia aos credores se tiver dissipado por facto não imputável ao executado;
e) Quando se trate de ação tendente à satisfação de obrigações pecuniárias e venha a ocorrer a declaração de insolvência do réu ou executado, desde que, à data da propositura da ação, não fosse previsível para o autor a referida insolvência.
3 - Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.
4 - Considera-se, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente, fora dos casos previstos no n.º 2 do artigo anterior e salvo se, em caso de acordo, as partes acordem a repartição das custas.».
Examinado a condenação em custas realizada na sentença, em confronto com o regime legal aplicável, verifica-se que aquela padece, de facto, de erro de direito.
Com efeito, na sentença o Tribunal a quo apreciou de mérito apenas parte do pedido por ter considerado parcialmente extinta a instância quanto ao pedido de reparação, por o veículo ter sido reparado pela ré na pendência da ação pelo valor de € 17 039,95, circunstância em que caberia: aplicar a regra do disposto no art.527º do C. P. Civil quanto aos decaimentos da apreciação de mérito realizada; e aplicar o art.536º/3 e 4 do C. P. Civil quanto ao pedido declarado extinto por inutilidade superveniente da lide (uma vez que, não se aplicando as circunstâncias do nº1 e do art.536º do C. P. Civil, passa a vigorar o art.536º/3 e 4 do C. P. Civil), por realização da reparação com pagamento voluntário da ré na pendência da ação (para o qual, de acordo com a alteração feita à matéria de facto nesta Relação, não concorreu, aliás, qualquer ato passível de corresponder a uma situação e mora da credora/autora).
Tendo o Tribunal a quo condenado as partes em custas na proporção do decaimento, como se tivesse apreciado de mérito a totalidade dos pedidos, deve a condenação em custas ser alterada, de forma que a responsabilidade pelo pagamento das custas na proporção de 17 039,95/23 858, 92 caiba à ré, nos termos do art.536º/3-2ª parte e 4 do C. P. Civil.
Assim, procede este pedido de recurso nos termos e proporções assinaladas.

IV. Decisão:

Pelo exposto, as Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam, julgando parcialmente procedente e improcedente o recurso:

1. Realizar a retificação do pedido referida em III-2.3. supra.
2. Julgar improcedente o pedido de reparação realizado no articulado superveniente de fls.57 ss.
3. Alterar a condenação na indemnização pela privação do veículo de € 230, 00 para € 750, 00.
4. Julgar improcedente o pedido de fixação de indemnização pela desvalorização do veículo no valor de € 750, 00.
5. Alterar a condenação na indemnização por danos não patrimoniais de € 400, 00 para € 750, 00.
6. Alterar o segmento condenatório da decisão recorrida, para os seguintes termos reformulados, face a IV-3 e 5 supra:
«Condena-se a ré no pagamento à autora de uma indemnização no valor global de € 1 526, 91 (mil quinhentos e vinte e seis euros e noventa e um cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação até pagamento».
*
Custas da ação, em referência ao valor de € 23 858, 92, na proporção: de € 18 566, 86 pela ré (art.536º/3 e 4 do CPC pela inutilidade; art.527º/1 do CPC pelo vencimento); de € 5 292, 06 pela autora (art.527º/1 do CPC).
Custas do recurso, em referência o valor processual de € 5 326, 05 (€ 4920, 05 de valor da reparação não abrangido pela extinção, de benefícios indemnizatórios quantitativos pedidos e de 4 UC de valor das custas da ação em relação ao valor da inutilidade de € 17 039, 95): pela autora em relação ao decaimento de € 3 391, 11 e pela ré em relação ao decaimento de € 1934, 11 (art.527º/1 do CPC).
*
Guimarães, 07.06.2023
Assinado eletronicamente pelas Juízes Relatora, 1ª adjunta e 2ª adjunta

Alexandra M. Viana P. Lopes
Rosália Cunha
Lígia Venade 



[i] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.03.2017, proferido no processo nº7095/10.7TBMTS.P1.S1, disponível in
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/C3E13ED356928302802580ED0053E3BA.
[ii] Tomé Soares Gomes, inDa Sentença Civil”, págs.14 a 16, a 24 de Janeiro de 2014 nas Jornadas de Processo Civil, disponível in file:///C:/Users/MJ01758/Downloads/texto_intervencao_Manuel_Tome.pdf
[iii] Acórdão da Relação de Guimarães de 22.10.2020, proferido no processo nº5397/18.3T8BRG.G1, relatado por Maria João Matos
http://www.gde.mj.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/25d5f7fa39d9bef08025861000504aa3?OpenDocument
[iv] Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Universidade Católica Portuguesa, 2018, Nota I ao art.496º do Código Civil, pág.356.
[v] Obra citada em i, Nota IV ao art.496º do Código Civil, pág. 359.
[vi] Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, Nota 6 ao art.496º do Código Civil, pá.g.501.
[vii] Ac. STJ de 17.01.2008, proferido no processo SJ200801170045382, relatado por Pereira da Silva, in dgsi.pt, entre outros.
[viii] Ac. STJ de 24.04.2013, in dgsi.pt
[ix] Ac. STJ de 19/5/2009, proferido no processo nº298/06.0TBSJM.S1, e acervo de doutrina exposto no ac. RG de 15.02.2018, proferido no processo 3nº037/15.1T8VCT.G1, todos in dgsi.pt.
[x] Obra citada in i, Nota III ao art.496º do Código Civil, pág.359.