Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
9041/07.6TBBRG-AB.G1
Relator: EDUARDO OLIVEIRA AZEVEDO
Descritores: INSOLVÊNCIA
QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA
INSOLVÊNCIA CULPOSA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/06/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1- No que concerne aos pressupostos que determinam a qualificação da insolvência como culposa, embora sem unanimidade, mas de forma largamente maioritária, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a interpretar a presunção de existência de culpa grave a que alude o nº 3 do artº 186º do CIRE no sentido de que, sendo constatada a omissão do dever, a lei apenas faz presumir a culpa grave do respectivo administrador ou gerente, sendo tal insuficiente para qualificar a insolvência como culposa.
2- Isto por faltar um dos requisitos previstos no nº 1 do mesmo artigo, isto é, o nexo de causalidade entre aquela omissão culposa e a criação ou o agravamento da situação de insolvência, o qual, não podendo presumir-se, terá que ser demonstrado, ao contrário do que resulta do nº 2 do mesmo preceito em que se concretizam situações das quais presume-se juris et de jure que a insolvência é culposa, tal como resulta da expressão “considera-se sempre”.
3- O julgador não pode nem deve ater-se secamente à simples consideração dos factos literal e expressamente provados e decorrentes das alegações das partes, podendo e devendo sobre eles operar uma interpretação crítica, dinâmica e dialéctica – atenta, vg., a globalidade do factualismo apurado – a qual, por força das regras da experiência comum e dos ensinamentos da lógica, pode acarretar que ele permita inferir a verificação ou ocorrência de outros, que são a consequência necessária, ou, pelo menos, normal daqueles.
4- E ao se invocar o nexo causal haverá que precisar que existirá sempre que a conduta se não possa considerar de todo em todo indiferente para a verificação do resultado, sendo só provocado por causa de circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas.
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
RELATÓRIO

No Processo de Insolvência de que estes autos são apensos, do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Braga, proposto por Barclays Bank PLC, em 11.12.2007 (fls 246), requereu-se contra S.., Ldª, de que foram gerentes N.. e esposa M.. (fls 43 a 68), todos melhor identificados nos autos.
A Requerida, efectivamente, foi declarada insolvente, conforme teor de fls 246 a 257, que se dá aqui por reproduzido, ou seja, por sentença de 30.09.2008, transitada em julgado no dia 18.02.2009 e onde foi também declarado aberto o incidente pleno de qualificação de insolvência, nos termos do artº 36º, alª i) do CIRE (diploma a que pertencerão doravante os preceitos legais sem qualquer outra indicação).
Não se mostra que qualquer interessado tenha alegado o que tivesse por conveniente para efeito dessa qualificação, nos termos do artº 188º, nº 1.
Veio então a Administradora da Insolvência emitir parecer no sentido de que a insolvência deve ser considerada culposa, nos termos do artº 186º, nºs 1, 2 e 3, responsabilizando os citados gerentes, dizendo, em súmula:
a gerência da Insolvente nos três últimos três exercícios económicos, à data da sentença que declarou a insolvência, foi exercida pelos mesmos;
desde 2007 havia abandono de actividade, não obstante saberem que a Insolvente se encontrava despida praticamente de todos os seus activos não diligenciaram pela sua apresentação ao Tribunal, e a mesma não dispunha de encerramentos contabilísticos e fiscais relativos aos exercícios económicos dos anos anteriores, por falta de inventários;
só lhe foi apresentado um Balancete Analítico do qual resultava a falta de conciliação de contas, existências na ordem de 6.887.767,16 €, mas só sendo apreendidos bens avaliados em 38.000,00 €, imobilizado com valor de 2.091.598,25 € mas do inventário da massa apresenta-se o valor de 136.473,00 €, o equipamento de transporte com o valor de 233.444,54 € mas apenas foram apreendidos veículos em estado de sucata, e o equipamento básico, composto por máquinas, com saldos de 853.362,83 €, do que nada foi apreendido;
assim, o património/activo foi alienado ou dissipado, apenas permanecendo algumas existências e seis fracções urbanas de valores exíguos, arrendadas entretanto pela gerente, depois da data da sentença que declarou a insolvência, e cujos recebimentos revertiam a favor do seu filho;
a Insolvente também não entregou quaisquer bens que havia adquirido em regime de leasing bem como máquinas objecto de contrato de aluguer relativamente ao qual o valor em dívida ascende a 1.028.253,66 €;
os créditos reconhecidos ascendem a 5.939.601,82 € dos quais 2.625,699,41 € são referentes a impostos e coimas e 1483.225,51 € é crédito bancário;
foi prosseguida uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência; e,
nunca lhe prestaram qualquer colaboração nem as contas da Insolvente foram aprovadas e depositadas na Conservatória do Registo Comercial, sendo ambos favorecidos por toda esta situação.
Este parecer foi com vista ao Mº Pº, nos termos do artº 188º, nº 3, que pronunciou-se no mesmo sentido, pelo que, concluindo também, que “ … a insolvência dos autos deve ser qualificada como culposa e que, por lhe ser imputável uma conduta contrária à exigível no sentido de se furtar ao cumprimento das suas obrigações devem ser afectados pela qualificação da insolvência como culposa, os gerentes N.. e M..”.
Ordenou-se o cumprimento do disposto no nº 5 do artº 188º com a notificação da Insolvente e a citação dos mencionados N.. e M.. a fim de se oporem à qualificação da insolvência.
Foi dispensada a citação de N.., ao abrigo do artº 12º, nº 3.
Foi citada M...
Não foi deduzida qualquer oposição
Foi proferido despacho saneador, dispensando-se a elaboração da base instrutória.
Os autos prosseguiram com a realização de audiência de julgamento, na qual se decidiu sobre a matéria de facto, e proferiu-se sentença qualificando-se a insolvência da S.., Ldª, como culposa, ao abrigo dos artºs 186º, nºs 1 e 2, alªs a), d), h) e i) e 83º, nº 3, e, ao abrigo do artº 189º, nº 2 declaram-se a antiga gerente M.. e o sócio-gerente N.. afectados por essa qualificação e inibidos para o exercício do comércio durante o período de oito anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, determinando-se a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por eles e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.

Desta sentença M.. e N.. recorrem (fls 178), recurso admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo (fls 186 e 195).
Rematou-se as alegações com as seguintes conclusões:
1- A matéria de facto provada é insuficiente para o Tribunal ‘quo’ qualificar a insolvência como culposa com fundamento na alínea h) do n.º2 do artigo 186º do CIRE.
2- Nesta citada norma legal, o que está em causa é o incumprimento por parte dos administradores da obrigação de manter a contabilidade organizada, manter uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade, o que, no modesto entendimento da Recorrente, da factualidade provada, nada permite tirar essa conclusão.
3- No circunstancialismo provado, uma vez que a contabilidade não se mostra organizada mas foi facultado pelo TOC à Exma. Sr. Administrador de Insolvência um balancete analítico à data de Junho de 2007, não se pode dizer que existisse incumprimento em termos substanciais desse dever.
4- Sem prescindir, face à matéria de facto provada, sempre deveria a inibição aplicada à Recorrente ser determinada pelo mínimo legal de dois anos (artigo 189º, alínea c) do CIRE).
5- Não ficou provada qualquer actuação da Recorrente que seja flagrantemente reprovável ou altamente censurável, apta a causar ou a agravar a situação de insolvência.
6- Não ficaram provadas quaisquer condutas, por acção ou por omissão, da afectada Recorrente que tenham sido determinantes da declaração da insolvência, nomeadamente nada se provou sobre o circunstancialismo em que ocorreu o desaparecimento e/ou dissipação das existências e imobilizados identificados no balancete analítico de Junho de 2007, nem que a Recorrente tenha sido autora desses actos ou tenha de alguma forma neles participado.
7- Consta da factualidade provada que a Recorrente arrendou quatro das fracções apreendidas para a massa insolvente e que as rendas eram depositadas numa conta bancária cujo titular era o seu filho mas que tais actos foram praticados em data posterior à declaração da insolvência.
8- Não resulta dos Factos Provados que a eventual violação da obrigação de manter uma contabilidade organizada tenha sido causa da insolvência.
9- O dever de requerer a declaração de insolvência não foi incumprido pela Recorrente, na medida em que a insolvente deixou de ter viabilidade económica a partir de Agosto de 2007, por ser nessa altura que cessou a sua actividade, e a Recorrente renunciou à gerência a 05.10.2007, pelo que nessa altura ainda não tinha decorrido o prazo a que se reporta o artigo 18º, nº 3 do CIRE, para que se possa presumir que a mesma tinha conhecimento da situação de insolvência.
10- Por último, a Recorrente não violou o dever de colaboração, já que quando foi declarada a insolvência e solicitada a colaboração da Recorrente, esta não era gerente há mais de um ano, nem sequer sócia da insolvente.
11- Neste sentido, ao qualificar como dolosa a insolvência da “S.., Lda.” e ao declarar a ex-gerente, aqui Recorrente, inibida por oito anos para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, a Sentença recorrida violou o disposto no artigo 186º e 189º do CIRE, artigo 12º do Código Civil.
Termina-se pretendendo que a sentença seja revogada e substituída por outra que não qualifique a insolvência como culposa com fundamento na alínea h) do nº 2 do artigo 186º do CIRE, assim como estabeleça à Recorrente o período de dois anos de inibição para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa.
O Mº Pº respondeu, aduzindo as seguintes conclusões:
1- No nº 2 do artº 186° do CIRE prevêem-se os casos em que a insolvência deve ser sempre considerada culposa.
2- Consagra-se, naquele nº 2 “uma presunção “juris et de jure”, inelidível por não admitir prova em contrário levando as diversas situações aí contempladas, de forma inexorável, à atribuição de carácter culposo à insolvência” - acórdão da Relação do Porto de 27/11/2007 in www.dgsi.pt.
3- Um dos casos em que a insolvência se considera sempre culposa ocorre quando os administradores de direito ou de facto do devedor que não seja uma pessoa singular, tiverem “incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor”- artº 146º, nº 2, al. h) do CIRE.
4- Os factos dados como provados demonstram bem que a requerida S.. não tinha a contabilidade organizada, tendo o TOC da empresa informado a Srª A.I. que não dispunha de quaisquer encerramentos contabilísticos e fiscais relativos aos anos anteriores ao encerramento de actividade (Agosto de 2007) por falta de inventários e que nunca foram prestadas contas.
5- Não forneceu, por isso nenhum dos elementos contabilísticos solicitados pela srª administradora da insolvência, mas apenas, um balancete analítico relativo a Junho de 2007.
6- Este balancete analítico é uma peça contabilística que, por si só, não traduz a real situação patrimonial e financeira da insolvente e não é, como pretende a recorrente, suficiente para se poder falar em qualquer tipo de organização de contabilidade.
7- Para haver contabilidade organizada é necessário haver balanços, demonstrações de resultados e anexos às contas com detalhes informativos das mesmas o que, na empresa requerida, pura e simplesmente, não existia.
8- A insolvente fez desaparecer ou dissipou todas as existências e imobilizados identificados no balancete analítico de Junho de 2007 (onde figuram existências no valor de € 6.887.767,16 e imobilizado no valor de € 2.091.598,25) com excepção dos bens apreendidos no valor de € 38.500,00 de seis fracções e de dois veículos igualmente apreendidos.
9- Em data posterior à declaração da insolvência da S.., Ldª, a recorrente M.. arrendou quatro das fracções apreendidas para a massa insolvente, depositando as rendas numa conta bancária cujo titular era o seu filho.
10- Factos que, como é óbvio, implicaram prejuízo para os credores da insolvente.
11- O facto de, na altura em que os mesmos ocorreram, a recorrente já não exercer funções de gerência não justifica tal conduta, nem lhe retira o seu carácter reprovável.
12- O devedor insolvente está obrigado às condutas previstas no artº 83° do CIRE, sendo que, nos termos do nº 3 do mesmo preceito, a recusa de prestação de informações ou de colaboração é livremente apreciada pelo juiz, nomeadamente para efeito de qualificação da insolvência como culposa, mas se o incumprimento for reiterado, a situação cabe na previsão da alª i) do nº 2 do artigo 186º do CIRE.
13- Foi precisamente isto que se verificou no caso da recorrente, pois também ficou amplamente demonstrada nos autos a sua falta de colaboração perante as insistentes solicitações, nesse sentido, da srª administradora da insolvência.
14- E, também aqui não serve de justificação o facto de, á data em que a colaboração foi solicitada, a recorrente já não exercer as funções de gerência.
15- Se assim fosse, estaria encontrada a forma de os administradores nunca serem responsabilizados pela falta de cumprimento dos deveres a que estão obrigados pelas funções que exercem.
16- Por inerência das funções que exerceu até à data em que renunciou à gerência a recorrente era obrigada a colaborar com a srª administradora de insolvência.
17- Em nosso entender, andou bem o Mmo Juiz “a quo” e nenhum agravo fez à lei pelo que deverá ser mantido o douto despacho recorrido.
Termina, consequentemente, pugnado pela improcedência do recurso interposto.

Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir, sabendo-se que os recursos são meios de impugnação de decisões com vista ao reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida e o Tribunal de recurso não deve conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.
Para além disso, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões do recorrente, só abrangendo as questões que nelas se contêm, ainda que outras tenham sido afloradas nas alegações propriamente ditas, salvo tratando-se também de questões que o tribunal deva conhecer oficiosamente (artºs 660º, n° 2, ex vi 713º, nº 2, do CPC; cfr. ainda artºs 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do mesmo código).

As questões propostas à resolução deste Tribunal consistem em saber se:
estão verificados os pressupostos que determinaram tal e qual a qualificação da insolvência como culposa; e, ante isso,
essa qualificação afecta a Recorrente e em que termos deve ser inibida.

FUNDAMENTAÇÃO
A matéria fáctica admitida como provada na sentença é a seguinte:
1- Em 11.12.2007, o Barclays Bank PLC veio requerer a insolvência da S.., Ldª, alegando que esta era devedora da quantia de 293.681,81 €, quantia que não pagou apesar de interpelada, que se encontrava impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas, sendo que não era possuidora de activo ou património superior ao seu passivo.
2- A citação da S.., Ldª foi dispensada, nos termos do artº 12º, do CIRE, uma vez que se frustraram todas as diligências nesse sentido e não foi determinado o paradeiro do seu legal representante.
3- Por sentença datada de 30.09.2008, transitada em julgado, foi declarada a insolvência da S.., Ldª, ao abrigo dos artºs 36º e 39º do CIRE, tendo sido declarado aberto o incidente de qualificação de insolvência, com carácter pleno.
4- A sentença foi notificada editalmente à requerida na pessoa do seu legal representante N...
5- A Insolvente constituiu-se em 19.06.2001, como uma sociedade por quotas, com sede no Loteamento.., Braga, com o objecto social de “Comércio por grosso de máquinas para a construção civil e obras públicas, comércio de peças e acessórios para veículos automóveis; comércio e importação de pérolas”, com um capital social de 400.000.00 €, obrigando à necessária intervenção de um único gerente.
6- Os sócios iniciais da Insolvente eram Maquinaria.., SL, R.. e D...
7- A gerência da Insolvente era exercida por N.. e M...
8 – No dia 05.10.2007, a M.. renunciou à gerência.
9 – No dia 23.10.2007, o sócio R.. transmitiu as suas quotas ao N...
10- A Administradora da Insolvência enviou carta registada datada de 07.10.2008, dirigida à Insolvente, para a morada Loteamento.., Braga.
11- E enviou carta registada datada de 07.10.2008 dirigida a N.. para a morada Rua .., Braga.
12- E enviou carta registada datada de 07.10.2008 dirigida à M..para a morada Loteamento .., Braga.
13- As cartas indicadas em 10, 11 e 12 apresentavam o seguinte texto: “Maria Clarisse Barros, na qualidade de Administradora de Insolvência do processo acima mencionado, vem por este meio solicitar a V. Exª, o favor de contactar a signatária através dos telefones 253254197 e/ou 969196904 ou ainda pessoalmente no domicilio abaixo mencionada, para tratar de assuntos relacionada com a sociedade supra referenciada”.
14- A administradora da insolvência deslocou-se à Rua.. para contactar com o requerido N.. não o tendo encontrado.
15- A Administradora da Insolvência dirigiu-se ao prédio sito no loteamento.., em Braga, tendo sido atendida por um familiar do N.. e da M.., que a informou que estes não estavam.
16- A Administradora da Insolvência pediu a esse familiar que informasse os requeridos que deveriam entrar em contacto consigo em virtude da declaração da insolvência da S.., Ldª a fim de lhe prestar a colaboração necessária.
17- A Administradora da insolvência apurou que a requerida M.. frequentava a sede da R.., Ldª, sita na Rua.., Esporões.
18- A Administradora da Insolvência enviou carta registada com aviso de recepção datada de 21.10.2008 dirigida à R.., Ldª, a qual foi recepcionada, com o seguinte texto: “Maria Clarisse, na qualidade de Administradora da Insolvência do processo acima mencionado, vem por este meio solicitar a V. Exª, comuniquem a Dª M.., para contactar a signatária através dos telefones 253254197 e/ou 969196904 ou ainda pessoalmente no domicílio abaixo mencionado, para tratar de assuntos relacionados com a sociedade supra referenciada, uma vez que ela se encontra nas vossas instalações todas as manhãs”.
19- A Administradora da Insolvência deslocou-se à sede da R.., Ldª à procura da M.., que não estava nessa ocasião, tendo pedido a um funcionário que informasse a requerida que a administradora da insolvência da S.., Ldª pretendia contactá-la de modo a que houvesse colaboração nos assuntos relacionados com tal insolvência, tendo fornecido para esse efeito os seus contactos.
20- A administradora da Insolvência regressou posteriormente à sede da R.., Ldª, não tendo encontrado a requerida M...
21- Na ocasião acabada de referir, o funcionário com quem a Administradora da Insolvência tinha contactado anteriormente informou-a de que tinha dado o recado transmitido à Requerida.
22- O colaborador da Administradora da Insolvência deslocou-se por várias vezes à sede da R.., Ldª à procura da Requerida M.., sem sucesso.
23- O N.. e a M.. nunca contactaram a Administradora da Insolvência.
24- Através de diligências realizadas junto da DGCI, a Administradora da Insolvência identificou o TOC da insolvente.
25- A Administradora da Insolvente contactou o TOC da Insolvente, E.., o qual solicitou algum tempo para entregar os documentos/elementos contabilísticos solicitados, uma vez que o acesso ao local onde se encontravam não seria fácil, face ao abandono da actividade da Insolvente reportada a Agosto de 2007.
26- O TOC informou a Administradora da Insolvência que a insolvente não dispunha dos encerramentos contabilísticos e fiscais, relativos aos anos económicos dos anos anteriores, por falta de inventários e que, deste modo, nunca foram prestadas contas.
27- O TOC não conseguiu obter os elementos contabilísticos solicitados.
28- E forneceu apenas um balancete analítico referenciado à data de Junho de 2007.
29- E informou que não teve qualquer contacto com N.. desde Agosto de 2007.
30- No balancete analítico de Junho de 2007 da Insolvente resultam existências no valor de 6.887.767,16 €.
31- E imobilizado no valor de 2.091.598,25 €.
32- A Administradora da Insolvência apenas conseguiu apreender bens que consubstanciam “existências” avaliados em cerca de 38.500,00 €.
33- E seis fracções urbanas, um prédio rústico e dois veículos em estado de sucata que integram o imobilizado.
34- A Insolvente não entregou os bens adquiridos em regime de leasing aos locadores.
35- O equipamento objecto de um contrato de aluguer de máquinas celebrado entre a Insolvente e a J.., Ldª, no valor global de 1.028.253,66 €, com inicio em 02.01.2006 e termo em 31.12.2006, cujas rendas acordadas ascendiam a 40.000,00 € mensais, não foi entregue pela insolvente a esta sociedade, tendo desaparecido.
36- A Insolvente não liquidou à Fazenda Nacional a quantia de 2.625.699,41 € devida a título de impostos e coimas.
37- A Insolvente fez desaparecer ou dissipou todas as existências e imobilizados identificados no balancete analítico de Junho de 2007, com excepção dos bens apreendidos no valor de 38.500,00 €, das seis fracções e dos dois veículos igualmente apreendidos.
38- Em data posterior à declaração da insolvência da S.., Ldª, M.. arrendou quatro das fracções apreendidas para a massa insolvente.
39- As rendas relativas aos arrendamentos indicados em 40 eram depositadas numa conta bancária cujo titular era o filho da M...
40- A Administradora da Insolvência reconheceu no processo especial de insolvência créditos no valor global de 5.930.601,82 €.
41- O crédito contraído pela Insolvente junto da banca ascende à quantia de € 1.483.225,51 €.
42- A Insolvente cessou a sua actividade em Agosto de 2007.
43- A Insolvente nunca aprovou e depositou as contas de exercício.
44- O requerido N.. ausentou-se para local desconhecido em Agosto de 2007.
Os factos acabados de transcrever não foram impugnados em sede de recurso, tendo até sido aceites, não havendo fundamento para os alterar nos termos do artº 712º do CPC, pelo que se consideram definitivamente assentes, sendo irrelevantes quaisquer outros factos ou considerações eventualmente feitas em sede de alegações.
Resta, pois, aplicar-lhes o direito, tendo em vista a resolução das supramencionadas questões que constituem o objecto do recurso e que ora cumpre apreciar e decidir.
Antes, porém, não se deixará de reflectir também o facto do requerimento de interposição do recurso ser nominado por pelos citados N.. e a M.. e, na verdade, das respectivas alegações e conclusões, expressamente se retiram apenas conclusões quanto à segunda, assim, nesta medida, a final, como já se percebeu, deduz-se pretensão em conformidade.
Nestes termos, se bem que não se possa determinar o recurso como deserto, considerando o que já se aclamou quanto à delimitação temática do recurso, nesta oportunidade a decisão versará em princípio unicamente a óptica da Recorrente a não ser que mesma tenha âmbito que não deixe por si incólume a situação do Recorrente definida na sentença em crise.
Vejamos.
Em abstracto, as normas, definições e conceitos de direito a considerar no conhecimento de mérito em regra estão sinalizadas tanto na sentença como nas alegações do recurso e da resposta, pelo que em tal plano da nossa parte prescindiremos de insistir na sua evocação até à exaustão.
Efectivamente, o artº 185º prevê que a insolvência é qualificada como culposa ou fortuita.
Por sua vez, o artº 186º, nº 1 dispõe que “A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência”.
De seguida, o mesmo artigo estabelece presunções com vista à qualificação da insolvência como culposa de um conjunto de circunstâncias e comportamentos elencados taxativamente nos nºs 2 e 3.
Assim, no nº 2 concretiza as situações em que a insolvência de pessoa colectiva há-de ser considerada culposa, sendo que, apurada factualidade subsumível a qualquer das circunstâncias ali tipificadas, presume-se juris et de jure que a insolvência é culposa, tal como resulta da expressão “considera-se sempre”, sendo isto doutrinalmente pacífico.
Tal como é quanto ao nº 3, que se refere que aí se estabelecem duas presunções juris tantum, como tal elidíveis mediante prova em contrário (artº 350º, nº 2 do CC), e que se relacionam com o dever dos administradores, de facto ou de direito, de requerer a declaração de insolvência (alínea a)) e com a obrigação de elaboração das contas anuais, no prazo legal, sua fiscalização e depósito na conservatória do registo comercial (alínea b)).
Para este efeito, importa ainda ter presente que o preenchimento desta previsão normativa apenas permite qualificar a existência de culpa grave por parte dos administradores, daí não resultando inexoravelmente a conclusão de que a insolvência é culposa.
Na verdade, embora sem unanimidade mas de forma largamente maioritária, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a interpretar a presunção de existência de culpa grave a que alude o nº 3 do citado artigo 186.º no sentido de que, sendo constatada a omissão do dever, a lei apenas faz presumir a culpa grave do respectivo administrador ou gerente, o que é insuficiente para qualificar a insolvência como culposa, por faltar um dos requisitos previstos no nº 1 do mesmo artigo, isto é, o nexo de causalidade entre aquela omissão culposa e a criação ou o agravamento da situação de insolvência, o qual, não podendo presumir-se, terá que ser demonstrado (cfr acórdãos de 24.5.2010, procº n.º 316/08.0TBVFR-C.P1, de 22.06.2010, procº 242/09.3TJPRT-A.P1, de 20.10.2009, procº 578/06.5TYVNG-A.P1, de 07.01.2008, procº 0754886, de 17.11.2008, procº 0855650, de 13.09.2007, procº 0731516, de 24.09.2007, procº 0753853, de 18.06.2007, procº 0731779, de 15.03.2007, procº 0730992 e de 22.05.2007, procº 0722442, in www.dgsi.pt; também Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Vol. II, Quid Júris, 2006, págs 13-16; Luís Menezes Leitão, Direito da Insolvência, Almedina, 2009, págs 270-271; e em sentido não totalmente coincidente com os anteriores autores, Catarina Serra, O Novo Regime Português da Insolvência, Uma Introdução, Almedina, 2008, pág. 95 e artigo intitulado “Decoctor ergo fraudactor”? – A insolvência culposa (esclarecimento sobre um conceito a propósito de uma presunções)”, in Caderno de Direito Privado nº 21, Janeiro/Março, 2008, pág 60, citados naquele primeiro acórdão).
No que respeita ao grau de culpabilidade, tradicionalmente, a nossa Jurisprudência e Doutrina costumam distinguir três formas de culpa quanto ao seu grau, isto é, quanto à sua maior ou menor intensidade. Fala-se assim em culpa lata (também denominada grave ou grosseira), culpa leve e culpa levíssima, aferindo-se sob um critério de apreciação objectiva, aferindo-se pelo confronto com um tipo abstracto de pessoa.
Quer a culpa grave, quer a culpa leve correspondem a condutas que uma pessoa normalmente diligente, o bonus pater famílias, se absteria.
Entendendo por culpa grave a situação de negligência grosseira, em que a conduta do agente só seria susceptível de ser realizada por uma pessoa especialmente negligente, uma vez que a grande maioria das pessoas não procederia da mesma forma. Ou seja, a que consiste em não fazer o que faz a generalidade das pessoas, em não observar os cuidados que todos, em princípio adoptam. A culpa grave apresenta-se assim como uma situação de negligência grosseira, “nimia” ou “magnata negligentia”.
Acontece, fazendo apelo aos factos provados, escreveu-se na sentença ao se qualificar a insolvência como culposa: “Ora, os requeridos fizeram desaparecer ou dissiparam todo o património da insolvente, com excepção dos bens apreendidos pela administradora da insolvência, no período compreendido entre Junho de 2007 (data em que tal património ainda existia conforme resulta do balancete analítico fornecido à administradora da insolvência) e a data da declaração de insolvência. Os requeridos fizeram desaparecer, nomeadamente, os bens adquiridos em regime de leasing e equipamento objecto de, pelo menos, um contrato de aluguer, este no valor de € 1.028.253,66. A todo esse património foi dado um destino desconhecido, sendo certo que, com a dissipação do mesmo, comprometeu-se de forma definitiva o futuro da S.. Ldª. Por outro lado, os requeridos, na qualidade de gerentes da insolvente, incumpriram a obrigação da insolvente organizar a contabilidade de acordo com a legislação em vigor, não elaboraram as contas anuais, submetendo-as à devida fiscalização ou depositando-as na Conservatória do Registo Comercial, desde a data da sua constituição. Inviabilizaram, por isso, a possibilidade de conhecer e compreender a sua situação económica/financeira ao longo do exercício da sua actividade. Acresce que os gerentes da insolvente incumpriram o dever de se apresentarem à insolvência, a partir do momento em que a S.., Ldª deixou de ter viabilidade económica e que poderá situar-se, pelo menos, a partir de Agosto de 2007, data em que cessou a sua actividade e o seu sócio gerente se ausentou. Por último, apesar da requerida M.. ter tomado conhecimento da insolvência da S.., Ldª e do facto de ter que prestar colaboração com a administradora nomeada (cfr. ponto 22) – acima indicado como ponto 21 por ter havido lapso na sentença quanto à numeração dos factos assentes –, não o fez, tendo, mesmo depois da declaração da insolvência, arrendado quatro das fracções apreendidas para a massa insolvente, sendo as respectivas rendas depositadas numa conta titulada pelo seu filho.”
Nessa peça processual subsumiu-se tal factualidade às alªs a), d), h) e i) do nº 2, do artº 186º, sendo que no que respeita à alª i), a mesma foi conjugada com o disposto no artº 83º mas sem que, tal como o nº 3 deste preceito prescreve, a recusa de colaboração deva ser apreciada livremente pelo juiz para efeito de qualificação de insolvência como culposa, na medida em que nessa alínea exige-se o incumprimento reiterado daqueles deveres, citando a propósito Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Lisboa 2005, pág 15.
No entanto, aí se declinou fundamentar a insolvência culposa da sociedade visada nas situações previstas nas alªs a) e b) do nº 3, do artº 186º, porquanto, em conformidade com o predito, fora dos casos previstos no seu nº 2, deve ser provada a culpa e o nexo de causalidade e no caso não se apurou que a situação de insolvência tenha sido criada ou agravada pela omissão ou conduta da devedora com base nessas circunstâncias, nos três anos anteriores ao início do processo.
Obviamente, segundo este raciocínio, consideraram-se afectados pela qualificação os que foram gerentes da Insolvente que cessou a sua actividade em Agosto de 2007, assim, no que ora interessa, inclusivamente a Recorrente que apenas renunciou a essas funções em 05.10.2007 (fls 11), nessa medida inibindo-os nos termos acima mencionados, mais precisamente ao abrigo do artº 189º, nº 2, alª c), do CIRE.
Por força do regime jurídico que igualmente acima se expôs, afigura-se-nos que face à factualidade provada é manifesto que a insolvência é culposa, sendo que na argumentação da Recorrente não se acolhem elementos que contrariem esta conclusão.
Para esta, de forma imprecisa, é insuficiente a matéria de facto uma vez que não resulta da mesma qual das causas que determinaram a insolvência.
Sempre sem razão.
Desde logo porque se ignora, como se constatou, que a sentença afastou a possibilidade de subsumir o caso ao circunstancialismo previsto nas alíneas do nº 3 do artº 186º e só aqui as respectivas omissões dos deveres devem ser acompanhadas da demonstração dos requisitos do nexo de causalidade entre aquelas e a criação ou o agravamento da situação de insolvência.
Por seu turno, como igualmente se anteviu, porque existe uma presunção júris et de jure da natureza culposa da mesma resultante das circunstâncias a que se reporta o nº 2 do artº 186º.
E quanto aos outros dois ponto em que se fixa também a censura, deixando intocáveis, nesta rubrica a disposição de bens em proveito pessoal ou de terceiros (alª d) e o incumprimento, de forma reiterada, dos seus deveres de apresentação e colaboração até à data da apresentação do parecer referido no nº 2 do artº 188 (alª i), ou seja o momento em que ocorre a cessação da actividade da insolvente conjugado com o desaparecimento de existências e imobilizados (alª a), assim como a inexistência de contabilidade organizada, mesmo que esta circunstância deva ser acompanhada de prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor (alª h), a matéria de facto tem perfeito cabimento nestas circunstâncias.
Aliás é a própria Recorrente que admite nas alegações que a contabilidade não se mostrava organizada (nº 13),
Foi disponibilizado balancete analítico referenciado a Junho de 2007, ainda por cima pelo Técnico Oficial de Contas, contudo, depois de vicissitudes que só podem apontar para o propósito de se obstar ao conhecimento da situação patrimonial e financeira da Insolvente: segundo os factos provados houve necessidade de diligências realizadas junto da DGCI, para ser identificado o TOC; a haver elementos contabilísticos solicitados o acesso ao local onde se encontravam não seria fácil; tirando o citado elemento a Insolvente não dispunha dos encerramentos contabilísticos e fiscais, relativos aos anos económicos dos anos anteriores, por falta de inventários e, deste modo, nunca foram prestadas contas; o TOC não teve qualquer contacto com N.. desde Agosto de 2007; e a Insolvente nunca aprovou e depositou as contas de exercício.
O julgador não pode nem deve ater-se secamente à simples consideração dos factos literal e expressamente provados e decorrentes das alegações das partes, podendo e devendo sobre eles operar uma interpretação crítica, dinâmica e dialéctica – atenta, vg., a globalidade do factualismo apurado – a qual, por força das regras da experiência comum e dos ensinamentos da lógica, pode acarretar que ele permita inferir a verificação ou ocorrência de outros, que são a consequência necessária, ou, pelo menos, normal daqueles.
E ao se falar em nexo causal haverá que precisar que existirá sempre que a conduta se não possa considerar de todo em todo indiferente para a verificação do resultado, sendo só provocado por causa de circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas.
Concomitantemente, a Recorrente, como gerente no exercício do comércio não se pode refugiar em mero exercício semântico e o tribunal, por aquilo que em tese referiu, tem de retirar as inferências que são mais que pertinentes como as que a sentença atendeu, ademais sem que se adiante qualquer argumento que permita infirmar a sua normal actividade societária num dado estatuto em que estava legalmente investida, e, ao fim ao cabo, que com ela fosse incompatível.
E visto isto, bem como nesta perspectiva, que dizer do requisito previsto na alª a) senão para concluir do mesmo modo que a sentença.
Veja-se, provou-se que em tal balancete resultavam existências no valor de 6.887.767,16 € e imobilizado no valor de 2.091.598,25 €, e declarada a insolvência “apreenderam-se” bens (existências) avaliados em parcos 38.500,00 €, bem como seis fracções urbanas, um prédio rústico e dois veículos em estado de sucata que integram o imobilizado, para além de não ter sido entregue bens adquiridos em regime de leasing aos locadores e equipamento objecto de um contrato de aluguer de máquinas (quatro unidades Dumper, da marca Volvo, fls 65), no valor global de 1.028.253,66 €. Fez-se, assim, desaparecer ou foram dissipados existências e imobilizados de valor elevadíssimo.
E, mais uma vez, face ao seu estatuto, resultante do pacto social da Insolvente, a Recorrente nada alega sequer para colocar em dúvida a conclusão que se nos impõe de que a mesma é responsável pelo menos a título negligente da situação da sociedade se encontrar impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas (artº 3º, nº 1).
De resto, segundo a matrícula da Insolvente, a Recorrente teve até um papel dominante pelo menos no domínio da gestão corrente da mesma pois, até à sua renúncia como gerente, como se disse em 05.10.2007, mas apenas averbada registralmente em 06.11.2007, praticamente um mês antes da propositura da acção principal, na forma de aquela se obrigar era suficiente a sua assinatura. Sem se olvidar que o outro gerente ausentou-se para local desconhecido antes quase três meses.
Chegados aqui, segundo estes parâmetros pelos quais existem motivos para que a insolvência seja considerada culposa e, para além disto, a Recorrente afectada por essa qualificação, está-se já a coligir a segunda parte da censura da Recorrente que versa ainda o período de inibição com que foi sancionada, nos termos da alª c) do nº 2 do artº 189º (a sanção prevista é de 2 a 10 anos), e que entende, apesar de tudo, não dever passar os dois anos.
Parte da argumentação necessária para se afastar o modo como a Recorrente recusa ser afectada pela qualificação já se expendeu, insistindo-se agora ainda no facto de que o que a Recorrente não pode afirmar é que face ao seu estatuto societário pelo menos não omitiu qualquer dever de cuidado com que estava onerada para evitar o desaparecimento e dissipação das existências e imobilizados identificados no balancete analítico de Junho de 2007. Mesmo que se queira refugiar na suposta falta do circunstancialismo em que isso possa ter ocorrido ou em que tenha sido autora desses actos ou tenha de alguma forma neles participado, é sempre ambivalente a recusa de responsabilidades sem nada se dizer pela positiva sobre a forma como tal possa ter ocorrido para colocar em crise as presunções naturais de que se utilizou o julgador a quo.
De qualquer modo a Recorrente “conforma-se” com o facto de em data posterior à declaração da insolvência ter arrendado quatro das fracções apreendidas para a massa insolvente e as rendas passarem a ser depositadas numa conta bancária cujo titular era o seu filho.
Mais se inculca a ideia de que efectivamente foi sempre preponderante a acção da Recorrente na gestão e destinos da Insolvente, ao não se ter inibido de agir em prejuízo da massa insolvente e do colectivo dos credores mesmo depois da cessação das suas funções, pelo que nunca não poderia ter sido alheia à sorte final da Insolvente e às suas consequências.
Também não se pode eximir da responsabilidade da violação da obrigação da manutenção da contabilidade organizada e é consabido que a essa omissão há-de ser sempre assacada a desorganização empresarial apta a que inexista controle devido para a compreensão da respectiva situação patrimonial e financeira, como alude a lei.
Sabendo como ninguém do estado económico e financeiro da Insolvente, a cessação da sua actividade e a ausência do outro gerente, seu marido (fls 13 e 183), para local desconhecido, antes quase três meses da sua renúncia, mesmo que não tivesse decorrido o prazo a que se reporta o artigo 18º, nº 3 do CIRE, isso inclusivamente torna anódina a tentativa de alegação do seu desconhecimento da situação de insolvência que mais tarde veio a ser declarada reportada ao momento da instauração da acção.
Já no que concerne ao dever de apresentação e de colaboração mais uma vez terá de falecer razão à Recorrente, sendo incompreensível a sua invocação, porquanto precisamente encontra-se previsto no artigo 83º, nº 1, “ex vi” do seu nº 4, esse dever para os administradores do devedor e membros do seu órgão de fiscalização, se for o caso, bem como par as pessoas que tenham desempenhado esses cargos dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência. Será uma questão de fazer contas e, por outro lado, logo se verá que as diligências da Administradora da Insolvência para obter essa colaboração e que para tanto tinha a Recorrente obrigação goraram-se, nada apontado para que esta não a pudesse satisfazer.
A ratio da lei nesta matéria cinge-se a uma atitude de desconfiança quanto à actuação dos agentes no exercício económico, tendo em vista sempre a segurança dos negócios nas mais diversas actividades dos sectores primário, secundário e terciário.
Com efeito, se bem que o processo de insolvência se assuma como uma apreensão e liquidação universal dos bens do devedor em que a finalidade essencial é a satisfação dos direitos dos credores, ele não se esgota neste desiderato. Nele releva também, entre outros fins, o saneamento do mercado, expurgando-se as empresas ou pessoas singulares económica ou financeiramente inviáveis, e a produção de vários efeitos decorrentes da declaração de insolvência como o vencimento imediato de todas as obrigações do insolvente.
É sabido que quanto mais se prolonga uma situação empresarial artificial, mais difícil a mesma se torna.
Ora, uma empresa em que se dissipam bens de forma abrupta, no valor já precisado, os seus órgãos gerentes, mesmos os que já cessaram funções não se aprestam à colaboração perante crise judicial que já a assola e que a deixa permeável a qualquer devir, a respectiva contabilidade, sem nunca se ter aprovado e depositado as contas de exercício, remedeia-se a um balancete sendo-lhe imperceptível um mínimo de organização e racionalidade económica no passado, presente e futuro, contrataram-se arrendamentos de seu imobiliário a reverter para conta bancária alheia da massa insolvente, e existem créditos reconhecidos no valor de 5.930.601,82 €, em que o contraído junto da banca ascende à quantia de 1.483.225,51 €, só se pode concluir que à ora Recorrente na qualidade de gerente da Insolvente era-lhe exigível ter-se apercebido do estado irremediável da insolvente. E, assim sendo e ao mais que se já se aflorou, a reprovabilidade e censurabilidade do seu comportamento bem como a sua relevância na verificação da insolvência é perfeitamente compatível com o número de anos de inibição que lhe foi fixado na sentença.
Por último, neste contexto que se acabou de decidir, sempre se dirá que não se alcança a razão de ser da alusão ao artº 12º do Código Civil.
Por tudo isto nenhuma censura merece a sentença e o recurso deverá merecer juízo de improcedência.
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente a apelação interposta por N.. e M.. e confirmar a sentença recorrida.
Custas do recurso a cargo dos Recorrentes.
Registe e notifique, nomeadamente a Exmª Administrador da Insolvência e todos os credores que devam ser.
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Eduardo Azevedo
Maria Rosa Tching
Espinheira Baltar