Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
532/10.2GAFLG.G1
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: DESOBEDIÊNCIA
APREENSÃO DE VEÍCULO
FALTA DE SEGURO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/29/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: Incorre no crime de desbediência, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1,
al. b) do Código Penal, o agente que tendo visto o veículo apreendido
por falta de seguro de responsabilidade civil, investido na qualidade
de seu fiel depositário e notificado de que o não podia utilizar
enquanto se mantivesse a dita apreensão sob pena de desobediência, o
conduz na via pública.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

1. No âmbito do processo n.º 532/10.2GAFLG do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Felgueiras, mediante acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento em processo sumário o arguido Hélder S..., melhor identificado nos autos, pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, al. b) do Código Penal – [cf. fls. 12/13].

2. Realizado o julgamento, por sentença de 30.06.2010, veio o arguido a ser condenado pela prática do aludido crime na pena de 80 [oitenta] dias de multa à taxa diária de € 5,00 [cinco euros].

3. Inconformado com a decisão recorreu o arguido, extraindo da motivação as seguintes conclusões:

1.º O presente recurso é interposto da Douta Sentença condenatória que condenou, o aqui arguido, numa pena de multa no valor de 400,00 euros, pelo cometimento de um crime de desobediência simples violência, p. e p. pelo art.º 348.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal.
2.º Com cuja condenação nestes termos, não poderemos concordar, por entendermos que a autoridade policial não podia dar a ordem com a cominação do crime de desobediência por esta ser uma ordem ilegal, fora do âmbito da sua competência e atribuições própria “funcional” e “normativa”.
3.º A apreensão do veículo teve por base o disposto nos artigos 162.º, n.º 1, alínea f), 161.º, n.º 1, alínea e), art. 161.º, n.º 7 do Cód. da Estrada, constitui contra – ordenação e é sancionado com coima.
4.º Pelo que o carácter subsidiário da incriminação previsto no artigo 348.º, n.º 1, alínea b) do C.P., leva a que a autoridade só poderia fazer tal cominação quando o comportamento do arguido em causa não constitua um ilícito previsto pelo legislador para sancionar essa conduta, seja de natureza criminal, ou contra – ordenacional.
5.º O acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 5/2009, não colide com a tese aqui sufragada por nós, apenas e tão só desqualifica a situação fáctica apresentada, fazendo valer as exigências de verificação para a verificação do crime de desobediência simples do artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do C.P. dos seus elementos constitutivos, o que no caso a que se reportam estes autos não se verificam, dada a falta de “cominação funcional” por parte do agente de autoridade.
6.º Ao proceder do citado modo violou, assim, o Tribunal “a quo”, o disposto no artigo 348.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, que interpretou erradamente e erradamente aplicou.
7.º Termos em que e nos demais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a douta sentença que condenou o arguido, pugnando-se pela sua absolvição, porque não praticou o crime de desobediência simples previsto e punido no artigo 348.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal.

4. Na 1.ª instância, a Digna Magistrada do Ministério Público apresentou resposta ao recurso, defendendo a sua improcedência – [cf. fls. 77].

5. Admitido o recurso, fixado o respectivo regime de subida e efeito foram os autos remetidos a este tribunal – [cf. fls. 78].

6. Na Relação, a Ilustre Procuradora – Geral Adjunta, em douto parecer, pronunciou-se no sentido de o recurso não merecer provimento – [cf. fls. 86/89].
7. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP não foi apresentada resposta.

8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. Acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I – A Série, de 28.12.1995].
Nestes termos tem este tribunal de se pronunciar sobre a legitimidade da ordem dada ao recorrente, na ocasião investido na qualidade de fiel depositário, no sentido de não poder utilizar o veículo apreendido [em consequência da falta de seguro de responsabilidade civil] com a cominação de que fazendo-o incorreria na prática de um crime de desobediência.

2. A decisão recorrida

No que concerne à factualidade dada por assente consta da sentença recorrida:

“Com interesse para a decisão da causa, considera-se provada a seguinte factualidade:
No dia 13 de Maio de 2010, o arguido conduziu o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-16-AQ, na via pública, mais concretamente na Rotunda da Vitoreira, Margaride, Felgueiras, em desrespeito ao auto de apreensão que fora elaborado pela GNR de Felgueiras, em 29 de Janeiro de 2009, referente ao mesmo veículo, sendo que na altura o arguido fora advertido de que caso conduzisse o referido veículo incorreria na prática de um crime de desobediência.
Ao agir da forma descrita, o arguido agiu livre e voluntariamente, querendo incumprir a ordem que lhe foi legitimamente dada, sendo certo que não desconhecia a punição para a violação de tal ordem, bem como mais sabia que a mesma lhe tinha sido legitimamente comunicada e proferida por uma entidade com competência para o efeito.
Sabia que a sua conduta era punida e proibida por lei.

Mais se provou que:
O arguido encontra-se desempregado há uma semana.
Trabalhava num supermercado, auferindo pelo seu trabalho a quantia de € 480,00/mês.
Vive com a sua companheira.
Tem dois filhos, com 11 e 3 anos de idade.
Vive em casa arrendada, pela qual paga € 225,00/mês.
Tem o 12.º ano de escolaridade.
Tem antecedentes criminais pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, por factos ocorridos em 22 de Julho de 2007, tendo sido condenado, por decisão proferida em 29 de Setembro de 2009, transitada em julgado em 2 de Novembro de 2009, na pena de 100 dias de multa á taxa diária de € 5,00.”

Em sede de fundamentação da decisão de facto ficou exarado:

“A convicção do Tribunal baseou-se na ponderação do conjunto da prova, à luz das regras da experiência, nos termos do art. 127.º do C. P. Penal, em particular no teor do auto de apreensão junto aos autos a fls. 5, do qual consta claramente que a utilização do veículo fará incorrer o depositário na prática de um crime de desobediência – declaração que é bem visível no teor do documento, estando assinalada a negrito – em conjugação com o teor do depoimento da testemunha João L..., que descreveu detalhadamente as circunstâncias em que o veículo foi apreendido e o arguido advertido de que não poderia circular com o veículo, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência.
De resto, o arguido tem o 12.º ano de escolaridade, pelo que não terá certamente dificuldades de leitura e interpretação do teor do documento.
Nestes termos, resultaram provados todos os factos constantes da acusação pública.
Considerou-se o CRC junto aos autos.
E, finalmente foram valorados os esclarecimentos finais do arguido sobre as suas condições pessoais, familiares e sócio – económicas.”

3. Apreciando

Insurge-se o recorrente com a condenação pela prática do crime p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, invocando que a “autoridade policial” não podia “dar a ordem com a cominação do crime de desobediência por esta ser (…) ilegal, fora do âmbito da sua competência e atribuições própria “funcional” e “normativa” porquanto a apreensão do veículo “teve por base o disposto nos artigos 162.º, n.º 1, alínea f), 161.º, n.º 1, alínea e), art. 161.º, n.º 7 do Código da Estrada”, o que constituiria ilícito contra – ordenacional, sancionado com coima. Donde, em consequência do carácter subsidiário da incriminação prevista na citada norma [348.º, n.º 1, al. b)], a “autoridade policial” só “poderia fazer tal cominação” quando o comportamento do agente não constituísse ilícito, designadamente uma contra – ordenação, como sucede no caso.

Resulta da matéria de facto provada que no dia 13 de Maio de 2010 o recorrente conduzia, na via pública, o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-16-AQ, veículo este que se encontrava apreendido conforme auto de apreensão de fls. 5 [aludido na fundamentação da decisão de facto], lavrado pela GNR de Felgueiras em 29 de Janeiro de 2009.
Nos termos do dito auto o veículo foi apreendido em cumprimento do artigo 162.º, n.º 1, al. f) do Código da Estrada, ocasião em que foram, igualmente, apreendidos os respectivos documentos [título de registo de propriedade e livrete] - artigo 161.º, n.ºs 1, al. e) e 2 do citado diploma legal - porquanto circulava sem que possuísse seguro de responsabilidade civil, tendo o respectivo condutor e proprietário, o ora recorrente, recebido o veículo na qualidade de fiel depositário, altura em que lhe foi comunicada a proibição de o utilizar enquanto se encontrasse à sua guarda e, ainda, que tal utilização o faria incorrer no crime de desobediência.

Na sentença recorrida, como questão prévia, ficou consignado:
“Em sede de contestação, o arguido veio requerer a extinção do procedimento criminal, por entender que não é legitima, no caso, a cominação com a prática do crime de desobediência qualificada, quer porque a desobediência em causa é punida pelo Código da Estrada com coima (arts. 150.º, n.º 1 e 2, 162.º, n.º 1, f) e 161.º, n.º 7), quer porque à luz do princípio da fragmentaridade e subsidiariedade do direito penal, a ordem não é legitima.
O Ministério Público opôs-se, sustentando, em síntese, que a apreensão do veículo é permanente e válida, pressupondo que seja nomeado um fiel depositário, o qual fica sujeito às obrigações genericamente aplicáveis a estes, nomeadamente a obrigação de não utilização do veículo apreendido.
Atenta a questão prévia suscitada pelo recorrente, o que importa decidir é se é legitima a ordem dirigida ao depositário de um veículo automóvel apreendido ao abrigo do disposto no artigo 162.º, n.º 2, alínea f) do Código da Estrada, proibindo a circulação deste, sob a cominação de incorrer na prática de um crime de desobediência.
Não obstante a jurisprudência em sentido divergente que recentemente tem vindo a desenhar-se nos tribunais superiores, entendemos que não existem argumentos válidos que coloquem em crise o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 5/2009, publicado no DR nº 55, 1ª Série A, de 19.03.2009, que considerou que o depositário que faça transitar na via pública um veículo automóvel apreendido por falta de seguro obrigatório comete, verificados os respectivos elementos constitutivos, o crime de desobediência simples do artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal (e não o crime de desobediência qualificada do artigo 22.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto – Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro). Muito embora a questão não tenha sido directamente analisada no Acórdão, este tem como pressuposto, naturalmente, que seja legítima a ordem de proibição de circular com o veículo apreendido, sob cominação da prática do crime de desobediência.
Acresce que, a contra – ordenação a que se refere o arguido visa salvaguardar uma realidade distinta da que está em causa nos autos, que é a circulação do veículo desacompanhado do documento de identificação (e não a condução na via pública de veículo a motor, sem contrato de seguro de responsabilidade civil).
Daí que não se coloque a questão do carácter meramente subsidiário da incriminação prevista na al. b) do artº 348º nº 1 do CP, já que a conduta em causa nos autos não se encontra prevista por qualquer disposição legal, designadamente de natureza contra – ordenacional.
Por último, e cabendo ao juiz ponderar, caso a caso, se o carácter fragmentário e de “última ratio” do direito penal, não levará a negar dignidade penal a determinadas condutas cominadas com crime de desobediência, entendemos que, no caso, a conduta em si justifica a cominação, já que está em causa a salvaguarda de direitos fundamentais dos cidadãos, que é o de serem justa e integralmente ressarcidos dos danos causados com a prática de um acto ilícito de outrem, no exercício da condução, ou dos danos inerentes ao risco da circulação automóvel.
Pelo exposto, e sem necessidade de outras considerações, decide-se julgar improcedente a questão prévia suscitada pelo arguido.”

Vejamos.

Nos termos do artigo 150.º do Código da Estrada “1. Os veículos a motor e seus reboques só podem transitar na via pública desde que seja efectuado, nos termos de legislação especial, seguro de responsabilidade civil que possa resultar da sua utilização”, constituindo a violação de tal comando contra – ordenação sancionada com coima – [cf. o n.º 2].
Dispõe o artigo 162.º, n.º 1, al. f) do Código da Estrada, sob a epígrafe “Apreensão de veículos”, que:
“1. O veículo deve ser apreendido pelas autoridades de investigação criminal ou de fiscalização ou seus agentes quando:
(…)
f) Não tenha sido efectuado seguro de responsabilidade civil nos termos da lei.”
Verificado tal condicionalismo, devem ser os documentos do veículo [de identificação e respeitantes à circulação], igualmente, apreendidos – [cf. artigo 161.º, n.ºs 1, al. e) e 2 do Código da Estrada].
De acordo com o n.º 8 do artigo 161.º [n.º 7, na redacção anterior ao D.L. n.º 113/2009, de 18.05] quem conduzir veículo cujo documento de identificação tenha sido apreendido é sancionado com coima de € 300 a € 1500.
Perante tal quadro normativo afigura-se-nos mostrarem-se contempladas três situações: a) a circulação na via pública de veículo a motor sem que tenha sido efectuado seguro de responsabilidade civil [o que constitui contra – ordenação – artigo 150.º, n.º 2 do Código da Estrada]; b) a condução na via pública de veículo, cujo documento de identificação tenha sido apreendido [ilícito contra – ordenacional – artigo 161.º n.º 8 do Código da Estrada] e, por último c) a circulação/condução na via pública de veículo que se mostre apreendido [artigo 162.º do Código da Estrada].
No que concerne à primeira e segunda situação parece não se suscitarem dúvidas quanto à natureza de contra-ordenação da violação dos respectivos comandos.
A questão posta no recurso exige que se tome posição sobre se numa situação em que o documento de identificação do veículo se encontra apreendido em consequência da apreensão do próprio veículo, sendo esta em função de não ter sido efectuado seguro de responsabilidade civil, a condução do mesmo na via pública redunda, tão só, na contra-ordenação sancionada nos termos do artigo 161.º, n.º 8 do Código da Estrada, na sua actual redacção, não consentindo, por isso, que a autoridade ou agente de autoridade faça a cominação no sentido de que a sua utilização fará incorrer a pessoa investida na qualidade de depositário no crime de desobediência p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, al. b) do Código Penal.
Pese embora a divergência de posições, desde logo a defendida no acórdão da RP de 10.03.2010 [processo n.º 961/05.3PTPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt/jtrp.], afigura-se-nos que a apreensão do veículo, concretamente por falta de seguro de responsabilidade civil, com a designação do titular do respectivo documento de identificação como seu fiel depositário – [cf. o n.º 5 do artigo 162.º do Código da Estrada, com referência à alínea f) do seu n.º 1] - legítima a ordem de proibição da sua utilização com a cominação de, não sendo a mesma respeitada, o fazer incorrer no crime de desobediência p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, al. b) do Código Penal.
Com efeito, não obstante a apreensão do veículo dar lugar à apreensão quer do respectivo documento de identificação quer dos documentos que à circulação do mesmo respeitam [cf. artigo 161.º, n.º 1, alínea e) e n.º 2 do Código da Estrada], nem todos os casos de apreensão dos aludidos documentos implicam a apreensão do veículo - [cf. os n.ºs 3, 4 e 5 do artigo 161.º] e nem todos os casos de apreensão do veículo conduzem à investidura do titular do respectivo documento de identificação como seu fiel depositário – [cf. os n.ºs 4 e 5 do artigo 162.º].
Entende-se, pois, que a contra-ordenação prevista no n.º 8 [anterior n.º 7] do artigo 161.º do Código da Estrada, por não ser coincidente o respectivo campo de aplicação, não preclude a cominação no acto de apreensão do veículo, concretamente por falta de seguro de responsabilidade civil que possa resultar da sua utilização, com investidura do titular do respectivo documento de identificação na qualidade de fiel depositário, do crime de desobediência caso o veículo venha a ser utilizado em violação da ordem/proibição comunicada, ordem, essa, que encontra suporte no artigo 150.º do Código da Estrada “… a fonte de legitimidade da autoridade de trânsito que, ao apreender o veículo por falta de seguro, “proíba” o depositário de o fazer transitar” – [cf. o Acórdão de Uniformização de jurisprudência do STJ n.º 5/2009, in DR, I. série, de 19.03.2009].
E na verdade, apesar de o citado aresto não se debruçar directamente sobre a situação dos autos, ao fixar jurisprudência no sentido de que “O depositário que faça transitar na via pública um veículo automóvel apreendido por falta de seguro obrigatório comete, verificados os respectivos elementos constitutivos, o crime de desobediência simples do artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal e não o crime de desobediência qualificada do artigo 22.º, n.º 1 e 2, do Decreto – Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro” deixou expresso o entendimento de que sendo a situação fáctica a descrita “… depositário que faça transitar na via pública um veículo automóvel apreendido por falta de seguro obrigatório…” o agente, verificados os respectivos elementos constitutivos, incorre na prática do sobredito crime.
Naturalmente que o juízo sobre a idoneidade da conduta descrita para enquadrar o crime está bem explicita no acórdão e a verificação dos seus elementos constitutivos não se mostra questionada ao nível colocado pelo recorrente que parte do pressuposto, com todo o respeito pelas opiniões divergentes, erróneo, de que a conduta em causa nos autos nunca poderia integrar o crime de desobediência por ser sempre subsumível a um ilícito contra-ordenacional – [artigo 161.º, n.º 8 do Código da Estrada, na sua actual redacção].

E sendo o desvalor da acção diferente num e noutro caso, não coincidindo o âmbito de aplicação das normas em confronto, tão pouco o interesse que visam proteger [no crime de desobediência está em causa o interesse administrativo do Estado em garantir a obediência aos mandados legítimos da autoridade], não havendo, portanto, que fazer apelo ao principio da fragmentaridade e subsidiariedade do direito penal, encontrando-se a ordem legitimada pelos artigos 5.º e 150.º do Código da Estrada [a lei atribui às autoridades policiais a fiscalização do cumprimento das normas legais sobre o trânsito], tendo resultado apurados os demais elementos constitutivos do crime – que não vêm sequer colocados em crise – nenhuma censura nos merece a decisão recorrida que, como tal, é de manter [vg. em sentido idêntico Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, p. 825/826, nota 6. e os acórdãos do TRP 19.11.2003, CJ, Ano XXVIII, T. V, pág. 225 e ss.; do TRL de 19.11.1996, CJ, XXI, T. V, p. 144].

III. Decisão

Nos termos expostos, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Condena-se o recorrente em 3 (três) UCs de taxa de justiça.

Guimarães, 29 de Novembro, de 2010