Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1958/15.0T9BRG-E.G1
Relator: PEDRO CUNHA LOPES
Descritores: HONORÁRIOS
DEFENSOR OFICIOSO
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
CONTESTAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/12/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I - Por força do art.º 44º, L. n.º 34/04, 29/7 (Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais) são aplicáveis aos casos de nomeação de Advogado em Processo Penal, os preceitos anteriores que se referem ao apoio judiciário, com exceção dos ns.º 2) e 3), do respetivo art.º 18º.
II - São pois, nesta sede diretamente aplicáveis as normas dos ns.º 4) e 5) do referido art.º 18º, em que se pretende que a nomeação abranja tudo o que se relaciona com o processo em que ocorreu a nomeação.
III - A nomeação de Defensor em Processo Crime abrange pois e também o pedido cível, se deduzido.
IV - A Portaria 1 386/04, 10/11, trata autonomamente os honorários devidos ao Advogado pela intervenção em Processo Crime e no Processo Cível enxertado, pelo que os respetivos montantes devem ser cumulados - cfr. pontos 3.2. e 1.1.1.3., da referida tabela.
Decisão Texto Integral:
1 – Relatório

Por despacho nestes autos proferido em 5 de Julho de 2 021 decidiu-se nos seguintes termos ante uma reclamação sobre um ato do Senhor Escrivão, que não validou para pagamento um pedido de pagamento de honorários ao Estado, para pagamento de 32 (trinta e duas) U.R.`s:

- julgou-se improcedente a Reclamação da Defensora do arguido, no sentido de serem pagas 32 (trinta e duas) U.R.`s por participação no enxerto cível, entendendo-se pois que não deveriam ser cumuladas com o montante devido, pela nomeação e participação no processo crime.

Discordando da decisão proferida, da mesma interpôs recurso a Defensora do arguido T. L., que sintetizou nas seguintes conclusões:

A. Chegados a este ponto, estamos em condições de proceder à descrição conclusiva das razões fundadoras do exercício discursivo de alegações de recurso, cfr. o disposto no n.º 1 do art.º 412.º do CPP, o que se passará a fazer em seguida,
B. Refira-se que a aqui Recorrente, tendo sido nomeada como Defensora oficiosa de beneficiário de apoio judiciário e tendo em vista a liquidação dos honorários referentes à sua intervenção na parte respeitante à matéria civil, criou o processo cível através da ferramenta “Apenso/Recurso” na Plataforma informática Sinoa e submeteu o respectivo pedido de pagamento de acordo com o ponto 3.2 Pedido de indemnização civil Tabela Anexa da Portaria n.º 1386/2004.
C. Assim, tendo em conta que nos autos a Recorrente (i) apresentou Contestação de despacho de Acusação devidamente instruída com os elementos probatórios requeridos, tal como, (ii) contestou o pedido de indemnização cível, instruindo a defesa com os elementos probatórios requeridos, (iii) preparou e conduziu a defesa do arguido em sede de audiência de julgamento, bem como (iv) empreendeu todo o estudo e elaboração das alegações de recurso apresentadas, a Recorrente liquidou os seus devidos e legítimos honorários, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 25.º da Portaria n.º 10/2008, e tendo por referência o tratamento autónomo dado às matérias penal e civil pelos pontos 3.1. e 3.2. da Tabela Anexa da Portaria n.º 1386/2004.
D. Neste intuito, a aqui Recorrente, apresentou, nos termos e para os efeitos do disposto no normativo supra referido, bem como em conformidade com o expressamente previsto no ponto 1.2.3. Pedido de Indemnização Civil -do Manual do Apoio Judiciário Perguntas Frequentes e de acordo com o constante no ponto 1.8 Honorários por pedido de indemnização civil - do Elucidário do Acesso ao Direito6, o respectivo pedido de pagamento dos honorários devidos, por apresentação de pedido através da plataforma informática Sinoa.
E. Não obstante, o referido pedido de pagamento de honorários foi rejeitado pela Secretaria do Tribunal, com a seguinte motivação “Identificação da entidade que não confirmou a prestação do(s) serviço”, acrescentando-se nas observações “A contestação pedido cível diz apenas o arguido oferece o merecimento dos autos(sic)”, cfr. Doc. 2 junto em anexo.
F. Não concordando com a recusa, a Recorrente apresentou em 31.05.2021 e ao abrigo do disposto no n.º 5 do art.º 157.º do CPC, ex vi art.º 4.º do CPP, reclamação do referido acto praticado pela Secretaria do Tribunal, cfr. Doc. 3 junto em anexo, sustentando, desde logo, tanto de facto como de direito, a sua pretensão em termos que se entendem como correctos.
G. Contudo, por Despacho com data de elaboração de 07.06.2021, cfr. Doc. 4 junto em anexo, veio o Tribunal recorrido dar abrigo ao sentido da pronúncia da Secretaria, recusando ordenar o pagamento dos honorários liquidados pela Recorrente, usando, no entanto, de diversa fundamentação,
H. Sendo certo que, tal fundamentação se nos apresenta como laborando em equívoco, designadamente, quanto aos elementos de facto que a fundamentam, dado que o Tribunal a quo parece propugnar o entendimento de que, tendo sido a Recorrente nomeada por imposição legal, nos termos do previsto no n.º 3 do art.º 64.º do CPP, não poderá ver alargado o âmbito da sua intervenção à parte atinente à matéria civil. Assim, refere-se no Despacho recorrido,

6 Cfr. a p. 9 do documento em apreço na edição de 2015 e disponível para consulta em https://portal.oa.pt/media/117315/elucidario-do-acesso-ao-direito-dezembro-2015.pdf.

«A requerente/reclamante foi nomeada defensora oficiosa do arguido J. M. no despacho de acusação, em cumprimento da imposição legal que resulta do disposto no artigo 64.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
Nessa medida, os honorários que lhe são devidos têm como referência as razões que justificaram a nomeação oficiosa, as quais, no caso concreto, estão restritas à vertente penal do processo, surgindo essa necessidade do facto de ter sido deduzida acusação pública contra o arguido.
E sendo o defensor nomeado para a acção penal, nenhuma compensação lhe é devida por uma eventual intervenção na instância cível, que extravasa do âmbito da nomeação.»
I. Olvida, no entanto e no que se crê como pertinente in casu,o Tribunal recorrido que tendo o arguido apresentado pedido de apoio judiciário, este lhe foi concedido, cfr. Doc. 5 junto em anexo.
J. Pelo que, e em virtude da aplicação, por maioria de razão, do disposto no n.º 4 do art.18.º da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais, Lei n.º 34/2004, de 29 de julho – na redacção dada pela Lei 47/2007, na medida em que estendendo-se o patrocínio do beneficiário de apoio judiciário na modalidade de nomeação aos processos apensos, também tal deverá acontecer em relação à parte civil dos autos penais, quando ao arguido tenha sido nomeado advogado por imposição legal e, ulteriormente, lhe tenha sido deferido pedido de protecção jurídica na modalidade de e pagamento de compensação de patrono.
K. Ou seja, a intervenção da Recorrente, ao contrário do que parece entender o Tribunal
a quo, não acontece por imposição legal, mas em virtude de o arguido ter apresentado pedido de apoio judiciário, que veio a ser deferido.
L. Ora, por isso mesmo, a Recorrente não se conforma com o entendimento expendido pelo Tribunal, na medida em que o mesmo procede a uma errónea apreciação factual, tal como interpreta o bloco de juridicidade relevante in casu, nomeadamente o disposto no n.º 1 do art.º 25.º da Portaria n.º 10/2008, e tendo por referência o tratamento autónomo dado às matérias penal e civil pelos pontos 3.1. e 3.2. da Tabela Anexa da Portaria n.º 1386/2004, de forma manifestamente equívoca.
M. Pois, beneficiando o Arguido, a quem a Recorrente foi nomeada como Defensora oficiosa, de protecção jurídica, sempre terá a Recorrente direito a ver-se compensada pela sua intervenção no que à parte relativa à matéria civil diz respeito.
N. Ora, conforme expressamente consta da Reclamação apresentada,a Recorrente,não só teve efectiva intervenção no que ao litígio cível diz respeito, contestando e requerendo a prova pertinente para o efeito, como, e ao contrário do que o Tribunal refere, o Arguido viu ser-lhe deferido o apoio judiciário requerido.
O. Pelo que, recusando-se o Tribunal recorrido a, dando merecimento à reclamação apresentada, revogar a recusa de pagamento dos honorários válida e regularmente liquidados, violou de forma clara e manifesta o disposto no referido n.º 1 do art.º 25.º da Portaria n.º 10/2008, de 03 de janeiro, bem como o constante do n.º 1 do art.º 2.º da Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro.
P. Assim, tendo a Recorrente fundamentado de forma expressa e clara o lançamento da compensação devida, tendo em consideração a intervenção, actos e diligências em que comprovadamente participou nos presentes autos e no que diz respeito à matéria civil, não poderia o Tribunal a quo ter recusado, conforme o fez no Despacho de recorrido, remunerar os serviços prestados pela Recorrente,
Q. Em total desrespeito pela autonomia das matérias, penal e civil, que apenas detêm tratamento unificado em sede de processo penal por mera razão de ordem prática, R. Conforme resulta da previsão de campos autónomos, referentes a distintas remunerações, constantes do ponto 3. Processo Penal da Tabela Anexa à Portarian.º1386/2004,de 10de Novembro,nomeadamente,o ponto 3.1. e oponto 3.2. referentes a processo penal e pedido de indemnização civil, respectivamente.
S. Pelo que, sempre se deverá ter em conta a liquidação a que procedeu a Recorrente, fixando-se a sua compensação devida em razão da intervenção quanto à parte civil em 32 UR’s.

Acresce que,

T. Ao indeferir a Reclamação apresentada pela Recorrente no que à parte civil tange e não validando a compensação legalmente devida quanto a esta, o Tribunal a quo, pelo Despacho prolatado e ora recorrido, violou o disposto no acervo legal composto pelos n.º 5 do art.º 66.º do CPP, n.º 3 do art.º 3.º da Lei 34/2004, de 29 de Julho, com a redacção que lhe foi conferida pela Lei 47/2007, de 28 de Agosto, o n.º 1 do art.º 25.º da Portaria 10/2008, de 3 de Janeiro e os pontos 3.1. e 3.2. da Tabela anexa à Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro.
U. Sendo certo que, no limite, a interpretação a que o Tribunal a quo procede, deixando sem a correspectiva remuneração o trabalho efectivamente prestado pela ora Recorrente, no interesse e benefício do Arguido nos autos, sempre perigará a substancialidade do direito à remuneração pelo trabalho prestado, com previsão constitucional na al. a) do art.º 59.º da CRP.
V. Motivo pelo qual, deve o Despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que ordene que se proceda à confirmação do pedido de compensação conforme o que decorre do previsto no bloco de juridicidade que se vem de referir e, consequentemente, deverá se fixado o valor de 32 UR`s devidos à Recorrente a título de compensação pela intervenção na parte civil dos presentes autos.

Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Ex.ªs certamente suprirão, deverá o recurso interposto ser considerado como procedente por provado, e o Despacho ora colocado em crise ser revogado, ordenando-se, desde já, a confirmação dos honorários liquidados pela Recorrente.

Com o que se fará a tão costumada…. JUSTIÇA.

Contra-alegou o M.P. Refere que a nomeação foi feita por imposição legal, por ter sido deduzida acusação (art.º 64º/3 C.P.P.) e que o apoio judiciário concedido apenas se refere à dispensa de pagamento ao Defensor nomeado, não tendo havido qualquer nomeação de patrono, em termos de apoio judiciário. Sendo assim, à Defensora nomeada apenas incumbia defender o arguido na instância criminal, pelo que a mesma não deve receber qualquer compensação por qualquer intervenção no enxerto cível. Pelo que considera que o recurso deva ser julgado improcedente, assim devendo manter-se o despacho recorrido.
neste Tribunal, teve vista no recurso o Dignm.º Procurador Geral Adjunto, que deu o seu parecer. Perfilha o entendimento do seu colega da 1ª instância, pelo que entende dever negar-se provimento ao recurso da Senhora Defensora Oficiosa. Considera assim e também, que se deve negar provimento ao recurso.
Notificada a recorrente nos termos do disposto no art.º 417º/2 C.P.P., o mesmo respondeu. Reafirma que o arguido solicitou apoio judiciário e, por isso, a representação se estende à parte cível. Refere ainda que a conceção do M.P. exposta nas contra-alegações levaria a que o arguido fosse representado por dois Advogados. Cita ainda, em abono do seu recurso a decisão proferida neste Tribunal da Relação em 4/4/2 022, mais referindo que o disposto no citado art.º 18º/4, L. n.º 34/04, 29/7 (aplicável aos casos de apoio judiciário), deve ser aplicado aos casos de nomeação de Defensor em Processo Penal por imposição legal, por analogia. Conclui como nas alegações de recurso.
Os autos vão ser julgados em conferência, como o impõe o art.º 419º/3, b), C.P.P.

2 – Fundamentos

Para melhor concretização das questões em causa nos autos transcrever-se-á de seguida, o despacho proferido no Processo:
Reclamação com a referência electrónica 11547973:

A requerente/reclamante foi nomeada defensora oficiosa do arguido J. M. no despacho de acusação, em cumprimento da imposição legal que resulta do disposto no artigo 64.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
Nessa medida, os honorários que lhe são devidos têm como referência as razões que justificaram a nomeação oficiosa, as quais, no caso concreto, estão restritas à vertente penal do processo, surgindo essa necessidade do facto de ter sido deduzida acusação pública contra o arguido.
E sendo o defensor nomeado para a acção penal, nenhuma compensação lhe é devida por uma eventual intervenção na instância cível, que extravasa do âmbito da nomeação.

Neste sentido veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-01-2005, Processo n.º 1760/04-2, disponível em www.dgsi.pt, assim sumariado:
I - A previsão de honorários pela acção penal e pelo pedido civil “não pode deixar de significar que o advogado nomeado no âmbito do apoio judiciário tem direito a receber honorários pelos serviços prestados na acção penal e na acção civil, solução que é imposta pela distinção a que a tabela procede e é a única conforme à diferente natureza dos dois pedidos (criminal e cível) e à autonomia que as duas acções conservam embora devam ser decididas no mesmo processo”.
II - Porém, sendo um advogado nomeado, no âmbito do apoio judiciário, apenas para a acção penal, ele não é admitido a intervir no pedido de indemnização civil, uma vez que a falta de contestação não implica confissão dos factos (artigo 78º, 3)”.
III - Por conseguinte, não sendo o patrono nomeado para o pedido cível, apenas são devidos os honorários pelos serviços prestados como defensor do arguido no tocante à acusação penal.
Consequentemente, julgando-se totalmente improcedente a reclamação em apreço, confirma-se a decisão do Sr. Escrivão de Direito que rejeitou o pedido de honorários apresentado pela requerente, no segmento que tinha como fundamento a intervenção no pedido cível deduzido nos autos.
Notifique.

2.1. – Questão a Resolver

2.1.1. – Pode o Defensor Oficioso nomeado em Processo Crime Cumular os Honorários devidos pela Intervenção no Processo Crime, com os Devidos pela Intervenção no Enxerto Cível

2.1.1. – Pode o Defensor Oficioso nomeado em Processo Crime Cumular os Honorários devidos pela Intervenção no Processo Crime, com os Devidos pela Intervenção no Enxerto Cível
A todos é garantido o acesso ao Direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, o que constitui um dos Direitos Fundamentais dos cidadãos – art.º 20º C.R.P.
Em Processo Penal, em que estão em causa direitos, liberdades e garantias, naturalmente que essa tutela tem de ser mais efetiva nomeadamente através da assistência do arguido por Defensor, independentemente de requerimento seu. Pelo contrário, o Estado assume que há certos momentos processuais, em que é obrigatória a assistência por Defensor, obviamente Advogado.
Assim é, que o art.º 64º elenca vários momentos processuais em que é obrigatória a assistência do arguido, por Defensor Advogado. É o caso, por exemplo, dos interrogatórios de arguido detido ou preso, debate instrutório, audiência ou a partir do momento em que deduzida acusação – art.º 64º/1, a), c) e n.º 3), C.P.P.
São os denominados casos de nomeação de Defensor, por imposição legal.
A ora recorrente, Sr.ª Dr.ª T. L. terá sido nomeada Defensora Oficiosa do arguido J. M., quando da dedução da acusação e nos termos do disposto no art.º 64º/3 C.P.P.
Do Acesso ao Direito e aos Tribunais trata a L. n.º 34/04, 29/7 (Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais).

Nesta prevêem-se três tipos de intervenção no sentido de a todos assegurar o direito à informação jurídica e ao apoio processual – respetivos arts.º 6º/1 e 39º:
- a consulta jurídica – arts.º 14º e 15º, da mesma L.;
- o apoio judiciário, com várias modalidades – arts.º 16º a 18º e segs., da referida L.;
- a nomeação de Defensor Oficioso em Processo Penal, obviamente independente de requerimento e por imposição legal – arts.º 39º e segs., da referida L.

A nomeação da recorrente nos autos principais ocorreu a este título.
Já quanto ao apoio judiciário se diz nos ns.º 4) e 5) da referida L., que o apoio judiciário se mantém para efeitos de recurso e é extensivo aos Apensos, tal como destes ao processo principal, bem como às Execuções conexas. Pretende-se pois abranger tudo o que se relaciona com o processo em que ocorreu a nomeação. Nem de outra forma poderia ser, pois pretende-se uma defesa global e não fracionada, por isso fragilizada.
O mesmo sucede naturalmente, nos casos de nomeação de Defensor Oficioso por força da lei, em Processo Penal.
Não só faz todo o sentido que também nesta matéria tal dispositivo se mantenha, como é o próprio art.º 44º da mesma Lei que determina que se apliquem à nomeação de Defensor em Processo Penal, todas as regras do anterior Capítulo referente ao apoio judiciário, com exceção dos ns.º 2) e 3) do art.º 18º, aplicando-se também aqui e assim, os referidos ns.º 4) e 5) do art.º 18º.
Em Processo Penal, a própria L. n.º 34/04 determina pois que o apoio judiciário se mantenha, em tudo o que é afim ao Processo Penal em que o Defensor foi nomeado.
Discordamos assim dos pressupostos do despacho recorrido, alicerçado no Acórdão desta Relação de Guimarães de 10/1/2 005, acessível em “www.dgsi.pt.”, nos termos do qual uma nomeação para um processo crime não abrange o pedido cível. Aliás, nunca vimos um arguido ter um Advogado no Processo Crime e requerer a nomeação de outro para o enxerto cível ou ser até defendido por dois Defensores, um na parte crime e outro na parte cível.
A nomeação abrange pois o pedido cível, que salvaguardadas as exceções do art.º 72º C.P.P., é até de dedução obrigatória em Processo Penal (art.º 71º C.P.P.).
O facto de a ausência de contestação não ter efeitos cominatórios (art.º 78º/3 C.P.P.) não assume aqui qualquer relevância, uma vez que a defesa é sobretudo assumida em julgamento.
Daí também que nos pareça irrelevante, o facto de o Advogado nomeado ter ou não contestado o pedido cível. É que a defesa no enxerto cível só assume particular relevância em julgamento. E é ao Advogado que compete a estratégia de defesa do seu cliente, nomeadamente quanto ao facto de dar logo a conhecer a sua versão na contestação, assim alargando o objeto do processo ou de o fazer apenas a final.
No caso dos autos, em que efetivamente a recorrente ofereceu em contestação o “merecimento dos autos” mas ofereceu três testemunhas na parte cível, a questão, por esse critério seria dificilmente resolúvel. É que isto quer dizer que, também quanto a esta matéria, a mesma ouviu o seu representado e delineou a prova testemunhal que ia fazer.
Considera-se pois – ao contrário do decidido pelo Senhor Escrivão – que o facto de o Defensor ter feito contestação ao pedido cível, não a ter feito ou ter oferecido o merecimento dos autos não tem qualquer relevância, quanto ao pagamento ou não de honorários, ao Defensor nomeado.
Quanto à questão de o arguido beneficiar de apoio judiciário e salientada pela recorrente, no recurso interposto.
Também esta questão nos parece despicienda.
Com efeito e conforme fls. 52V.º deste recurso, ao arguido fora concedido apoio judiciário, nas modalidades de dispensa do pagamento de taxa de justiça e encargos, bem como de pagamento de compensação ao Defensor Oficioso.
É que estas questões nada têm a ver com a nomeação de Defensor, nenhuma repercussão devendo pois ter, quanto ao facto de a recorrente ser ou não Defensora do arguido, para o pedido cível.
Esta, tal como a questão de haver ou não contestação são irrelevantes para a boa solução destes autos.
O Defensor deve ser remunerado pelo Estado, nos termos das tabelas aprovadas pelo Ministério da Justiça – arts.º 66º/5 C.P.P. e 3º/2, L. n.º 34/04, 29/7.
Pelos serviços prestados no âmbito da proteção jurídica – que abrange a nomeação de Defensor Oficioso em Processo Penal, por via de imposição legal – são devidos honorários, fixados nos termos da tabela anexa à Portaria 1 386/04, 10/11.
Ora, verifica-se que a referida tabela trata autonomamente os honorários devidos pela intervenção no Processo Crime e no Processo Cível enxertado, em Processo Penal – cfr. os respetivos pontos 3.1. e 3.2. da tabela, em que se preveem valores em U.R.`s para a intervenção na parte crime e em que o pagamento da intervenção na parte cível é remetida, consoante o valor da ação, para os termos das Ações Cíveis Declarativas.
No caso e tendo em conta o valor resultante da soma dos dois pedidos cíveis apresentados, os honorários relativos à parte cível são fixados em 32 (trinta e duas) U.R.`s – pontos 3.2. e 1.1.1.3., da referida tabela.
Dada a previsão autónoma de ambas as partes Cível e Crime, estes honorários devem cumular-se aos da parte crime, pois só este pode ser o resultado de ambos virem expressamente previstos.
Está em causa reclamação judicial contra ato de funcionário judicial, possível nos termos do disposto nos arts.º 157º/5 C.P.C., via art.º 4º C.P.P.
A argumentação da recorrente é assim integralmente procedente e legal – aliás no mesmo sentido, o recente Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 4/4/2 022, Paulo Serafim, em www.dgsi.pt.

Termos em que, o recurso por si interposto deve proceder na íntegra, confirmando-se o valor de 32 (trinta e duas) U.R.`s a pagar pela sua nomeação para o enxerto cível, que deve assim acrescer ao montante atribuído para a parte criminal deste processo.
**
Razões por que,

3 – Decisão

a) se julga totalmente procedente o recurso apresentado pela Defensora Oficiosa do arguido J. M., Sr.ª Dr.ª T. L., por via disso se alterando a decisão recorrida no sentido de confirmar o valor de 32 (trinta e duas) U.R.`s a pagar pela sua nomeação para o enxerto cível, que deve assim acrescer ao montante atribuído para a parte criminal deste processo.
b) Sem custas.
c) Notifique.
Guimarães, 12 de Setembro de 2 022

(Pedro Cunha Lopes)
(Fátima Furtado)
(Armando Azevedo)