Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
15/14.1T8PTL.G1
Relator: ESPINHEIRA BALTAR
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
CESSAÇÃO
PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO
BALCÃO NACIONAL DE ARRENDAMENTO
FIADOR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. As alterações introduzidas pela Lei 31/2012 de 14/08, DL. 1/2013 de 7/01 e Portaria 9/2013 de 10/01 ao regime jurídico do arrendamento urbano não modificaram o sentido interpretativo da maioria da doutrina e jurisprudência no que tange ao carácter facultativo do uso dos instrumentos processuais de natureza judicial ou extrajudicial para fazer cessar o contrato de arrendamento, antes visaram aperfeiçoar a sua eficácia, criando um novo instrumento.
2. O procedimento especial de despejo não se aplica quando esteja em causa um pedido dirigido contra um devedor subsidiário, como o fiador.
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães

A S… demandou O…, como inquilino e J… como fiador, pedindo a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre a autora e o primeiro réu com a consequente entrega do prédio arrendado e a condenação dos réus a pagarem-lhe, solidariamente, a quantia de 883.00€ correspondente às rendas vencidas e vincendas, até entrega do arrendado.

O tribunal declarou-se incompetente em razão da matéria por entender que os fundamentos invocados integram uma resolução por comunicação acrescida do pedido de rendas vencidas, que se subsumem ao procedimento especial de despejo consagrado no artigo 15 n.º 2 al. e) da Lei 6/2006 de 27/02, alterada pelo artigo 4.º da Lei 31/2012 de 14/08, sendo competente o BNA, constituído pelo artigo 15-A da Lei 6/2006 de 27/02, que lhe foi aditado pela Lei 31/2012 e que veio a ser regulado o seu funcionamento pelo DL. 1/2013 de 7/01 e Portaria 9/2013 de 10/01.

Inconformada com o decidido, a autora interpôs recurso de apelação formulando conclusões no sentido de que as alterações introduzidas pela Lei 31/2012 de 14/08 e DL. 1/2013 de 7/01 não modificaram o entendimento doutrinal e jurisprudencial maioritário no sentido de que a cessação do contrato de arrendamento pode ser concretizado pela via judicial ou extrajudicial. E, além disso, no caso em apreço, está demandado também o fiador, que se não enquadra no procedimento especial de despejo.
A apelante suscita duas questões, uma traduzida na liberdade de escolha do meio judicial ou extrajudicial para concretizar a cessação do contrato de arrendamento acrescida do pagamento de rendas em dívida e outra a de que o meio judicial seria o único por que há um devedor fiador.

Quanto à primeira questão julgamos que as alterações legislativas ocorridas ao nível do arrendamento através da Lei 31/2012 de 14/07, DL. 1/2013 de 7/01 e Portaria 9/2013 de 10/01 não pretenderam modificar o sentido da doutrina e jurisprudência dominantes que se desenvolveram com a entrada em vigor da Lei 6/2006 de 27/02, que concluíram que foram criados dois meios de fazer cessar o arrendamento, um de natureza judicial e outro extrajudicial, que incumbia às partes utilizar livremente, conforme as suas conveniências. O que quer dizer que a via extrajudicial não era vinculativa, mas antes facultativa.
O que se pretendeu, com a reformulação do arrendamento urbano, através dos novos diplomas, foi criar mecanismos legais capazes de gerar confiança nos agentes económicos ligados ao sector do imobiliário para arrendamento, através de processos mais expeditos e eficazes na desocupação dos imóveis após a cessação do contrato de arrendamento e no pagamento das rendas vencidas e encargos inerentes ao arrendamento.
Assim foi aditado pela Lei 31/2012 de 14/08 o artigo 14-A à Lei 6/2006 de 27/02, que restringe o título executivo à falta de pagamento de rendas, fundamento de processo executivo para pagamento de quantia certa, e cria o procedimento especial de despejo, alterando a redacção do artigo 15 da mesma Lei, em que define os pressupostos deste novo instrumento processual, de natureza mista, tendo uma fase extrajudicial e outra judicial, no caso de oposição, com vista a determinar-se, com celeridade, um título de desocupação do arrendado e ainda título executivo para pagamento de rendas e encargos. Este novo processo, que começa no BNA, é mais um instrumento colocado ao dispor dos agentes económicos, mais concretamente dos senhorios, para resolverem os seus problemas com o incumprimento da lei e dos acordos que envolvam o arrendamento. Não há nenhuma norma que imponha que os senhorios tenham de lançar mão deste mecanismo processual, verificados os pressupostos que fundamentam a sua utilização. Compete-lhes escolher qual o meio processual que mais lhes interessa. E certamente que utilizarão aquele que, em cada caso, lhe seja mais eficaz, face aos seus objectivos, que são o da celeridade e segurança, pois a economia não se compadece com demoras.(conferir Manteigas Martins, Carlos Nabais, Carla Santos Freire e José M. Raimundo, Novo Regime do Arrendamento Urbano, 2.ª edição, VidaEconómica, pag. 28)

Por outro lado, o procedimento especial de despejo só pode ser utilizado contra os arrendatários, não sendo aplicável aos responsáveis subsidiários, como fiadores, porque a comunicação da dívida das rendas só é dirigida aos arrendatários, como resulta do artigo 15 n.º 2 al. e) da Lei 6/2006 de 27/02 alterado pelo artigo 4.º da Lei 31/2012 de 14/08, que remete para o artigo 1084 n.º 2 do C.Civil e do preâmbulo motivador do DL. 1/2012 de 7/01, em que expressamente se diz “… Quando seja deduzido pagamento de rendas, encargos ou despesas, este apenas pode ser deduzido contra os arrendatários e, tendo o arrendamento por objecto casa de morada de família, pode ainda ser deduzido contra os respectivos cônjuges. Não é, por isso, possível deduzir, no BNA, um pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas, contra devedores subsidiários da obrigação do arrendatário”.
Como a autora deduziu o pedido contra o arrendatário e o fiador, nunca poderia utilizar o procedimento especial de despejo para conseguir o seu objectivo, mesmo numa interpretação de aplicação obrigatória, porque não se verificam os pressupostos exigidos no artigo 15 n.º 2 al. e) da Lei 6/2006 de 27/02, conjugado com o artigo 1084 n.º 2 do C.Civil. Teria sempre de utilizar a via judicial prevista no artigo 14 da Lei 6/2006.

Assim sendo, o tribunal recorrido é competente em razão da matéria para conhecer da acção proposta pela apelante.

Concluindo:1. As alterações introduzidas pela Lei 31/2012 de 14/08, DL. 1/2013 de 7/01 e Portaria 9/2013 de 10/01 ao regime jurídico do arrendamento urbano não modificaram o sentido interpretativo da maioria da doutrina e jurisprudência no que tange ao carácter facultativo do uso dos instrumentos processuais de natureza judicial ou extrajudicial para fazer cessar o contrato de arrendamento, antes visaram aperfeiçoar a sua eficácia, criando um novo instrumento.
2. O procedimento especial de despejo não se aplica quando esteja em causa um pedido dirigido contra um devedor subsidiário, como o fiador.

Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogam a decisão recorrida, devendo ser proferida decisão no sentido de considerar o tribunal recorrido competente em razão da matéria.
Sem custas.
Guimarães, 10/11/2014
Espinheira Baltar
Henrique Andrade
Eva Almeida