Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | AUSENDA GONÇALVES | ||
| Descritores: | CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL ARGUIDO PRIMÁRIO E INSERIDO SOCIALMENTE PENA DE MULTA ARTºS 292º 71º E 69º Nº 1 A) DO CP AUJ Nº 7/2016 DE 16-02-2016 DR I SÉRIE DE 21-03-2016 (P. 1786/10.0PBGMR-A.G1-A.S1) | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 03/11/2019 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | SECÇÃO PENAL | ||
| Sumário: | I - Historicamente, foi sendo plasmada nos sucessivos regimes da lei penal a preocupação, cada vez mais firme e acrescida, de obstar às penas curtas de prisão e ao respectivo efeito criminógeno, como o STJ registou no seu AUJ nº 7/2016 de 16-02-2016, DR I Série, de 21-03-2016 (p. 1786/10.0PBGMR-A.G1-A.S1), a propósito das penas de multa de substituição. II - Para além de a pena de prisão apenas se justificar nos casos em que é de todo inviável a aplicação de uma pena não detentiva, para mais, nos crimes de diminuta densidade jurídico-criminal, como sucede no caso do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, n.º 1, do C. Penal, o certo é que, em geral, a pena de multa neste tipo de crimes acaba por ser percepcionada como sendo mais onerosa para os infractores do que a pena de prisão suspensa na sua execução. III - Uma vez que o Tribunal de primeira instância, beneficiando da imediação e oralidade, tenha observado correctamente todos os parâmetros estabelecidos na lei para a concretização do quantum da pena, o recurso não pode pretender eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, que deve ser reconhecida ao julgador e que não deve ser sindicalizada, enquanto componente individual do acto de julgar, sendo a intervenção deste Tribunal na cognoscibilidade dessa dosimetria e no controlo da sua proporcionalidade autolimitada e necessariamente parcimoniosa. IV - Embora distintas nos seus pressupostos, quer a pena principal quer a acessória de proibição de conduzir veículos com motor [art. 69º, n.º 1, al. a), do C. Penal] assentam num juízo de censura global pelo crime praticado e daí que para a determinação da medida concreta de uma e de outra se imponha o recurso aos critérios estabelecidos no art. 71º do C. Penal. V - Essa pena acessória tem (embora não principalmente) uma função preventiva adjuvante da pena principal, sendo que a prevenção geral, a acautelar com a aplicação da pena acessória, terá de ser uma prevenção negativa ou de intimidação, visando prevenir a perigosidade do agente, sem se poder descurar as exigências de prevenção geral que se fazem sentir, correspondentes a uma necessidade de política criminal, que se prende com a elevada taxa de sinistralidade que se regista em Portugal. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório No processo especial sumário nº 779/18.3PBGMR do Juízo Local Criminal de Guimarães do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, o arguido M. C. foi julgado e condenado por sentença proferida e depositada a 9/10/2018, como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, n.º 1, do C. Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 6.50 (seis euros e cinquenta cêntimos), totalizando a pena de multa o montante de € 585 (quinhentos e oitenta euros e cinco cêntimos) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 (seis) meses, nos termos do disposto no artigo 69º, n.º 1, al. a) e n.º 2, do mesmo Código. Foi ainda o arguido condenado no pagamento das custas do processo, tendo-se fixado a taxa de justiça em 2 (duas) unidades de conta, a qual foi reduzida a metade por força do disposto no artigo 344º, n.º 2, al. c), do mesmo código. Inconformado com a referida decisão, o Ministério Público interpôs recurso formulando na sua motivação as seguintes conclusões: «1. O arguido foi condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punível pelo art.º 292º, n.º 1, do Código Penal: - na pena de 190 dias de multa, à taxa diária de 5 €; - e na pena acessória de proibição da faculdade de conduzir veículos motorizados, pelo período de 6 (seis) meses. 2. Nos termos da construção doutrinal e jurisprudencial do disposto no art.º 40º/1 do Código Penal, as penas não podem ser fixadas abaixo das exigências mínimas de prevenção geral, independentemente das exigências de prevenção especial poderem aconselhar penas inferiores a tais limiares. 3. Provou-se que o arguido conduziu com uma taxa de álcool de 3,51 g/l (cfr. 00:38 e ss. do registo áudio da sentença, que remete para o auto de notícia de fls. 6 a 8). 4. O grau de ilicitude da conduta do arguido (art.º 71º/1, al. a), do Código Penal) decorrente deste grau de alcoolémia é extraordinariamente elevado, pelo que a pena tem que reflectir, ainda que timidamente, esse grau de gravidade. 5. As penas fixadas na douta sentença recorrida não são suficientemente proporcionais a essa gravidade, assim comprometendo a protecção das exigências de prevenção geral prescritas pelo art.º 40º/1 do Código Penal. 6. “[O] absolutamente imprescindível para se realizar [a] finalidade de prevenção geral” afasta a suficiência da pena de multa – art.º 70º do Código Penal – e exige a aplicação das seguintes penas: a. - pena de prisão de 4 meses, suspensa por um ano, no caso da pena principal; b. - e pena de proibição de condução, pelo prazo de 1 ano e 6 meses, no caso da pena acessória.». O recurso foi regularmente admitido por despacho proferido a fls. 63. O arguido não apresentou resposta à motivação. E, neste Tribunal da Relação, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, defendendo, na senda do recurso, que, atentas as específicas e concretas circunstâncias do caso e os critérios legais, as penas aplicadas são um tanto benévolas, pois, não obstante o arguido não ter antecedentes criminais, é elevadíssima a taxa de álcool que lhe foi detectada, devendo ser-lhe aplicada uma pena de prisão de 4 meses suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e uma pena acessória de 9 meses, sustentando, assim, a procedência parcial do recurso. Foi cumprido o art. 417º, n.º 2, do CPP, não tendo sido oferecida qualquer resposta. Efectuado exame preliminar e, colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, nos termos do art. 419º, n.º 3, al. c), do CPP. * II – FundamentaçãoNa medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (art. 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal (doravante CPP), sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, suscita-se neste recurso a questão de aferir se as penas (principal e acessória) aplicadas ao arguido se revelam juridicamente inadequadas, por não observarem os escopos assinalados no art. 40, n.º 1, do C. Penal. Importa apreciar tal questão e decidir. Para tanto, deve considerar-se como pertinentes ao conhecimento do objecto do recurso os factos considerados provados na decisão recorrida proferida oralmente: «1. No dia ../../2018, pelas 21.horas, na Rua …, Guimarães, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de marca Renault, Z, com a matrícula XX, o que fazia com taxa de álcool registada de 3,51 g/l, tendo embatido no veículo de matrícula NN que se encontrava estacionado nessa via. 2. Ao actuar do modo descrito o arguido consumiu voluntariamente bebidas alcoólicas, as quais foram causa necessária da detecção de álcool no sangue, bem sabendo que as mesmas eram susceptíveis de o colocar no estado em que foi encontrado e tendo perfeita consciência que as mesmas diminuíam as suas capacidades de atenção e perceção na actividade de condução e de que não podia conduzir na via pública após o seu consumo. 3. Agiu livre, deliberada e conscientemente, apesar de ciente de que toda a sua atrás descrita conduta era proibida e punida por lei. 4. O arguido confessou de forma livre, integral e sem reservas. 5. É casado, vive com a esposa em casa própria pagando mensalmente a quantia de € 208 de empréstimo bancário. 6. É manobrador de máquinas industriais auferindo um rendimento não concretamente apurado mas não inferior a € 860. 7. A esposa é revistadeira numa empresa de confecções auferindo uma quantia não concretamente apurada mas não inferior ao rendimento mínimo. 8. O arguido suporta ainda o pagamento de dois empréstimos bancários no valor total de € 275. 9. O arguido não tem antecedentes criminais.». * III- O Direito.O recorrente, sem questionar a matéria de facto e o respectivo enquadramento jurídico, insurge-se contra a medida das penas (principal e acessória) aplicadas ao arguido, dizendo que a mesma compromete a protecção das exigências de prevenção geral prescritas pelo art. 40º/1 do C. Penal, face ao grau de ilicitude da conduta daquele, decorrente da extraordinariamente elevada taxa de alcoolémia com que conduzia (3,51 g/l). Para fundamentar a sua pretensão, aduz que a pena terá que ser proporcional à gravidade da conduta do arguido sob pena de a comunidade percepcionar a sentença, ainda que condenatória, como uma concessão de impunidade ao mesmo, por não reflectir o grau da taxa de alcoolémia. Defende, por isso, que a realização das finalidades de prevenção geral torna imprescindível a aplicação de uma pena principal de prisão de 4 meses, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano. Com a decisão da matéria de facto não impugnada pelo recorrente e definitivamente estabilizada, importa atentar nos elementos disponíveis nos autos para as finalidades visadas, começando pela questionada opção do tribunal recorrido pela aplicação da pena de multa. Vejamos. O crime de condução de veículo em estado de embriaguez, pelo qual o arguido foi condenado, é abstractamente punível com uma pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias nos termos do disposto no artigo 292.º, n.º 1, do C. Penal. Os bens jurídicos que se visam proteger com esta incriminação são a vida, a integridade física e o património de outrem, a par da segurança da circulação rodoviária, sendo que o legislador estabelece a presunção, fundada na observação empírica, de que o exercício da condução em estado de embriaguez é perigoso em si mesmo, tendo em vista os bens jurídicos penalmente tutelados (1). Qualquer condutor tem de ter certos cuidados básicos durante a condução e, mesmo, antes dela: sabendo que se trata de uma actividade perigosa, a neutralização do perigo, que tanto ameaça terceiros como o próprio condutor, deve representar uma preocupação permanente para este e, especialmente, prevenir os efeitos do álcool no sangue, sendo particularmente cauteloso se, antes de iniciar a condução, ingerir bebidas alcoólicas. Como regra, na abordagem da determinação da pena a aplicar, o Tribunal deve atender, num primeiro momento, à escolha da pena entre as penas principais enunciadas no tipo penal. Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art. 70º do C. Penal.). Tais finalidades reconduzem-se, nos termos do disposto no artigo 40º do C. Penal, à protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), não podendo a pena em caso algum ultrapassar a medida da culpa. Este preceito indica-nos que o escopo que subjaz à aplicação da pena se reconduz, por um lado, a reforçar a confiança da comunidade na norma violada e, por outro lado, à ressocialização do delinquente. No caso vertente, como se adquire do registo audiofónico da sentença (proferida oralmente), a Sra. Juíza optou pela aplicação de uma pena de multa (que fixou em 90 dias), por ter entendido que, na concreta situação, as exigências de prevenção geral e especial encontravam resposta adequada na aplicação dessa pena. Realmente, nessa opção, a Sra. Juíza não deixou de ponderar as bastante elevadas exigências de prevenção geral que se fazem sentir, atenta a repetição com que sucedem situações idênticas, com os consequentes reflexos negativos na condução rodoviária. Não obstante, conferiu um peso mais saliente aos factos de o arguido não ter antecedentes criminais e estar integrado social, familiar e profissionalmente, sendo, por isso, mais sensível à pena, por constituírem razões para crer que o arguido não deixará de pautar, habitualmente, o seu comportamento conforme o direito, e, por isso, factores muito relevantes do ponto de vista da prevenção especial. Na verdade, o arguido, com 58 anos de idade, para além de nunca ter sofrido qualquer condenação, encontra-se integrado na sociedade do ponto de vista pessoal, social e profissional. Por isso, é de considerar que a opção pela pena de multa satisfaz cabalmente as necessidades de prevenção especial, muito particularmente, na vertente respeitante à advertência individual, para que o arguido não volte a delinquir. E que dizer quanto às necessidades de prevenção geral uma vez que a prática deste ilícito e a sua eventual repetição indicia para a sociedade, a falência da norma com o consequente sentimento de insegurança, e para os potenciais infractores, um enfraquecimento da necessidade de se absterem dos seus comportamentos criminosos? Como se sabe, foi sendo, historicamente, plasmada nos sucessivos regimes da lei penal a preocupação, cada vez mais firme e acrescida, de obstar às penas curtas de prisão e ao respectivo efeito criminógeno. Sobre este tema, registamos o ponderado pelo nosso Supremo Tribunal no AUJ nº 7/2016 de 16-02-2016, DR I Série, de 21-03-2016 (p. 1786/10.0PBGMR-A.G1-A.S1), a propósito das penas de multa de substituição: «(…) O nosso sistema de reações criminais tem como ponto nuclear uma preferência pelas penas não privativas da liberdade relativamente às penas privativas da liberdade. Nos termos do art. 70.º, do CP, sempre que as penas não privativas da liberdade permitam assegurar as finalidades da punição (cf. art. 40.º, do CP) devem ser estas as escolhidas. Esta escolha pode ocorrer em um de dois momentos: ou numa fase inicial da determinação da medida da pena quando o tipo legal de crime preenchido pela conduta do agente prevê a possibilidade de aplicação de uma pena de prisão ou de uma pena de multa, em alternativa, ou numa fase ulterior, depois da determinação da medida concreta da pena e atenta a sua duração há ainda possibilidade de aplicação de uma pena de substituição. Em ambos os casos o juiz deve dar preferência à pena não privativa da liberdade “sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades de punição”. (…) o ordenamento jurídico pretendeu “muito justamente afastar, até ao limite possível, a aplicação de uma pena de prisão” [Figueiredo Dias, (Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime, Lisboa: Æquitas/Ed. Notícias, 1993), § 168, p. 139].». Na mesma linha, já no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/01/2001 (2) se escrevia: «(…) subjaz à norma constante no art.º 70.º, do CP, toda a filosofia informadora do sistema punitivo vertido no Código Penal vigente, ou seja, a de que embora se aceitando a existência da prisão (ou pena corporal) como pena principal para os casos em que a gravidade dos ilícitos, ou de certas formas de vida, a impõem ou justificam, a recorrência deverá ter lugar quando, face ao circunstancialismo que se perfile, se não apresentem adequadas, suficientes ou convenientes, as sanções não detentivas, às quais não é de recusar elevada capacidade (ou potencialidade) ressocializadora. Tudo isto se insere no desiderato de se evitarem as curtas penas de prisão (ou a eventualidade da efectivação dessas penas) donde que, por regra, a alternativa por pena de multa se autorize nos casos em que aos ilícitos caiba pena prisional não demasiado elevada». O Professor Figueiredo Dias, na obra supra citada, afirma nos §§ 497 e 498: «(…) o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição, o que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação. Bem se compreende que assim seja: sendo a função exercida pela culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie de pena. Por outras palavras: a função da culpa exerce-se no momento da determinação quer da medida da pena de prisão (necessária como pressuposto da substituição), quer da medida da pena alternativa ou de substituição; ela é eminentemente estranha, porém, às razões históricas e político-criminais que justificam as penas alternativas e de substituição, não tendo sido em nome de considerações de culpa, ou por força delas, que tais penas se constituíram e existem no ordenamento jurídico.». E mais adiante, no § 501, acrescenta: «o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas». É certo que o recorrente defende a aplicação de uma pena de prisão (4 meses suspensa na sua execução pelo período de um ano), argumentando que a taxa de alcoolémia é elevadíssima, o que corresponde à verdade, mas que é um elemento não pode ser visto isoladamente, desligado de todas as demais circunstâncias, nomeadamente as pessoais. Ao que acresce o facto de, para além de a pena de prisão, como se assinalou, apenas se justificar nos casos em que é de todo inviável a aplicação de uma pena não detentiva – para mais, nos crimes de diminuta densidade jurídico-criminal, como sucede no caso em apreço –, o certo é que, como ditam as regras da experiência, a pena de multa neste tipo de crimes acaba por ser percepcionada como sendo mais onerosa para os infractores do que a pena de prisão suspensa na sua execução. Ora, sem descurar que é elevada a necessidade de protecção do bem jurídico em causa, compatível com o grau de ilicitude do facto, conexo com a TAS de que o arguido era portador, e que este, em resultado da sua condução, embateu num veículo estacionado, entendemos, ainda assim, não haver qualquer razão para modificar a opção do tribunal recorrido por uma pena não privativa da liberdade, uma vez que a mesma realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Em consonância com o estipulado nos arts. 71º, n.º 1, e 40º, n.º 2, do C. Penal, a medida da pena é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. Na determinação concreta da pena há, assim, que atender às circunstâncias do facto que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente ao grau de ilicitude, e a outros factores ligados à execução do crime, à intensidade do dolo, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e aos fins e motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente, à sua conduta anterior e posterior ao crime (art. 71º, n.º 2, do C. Penal). Dito por outras palavras, na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção, quer de ordem geral – com o objectivo de confirmar os bens jurídicos violados –, quer de ordem especial – tendo em vista gerar condições para a readaptação do agente do crime, de modo a evitar que este volte a violar tais bens –, mas sem se perder de vista a culpa do agente – com atendimento das circunstâncias estranhas à tipicidade –, que a medida da pena tem como base e limite. Como se disse, a finalidade essencial da aplicação da pena, para além da prevenção especial – encarada como a necessidade de socialização do agente, no sentido de o preparar para no futuro não cometer outros crimes – reside na prevenção geral, o que significa «que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto … alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada...». «É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma “moldura” de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas – até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica» (3). «Resta acrescentar que, também aqui, é chamada a intervir a culpa a desempenhar o papel de limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas...» (4). «Sendo a pena efectivamente medida pela prevenção geral, ela deve respeitar o limite da culpa e, assim, preservar a dignidade humana do condenado» (5). Em suma, a pena concreta será limitada, no seu máximo, pela culpa do arguido. O princípio da culpa dispõe que «não há pena sem culpa e a medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa» (cfr. art. 40º, n. º 2, do C. Penal). A culpa consiste no juízo de reprovação que se faz sobre uma pessoa, censurando-a em face do ordenamento jurídico-penal. Com efeito, o facto punível não se esgota na desconformidade com o ordenamento jurídico-penal, com a acção ilícita-típica, sendo ainda necessário que a conduta seja culposa, isto é, que o facto possa ser pessoalmente censurado ao agente, por traduzir uma atitude interna, pessoal e juridicamente desaprovada, pela qual ele tem de responder perante as exigências do dever ser sociocomunitário. Esta culpabilidade não se confunde com a intensidade do dolo ou a gravidade da negligência, sendo antes um juízo de reprovação que se faz sobre uma pessoa, censurando-a em face do ordenamento jurídico-penal. No caso vertente, importa, desde logo, relembrar que o arguido, com a sua conduta, atingiu valores fundamentais e imprescindíveis à vida em comunidade acima enunciados. Realmente, não pode o Tribunal descurar as elevadas exigências de prevenção geral, na medida em que esta incriminação carece de um maior enraizamento na consciência comunitária – o que surge espelhado nas estatísticas da sinistralidade rodoviária – sendo premente a protecção do bem jurídico em causa através da revalidação e consolidação desta norma incriminadora. Existe cada vez mais a necessidade de consciencializar a sociedade para a relevância que assume o respeito pelas normas que tutelam a segurança rodoviária, assumindo as condutas da natureza da adoptada pelo arguido uma muito relevante danosidade social, para mais quando, entre nós, atingem elevadas proporções, como é sabido, sendo, uma parte significativa dos acidentes de viação provocada por condutores em estado de embriaguez. Assim, depõe contra o arguido a gravidade do seu comportamento, atendendo aos valores jurídicos atingidos, a par das particulares garantias de que o Estado procura fazer revestir a circulação rodoviária. Com efeito, não pode ser desvalorizado o grau de perigo criado com essa conduta, atento o interesse tutelado (a segurança da circulação rodoviária). Sendo a condução automóvel, em si, já uma actividade perigosa, sê-lo-á muito mais quando exercida por quem, por ter ingerido bebidas alcoólicas em saliente excesso, não está em condições de o fazer. Também é elevado o grau de ilicitude, tendo em atenção o nível de desconformidade com o direito revelado pela conduta do arguido ao conduzir um veículo em estado de acentuada embriaguez, atendendo à elevada taxa de álcool no sangue de que era portador, ademais, detectada por o mesmo ter embatido num veículo que se encontrava estacionado e não no âmbito de uma rotineira operação de fiscalização do trânsito. Apesar do já sublinhado grau de ilicitude e de o arguido ter representado os factos integradores do tipo de ilícito, não se abstendo de os praticar, no caso, as exigências de prevenção especial são reduzidas, desde logo porque é a primeira vez que o mesmo incorre na prática de tal ilícito, encontra-se inserido social e profissionalmente e confessou integralmente e sem reserva os factos, embora se deva anotar o reduzido relevo da sua confissão, no apontado contexto. Por outro lado, tendo o Tribunal recorrido beneficiado da imediação e oralidade, a intervenção deste Tribunal, no âmbito do recurso, na cognoscibilidade da concretização do quantum da pena e no controlo da sua proporcionalidade tem de ser autolimitada e necessariamente parcimoniosa: ainda que o cumprimento do dever de fundamentação da determinação concreta da pena pelo tribunal recorrido vise, precisamente, facultar o controlo dessa determinação, uma vez que nesta sejam observados os apontados critérios da sua dosimetria, há uma margem de actuação do julgador que não deve ser fiscalizada. Como se defende no Acórdão do STJ de 12-07-2018 (6), pode sindicar-se a decisão, quer quanto à desconsideração ou errada aplicação pelo tribunal dos princípios gerais de determinação da medida da pena, à correcção das operações nela efectuadas, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação dos factores relevantes, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como à forma de actuação dos fins das penas no quadro de prevenção. Mas já não a determinação do quantum exacto da pena que se cinja àqueles parâmetros, ressalvados os casos de patente violação das regras da experiência ou de desproporção dessa quantificação. O recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do acto de julgar, como também já se sustentou no acórdão da RE de 22/04/2014 (7): «A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na detecção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exacto de pena que, decorrendo duma correta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada.». Assim sendo, este Tribunal de recurso apenas deveria intervir na medida da pena, modificando-a, se detectasse incorrecções ou distorções no seu processo de aplicação, na interpretação e aplicação das normas constitucionais e legais que a regem, como já se acentuou. Ora, o Tribunal recorrido observou correctamente todos os parâmetros estabelecidos na lei e não se detecta qualquer distorção na determinação da medida da pena feita. Em suma, tendo presente que a pena de multa tem de representar uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada, na consideração global de todas as referidas circunstâncias e uma vez que estas foram correctamente valoradas pelo tribunal recorrido, não se vê qualquer fundamento para alterar a medida da pena aplicada pela primeira instância, por se mostrar adequada e necessária às elevadas exigências de prevenção que se fazem sentir e que o caso reclama, sendo igualmente consentida pelo grau de culpa do agente. A prática do crime de condução em estado de embriaguez, pelo qual o recorrente foi condenado, para além da pena principal (prisão ou multa), é ainda sancionada com proibição de conduzir veículos com motor por um período entre 3 meses e 3 anos, conforme dispõe o art. 69º, n.º 1, al. a), do C. Penal. O Tribunal recorrido fixou essa pena acessória em 6 meses, medida contra a qual se insurge o recorrente, que a reputa de inadequada, e que, convocando o mesmo conjunto de circunstâncias que invocou para sustentar a pena de prisão, pugna pela sua fixação em 1 ano e 6 meses. Nesta Relação o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto divergiu deste entendimento, propondo que a pena acessória se fixasse em 9 meses. Embora distintas nos seus pressupostos, quer a pena principal quer a acessória assentam num juízo de censura global pelo crime praticado e daí que para a determinação da medida concreta de uma e de outra se imponha o recurso aos critérios estabelecidos no art. 71º do C. Penal. Relativamente à medida da pena acessória, como é reconhecido, ela tem (embora não principalmente) uma função preventiva adjuvante da pena principal, sendo que a prevenção geral, a acautelar, com a aplicação da pena acessória, terá de ser uma prevenção negativa ou de intimidação. Conforme vem sendo salientado pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, na esteira do entendimento do Prof. Figueiredo Dias, a pena acessória visa prevenir a perigosidade do agente, sem se poder descurar as exigências de prevenção geral que se fazem sentir, correspondentes a uma necessidade de política criminal, que se prende com a elevada taxa de sinistralidade que se regista em Portugal, sendo, uma parte significativa dos acidentes de viação provocada por condutores em estado de embriaguez. Trata-se de uma censura adicional pelo facto praticado (cfr. acta nº 8 da Comissão de Revisão do Código Penal). Realmente, nos delitos de tráfego automóvel, à pena acessória de proibição de conduzir é, muitas vezes, associado um efeito mais penalizante do que à pena principal, de multa – que, sendo esta a imposta, os infractores pagam, normalmente, sem grande inconformismo – ou de prisão suspensa na sua execução – que é vista até como menos onerosa que aquela. Daí que a pena acessória seja encarada como um importante instrumento para restabelecer a confiança da comunidade na validade da norma infringida com o cometimento do crime de condução em estado de embriaguez. Como já referimos a propósito da determinação da pena principal, para onde remetemos, nos termos desse preceito, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele. Consequentemente, haverá que convocar a valoração que acima foi feita a propósito da determinação da pena principal sobre as várias circunstâncias atendíveis, quer as atinentes ao facto (elevado grau de ilicitude, atento o valor da taxa de álcool no sangue e as demais circunstâncias em que o arguido exercia a condução) e normal intensidade do dolo directo), quer as relativas à personalidade do arguido (modesta condição sociocultural, modesta condição económico-financeira e normal inserção social, familiar e profissional), quer ainda às respeitantes à conduta anterior e posterior aos factos (ausência de antecedentes criminais, exigível ao cidadão comum, e confissão dos factos, embora sem grande relevância para a descoberta da verdade material, como já ficou dito). Com efeito, neste conspecto, não obstante a natureza dos valores imprescindíveis à vida em comunidade atingidos com a actuação do arguido e o nível das consequentes exigências de prevenção já ressaltadas, a factualidade apurada permite concluir que não se mostra exacerbada a necessidade da pena acessória a aplicar. Assim, sem que possa perder-se de vista o que vem sendo decidido pela jurisprudência, ponderados todos os enunciados factos e considerações, em especial, as atinentes à necessidade da pena e, sobretudo, à intensidade da culpa, pensamos que as sentidas necessidades de prevenção geral – que se fazem sentir, neste domínio e a que aludimos supra – bem como, a de procurar que o arguido não volte a delinquir serão satisfeitas com a pena acessória de 6 meses. Realmente, embora a sanção em causa seja um eficaz instrumento para a restauração da confiança comunitária na validade das normas, há que atentar que as exigências de prevenção especial, no caso concreto, são mínimas face à inserção social e profissional do recorrente, bem como à ausência de antecedentes criminais, aspectos que, merecendo saliência, foram sopesados na avaliação que o Tribunal de 1ª instância fez na aplicação de tal pena. Assim, improcede o recurso. * IV- Decisão: Nos termos expostos, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e confirmar a decisão recorrida. Sem tributação. Guimarães, 11/03/2019 Ausenda Gonçalves Fátima Furtado------------------------------------------------------------ 1 Cfr. Paula Ribeiro de Faria, “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo II, 1999, p. 1093. 2 Processo nº 3404/00-5ª Secção. 3 Anabela Miranda Rodrigues, “A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade”, Coimbra Editora, p. 570 e s. 4 Ibidem, p. 575. 5 Ibidem, p. 558. 6 Proc. nº 116/15.9JACBR.C1.S1, Relatado pelo Conselheiro Raúl Borges. 7 Proc. nº 291/13.7GEPTM.E1, relatado por Ana Barata Brito. |