Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4708/19.9T8BRG.G1
Relator: MARIA DA CONCEIÇÃO BUCHO
Descritores: DIVÓRCIO
RESIDÊNCIA HABITUAL
TRIBUNAL INTERNACIONALMENTE COMPETENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

1 - A competência do Tribunal, em geral, deve ser aferida em função do pedido formulado pelo autor e dos fundamentos (causa de pedir) que o suportam, ou seja, de acordo com a relação jurídica tal como é configurada pelo autor.
2 - A competência internacional pressupõe que o litígio, tal como o autor o configura na acção, apresenta um ou mais elementos de conexão com uma ou várias ordens jurídicas distintas do ordenamento do foro.
3. De acordo com o disposto no artigo 62º do Código de Processo Civil o Tribunal português é internacionalmente incompetente para decidir da acção de divórcio relativo a dois cidadãos portugueses com residência habitual e permanente nos Estados Unidos da América e em que os factos integradores da causa de pedir ocorreram nesse país.
4. As regras de competência do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro de 2012, aplicam-se desde que o demandado tenha domicílio num Estado-Membro; à competência dos tribunais desse Estado-Membro, decorrente das normas do Regulamento, não obsta a circunstância de o demandado não ser nacional desse Estado ou de nenhum outro Estado da União Europeia, nem a circunstância de a relação material controvertida possuir elementos de conexão com a ordem jurídica de um Estado não Membro da União Europeia.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I - M. R., contribuinte fiscal n.º ………, com domicílio nos Estados Unidos da América em …, e em Portugal na Rua …, em Vila Verde,
intentou a presente acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, contra
M. C., residente em …, nos Estados Unidos da América,
alegando, em suma, que casou com a R. em 16/12/1989, no regime de comunhão geral de bens; que são ambos emigrantes nos Estados Unidos da América, país onde residem e trabalham; que, em inícios de 2015, o A. e a R., resignados com o fim do seu casamento, acordaram entre si em separar-se e dividir o espaço na moradia do casal sita em …, fazendo desde então vidas completamente separadas e sem qualquer actividade em comum; e que, em Maio de 2015, a R. levantou das contas do casal nos Estados Unidos metade do respectivo saldo e em Agosto desse mesmo ano fez o mesmo em Portugal, dessa forma retirando a sua meação nesse bem comum.
Concluiu pedindo que seja decretado o divórcio entre o A. e a R., ao abrigo do disposto no art.º 1781º, alíneas a) e d) do Código Civil.
Foi realizada a tentativa de conciliação a que alude o art.º 1779.º do CC, mas não houve reconciliação dos cônjuges ou conversão do divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento.
A R. apresentou contestação, na qual se defendeu por excepção, suscitando a excepção da incompetência dos tribunais portugueses para conhecer da presente acção de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge e a excepção da litispendência.
No decurso da audiência de julgamento, foi oficiosamente suscitada a questão da determinação da lei aplicável ao divórcio requerido pelo A., face à residência das partes no Estado da Virgínia, nos E.U.A., e o disposto no regulamento (UE) 1259/2010 de 20/12, mormente no seu artigo 8.º, e ordenada a notificação das partes para se pronunciarem sobre a mesma.
O A. e a R. pronunciaram-se nos termos que constam dos respectivos requerimentos de 03/12/2020: o A. no sentido de que, se se entender aplicável o Code of Virginia, deve ser decretado o divórcio com fundamento na separação dos cônjuges há mais de um ano; a R. no sentido de que deve ser aplicada a mesma lei americana.

Os autos prosseguiram e foi proferida sentença na qual se decidiu:
Atento o exposto, julgo procedente, por provada, a presente acção e, em consequência, decreto o divórcio entre M. R. e M. C., com a consequente dissolução do seu casamento.

Inconformada a ré interpôs recurso, cujas alegações terminam com as seguintes conclusões:

1- Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a ação e em consequência decretou o divórcio entre A. M. R., e a aqui Apelante M. C., salvo o devido respeito, relatar que, o Tribunal recorrido não fez justiça.
2-Pelas razões já expendidas em sede de Contestação que desde já a Apelante reitera o alegado, designadamente que a R. aqui Apelante e A. são casados entre si e que ambos são emigrantes no Estado da Virgínia, nos Estados Unidos da América, onde ambos, há mais de trinta anos, residem, trabalham, constituíram família, e onde ocorreu a rutura do casamento e corre termos processo de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge.
3-Tendo o A. sido devidamento notificado e se pronunciado, junto aos autos de processo de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, que corre termos pelo Estado da Virgínia nos Estados Unidos da América. Encontrando-se este processo a espera do reconhecimento de competência internacional, para que possa ser decretado divórcio entre a R. aqui Apelante e o A. M. R., uma vez que ambos são residentes no Estado da Virgínia nos EUA, e lá constituíram família e o património de uma vida de trabalho.
4-Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a ação e em consequência decretou o divórcio entre R. aqui Apelante e A M. R., salvo o devido respeito, relatar que, o Tribunal recorrido não fez justiça.
5-Pelas razões já expendidas em sede de Contestação que desde já a Apelante reitera o alegado
6-A R. aqui Apelante, casou com o A. em 16/12/1989, no regime da comunhão geral de bens.
7-São ambos emigrantes nos Estados Unidos da América, onde residem há mais de trinta anos, onde constituíram família, onde trabalham e construíram o património de uma vida.
8-A R. aqui Apelante e A. encontram-se separados de facto desde 2015, encontrando-se ambos resignados com o fim do casamento, continuando por acordo a viver na mesma moradia do casal em …, Virgínia, nos Estados Unidos da América.
9-Para o efeito e por acordo, A. e R. decidiram dividir o espaço da moradia anteriormente mencionada, transformando-a em dois espaços autónomos, já que ambos dispõe de saída própria para a via pública.
10-Passando o A. a viver no primeiro andar e a R. no Rés-do-chão onde sempre fizeram e continuam a fazer a vida.
11-Mantendo esta como a morada dos aqui A. e R, que são emigrantes nos Estados Unidos da América, país onde residem e trabalham,
12-A.e R. constituíram família nos Estados Unidos da América, sendo certo que do casal nasceram dois filhos que na presente dada são maiores de idade.
13-O agregado familiar do A. e R. são residentes nos Estados Unidos da América onde trabalham, tem a vida estruturada, estão perfeitamente integrados aos hábitos e costumes locais, possuem amigos, bem como o património de uma vida de trabalho e esforço pessoal.
14- A. e R. aqui Apelante são proprietários de uma moradia em Vila Verde, sendo certo que a mesma foi adquirida e construída a título de investimento no país de origem, visto que nunca, mas nunca foi colocada a hipótese de voltar a residir em Portugal.
15-As viagens a Portugal, quer pelo A. quer pela R. aqui Apelante são situações esporádicas, sem nenhum padrão regular e quando acontecem correspondem a período de férias (a título de recreio).
16-Com efeito, A. e R. são ambos emigrantes nos Estados Unidos da América, país onde residem, trabalham, apresentam Declaração de Imposto de Renda, sendo a residência de ambos que permite fundamentar todo e qualquer exercício de direitos ou cumprimento de deveres de cariz pessoal.
17-A única e efetiva residência de ambos é em ..., Virgínia, nos Estados Unidos da América.
18-Não se pode sequer pensar em residência alternada do A, nos termos do artigo 83º , visto que A. e R. aqui Apelante possuem residência e morada em ..., Virgínia, nos Estados Unidos da América, onde ambos recebem as notificações dos presentes autos, enquanto as vindas a Portugal são situações esporádicas sem nenhum padrão regular, tratando-se apenas de férias, que tanto podem ser gozadas em Portugal ou não.
19-Para além de A. e R aqui Apelante possuírem residência e morada nos EUA, o facto que deu origem a causa de pedir, ou seja a rutura do casamento ocorreu na Virgínia, nos Estados Unidos da América.
20-Assim sendo e nos termos conjugados dos artigos 62º, 72º, 96º al. a), 97º ambos do Código de Processo Civil, 8º da Constituição da República Portuguesa, e artigo 8º do Regulamento UE 1259/2010 de 20 de 12 os Tribunais Portugueses não são competentes para decidir o Divórcio Sem o Consentimento do Outro Cônjuge do A. e R, aqui Apelante.
21-Como não existe qualquer convenção ou tratado do qual Portugal e os Estados Unidos da América sejam subscritores, que assegure a eficácia da sentença de divórcio que eventualmente venha a ser proferida neste processo junto ao Estado da Virgínia nos EUA, os Tribunais Portugueses são internacionalmente incompetentes.
22-A competência para decidir o Divórcio Sem o Consentimento do Outro Cônjuge do A. e R. pertente aos tribunais da Virgínia, que é onde, possuem residência Habitual, moradia e onde ocorreu a rutura do casamento.
23-De salientar a existência de Litispendência, uma vez que corre termos pelos Tribunais da Virgínia, nos Estados Unidos da América, que é onde A. e R. aqui Apelante possuem residência, moradia e onde ocorreu a rutura do casamento, um Processo de Divórcio sem o Consentimento do Outro Cônjuge, tendo o aqui A. sido notificado e tendo se pronunciado.
24-Com efeito, foi requerido uma suspensão quanto ao direito de A. e R. aqui Apelante, poderem dispor dos bens na pendência do Processo de divórcio que corre termos pelo Estado da Virgínia, até que seja decidida a incompetência internacional dos Tribunais Portugueses.
25-Entretanto o A. M. R. já tratou da liquidação de uma Sociedade (nos EUA) em que era Sócio, bem como procedeu a venda do estaleiro e escritório da referida sociedade. Sendo certo que a R. aqui Apelante não tem conhecimento do destino destes valores.
26-De salientar que a R. ora Alegante, será prejudicada quanto a direitos sociais e quanto a pensão de alimentos que terá direito na sequência do divórcio, caso o mesmo seja concluído pela ordem Jurídica Portuguesa.
27-Isto porque, não existe qualquer convenção ou tratado do qual Portugal e os Estados Unidos da América sejam subscritores , que assegure a eficácia da sentença de divórcio que eventualmente viesse a ser proferida neste processo junto ao Estado da Virgínia nos EUA,
28-Sendo essa situação de impasse que a R. aqui Apelante, pretende evitar, considerando que ao ser decretado o divórcio pelos Tribunais Portugueses, este não será reconhecido na Virgínia, visto que são residentes legais naquele país, mas que não tendo adquirido a nacionalidade Americana, não terá garantido os direitos sociais daquele pais, onde trabalhou uma vida, cumprindo com os impostos e assim não será feita uma boa administração da justiça e estaremos perante uma má aplicação do direito, questão que se pretende evitar
29-Em contrapartida, o divórcio de A. e R. aqui Apelante ao ser decidido pelos Tribunais da Virgínia/EUA, levando-se em consideração o critério da residência habitual de ambos, nos termos conjugados dos artigos 62º, 72º, 96º al. a), 97º ambos do Código de Processo Civil, 8º da Constituição da República Portuguesa, e artigo 8º do Regulamento UE 1259/2010 de 20 de 12 será homologado na Ordem jurídica Portuguesa nos termos do 978º do CPC.
30-Neste sentido estamos perante uma situação de incompetência internacional dos Tribunais Portugueses, visto que tanto A. e R. aqui Apelante, são ambos emigrantes nos Estados Unidos da América, país onde residem, trabalham, apresentam Declaração de Imposto de Renda, sendo a residência de ambos que permite fundamentar todo e qualquer exercício de direitos ou cumprimento de deveres de cariz pessoal
31-Para além disso, o facto que deu origem a causa de pedir, ou seja a rutura do casamento ocorreu na Virgínia, nos Estados Unidos da América.
32-A. e R. aqui Apelante são ambos emigrantes e possuido ambos residência e morada em ..., Virgínia, nos Estados Unidos da América. Onde, quer um, quer outro, recebem as notificações dos presentes autos.
33-A R. aqui Apelante não pode se conformar com a douta sentença que julgou procedente a ação e em consequência decretou o divórcio entre A. e R. tendo dado como provado:
A- O A. e a R. contraíram entre si casamento católico, em - de dezembro de 1989, na Basílica do …, paróquia de …, Concelho de VilaVerde;
B- O casamento foi precedido da celebração de convenção antenupcial através da qual os nubentes adoptaram o regime da comunhão geral de bens:
C- O A. e a R. são de nacionalidade portuguesa;
D- E são ambos emigrantes nos Estados Unidos da América, país onde residem e trabalham;
E- O A. e a R. são proprietários de uma moradia em Vila Verde, no Pico dos …, na Rua …;
F- Onde o A. fica alojado quando vem a Portugal;
G- No início do ano de 2015, o A. e a R., acordaram entre si em separar-se e dividir o espaço da morada do casal sita em ..., Estado de Virgínia, Estados Unidos da América, transformando-a em dois espaços completamente autónomos um do outro, como se de duas frações completamente independente se tratassem;
H- Passando desde então o Autor a viver no 1º andar e a R. o Rés-do-chão dessa casa;
I- Desde essa data, o Autor dorme, descansa, faz as suas refeições, passa os seus momentos de lazer e recebe os seus amigos no 1º andar da moradia;
J- E a Ré faz exatamente o mesmo no Rés-do-chão;
K- Fazendo vidas completamente separadas e sem qualquer actividade em comum;
L- Mesmo quando vêm de férias a Portugal, mais recentemente no pretérito mês de agosto o A. ficou alojado na moradia referida.
M- E a Ré em casa da sua irmã;
N- E nesse período de férias que ficaram em Portugal, o A. e a R. relacionaram-se entre si da mesma forma que nos Estados Unidos;
O- Ou seja, sem qualquer contactos pessoais, separados e sem qualquer actividade em comum, como se não estivessem casados um com o outro;
P- Relacionando-se socialmente com outras pessoas, mas não um com o outro;
Q- Desde o início de 2015, nunca mais A. e R. retomaram a vida em comum;
R- Os únicos contactos que demandante e demandada mantêm entre si, preferencialmente por telefone, limitam-se ao necessário para tratar do pagamento de despesas comuns, seja nos Estados Unidos, seja em Portugal;
S- A R. já manifestou perante o A o propósito de se querer divorciar;
T- Quer o A., quer a R. estão determinados em se divorciar, não existindo por parte de nenhum deles o propósito de reatar a vida em comum.

II) DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

O Tribunal a quo formou a sua convicção para julgar a matéria de facto como provada através do depoimento da testemunha M. S., irmã do Autor, declarações de parte do Autor e a confirmação dos factos em sede de Contestação pela Ré.
No que respeita a matéria de facto dada como provada, a R., ora Apelante, reitera o alegado em sede de Contestação, afirmando que desde janeiro de 2015, em concordância com o A, decidiram separar-se e desde então nunca mais retomaram a vida em comum.
Tanto o A. como a R. aqui Apelante desde janeiro de 2015 têm vidas completamente separadas e sem qualquer actividade em comum, mesmo quando vêm de férias a Portugal
Ambos estão determinados em se divorciar, não existindo por parte de nenhum deles o propósito de reatar a vida em comum.
Mais ficou comprovado através de prova documental junta com a contestação da ora Apelante, bem como de Requerimento junto aos autos a 25/06/2020, que no dia 06 de novembro de 2019, esta apresentou contra o Autor, pedido de divórcio no Tribunal da Virgínia, nos Estados Unidos da América, com fundamento na separação definitiva do casal, ocorrida há pelo menos um ano ( em 2 de fevereiro de 2014) sem possibilidade de conciliação.
Se por um lado não restam dúvidas, e como tal ficou provado que, quer o A. quer a R., ora Apelante, estão determinados em se divorciar, e que é propósito de ambos não reatar a vida em comum, também ficou provado que ambos possuem residência habitual nos Estados Unidos da América, onde residem há mais de trinta anos, onde constituíram família, onde trabalham, vindo a Portugal apenas de férias.
Mais ficou provado, por documentos juntos em sede de Contestação, que existe um processo de divórcio a correr termos no Estado da Virgínia nos EUA, onde o A. M. R. já contestou, tendo recebido todas as notificações quer daquele processo, quer dos presentes autos na sua residência habitual na Virgínia, sito na ..., Estado de Virgínia, Estados Unidos da América.
A questão sobre a decisão do processo de divórcio, prende-se ao facto de saber se o Tribunal competente será o Tribunal Português, levando-se em consideração o critério da nacionalidade dos requerentes ou o Tribunal da Virgínia, levando-se em consideração o critério da Residência habitual dos requerentes (que já residem há mais de trinta anos na Virgínia nos EUA).
Neste sentido a R., ora Apelante não pode se conformar com a decisão proferida sobre a matéria de direito, nos presentes autos.

II- IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE DIREITO

A questão fundamental que se pretende ver apreciada no presente recurso:
- É a de saber qual o tribunal internacionalmente competente para decidir o divórcio requerido pelo A;
- Esta questão coloca-se porque o A, e A R. ora Alegante, têm nacionalidade portuguesa, mas encontram-se emigrados nos Estados Unidos da América, país onde residem e trabalham há mais de trinta anos. As viagens à Portugal são esporádicas e com caráter de férias.
Ora, o Tribunal “a quo” entendeu e fundamentou com a conjugação dos artigos 55º e 52º do Código Civil português e artigo 1º, nº1do Regulamento (UE) nº 1259/2010, de 20/12 que é aplicável ao divórcio e separação judicial, nas situações que envolvam um conflito de Leis, como acontece no caso sub judice, que deve aplicar-se ao divórcio requerido pelo A. a Lei do Estado da Residência habitual do A. e da R. à data da instauração da ação de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, que é a Lei da Virgínia, nos EUA, mais concretamente o Code of Virgínia.
Entretanto, e apesar da fundamentação no sentido de o divórcio requerido nos presentes autos dever ser decidido pelo Tribunal da Virgínia, nos EUA, mais concretamente o Code of Virgínia, concluiu, e julgou procedente por provada a presente ação e, em consequência decretou o divórcio entre M. R. e M. C., com a consequente dissolução do seu casamento..
As razões de discordância face ao decidido em primeira instância baseiam-se no deficiente julgamento da matéria de direito.
Sindiquemos se o Tribunal “a quo”, à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência julgou corretamente a matéria de direito, analisando criticamente todas as provas carreadas para os autos, especificando de forma racional, coerente e lógica e com respeito pela prova produzida, os fundamentos que foram decisivos para a respetiva convicção.
No caso “sub judice”, salvo melhor entendimento, houve um erro manifesto na apreciação da matéria de direito, no que diz respeito ao reconhecimento de que, com a conjugação dos artigos 55º e 52º do Código Civil português e artigo 1º, nº1do Regulamento (UE) nº 1259/2010, de 20/12 que é aplicável ao divórcio e separação judicial, nas situações que envolvam um conflito de Leis, como acontece no caso sub judice, que deve aplicar-se ao divórcio requerido pelo A.a Lei do Estado da Residência habitual do A. e da R. à data da instauração da ação de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, que é a Lei da Virgínia, nos EUA, mais concretamente o Code of Virgínia, onde corre termos processo de divórcio entre A. e R.
Assim sendo, salvo o devido respeito, o Tribunal “a quo” deveria ter julgado procedente a excepção de incompetência internacional para resolver o litígio, absolvendo a R. ora Alegante da instância.
A douta Sentença que julgou, apesar da fundamentação no sentido de o divórcio requerido nos presentes autos dever ser decidido pelo tribunal da Virgínia aplicando a lei da Virgínia, nos EUA, mais concretamente o Code of Virgínia, concluiu, e julgou procedente por provada a presente ação e, em consequência decretou o divórcio entre M. R. e M. C., com a consequente dissolução do seu casamento foi, salvo o devido respeito, erroneamente proferida,.
Porém a fundamentação da decisão do Tribunal “a quo” aos presentes autos, é contrária a Sentença proferida e não permite tal conclusão, antes pelo contrário.
E não permite tal conclusão, pelo facto de que com a conjugação dos artigos 55º e 52º do Código Civil português e artigo 1º, nº1 do Regulamento (UE) nº 1259/2010, de 20/12 que é aplicável ao divórcio e separação judicial, nas situações que envolvam um conflito de Leis, como acontece no caso sub judice, que deve aplicar-se ao divórcio requerido pelo A. a Lei do Estado da Residência habitual do A. e da R. à data da instauração da ação de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, que é a Lei da Virgínia, nos EUA, mais concretamente o Code of Virgínia, que deve ser aplicado pelo tribunal da Virgínia.
Ora no caso sub júdice, importa definir o tribunal internacionalmente competente para decidir o divórcio requerido pelo A.
Esta questão coloca-se porque o A e a R. têm nacionalidade portuguesa, mas estão emigrados nos Estados Unidos da América, país onde residem e trabalham há mais de trinta anos.
Nos termos do artigo 55º do Código Civil Português, que nos remete para o artigo 52º do mesmo diploma legal, à separação judicial de pessoas e bens, ao divórcio é aplicável a lei nacional comum.
Não tendo os cônjuges a mesma nacionalidade, é aplicável a lei da sua residência habitual comum e, na falta desta, a lei do país com o qual a vida familiar se ache mais estreitamente conexa.
De acordo com as referidas normas de conflito, ao divórcio requerido pelo A. seria aplicável a lei portuguesa.
Não nos podemos olvidar, contudo, que Portugal enquanto Estado-Membro, está vinculado aos Regulamentos da União Europeia, que se incorporam no direito interno e que se sobrepõe a este.

É o caso do Regulamento (UE) nº 1259/2010, de 20/12, que é aplicável ao divórcio e à separação judicial, nas situações que envolvam um conflito de Leis (artigo 1º, nº1), como acontece no presente caso (o A. e a R. têm nacionalidade portuguesa, mas residem e trabalham nos EUA).
O Regulamento (UE) nº 1259/2010 tem caráter universal, o que significa que é aplicável a lei por ele designada, ainda que não seja a lei de um Estado-Membro participante, ou a lei de um Estado-Membro não participante ou a lei de um Estado que não é membro da União Europeia (artigo 4º e ponto 12 do seu preâmbulo).
Assim, o facto de o A. e de a R. residirem nos EUA, que não é membro da União Europeia, não obsta a sua aplicabilidade ao caso sub júdice.
O Regime previsto no Regulamento (UE) nº 1259/2010 de 20/12 sobrepõe-se, pelas razões apontadas, às normas de conflito do nosso Código Civil acima citadas pelo que é aplicável à situação dos autos.
O Regulamento (UE) nº 1259/2010 de 20/12 define no seu artigo 8º a lei aplicável ao divórcio e à separação judicial, quando as partes não a escolham, nos termos do artigo 5º.

De acordo com o citado artigo 8º, na ausência de escolha pelas partes, nos termos do artigo 5º, o divórcio e a separação judicial serão regidos pela lei do Estado:

e) Da residência habitual dos cônjuges à data da instauração do processo em tribunal ; ou na sua falta,
f) Da última residência habitual dos cônjuges, desde que o período de residência não tenha terminado há mais de um ano antes da instauração do processo em tribunal, na medida em que um dos cônjuges ainda resida nesse Estado no momento da instauração do Processo em tribunal, ou, na sua falta,
g) Da nacionalidade de ambos os cônjuges à data da instauração do processo em tribunal; ou na sua falta,
h) Em que se situe o tribunal onde o processo foi instaurado

O A. e a R. não escolheram a lei aplicável, pelo que vale para a situação em apreço o disposto no artigo 8º, acima transcrito.
O primeiro fator de conexão para determinar a lei substantiva aplicável ao divórcio e à separação judicial é, nos termos da citada norma comunitária, a residência habitual dos cônjuges à data da instauração dos presentes autos.
Embora o Tribunal de Justiça ainda não se tenha pronunciado sobre o conceito de residência habitual no contexto de ações matrimoniais , sobressai na jurisprudência que tem emitido a ideia de que a residência habitual corresponde ao local em que oi indivíduo tem o seu centro de interesses, onde normalmente se situa o núcleo da família, os seus bens, o seu trabalho.
Ressalta da materialidade apurada que A. e R. tinham em setembro de 2019 (quando foi instaurada a presente ação), como têm atualmente, a sua residência habitual no Estado a Virgínia, nos EUA (em ...) e que apenas vêm a Portugal para passar férias.
Com efeito, como ficou provado, o A. e a R. são emigrantes nos EUA e residem e trabalham nesse país.
Assim é que, quando se separaram, no início de 2015, dividiram o espaço na morada do casal (sita em ...), transformando-a em dois espaços completamente autónomos um do outro, como se de duas frações completamente independentes se tratassem, passando desde então o Autor a viver no 1º andar e a R, no Rés-do-chão dessa casa.
Desde essa data, o Autor dorme, descansa, faz as suas refeições, passa os seus momentos de lazer e recebe seus amigos no 1º andar daquela moradia e a R. faz exatamente o mesmo no rés-do-chão.
Assim, sendo, deve aplicar-se ao divórcio requerido pelo A. a Lei do Estado da residência Habitual do A. e da R. à data da instauração da presente ação, que é a Lei do Estado da Virgínia, nos EUA.
Salvo o devido respeito o” tribunal aquo” à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência julgou incorretamente a matéria de direito, no que respeita a lei aplicável ao caso sub judice.
Isto porque, somado aos fundamentos da decisão o Tribunal “a quo” deveria ter levado em consideração a existência de um processo de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, que corre termos pelo tribunal da Virgínia, e onde o A. já recebeu notificações, encontra-se devidamente representado e já apresentou contestação.
Assim sendo, o “tribunal aquo”, mais uma vez, com o devido respeito, julgou incorretamente ao entender que deverá ser aplicada a lei da virgínia, e em contrapartida não ter decidido que, para o efeito deverá ser o Tribunal da Virgínia considerado como o tribunal internacionalmente competente para decidir o litígio dos presentes autos, antes pelo contrário concluiu com a decisão de decretar o divórcio entre M. R. e M. C..
Pelo que, entende-se que a matéria de direito neste sentido foi incorretamente julgada.
Por último e não menos importante, outro ponto da matéria de direito incorretamente julgada pelo “tribunal a quo” corresponde aos documento juntos com a contestação e que comprovam a existência de um Processo para o divórcio de A. e R. e que corre termos pelo Tribunal da Virgínia. Nos EUA.
Em suma, nos autos sub judice suscita-se a questão quanto a incompetência internacional dos tribunais portugueses para decidir a ação de divórcio, uma vez que o A. e a R. residem há trinta anos nos EUA e que o Regulamento (UE)nº 1259/2010 de 20/12 estatui no seu artigo 8º que na ausência da escolha pelas partes, da lei aplicável, o divórcio e a separação judicial serão regidos pela lei da residência habitual dos cônjuges à data da instauração do processo em tribunal.
Ora, o Regulamento (UE)nº 1259/2010 de 20/12, diversamente do Código Civil Português, (que no seu artigo 55º prevê que para o divórcio deve ser aplicada a lei nacional comum dos cônjuges e só na sua falta a lei da sua residência habitual comum), estabelece como primeiro factor de conexão para determinar a lei aplicável ao divórcio e a separação judicial a residência habitual dos cônjuges à data da propositura da acção, e só no caso da falta de residência habitual é que estabelece como critério de conexão a lei da nacionalidade de ambos os cônjuges.
O Regulamento (UE) nº 1259/2010 de 20/12 tem carácter universal, o que significa que é aplicável a lei por ele designada, nos termos do artigo 4º e ponto 12 do seu preâmbulo.
Assim sendo, da conjugação dos artigos 8º, 5º e 4º ponto 12 do seu preâmbulo, do Regulamento (UE)nº 1259/2010 de 20/12, os tribunais portugueses deverão ser considerados internacionalmente incompetentes para decidir o processo de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge dos presentes autos.
Antes pelo contrário, deverá, o tribunal da virgínia, nos EUA, ser considerado o Tribunal competente para decidir o processo de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge dos presentes autos.
Vigora assim, o princípio da livre apreciação da prova, em que o Juiz “ad quem” poderá contrariar os fundamentos de facto e de direito que levaram o Juiz “a quo” a decidir,.
O Juiz “ad quem” tem o poder-dever legal de formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das provas, tal qual o Juiz “ a quo”, sem estar limitado pela convicção que serviu de base à decisão recorrida..
Espera-se que o Tribunal “ad quem” reconheça segundo as regras da experiência, a aplicação da legislação supra referenciada e a jurisprudência que tem emitido a ideia de que no contexto de ações matrimoniais, a residência habitual corresponde ao local em que o indivíduo tem o seu centro de interesses, onde normalmente se situa o núcleo da família, os seus bens, o seu trabalho e decida que os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para decidir o processo de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge dos presentes autos e decidindo como competentes os Tribunais da Virgínia nos Estados Unidos da América, onde A. e R. residem há trinta anos.
O que de todo impõe decisão diferente, passando a ser reconhecida a incompetência internacional dois tribunais portugueses para decidir sobre o divórcio dos presentes autos, absolvendo a R. da Instância.
Pelas sobreditas razões deverá ser reconhecida a incompetência internacional dos tribunais portugueses para decidir sobre o divórcio requerido pelo A.

O recorrido apresentou contra-alegações nas quais pugna pela manutenção do decidido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – É pelas conclusões do recurso que se refere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso – artigos 635º e 639º Código de Processo Civil -.

Em 1ª instância foi dada como provada a seguinte matéria de facto:

1) O Autor e a Ré contraíram entre si casamento católico, em - de Dezembro de 1989, na Basílica do …, paróquia de …, concelho de Vila Verde;
2) O casamento foi precedido da celebração de convenção antenupcial através da qual os nubentes adoptaram o regime da comunhão geral de bens;
3) O Autor e a Ré são de nacionalidade portuguesa;
4) E são ambos emigrantes nos Estados Unidos da América, país onde residem e trabalham;
5) O Autor e a Ré são proprietários de uma moradia em Vila Verde, no Pico dos …, na Rua …;
6) Onde o Autor fica alojado quando vem de férias a Portugal;
7) No início do ano de 2015, o Autor e a Ré acordaram entre si em separar-se e dividir o espaço na moradia do casal sita em ..., Estado de Virgínia, Estados Unidos da América, transformando-a em dois espaços completamente autónomos um do outro, como se de duas fracções completamente independentes se tratassem;
8) Passando desde então o Autor a viver no 1.º andar e a R. o rés-do-chão dessa casa;
9) Desde essa data, o Autor dorme, descansa, faz as suas refeições, passa os seus momentos de lazer e recebe os seus amigos no 1.º andar da moradia;
10) E a Ré faz exactamente o mesmo no rés-do-chão;
11) Fazendo vidas completamente separadas e sem qualquer actividade em comum;
12) Mesmo quando vêm de férias a Portugal, mais recentemente no pretérito mês de Agosto do corrente ano, o Autor fica alojado na moradia referida em 5);
13) E a Ré em casa da sua irmã;
14) E nesse período de férias que ficam em Portugal, o Autor e a Ré, relacionam-se entre si da mesma forma que nos Estados Unidos;
15) Ou seja, sem quaisquer contactos pessoais, separados e sem qualquer actividade em comum, como se não estivessem casados um com o outro;
16) Relacionando-se socialmente com outras pessoas, mas não um com o outro;
17) Desde a data referida em 7), nunca mais o Autor e a Ré retomaram a vida em comum;
18) Os únicos contactos que o demandante e a demandada mantêm entre si, preferencialmente por telefone, limitam-se ao necessário para tratar do pagamento de despesas comuns, seja nos Estados Unidos, seja em Portugal;
19) A Ré já manifestou perante o Autor o propósito de se querer divorciar;
20) Quer o Autor, quer a Ré estão determinados em se divorciar, não existindo por parte de nenhum deles o propósito de reatar a vida em comum.
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B)- Factos não provados

Não resultaram provados outros factos com relevância para a boa decisão da causa, designadamente que:
a)- Em Maio de 2015, a Ré levantou das contas do casal nos Estados Unidos metade do respectivo saldo;
b)- E em Agosto desse mesmo ano fez o mesmo em Portugal.
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A questão a decidir no recurso diz respeito, fundamentalmente, à competência internacional dos Tribunais Portugueses.
A apelante insurge-se quanto ao facto de na sentença recorrida ter-se aplicado o Regulamento do Conselho 1215/2012 de 20/12/2012.
Este Regulamento concede às partes a possibilidade de celebrar uma acordo de escolha da lei aplicável no divórcio ou separação judicial.

Efectivamente de acordo com o disposto no artigo 5º do citado regulamento “os cônjuges podem acordar em designar a lei aplicável ao divórcio e à separação judicial desde que se trate das seguintes leis:

a) Lei do Estado da residência habitual dos cônjuges no momento da celebração do acordo de escolha da lei; ou
b) A lei do Estado da última residência habitual dos cônjuges, desde que um deles ainda aí resida no momento da celebração do acordo; ou
c) A lei do Estado da nacionalidade de um dos cônjuges à data da celebração do acordo; ou
d) A lei do foro.

De acordo com o n.º 2 do mesmo artigo “sem prejuízo do disposto no n.º 3, um acordo que determine a lei aplicável pode ser celebrado e alterado a qualquer momento, o mais tardar à data da instauração do processo em tribunal.
E o n.º 3 dispõe que se a lei do foro assim o determinar, os cônjuges podem ainda designar a lei aplicável perante o tribunal durante o processo. Nesse caso essa designação será registada em tribunal nos termos da lei do foro.
De acordo ainda com o disposto no artigo 4º “é aplicável a lei designada pelo presente regulamento ainda que não seja a lei de um Estado-membro participante”.
Decorre do referido Regulamento que o acordo de escolha da lei deverá ser celebrado ou alterado o mais tardar na data da instauração do processo em tribunal e mesmo durante o processo se a lei do foro o permitir .
Nos termos dos artigos 5.º a 8.º do Regulamento em princípio a lei aplicável ao divórcio é a lei escolhida pelos cônjuges, nos termos, limites e condições fixadas no próprio Regulamento. Não havendo lei escolhida de forma válida, é aplicável a lei do Estado: a) da residência habitual dos cônjuges à data da instauração do processo em tribunal; ou, na sua falta, b) da última residência habitual dos cônjuges, desde que o período de residência não tenha terminado há mais de um ano antes da instauração do processo em tribunal, na medida em que um dos cônjuges ainda resida nesse Estado no momento da instauração do processo em tribunal; ou, na sua falta, c) da nacionalidade de ambos os cônjuges à data da instauração do processo em tribunal; ou, na sua falta, d) em que se situe o tribunal onde o processo foi instaurado (artigo 8.º).
Conforme resulta dos autos não foi celebrado qualquer acordo entre os cônjuges.
Com efeito, à data da instauração do processo não foi junto qualquer acordo que os cônjuges tenham celebrado.
Durante o processo efectivamente foi perguntado aos cônjuges qual a lei que os mesmos queriam ver aplicada.
A resposta da apelante foi que pretendia que o processo de divórcio decorresse no país da residência (sua e do autor) onde alegou já ter insaturado o respectivo processo de divórcio e com a lei aplicável no Estado da sua residência nos Estados Unidos da América – o Estado da Virgínia.
Do seu requerimento não resulta que a mesma tenha acordado com o autor que a lei a aplicar fosse a do Estado da Virgínia.
Mas antes de se saber qual a lei a aplicar há que determinar qual o Tribunal competente para a presente acção.
Está em causa aferir da competência internacional dos tribunais portugueses para julgar a presente acção de divórcio, atendendo a que ambas as partes residem no estrangeiro e os factos que sustentam o pedido de divórcio – separação consecutiva por período superior a um ano – também ocorreram fora do território nacional português.
De acordo com o artigo 72º do Código de processo Civil, para as acções de divórcio e de separação de pessoas e bens é competente o tribunal do domicílio ou da residência do autor.
Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:

a) Quando a acção possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;

b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram;
c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da acção no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.

O artigo 59.º do mesmo diploma legal preceitua que há que salvaguardar aquilo que se encontra estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, referindo expressamente que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos naquele artigo 62.º, mas sem prejuízo do que se encontra naqueles estabelecido.
Portanto, no âmbito da aferição da competência internacional dos tribunais portugueses, importa salvaguardar o que se encontra estabelecido em regulamentos europeus e outros instrumentos internacionais, que vinculem internacionalmente o Estado Português, reconhecendo-se, assim, o primado do direito internacional convencional ao qual o Estado Português se encontre vinculado sobre o direito nacional, designadamente a prevalência do direito comunitário sobre o direito nacional.
Em matéria de competência para o divórcio ou separação judicial rege o Regulamento do Conselho 2201/2003.
O objectivo do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho é permitir aos cônjuges a possibilidade de optar entre vários critérios alternativos de competência para a determinação do tribunal competente que julgará a causa de separação ou divórcio.

Assim, dispõe o artigo 3º do citado Regulamento que :
Competência geral
1. São competentes para decidir das questões relativas ao divórcio, separação ou anulação do casamento, os tribunais do Estado-Membro:
a) Em cujo território se situe:
- a residência habitual dos cônjuges, ou
- a última residência habitual dos cônjuges, na medida em que um deles ainda aí resida, ou
- a residência habitual do requerido, ou
- em caso de pedido conjunto, a residência habitual de qualquer dos cônjuges, ou
- a residência habitual do requerente, se este aí tiver residido pelo menos, no ano imediatamente anterior à data do pedido, ou
- a residência habitual do requerente, se este aí tiver residido pelo menos, nos seis meses imediatamente anteriores à data do pedido, quer seja nacional do Estado-Membro em questão quer, no caso do Reino Unido e da Irlanda, aí tenha o seu "domicílio";
b) Da nacionalidade de ambos os cônjuges ou, no caso do Reino Unido e da Irlanda, do "domicílio" comum.
2. Para efeitos do presente regulamento, o termo "domicílio" é entendido na acepção que lhe é dada pelos sistemas jurídicos do Reino Unido e da Irlanda.

Por sua vez dispõe o artigo 7º do mesmo Regulamento que :
Competências residuais
1. Se nenhum tribunal de um Estado-Membro for competente nos termos dos artigos 3.o, 4.o e 5.o, a competência, em cada Estado-Membro, é regulada pela lei desse Estado-Membro.
2. Qualquer nacional de um Estado-Membro que tenha a sua residência habitual no território de outro Estado-Membro pode invocar neste último, em pé de igualdade com os respectivos nacionais, as regras de competência aplicáveis nesse mesmo Estado-Membro a um requerido que não tenha a sua residência habitual num Estado-Membro e não possua a nacionalidade de um Estado-Membro ou, no caso do Reino Unido ou da Irlanda, não tenha o seu "domicílio" no território de um destes últimos Estados-Membros.
Para além dos casos em que é reservada a competência exclusiva dos tribunais portugueses (artigo 63º do Cód. Proc. Civil), enuncia o artigo 62º do Cód. Proc. Civil, como factores de atribuição da competência internacional aos tribunais portugueses, os critérios ou princípios da coincidência, na alínea a), da causalidade, na alínea b) e da necessidade, na alínea c)- José lebre de Freitas e Isabel Alexandrino, Código de Processo Civil Anotado, v. I, págs. 131 e 132.
Estes factores são autónomos (e não cumulativos), funcionando cada um em completa independência relativamente aos outros, sendo de per si bastante para desencadear a atribuição da competência aos tribunais portugueses.
Para a determinação da competência internacional, só se aplicam os critérios de conexão a que se refere o artigo 62º do Código de Processo Civil se não existirem instrumentos internacionais que vinculem internacionalmente os tribunais portugueses (pois, existindo, prevalecem sobre os critérios plasmados na segunda parte do artº 59º do CPC).
De acordo com o artigo 82º do Código Civil, - 1. A pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual; se residir alternadamente, em diversos lugares, tem-se por domiciliada em qualquer deles.
2. Na falta de residência habitual, considera-se domiciliada no lugar da sua residência ocasional ou, se esta não puder ser determinada, no lugar onde se encontrar.
Ora, como resulta dos autos a residência habitual dos cônjuges é nos Estados Unidos da América, e não em Portugal, onde vêem de férias esporadicamente.
Por outro lado, não foi celebrado o acordo a que se refere o Regulamento 1259/2010 do Conselho, para que fosse aplicado a Lei do Estado da Virgínia dos Estados Unidos da América, nem existe o elemento de conexão a que alude o artigo 8º do citado regulamento, que é o da residência habitual dos cônjuges no momento da propositura da acção.
Assim, não tendo os cônjuges residência, nem domicílio em Portugal, para que o tribunal português pudesse ser competente internacionalmente para apreciar e julgar a presente acção, teria que se praticado em Portugal o facto que serve de causa de pedir na acção ou algum facto que a integre.
Ora, no caso, a separação de facto por um ano consecutivo ocorreu nos Estados Unidos da América onde, como foi alegado, desde 2015, os cônjuges estão separados fazendo vidas completamente separadas, sendo que todos os factos demonstrativos da ruptura definitiva do casamento ocorreram nesse país onde os cônjuges têm residência permanente.
Daí entendermos que o tribunal português é internacionalmente incompetente para o julgamento da acção.
Por outro lado, o Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro, destina-se a aferir da competência das autoridades para decidir a acção de divórcio, enquanto que o Regulamento (UE) nº 1259/2010 do Conselho, de 20 de Dezembro, destina-se a aferir a Lei aplicável em matéria de divórcio.
Atento o disposto no artigo 62º do Código de Processo Civil, e o estatuído nos referidos regulamentos, o Tribunal português é internacionalmente incompetente para decidir da acção de divórcio relativo a dois cidadãos portugueses com residência habitual e permanente nos Estados Unidos da América e em que os factos integradores da causa de pedir ocorreram nesse país.

III – Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar a apelação procedente, revogando a sentença recorrida julgando o tribunal de Família e Menores de Braga internacionalmente incompetente para o julgamento da presente acção.
Guimarães, 15 de Junho de 2021.