Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2740/20.9T8BCL.G1
Relator: MARIA LEONOR BARROSO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO
JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO DO CONTRATO
DIREITO AO TREINO CONJUNTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Incumbe ao empregador clube ou sociedade desportiva o dever de proporcionar ao praticante desportivo as condições necessárias à participação efetiva nos treinos e outras atividades preparatórias ou instrumentais da competição desportiva - 11, b), do RJCTPD
Constitui garantia do praticante desportivo a prestação do trabalho inserido no normal grupo de trabalho, excepto em situações especiais por razões de natureza médica ou técnica - artigo 14º, d), da CCT.
Razões essas que no caso não se verificam, pelo que o autor, fortemente cerceado no direito ao treino, tem direito à resolução do contrato por justa causa, a qual não é excluída pelo facto de o trabalhador ter suportado a situação de violação de direitos durante 4 meses até receber uma outra proposta contratual, com o objectivo de, no entretanto, ir treinando e mantendo a forma física, desse comportamento não se podendo extrair que desvalorizou a actuação ilícita da ré.
Decisão Texto Integral:
I - RELATÓRIO

O autor AA interpôs recurso da sentença que julgou totalmente improcedente a acção declarativa comum que intentou contra o réu EMP01..., Futebol SAD pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 66.000,00 (sessenta e seis mil euros), acrescida de juros de mora.
Causa de pedir: alega que, em 22-01-2019, celebrou com a ré contrato de trabalho para duas épocas (2018/2019 e 2019/2020) com termo final em 30-06-2020, para desempenhar as tarefas correspondentes à categoria profissional de jogador de futebol, pelo vencimento mensal de € 10.000,00 para a época 2018/2019 e € 11000,00 para a época 2019/2020. Por carta de 27-12-2019, rescindiu o contrato por justa causa em virtude da ré ter violado as suas obrigações conforme artigo 43º, 1, c), f), da CCT aplicável aos autos, mormente: a partir de final do mês de agosto de 2019 constatou que a ré na sua página oficial, no espaço relativo à Informação do Plantel, publicou o nome do aqui A. como estando na secção de saídas, sem colocação, retirando-o do plantel principal; a ré passou a noticiar em diversos órgãos de comunicação social que o jogador havia sido dispensado, não fazendo parte dos planos para a época; deixou de ser informado atempadamente dos horários dos treinos e do local onde iriam decorrer, o que não acontecia com outros jogadores; o autor apenas sabia que tinha folga no dia anterior à mesma; não treinava com a bola da equipa A, mas sim com uma diferente da equipa B; no início da nova época 2019/2020, não lhe foi entregue o novo uniforme, continuando a usar o equipamento do ano anterior, que era preto da marca ...: o A.  estava proibido de entrar no piso 1 do complexo desportivo da R. e não podia e não estava autorizado a frequentar os mesmos sítios que os seus colegas; estava impedido de usar o ginásio do clube, pelo que para treinar teve de se socorrer de outro ginásio pago por si; o A. não frequentava o mesmo posto médico dos seus colegas, desta forma quando precisava de tratamento, o A. era assistido pelo médico do clube mas no departamento médico das equipas amadoras; todos estes comportamentos tiveram como único intuito levar a que Autor pusesse termo ao contrato e, consequentemente, por em causa a sua saúde psíquica, não obstante este sempre ter cumprido com as suas obrigações. Reclama indemnização correspondente ao valor das retribuições que lhe seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo.
Contestação - a ré aceita que contratou o autor nas condições por este referidas. No mais, refere que a equipa técnica que iniciou a época desportiva 2019/2020 comandada por BB informou a Ré que não contava com os préstimos do A., por questões técnicas que não foram do seu conhecimento, em respeito pela autonomia da equipa técnica, nunca havendo intenção de “castigar” o autor. A Ré nunca garantiu ao A. que treinaria e jogaria na sua equipa principal, pois não era possível caucionar tal situação. O A. sempre foi respeitado como homem e profissional e continuaram a ser-lhe dadas todas as condições para a prática profissional de futebol, embora treinando com a equipa B. O A. esteve vários meses na situação de treinar com a equipa B do EMP01..., sempre sem qualquer reclamação ou queixa, nunca tendo demonstrado que tal seria perturbador para a sua relação de trabalho, o que nos termos da CCT exclui o direito a resolução por justa causa. O A. abandonou assim o posto de trabalho, sendo a R credora, ela sim, do valor correspondente ás remunerações devidas até final do contrato –artº 50º da CCT. Conclui que a ré deve ser absolvida dos pedidos.
Procedeu-se a julgamento e proferiu-se sentença.

CONCLUSÕES DO RECURSO NTERPOSTO PELO AUTOR

1 - Vem o presente recurso interposto da decisão que julgou a ação interposta pelo aqui recorrente, totalmente improcedente, e em consequência absolveu a ré do pedido.
2- Com efeito, o Tribunal a quo considerou provados os factos 1 a 18., sendo que o Tribunal a quo refere que baseou a sua convicção nas declarações de parte do Autor, no depoimento das testemunhas CC e DD, referindo que “Nas declarações de parte, o autor manteve a versão apresentada na petição inicial, acrescentando ainda que preferiu manter o vínculo ao clube, para poder ir treinando com regularidade, até ser possível arranjar outro clube que o inscrevesse em competição profissional, o que veio a suceder em Janeiro de 2020, e que levou à sua decisão em rescindir o contrato.”
3- O Tribunal a quo referiu ainda que: “As testemunhas CC e DD referiram que foram jogadores de futebol do EMP01..., tendo ali conhecido o autor.
Na época de 2019/2020, estiveram a treinar à parte do resto do plantel, juntamente com o autor, que também não treinavam com o resto da equipa, por lhes ter sido dito que não contariam para os planos da equipa. Tinham sempre um treinador ou um preparador físico a acompanhá-los, que não era sempre o mesmo, sendo que os horários do treino também não eram sempre os mesmos e “Deixaram de ter acesso aos mesmos espaços dos demais jogadores da equipa de futebol sénior, nomeadamente no que se refere à utilização do ginásio, sendo que não tinham acesso, por exemplo, ao equipamento do ano em causa.”
4- Referiu ainda o Tribunal a quo que “ os depoimentos foram, no essencial, coerentes entre si, não tendo sido produzidos meios de prova que os contradissessem.”
5 - Quanto à fundamentação de direito, o Tribunal a quo refere que “dos factos assentes parece-nos claro que se verifica o incumprimento das obrigações da ré, que podemos considerar como grave, pelo tempo em que perdurou a situação de treino à parte da equipa principal – cerca de 4 meses – treino esse que englobava apenas mais 2 colegas, Mais ficou provado que o autor sabia que o réu não contava consigo para a época desportiva em causa, sendo que a ré não demonstrou que o seu afastamento tivesse ocorrido por motivo de saúde ou técnico.”
6 Quanto à fundamentação de direito o Tribunal a quo referiu ainda que “ficou assente também que o autor quis manter-se no clube até encontrar uma alternativa, que apenas poderia ocorrer em Janeiro, altura em que é possível a inscrição noutros clubes, nas competições profissionais de futebol. Mais ficou assente que a rescisão ocorreu quando o autor soube que tinha encontrado, precisamente, um clube de primeira divisão, com quem viria a celebrar contrato.”
7- Mais referiu o Tribunal a quo que, “nos termos do artigo 45º da CCT:
Embora os factos alegados correspondam objetivamente a algumas das situações configuradas nos artigos anteriores, a parte interessada não poderá invocá-los como justa causa de rescisão: a) Quando houver revelado, por comportamento posterior, não os considerar perturbadores das relações de trabalho; b) Quando houver inequivocamente perdoado à outra parte;
8- Concluiu o Tribunal a quo que “parece-nos, assim, que estamos perante a situação prevista na alínea a) do citado preceito, uma vez que ficou assente que o autor considerou mais benéfico para si manter a relação laboral, com treinos regulares, até ser possível a inscrição em competição de futebol, noutro clube, o que veio a acontecer na altura em que decidiu proceder à invocação de justa causa, para fazer cessar o contrato. Assim não poderia o autor invocar tais factos como justa causa de rescisão, o que leva à improcedência da ação.”
9- Ora, o aqui apelante não pode conformar-se de forma alguma, com a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, pois a mesma fez uma incorreta interpretação da prova produzida nos autos, e uma incorreta aplicação do direito aos factos.
10- Verifica-se, na sentença recorrida, uma incorreta apreciação da matéria de facto, quando o meritíssimo juiz “a quo” entende estar perante a situação prevista na alínea a) do artigo 45º do CCT referido preceito.
11- Face à prova produzida deve a matéria de facto ser reapreciada e dado como provado, para além dos factos dados como provados de 1 a 18, o seguinte: O recorrente considerou os factos praticados pela entidade patronal como perturbadores das relações de trabalho, e que inviabilizavam a breve trecho a permanência da relação laboral existente entre as partes.
12- Face à prova efetivamente produzida, a apelante discorda ainda da incorreta interpretação da prova produzida e da incorreta aplicação do direito aos factos, no segmento em que o Tribunal a quo conclui que quando o autor referiu ter preferido manter o vínculo ao clube, para poder ir treinando com regularidade, até ser possível arranjar outro clube que o inscrevesse, que tal se inclui na situação prevista na alínea a) do artigo 45 da CCT
13- Ora, entende o aqui apelante que o facto do recorrente se ter mantido no clube para poder ir treinando com regularidade até ser possível arranjar outro clube que o inscrevesse em competição profissional, não se subsume à previsão legal referida na alínea a) do artigo 45 do CCT, ou seja não constitui um comportamento que revele que o apelante não considerasse os factos praticados pela entidade patronal como perturbadores das relações de trabalho.
14- Até porque conforme referiu o autor e conforme consta da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo nos pontos 7 a 14 da matéria de facto provada, o Autor sabia que a entidade patronal não contava consigo para a época desportiva em causa, ou seja, sabia que a relação laboral não teria viabilidade, não existindo qualquer possibilidade de vir a ser considerada pelo aqui autor a sua permanência no clube, atento o grave incumprimento das obrigações da Ré, pelo tempo em que perdurou a situação de treino à parte da equipa principal.
15- Todos estes factos se reconduzem a factos integradores de justa causa de resolução do contrato de trabalho por parte do aqui Autor, nos termos do previsto no CCT celebrado entre o sindicado de jogadores profissionais de futebol e a liga portuguesa de futebol profissional.
16- Posto isto, e dados tais factos como provados, sempre se dirá que o Tribunal a quo, não levou em linha de conta a especificidade do tipo de contrato de trabalho em causa nos autos, já que conforme é sabido, a contratação de jogadores de futebol obedece a regras próprias, estando limitada a duas janelas de transferências e contratação que ocorrem no mercado de verão e no mercado de inverno.
17- O recorrente invocou na carta de rescisão do contrato e na própria ação que a Ré violou os seus deveres, nomeadamente ao impedi-lo de treinar com a restante equipa, passando a treinar à parte e conforme vem referido na douta sentença, nos termos do previsto no artigo 15º do CCT, é proibido ao clube: “afetar as condições de prestação de trabalho nomeadamente, impedindo-o de o prestar inserido no normal grupo de trabalho, exceto em situações especiais por razões de natureza médica ou técnica”.
18- O tribunal conclui a existência de fundamento para a justa causa por parte do Recorrente, quando refere “dos factos assentes parece-nos claro que se verifica o incumprimento das obrigações da ré, que podemos considerar como grave, pelo tempo em que perdurou a situação de treino à parte da equipa principal – cerca de 4 meses – treino esse que englobava apenas mais 2 colegas.” (sublinhado nosso)
19- Contudo, conclui o Tribunal a quo que no caso em concreto, parece estar em causa  a situação prevista na alínea a) do artigo 45 da CCT, uma vez que segundo refere: “ficou assente que o autor considerou mais benéfico para si manter a relação laboral, com treinos regulares, até ser possível a inscrição em competição de futebol noutro clube, o que veio a acontecer na altura em que decidiu proceder à invocação de justa causa, para fazer cessar o contrato.”
20- Ora, no entendimento do aqui apelante, o comportamento seguinte – manter o vínculo ao clube, para poder ir treinando com regularidade, até ser possível arranjar clube que o inscrevesse em competição profissional – não configura o preenchimento da al. a) do artigo 45 do CCT, porque de facto o apelante os considerou perturbadores das relações de trabalho, uma vez que atento as regras próprias da contratação no mercado de transferência do futebol, as novas contratações ou transferências decorrem apenas em dois momentos do ano/época – no mercado de verão que termina em 31 de Agosto, e no mercado de inverno que se inicia em janeiro.
21- Ou seja, conforme referiu o recorrente em declarações de parte, e conforme decorre do funcionamento do mercado de contratações, a janela de transferência no mercado de verão fecha no final de agosto, data em que se iniciou a prática dos factos pela entidade patronal, nessa altura os planteis já estavam praticamente todos fechados, sendo que caso o apelante rescindisse nessa fase, já não teria hipótese de ser contratado por outro clube da primeira divisão e ficaria sem treinar com regularidade até à abertura do mercado de transferência em janeiro do ano seguinte.
22- Em suma, a conduta posterior do recorrente demonstra que não existia qualquer possibilidade de vir a ser considerada pelo aqui autor a sua permanência no clube, atento o grave incumprimento das obrigações da Ré, pelo tempo em que perdurou a situação de treino à parte da equipa principal, e que começou a deteriorar-se no mês de Agosto de 2019, até ser insustentável a manutenção da relação laboral, que cessou por iniciativa do recorrente, através de resolução do contrato com justa causa, comunicada à recorrida através de carta registada com AR em 27/12/2019.
23- Na verdade, ouvidas as declarações de parte prestadas pelo autor no dia 3/12/2021, de minutos 1:25 a minutos 03:31 e de minutos 32:43 a minutos 04:46, e de minutos 10:10 a minutos 12:22, bem como do depoimento prestado pelas testemunhas CC prestado no dia 10-02-2022 de minutos 13:35 a minutos 16:27 e de minutos 16: 56 a minutos 18:28, e DD prestado no dia 10/02/2022, de minutos 0:09 a minutos 03:33 e de minutos 10:03 a minutos 10:51’ e de minutos 18:30 a minutos 19:05’, jogadores que foram colocados nas mesmas circunstâncias de treino e fora da equipa principal, ficou ainda provado que o recorrente considerou os factos praticados pela entidade patronal como perturbadores das relações de trabalho, e que inviabilizavam a breve trecho a permanência da relação laboral existente entre as partes.
24- Ou seja, não poderia o Tribunal a quo concluir que o facto do Autor aqui recorrente ter permanecido ao serviço da entidade patronal até finais de dezembro de 2019, constitui uma conformação do apelante com os factos praticados pela entidade patronal.
25- Ou seja ouvida a prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente as declarações de parte do A., o depoimento prestados pelas testemunhas CC e DD, deve ser dado como provado, para além dos factos provados na douta sentença que o recorrente considerou os factos praticados pela entidade patronal como perturbadores das relações de trabalho, e que inviabilizavam a breve trecho a permanência da relação laboral existente entre as partes.
26- Ao decidir em contrário, à matéria de facto alegada e provada em audiência de julgamento, a sentença violou por erro na apreciação da prova o disposto no artigo 662, n.º 1 do NCPC.
27- Ao decidir em contrário, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na interpretação e na subsunção dos factos ao direito, o que afeta e vicia a decisão proferida e violou, por erro de interpretação e subsunção dos factos ao direito, o disposto no artigo 45, al. a) da CCT celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol.
28- Nos termos expostos e com os fundamentos invocados, deverá pois revogar-se a sentença recorrida, com todas as consequências legais...
CONTRA-ALEGAÇÕES - não foram apresentadas.
PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO – sustenta-se a procedência do recurso.
RESPOSTAS - inexistentes.
O recurso foi apreciado em conferência – art. 659º, do CPC.
QUESTÕES A DECIDIR [1]: impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto; da existência de justa causa na resolução do contrato de trabalho desportivo
II - FUNDAMENTAÇÃO
A) FACTOS
FACTOS PROVADOS:
1. O aqui A. celebrou com a Ré, em 22 de janeiro de 2019, um contrato de trabalho desportivo, pelo prazo de duas épocas, com termo inicial em 22 de janeiro de 2019 e termo final em 30 de junho de 2020, ou seja para a época - 2018/2019 e para a época 2019/2020;
2. Para desempenhar as tarefas correspondentes à categoria profissional de jogador de futebol,
3. Ao contrato de trabalho celebrado entre A. e R. aplicam-se as regras do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, conforme consta da cláusula oitava do contrato de trabalho desportivo;
4. As partes convencionaram que o A. auferiria o vencimento mensal de € 10.000,00 para a época 2018/2019, e € 11000,00 para a época 2019/2020, valor que o A. auferia actualmente;
5. O autor remeteu à ré carta registada com aviso de recepção, com a data de 27/12/2019, declarando proceder à rescisão do contrato com fundamento nos factos previstos no artigo 43º do CCT;
6. Em 29 de janeiro de 2020, a CAP notificou o A. do acórdão proferido, o qual julgou válida a rescisão comunicada pelo aqui A., para efeitos de desvinculação desportiva;
7. Em Agosto de 2019 a ré divulgou, na sua página oficial, e através dos meios de comunicação social, que o autor iria sair do clube;
8. A partir dessa data, deixou de treinar com a equipa principal de futebol;
9. Passando a treinar com apenas mais dois outros jogadores, que também deixaram de treinar com a equipa principal;
10. Não tendo mais jogado pela equipa de futebol da ré;
11. Também no início da nova época 2019/2020, não lhe foi entregue o novo uniforme, continuando a usar o equipamento do ano anterior, que era preto da marca ....
12. O autor estava proibido de entrar no piso 1 do complexo desportivo da R;
13. O A. não podia frequentar os mesmos sítios que os seus colegas.
14. Além disso, estava impedido de usar o ginásio do clube, pelo que para treinar teve de se socorrer a outro ginásio pago por si.
15. Não frequentava o mesmo posto médico dos seus colegas, tendo na mesma assistência médica.
16. O autor recebeu a sua remuneração mensal até Dezembro de 2019;
17. O autor preferiu manter o vínculo ao clube, para poder ir treinando com regularidade, até ser possível arranjar clube que o inscrevesse em competição profissional;
18. O que veio a acontecer em Janeiro de 2020, e que levou à sua decisão em rescindir o contrato, pois era do seu conhecimento em Dezembro, que iria assinar contrato com outro clube.

FACTOS NÃO PROVADOS

1. Que a equipa técnica que iniciou a época desportiva 2019/2020 comandada por BB, informou a Ré que não contava com os préstimos do A., por questões técnicas.

B) RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:

O tribunal da Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa– art. 662º do CPC.
Previamente, para que o tribunal se possa ocupar dessa tarefa, deve o recorrente, tudo sob pena de rejeição de recurso, observar o denominado “ónus da impugnação especificada”, o qual, cingindo-nos a aspectos essenciais, requer que a parte indique os pontos de facto concretos que contesta, qual a resposta alternativa que propõe que seja dada e qual o meio de prova concreto que impõe essa alteração na resposta à matéria de facto - 640º, 1, CPC. A indicação dos pontos concretos contestados exige que a parte identifique os factos por reporte à sua fonte, isto é, localize onde constam e foram alegados (petição, contestação, articulado superveniente, etc…) para que o tribunal superior compare o que foi invocado pela parte e o que foi considerado provado pelo tribunal a quo e, assim, avalie do mérito da decisão proferida. O recurso visa apenas a fiscalização da decisão recorrida nos pontos concretos alegadamente mal julgados pressupondo que em tempo oportuno a matéria foi alegada, não se destinando a sindicar matéria nova que apenas agora haja sido trazida - 640º CPC.
No caso refere o recorrente, em suma, que atenta a prova, nomeadamente declarações de parte do A., depoimento prestados pelas testemunhas CC e DD, deve ser dado como provado que “o recorrente considerou os factos praticados pela entidade patronal como perturbadores das relações de trabalho, e que inviabilizavam a breve trecho a permanência da relação laboral existente entre as partes.”
Ora, desde logo diga-se que o recorrente não cumpriu sequer o referido ónus de impugnação especificada, não localizando onde foi articulada tal matéria. De resto, lida a petição inicial, dela não conta tal afirmação. Lida, a contestação, dela também não consta, ao invés, a ré defende o contrário.
A estes obstáculos de ordem formal somam-se outros de maior importância, na medida em que a matéria é quase exclusivamente conclusiva, pejada de juízos opinativos, sem narração de factos enquanto eventos ou realidades objectivas, cuja ocorrência seja constatável pela experiência, observação ou ciência. Agrava a circunstância de tais expressões conclusivas contenderem directamente com o tema a decidir. Fazem parte do núcleo essencial de questões que determina a decisão. Logo não podem constar no segmento da sentença em que se declaram os factos, lembrando-se que aquela peça deve conter a separação entre factos e direito, pelo que, ainda que tivessem sido alegadas em tempo oportuno, teriam de ser agora desconsideradas - 607º, 3, 4, CPC.
A referida conclusão terá, sim, de ser (ou não) extraída a partir de outros factos que tenham sobressaído, por respeitar à interpretação e aplicação do direito.
Poder-se-ia, ainda, dizer que ali se contém uma parcial alegação de uma realidade psicológica (volitiva) referente ao próprio entendimento do autor sobre os factos praticados pela entidade patronal. Mas, além da sua falta de alegação em tempo oportuno, tal não se afigura relevante, pois esta é uma apreciação da competência do tribunal, mormente sobre o conceito de impossibilidade de subsistência da relação laboral, o cerne da justa causa. E, repisa-se, aquela alegação não comporta factos, para tanto teria o autor de os narrar circunstanciadamente.
É de manter a matéria de facto.

C ) DIREITO

Na apelação é questionado o mérito da sentença ao negar ao autor o direito de invocar justa causa na resolução do contrato, por supostamente decorrer do seu comportamento que a actuação da empregadora não seria perturbadora da relação de trabalho.
O tribunal a quo considerou que a ré violou obrigações contratuais de modo que classificou de grave “pelo tempo em que perdurou a situação de treino à parte da equipa principal – cerca de 4 meses – treino esse que englobava apenas mais 2 colegas” e porque ficou provado “que o autor sabia que o réu não contava consigo para a época desportiva em causa, sendo que a ré não demonstrou que o seu afastamento tivesse ocorrido por motivo de saúde ou técnico”.
Contudo, entendeu-se que a justa causa não poderia ser invocada porque esta “ocorreu quando o autor soube que tinha encontrado, precisamente, um clube de primeira divisão, com quem viria a celebrar contrato” e porque “considerou mais benéfico para si manter a relação laboral, com treinos regulares, até ser possível a inscrição em competição de futebol, noutro clube, o que veio acontecer na altura em que decidiu proceder à invocação de justa causa, para fazer cessar o contrato.” Concluindo-se que esta atitude do autor exclui a possibilidade de rescisão nos termos da cláusula 45, a), da CCT aplicável que refere “1. Embora os factos alegados correspondam objetivamente a algumas das situações configuradas nos artigos anteriores, a parte interessada não poderá invocá-los como justa causa de rescisão: a) Quando houver revelado, por comportamento posterior, não os considerar perturbadores das relações de trabalho”.

Analisando:
Em paridade com o regime geral laboral, o praticante desportivo pode fazer cessar o contrato de imediato com fundamento em justa causa entendendo-se como tal “o incumprimento contratual grave e culposo que torne praticamente impossível a subsistência da relação contratual desportiva” conforme previsto no regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo, doravante RJCTPD - artigo 23º, 1, d), 3 da Lei 54/2017 de 14 de julho[2].
Os clubes ou sociedades desportivas (empregadores) estão sujeitos aos deveres genéricos extensíveis a qualquer empregador constantes da lei geral do trabalho, a que que acrescem deveres específicos próprios das relações de trabalho desportivo, muito deles relacionados a direitos de personalidade e assédio - art. 3º RJCTPD.

Merecem destaque especial os seguintes deveres a cargo do clube ou sociedade que assume a veste de empregador:

(i ) O dever de proporcionar aos praticantes desportivos as condições necessárias à participação desportiva, bem como a participação efetiva nos treinos e outras atividades preparatórias ou instrumentais da competição desportiva - 11, b), do RJCTPD
( ii) O dever de respeito pelos direitos de personalidade do praticante desportivo, sendo proibido o assédio no âmbito da relação laboral desportiva, nos termos previstos na lei geral do trabalho - 12 do RJCTPD.
Ao caso é também aplicável a convenção colectiva de trabalho[3] celebrada entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) e o Sindicato do Jogadores Profissionais de Futebol, doravante CCT LPFP-SJPF. Neste IRCT também se prevê a cessação do contrato por iniciativa do praticante desportivo com base em justa causa por comportamentos imputáveis ao empregador, entre eles a “violação das garantias do jogador” e  fazendo acrescer uma causa a específica relacionada com uma “Conduta intencional da entidade patronal de forma a levar o trabalhador a pôr termo ao contrato” - art. 43º, 1, c) e f, CCT.[4]
No artigo 12º da CCT enunciam-se como deveres do clube/sociedade desportiva: tratar e respeitar o jogador como seu colaborador (al. a); proporcionar-lhe boas condições de trabalho, assegurando os meios técnicos e humanos necessários ao bom desempenho das suas funções (al. c); cumprir todas as demais obrigações decorrentes do contrato de trabalho desportivo e das normas que o regem, bem como das regras de disciplina e ética desportiva (al. f).
No artigo 14º, d), da CCT refere-se diversas garantias do jogador que têm por reverso proibições que impendem sobre à entidade patronal destinadas a efectivar as primeiras. Tais como, no que as caso mais importa, a proibição de “afectar as condições de prestação do trabalho, nomeadamente, impedindo-o de o prestar inserido no normal grupo de trabalho, excepto em situações especiais por razões de natureza médica ou técnica
Finalmente importa referir que, pese embora ocorram factos objectivamente subsumíveis na justa causa, a convenção colectiva de trabalho retira à parte interessada a possibilidade de a  invocar: “a) Quando houver revelado, por comportamento posterior, não os considerar perturbadores das relações de trabalho; b) Quando houver inequivocamente perdoado à outra parte” -  artigo  45.º da CCT.
Ressalva João Leal Amado, Contrato de Trabalho Desportivo, Almedina, 2019, pág.  144 ess, que a noção de justa causa de resolução do contrato de trabalho desportivo é mais exigente do que a do trabalhador comum, na medida em que o termo neles obrigatoriamente aposto (épocas desportivas[5]) é estabilizador, sendo a liberdade de desvinculação fortemente restringida, prevalecendo a  tutela da competição desportiva, sendo o atleta dificilmente substituível a meio da temporada.
Pode-se afirmar que do quadro legal decorre para o praticante desportivo um direito ao trabalho na vertente de participação no desporto, o que quer dizer nos treinos e actividades preparatórias da competição, de o fazer  inserido em igualdade e no  normal grupo de trabalho, excepto em casos muito específicos de natureza médica (problemas de saúde do jogador ) ou técnica (decisão da equipa relacionadas com estratégia de jogo ou disciplinar) - 11, b), do RJCTPD, 14º, d), CCT, e no regime geral 129º, 1, b), CT.
Se é certo que o jogador apenas tem direito a treinar e não direito a competir/participar nos jogos oficiais (por bizarro que isso pareça na medida em que o primeiro só existe em função do segundo, na lógica e na natureza humana), aquele direito ao treino, para ser efectivo, requer a existência de condições e a participação em treino conjunto com os demais jogadores e treinador. A carreira do jogador profissional requer boa forma física e destreza que não se alcançam em isolamento, mas sim através de exercício diário e intenso em contexto de equipa, de colaboração e interacção com o conjunto dos jogadores, mantendo ritmo e sintonia, aprendendo a conhecer os demais elementos, sendo a reunião de todas estas condições que permite a evolução do jogador.
 Nisto se concretiza o direito a ser treinado, um direito de ocupação efectiva mitigado por não garantir, nem se estender,  ao direito a participar nas competições oficiais. Embora esta seja a meta final almejada por todos os jogadores, a verdade é que as regras desportivas referentes ao número de jogadores que podem integrar as equipas, bem como as opções técnicas e estratégicas do treinador, acabem por condicionar a tutela da profissionalidade.
 João Leal Amaro, discorrendo sobre a existência ou não de um verdadeiro direito de ocupação efectiva a cargo do empregador (11, b., do RJCTPD) oscila, referindo que a norma afirma e desmente, em simultâneo, a sua existência - ob. citada, pá. 72. O autor conclui que aquele não pode ser entendido como direito a participar na competição desportiva, mas abrange o ciclo pré-competitivo, o direito na participação nos treinos e outras actividades preparatórias ou instrumentais da competição - ob. citada, pág. 73.
Note-se, contudo, que em certos casos de jogadores importantes no mundo do futebol, ou em certas situações específicas e devidamente delimitadas, a não utilização do jogador em competições pode representar violação de garantias e direitos se motivada em factores extrajurídicos como intenções de punir, prejudicar ou desgastar profissionalmente, e sem que para o efeito se descortinem razões técnicas ou médicas.
No caso concreto ficou provado em síntese aqui reunida que: o autor celebrou contrato com início em 22 de janeiro de 2019 e termo em 30 de junho de 2020; em agosto de 2019 a ré divulgou, na sua página oficial e através dos meios de comunicação social, que o autor iria sair do clube; desde então, deixou de treinar com a equipa principal de futebol; passando a treinar com apenas mais dois outros jogadores, que também deixaram de treinar com a equipa principal; não tendo mais jogado pela equipa de futebol da ré; no início da nova época 2019/2020, não lhe foi entregue o novo uniforme, continuando a usar o equipamento do ano anterior, que era preto da marca ...; o autor estava proibido de entrar no piso 1 do complexo desportivo da R; O A. não podia frequentar os mesmos sítios que os seus colegas; além disso, estava impedido de usar o ginásio do clube, pelo que para treinar teve de se socorrer a outro ginásio pago por si; não frequentava o mesmo posto médico dos seus colegas, tendo na mesma assistência médica.
Pondo de parte a falta de participação nos jogos (competição) que não pode ser reivindicada ao abrigo do direito a ocupação efectiva, do quadro exposto resulta que ao autor foi fortemente cerceado o direito ao treino, pois este não se alcança com apenas 3 jogadores e nos moldes segregadores em que era praticado. Uma equipa é constituída por 11 jogadores, cada um com função diferente (guarda redes, defesas, avançados, etc) fazendo parte do treino a referida interacção global entre jogadores e treinador. O autor foi impedido de integrar o grupo de jogadores (equipa). O isolamento, além de o impedir de participar no treino conjunto, atingia tal ordem que se estendia a outros aspectos, como proibição de uso de ginásio do clube tendo de se socorrer de outro pago por si, e de outros sítios frequentados pelos colegas, incluindo posto médico, uso de uniforme desactualizado, etc. Dos autos não emerge razão objectiva para tal. Objectiva é razão médica ou opção técnica. Repare-se que esta matéria alegada pela ré não ficou provada. Foram, pois, violados os direitos previstos nos artigos 11, b), do RJCTPD, 14º, d), CCT, e no regime geral 129º, 1, b), CT.
A ausência de treino conjunto e separação do autor, proibido inclusive de frequentar certos espaços, o anúncio público feito na página oficial e em outros meios de comunicação social de que o autor iria sair do clube quando faltava cerca de um ano para terminar o contrato, é também conduta lesiva da imagem profissional, vexatória e, portanto, atentatório de direitos de personalidade e das boas condições de trabalho.
Acompanhamos, pois, o autor quando invoca na petição inicial que na resolução do contrato de trabalho, além da violação da garantia do jogador do direito ao treino, concorre a causa específica relacionada com uma “Conduta intencional da entidade patronal de forma a levar o trabalhador a pôr termo ao contrato” - art. 43º, 1, c) e f, CCT. Os dados objectivos apontam nesse sentido.
O tempo pelo qual o autor foi privado do direito ao treino (mais de 4 meses), o grau elevado de violação dos deveres acompanhado do referido circunstancialismo claramente ofensivo sob o ponto de vista profissional, releva na análise da apreciação da justa causa. Ademais, repise-se, a ré não se provou uma única razão técnica ou médica para este comportamento, não emergindo qualquer razão fundamentada para a não participação do jogador em treino e nos jogos preparatórios.
Tratam-se assim de factos claramente subsumíveis na justa causa, este circunstancialismo para qualquer praticante desportivo não seria suportável, caindo na previsão legal de “incumprimento contratual grave e culposo que torne praticamente impossível a subsistência da relação laboral desportiva.”- 23º, 3, RJCTPDP.
A senhora juíza considerou que o facto de o autor não ter posto logo termo ao contrato, aguardando pela possibilidade de ser contratado por outro clube, é revelador de que não considerava estes comportamentos perturbadores das relações de trabalho, o que lhe exclui o direito à resolução (“Quando houver revelado, por comportamento posterior, não os considerar perturbadores das relações de trabalho; 45, a) CC).
Não perfilhamos do entendimento.
O sentido do preceito é o de excluir a resolução por justa causa quando da reacção do jogador resulta claro que desvalorizou, ou que deu pouca, ou mediana importância à violação praticada pelo empregador.
Não nos parece que os factos apurados apontem nesse sentido.
Em primeiro lugar, como se anotou, o incumprimento contratual estende-se à violação de uma pluralidade de deveres, desde o mais lato de proporcionar boas condições de trabalho até ao mais específico relativo à participação efetiva nos treinos e outras atividades preparatórias, acrescendo a gravidade da conduta pelo tempo em que se prolongou.
Depois o jogador, como qualquer outro trabalhador tem de fazer ponderações, incluindo económicas. A decisão de abandonar uma actividade remunerada não se toma de ânimo leve, sobretudo se ela se traduz em ficar desempregado e sem que no imediato se equacione um novo vínculo, a par da probabilidade de a empregadora não lhe pagar voluntariamente as retribuições vincendas porque contesta a justa causa.
 A não desvinculação imediata e a sua coincidência com a proposta de outro contrato de trabalho apenas permite extrair que o jogador enquanto foi preciso tolerou a situação. Nada mais é lícito concluir. Depois, face ao facto provado sob o item 17 teremos de considerar a atividade em causa e a enorme influencia na própria valia no mercado de trabalho em o jogador estar em forma, com repercussão na contraprestação a conseguir no novo contrato. O facto simples de se ter mantido com o objectivo de poder ir treinando e mantendo a forma não apoia a ideia de que não considere os actos da ré perturbadores da relação de trabalho. O objetivo era sair, mas sem que com tal prejudicasse a sua condição física e logo a sua "força " negocial. Neste tipo de atividade justifica-se alguma flexibilidade, não se retirando da simples "manutenção do contrato durante algum tempo” que, do ponto de vista do jogador, a violação contratual não inviabilize a relação laboral atenta a motivação demonstrada nos autos.
Assim sendo, nos termos do previsto no artigo 48º da CTT, tem direito a uma indemnização correspondente ao valor das retribuições que lhe seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo, no caso até 30-06-2020, sem que até então se inicie nova época desportiva - 48º CCT.

III - DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e condenando-se a ré a pagar ao autor a quantia de 66.000,00 (sessenta e seis mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da citação e até pagamento.
Custas a cargo da recorrente.
Notifique.
7-12-2023

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Vera Sottomayor ( voto de vencido)

“Voto de vencido:

No caso confirmaria a sentença proferida pela 1.ª instância considerando de não verificada a justa causa de resolução do contrato da iniciativa do jogador.
Ao contrário do defendido no Acórdão, tendo presente a culpa e a gravidade do comportamento assumido pelo empregador, ainda assim, entendo que o jogador ao ter rescindido o contrato mais de quatro meses depois de ter sido afastado do plantel, e, apenas quando surgiu a oportunidade de ir jogar para outro clube, nos permite concluir que se conformou com a situação criada pelo seu empregador, o que revela que as atitudes assumidas pelo empregador não foram por si consideradas de perturbadoras das relações de trabalho, nem impuseram que o autor pusesse termo à relação contratual de imediato.
Na verdade, caso não tivesse surgido a oportunidade de o Autor arranjar um outro clube teria continuado ao serviço do Réu até ao final da época desportiva, ou seja, até Junho de 2020, altura em que o contrato de trabalho desportivo terminaria.
A factualidade provada a este propósito é muito clara:
- O autor preferiu manter o vínculo ao clube, para poder ir treinando com regularidade, até ser possível arranjar clube que o inscrevesse em competição profissional;
- O que veio a acontecer em Janeiro de 2020, e que levou à sua decisão em rescindir o contrato, pois era do seu conhecimento em Dezembro, que iria assinar contrato com outro clube.
Em minha opinião, a decisão do autor manter o seu vínculo ao clube até encontrar um outro emprego é reveladora de que o comportamento do empregador apesar de ser grave e culposo, não foi por aquele considerado de perturbador e inviabilizador da manutenção da relação laboral.
Está, assim, verificada a causa de exclusão do direito de resolução prescrita no art.º 45.º a) do CC. aplicável a qual prescreve o seguinte “Embora os factos alegados correspondam objetivamente a algumas das situações configuradas nos artigos anteriores, a parte interessada não poderá invocá-los como justa causa de rescisão: a) Quando houver revelado, por comportamento posterior, não os considerar perturbadores das relações de trabalho;”

Vera Sottomayor


[1] Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s salvo as questões de natureza oficiosa.
[2] Regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo, do contrato de formação desportiva e do contrato de representação ou intermediação.
[3] Regula as relações jurídicas laborais emergentes dos contratos de trabalho desportivo celebrado entre os futebolistas profissionais e os clubes ou sociedades desportivas filiados na (LPFP), aplicável ao caso conforme ponto provado n. 3  e menção no contrato individual de trabalho, remontando a primeira publicação ao Bol. Trab. Emp., 1.a série, n.o 33, 8/9/1999 (com PE publicada Bol. Trab. Emp., 1.ª série, n.º 41, 8/11/1999), que sofreu sucessivas alterações, incluindo as publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 30, 15/8/2018 aplicável aos autos.
[4]   43º Violação das garantias do jogador 1.“Constituem justa causa de rescisão por iniciativa do jogador, com direito a indemnização, entre outros, os seguintes comportamentos imputáveis à entidade patronal -:“c): Violação das garantias do jogador nos casos e termos previstos no artigo 12.º;f )Conduta intencional da entidade patronal de forma a levar o trabalhador a pôr termo ao contrato”.
[5] Ao contrário do contrato de trabalho comum, o contrato de trabalho desportivo é generalizadamente de duração determinada em razão do ritmo da “época desportiva” e para própria protecção do praticante desportivo que, de outra forma, ficaria amarrado a compromissos e não poderia melhorar as suas condições contratuais numa actividade de desgaste rápido e carreira de tão curta duração,