Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3752/19.0T8GMR.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: ACÇÃO DE RECONHECIMENTO DE CONTRATO DE TRABALHO
FIXAÇÃO DA DATA DO INÍCIO DO CONTRATO DE TRABALHO
AUTO DE NOTÍCIA LEVANTADO PELA ACT
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/01/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Sumário (elaborado pela Relatora):

1 – Sendo o Ministério Público o titular da acção de reconhecimento de contrato de trabalho, como parte principal, é claro, após as alterações introduzidas pela Lei n.º 55/2017, de 17 de Julho, que não pode ser aceite qualquer transacção judicial que o não tenha como outorgante, e, assim, por identidade de razões, que qualquer acordo extrajudicial entre o prestador e o beneficiário da actividade só é susceptível de inutilizar aquela acção se for reconhecida pelos outorgantes a existência dum contrato de trabalho nos precisos termos peticionados pelo Ministério Público, isto é, desde a data indicada na petição inicial.
2 – A acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é uma acção de cariz publicista, que resulta da actividade da Autoridade para as Condições do Trabalho, justificando-se por tal razão que, nos termos dos arts. 13.º, n.ºs 2 e 3 e 15.º-A, n.º 1 do regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social, seja atribuído valor especial às verificações e comprovações que decorram da mesma e sejam documentadas no auto de notícia, sem prejuízo de, no exercício do contraditório, poder ser abalada a sua fé em juízo, designadamente requerendo-se a junção dos originais dos documentos ou a inquirição em audiência de julgamento das pessoas que tenham sido ouvidas, ou oferecendo-se outras provas, de modo a convencer duma versão que prevaleça sobre a conferida pelo auto de notícia.
3 – Operando a presunção de laboralidade nos termos do art. 12.º do Código do Trabalho de 2009, e competindo à beneficiária da actividade fazer a prova do contrário, ou seja, de que se verificam outros indícios que, pela sua quantidade e impressividade, impõem a conclusão de se estar perante outro tipo de relação jurídica, designadamente um contrato de prestação de serviço, é de entender que a mesma não o logrou fazer se nada provou de substancial.

Alda Martins
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. Relatório

Através de participação remetida no dia 21 de Junho de 2019 ao Ministério Público junto do tribunal recorrido, na sequência de acção inspectiva, a Autoridade para as Condições do Trabalho deu conta da existência de indícios de utilização indevida do contrato de prestação de serviço por parte de Associação Empresarial de X, Y e W, relativamente a P. A..
Na sequência do recebimento da aludida participação, o Ministério Público instaurou a presente acção declarativa sob a forma de processo especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, nos termos do disposto nos arts. 5.º-A, al. c) e 186.º-K, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, pedindo a declaração de existência de contrato de trabalho, relativamente à pessoa acima referida, desde 8 de Setembro de 2014.
A R. apresentou contestação, invocando a impossibilidade originária da lide, a falta de interesse em agir/ilegitimidade/incompetência do A., o uso inadequado da forma de processo e a nulidade do processo, decorrentes, em síntese, de, à data do início do processo, ter já sido celebrado contrato de trabalho entre a R. e a pessoa acima identificada, em consequência do que pede a absolvição da instância. Assim não se entendendo, pede a absolvição do pedido, por dever ser dada como não provada a factualidade alegada, em virtude de terem sido celebrados contratos de prestação de serviços entre as partes.
O A. respondeu à matéria das excepções, pedindo que as mesmas sejam julgadas improcedentes.
Proferiu-se despacho saneador em que, além do mais, se julgaram improcedentes todas as excepções/questões prévias suscitadas pela R..

A R. interpôs recurso dessa decisão, formulando conclusões, designadamente:
«(…)
III. DA VALIDADE DA ACÇÃO E DA SUA IMPOSSIBILIDADE ORIGINÁRIA
(…)
25. A Recorrente e P. A., celebraram um contrato de trabalho em 18 de Abril de 2019, com efeitos retroactivos a 1 de Janeiro de 2019, acordando de comum, livre e consciente acordo, uma modificação na relação jurídica que então mantinham, com repercussões naturais nas suas recíprocas obrigações.
26. Não obstante a existência deste vínculo laboral, veio, então, o Ministério Público suscitar mediante proposição de Ação Especial para o Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho a necessidade de, literalmente, reconhecer a existência de contrato que já existia e produzia efeitos, inclusivamente retroactivos, tendo sido sanado qualquer vício ou irregularidade.

Perante o que antecede,
27. não se verifica, como é claro e líquido, a inexistência de contrato de trabalho e, por conseguinte, não se preenche o requisito, objecto e desiderato da presente acção: a declaração da existência do contrato de trabalho.
(…)
36. Deve o Julgador atentar na natureza principal da necessidade da inexistência de contrato para sustentar a proposição da acção e, consequentemente, aferir do caracter acessório e cumulativo da discussão da antiguidade do contrato.
37. Entende a Recorrente que uma questão acessória como a “antiguidade” não permite o recurso ao presente processo especial, pena de nulidade insanável, o que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais.

CUMPRE-NOS, PORTANTO, SALIENTAR QUE,
38. falta à acção um pressuposto essencial para que esta possa prosseguir, que que se traduz na (in)existência de um contrato de trabalho na relação jurídico-laboral em causa, sendo nestes termos a acção inútil, aliás, inexistindo esse pressuposto, inexiste, também, a causa de pedir, sendo, em consequência, culminando na impossibilidade da presente acção.
39. Assim sendo, face ao retro exposto, por procedência da exceptio, deveria o douto Tribunal, em sede de despacho saneador, ter absolvido a Recorrente.
(…)

III – MEIO PROCESSUAL INADEQUADO
(…)
43. ao contrário do vertido no Despacho recorrido que afirma que a pretensão do Ministério Público “apenas pode ser satisfeita com a propositura da presente acção”, existem outros meios, apropriados, legais e OBRIGATÓRIOS para que se possa promover a apreciação e determinação da antiguidade do trabalhador, aferindo-se em consequência e em caso de crise na relação laboral, a duração do vínculo – vide processo comum laboral.

POR CONSEGUINTE,
44. é desacertado o entendimento de que este seja o único meio processual capaz de determinar a antiguidade do trabalhador, isto porque sempre o trabalhador poderia e poderá recorrer ao Processo Comum que consta do Código de Processo do Trabalho.
45. Neste seguimento, o trabalhador é quem detém legitimidade para intentar a acção que vise a determinação da sua antiguidade, cujo efeito mais imediato se verá nos créditos laborais que lhe são devidos.
(…)
48. discutindo-se, como in casu, a mera determinação do início do contrato de trabalho, a ação não só não é adequada para esse fim, como o Ministério Público não tem i) competência ii) nem legitimidade para a intentar.
(…)

IV – DO INTERESSE PÚBLICO INSUFICIENTE AO “ATROPELO” DO INTERESSE PARTICULAR DO TRABALHADOR E À IGUALDADE ENTRE TRABALHADORES
(…)
54. o Ministério Público ao tramitar a presente acção ilegitimamente usa de um meio processual inadequado para se substituir ao trabalhador que é o único sujeito com legitimidade para suscitar a apreciação da antiguidade e créditos laborais devidos em função dessa.
55. Mais estranho é que, tendo o trabalhador por acordo e nos termos legais, determinado a data de início da produção de efeitos do contrato de trabalho celebrado, usando e dispondo dos seus direitos disponíveis e privados estabelecendo a relação de trabalho os seus termos e início em conjunto com o empregador, o Ministério Público se arrogue titular da função de vir suscitar a determinação pelo tribunal da antiguidade de um contrato EXISTENTE.
(…)
73. se se subscrever o entendimento do Tribunal a quo, existirá uma clara desigualdade entre o pretenso trabalhador e o trabalhador dito comum que terá que recorrer a uma acção de processo comum para aferir da sua antiguidade.
74. Para melhor intelecção do exposto, a aceitar-se o recurso à acção especial apenas e tão só para discutir antiguidade, entende-se que existe uma diferenciação injustificada e (porque não dizer) desproporcional entre os regimes destes dois tipos de acção, cuja finalidade é exactamente a mesma, acrescendo o facto de se conferir uma protecção e tutela jurídica/processual maior e mais favorável a uma situação em que não existe conflito entre as partes (impulsionada pela ACT e judicialmente intentada pelo Ministério Público), em confrontação com a protecção conferida na situação em que tal conflito existe e é real e que, por isso, seria mais urgente solucionar (casos em que o Trabalhador requer que seja reconhecida a antiguidade do contrato de trabalho através do processo comum).
75. A entender-se o contrário, está-se a violar o direito à igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa e, como tal, fará incorrer o artigo 186.º- O do Código de Processo do Trabalho, à luz de tal interpretação, em inconstitucionalidade, a qual se deixa para todos os legais efeitos arguida.
(…)

V – DA DISPONIBILIDADE DE DIREITOS DO TRABALHADOR
80. Na verdade, o reconhecimento da existência do contrato de trabalho já operado extrajudicialmente deve ser, à luz da lei, considerado juridicamente relevante por terem sido alcançados, de forma cristalina, os fins previstos na lei, bem como respeitados os interesses de índole coletiva que estão em causa no Diploma.
(…)
83. estando assente a existência do contrato de trabalho, carece o Ministério Público de i) interesse em agir, ii) de legitimidade e iii) de suporte legal que permita a instauração e a continuação da presente lide.
84. a determinação do início da relação laboral não poderá deixar de estar na disponibilidade das partes, nomeadamente do trabalhador e do empregador, podendo estes livremente acordar o seu início e que ao trabalhador não pode ser negado o domínio da sua relação de trabalho, bem como a definição dos seus termos.
85. Numa palavra, obrigar o Trabalhador a discutir, em sede de processo especial a presente lide, ignorando o acordado entre as partes, estaremos perante uma clara violação do princípio da autonomia privada e liberdade das partes, bem como os direitos de personalidade do trabalhador nos termos do 26.º da Constituição da República Portuguesa, o que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais.
SE ASSIM NÃO SE ENTENDER, O QUE NÃO SE CONCEDE, ATENTE-SE AINDA NO SEGUINTE:
VII - DA ADVERTÊNCIA DA ACT
86. A ACT no âmbito da sua actividade e objectivos, realizou uma advertência no dia 23 de Janeiro de 2019 à Recorrente para que esta regularizasse a situação até ao dia 25 de Fevereiro de 2019 pugnando “no sentido de se reconhecer a existência de contrato de trabalho por tempo indeterminado, celebrado com os supra identificados trabalhadores, comprovando que foi prestada toda a informação escrita à trabalhadora sobre as condições do contrato…”,
ASSIM,
87. para que a situação laboral da trabalhadora e, consequentemente, a situação da Recorrente com a ACT ficasse sanada era necessário que esta reconhecesse a existência do contrato de trabalho (apenas e só).
ADEMAIS,
88. resulta do Regime Jurídico da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro bem como das disposições do Código do Trabalho, que na medida do cumprimento do disposto na advertência ficará sanado o vício, não resultando daí qualquer prosseguimento ou sanção adicional. Em boa verdade, a Recorrente cumpriu com disposto em tal advertência, consequentemente, a ACT não visando o reconhecimento ou uma resolução extrajudicial de uma situação que, em bom rigor, já se encontra resolvida há muito - age com base numa realidade sanada que não é suscetível de fundamentar a propositura de tal acção judicial.
Como corolário do exposto,
89. deveriam as excepções invocadas pela Recorrente em sede de Contestação ter sido julgadas procedentes, pelo que deve ser revogado o Despacho de 09 de Outubro de 2019.
Princípios e disposições legais violadas ou incorrectamente aplicadas:
Foram violados, entre outros, os artigos 186.º - O do Código de Processo do Trabalho, bem ainda o disposto nos artigos 1.º, 2.º, 12.º, 13.º, 202.º da Constituição da República Portuguesa.»
O A. respondeu a tal recurso, pugnando pela sua improcedência.
Foi proferido despacho que admitiu o recurso, para subir com o que viesse a ser interposto da decisão final e com efeito meramente devolutivo.
A prestadora da actividade P. A. foi notificada dos articulados e nada disse.
Procedeu-se a audiência de julgamento, finda a qual foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julga-se a acção procedente por provada e, em consequência, reconhece-se que a relação contratual que existe desde 8 de Setembro de 2014 entre a R. e a trabalhadora P. A. consiste num contrato de trabalho enquadrável no conceito definido no artº 12º do C. do Trabalho.
Custas pela R.
Fixo à acção o valor € 2 000,00.»

A R. veio interpor recurso da sentença, formulando conclusões, designadamente:
*«(…)
DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
(…)
XI. São vários os concretos pontos dos factos provados que a Recorrente considera incorrectamente julgados, sendo que no seu entender impunha-se que os mesmos constassem antes do elenco de factos não provados, designadamente os factos provados 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 23:
(…)
XIII. As testemunhas da Recorrente são as únicas testemunhas que, além da própria prestadora, têm conhecimento directo da organização da Recorrente, da relação mantida entre Recorrente e a trabalhadora/prestadora em causa, e que podem atestar com razão, conhecimento e ciência o comportamento da trabalhadora/prestadora e a forma como a mesma se integrava, ou não, no seio da Recorrente.
XIV. Não obstante os longos minutos dos depoimentos apresentados pelas testemunhas arroladas pela Recorrente, estas nunca se contradisseram e sempre demonstraram ter um conhecimento directo dos factos.
XV. Ao invés, os depoimentos apresentados pelas testemunhas arroladas pelo Recorrido, apresentando depoimentos totalmente inócuos para a presente lide e privados de qualquer conhecimento directo da factualidade aqui em discussão. Não viram, não identificaram, não reconheceram de forma directa e sem intermediários os factos aqui em discussão, limitando-se a fazer um depoimento na terceira pessoa, enquanto iam lendo e relendo documentos.
XVI. A ter sido considerado o depoimento das testemunhas da Recorrente – como efectivamente deveria ter sido feito, atento o seu conhecimento directo de toda a factualidade em discussão - cairia totalmente a versão do aqui Recorrido.
(…)
LXXXIX.. O Tribunal a quo só poderia formar a sua convicção baseada nas provas produzidas em julgamento (testemunhal/documental) alicerçadas nas regras da experiência comum, e nunca tomar como absoluto um auto da ACT devidamente impugnado e reiterada e fundamentadamente rebatido pela Recorrente quanto ao seu teor e conteúdo.
XC. Efectivamente, «a falsidade consiste, no documento autêntico, em nele se mostrar atestado um facto que na realidade não se verificou (…) o que constitui meio de ilidir a respectiva força probatória plena».
XCI. Portanto, o conteúdo de tal auto, no que toca à sua veracidade, pode ser colocado em causa através de prova testemunhal, o que aconteceu nos presentes autos: as testemunhas afastaram o teor desta prova documental, demonstrando razão de ciência e conhecimento directo dos factos que abalavam o conteúdo nele vertido.
XCII. Ainda assim, sempre se refira que a factualidade descrita pela ACT no seu auto teria de ser judicialmente demonstrada, o que não aconteceu.
XCIII. Tenha-se ainda presente que, muito embora o Tribunal a quo aparente ter-se descurado deste assunto, toda a prova documental junta pelo Autor foi oportuna e tempestivamente impugnada pela Recorrente, em sede de Contestação.
(…)
XCVI. Competia, pois, ao Ministério Público, que apresentou a referida prova documental, provar a genuinidade e veracidade da mesma, algo que, como se depreende dos autos, não logrou fazer.
XCVII. Pelo que a prova documental apresentada pelo Ministério Público, Autor nos autos referenciados, não tem qualquer valor probatório, não podendo de modo algum auxiliar o julgador na sua convicção sobre os factos controvertidos.
XCVIII. Por outro lado, do elenco de factos não provados, e atenta a sua relevância para a justa apreciação do mérito da causa, deveriam forçosamente – atenta a prova testemunhal e documental produzida nos autos – ter sido considerados como provados os factos 2, 3 e 6.:
(…)
DA DISTINÇÃO ENTRE CONTRATO DE TRABALHO E CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
(…)
CXXIII. e ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, o contrato sub judice consubstancia um contrato de prestação de serviços.
CXXIV. De facto, no que ao objecto contratual respeita, sobre o devedor recaía a obrigação de apresentar um resultado ao credor: ser leccionado um Módulo de Formação constituído por um concreto e determinado número de horas.
CXXV. E, no que tange ao relacionamento inter partes, o devedor agia com completa autonomia no modo como prestava a sua actividade a favor do credor.
DA AUTONOMIA PRIVADA E DA LIBERDADE CONTRATUAL
(…)
CXXXIII. Ora, estando perante um produto da autonomia privada, resultante do encontro de duas vontades, cuja disciplina legal se insere no Direito Privado, com as suas componentes da autonomia da vontade e da autonomia contratual, como expressão do princípio da liberdade, não pode o poder judicial intervir e intrometer-se no campo da liberdade contratual e da autonomia privada, de modo a sujeitar dois titulares de um contrato de prestação de serviços à qualificação jurídica dessa relação como contrato de trabalho, sem os próprios revelarem essa vontade, sob pena de tal constituir ingerência excessiva e, consequentemente inconstitucional, de um princípio constitucionalmente garantido, o da autonomia privada.
CXXXIV. De facto, qualquer tentativa de coarctar a liberdade de contratar da Recorrente e da prestadora P. A. que, a ocorrer como pretende impor o Tribunal a quo, redunda igualmente numa violação gritante do consagrado no artigo artigos 13.º, 26.º n.º 1, 27.º n.º 1, 47.º, 58.º n.º 2, alínea b), 61.º, n.º 1 e 62.º, n.º 1 da C.R.P., padecendo de incurável inconstitucionalidade, a qual se deixa arguida para todos os efeitos tidos por convenientes.
CXXXV. Com efeito, tal inconstitucionalidade é resultante da violação do princípio da autonomia privada por coarctação da sua vontade da sua liberdade de contratar, do princípio da igualdade, violação do seu direito de escolha livre do género de trabalho e violação da livre iniciativa económica privada, direitos fundamentais que tem agora a incumbência o Tribunal ad quem de proteger e salvaguardar.

DA PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
(…)
CXL. É com base nesta presunção de laboralidade que o Tribunal a quo entende que entre a Recorrente e P. A. vigorou um contrato de trabalho entre 12 de Setembro de 2016 e 31 de Dezembro de 2018.
CXLI. Ao fazê-lo, o Tribunal a quo incorreu num erro de julgamento da matéria de direito, porquanto, estando perante uma presunção iuris tantum, e atenta toda a produção de prova e matéria carreada para os autos, a Recorrente logrou ilidi-la, demonstrando que, a despeito de se verificarem aquelas circunstâncias, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho, conforme advém do n.º 2 do artigo 350.º do CC.
CXLII. Analisando a prova produzida nos autos, a subordinação jurídica da formadora à Ré demonstra ser inexistente para constituir qualquer relação laboral, só podendo ser reconhecida a existência de uma efectiva prestação de serviços, conclusão a que chegamos também com a ponderação e avaliação global dos indícios no caso concreto.
(…)
CLXI. ainda que, a prima facie, se possa considerar terem sido preenchidos os mínimos legais de alegação e posterior demonstração cumulativa de dois ou mais dos elementos, índices ou características elencados no art. 12.º do Código do Trabalho, o vínculo consensualmente celebrado pelas partes não pode ser qualificado como contrato de trabalho.
CLXII. A verdade é que, atenta toda a produção de prova e matéria carreada para os autos, a presunção de laboralidade deve ser considerada totalmente ilidida pela Ré e, ponderados os indícios no seu conjunto e avaliados no caso concreto, torna-se evidente a existência de um contrato de prestação de serviços.
DA INEXISTÊNCIA DE UMA RELAÇÃO JURÍDICA DE TRABALHO SUBORDINADO
CLXIII. A factualidade apurada evidencia uma clara demonstração da inexistência de subordinação jurídica, o que determina a ilisão da presunção legal de existência de contrato de trabalho. Pelo contrário, os factos provados mais se afeiçoam ao contrato de prestação de serviços, tal como a lei o define no art. 1154.º do CC: «Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição».
CLXIV. Efectivamente, a existência de ordens e instruções específicas e a obrigatoriedade do seu cumprimento, só por si, não importa a conclusão de que existe subordinação jurídica, na medida em que aquelas são compatíveis e próprias do contrato de prestação de serviços, como resulta do disposto no art. 1161.º, al. a), conjugado com o art. 1156.º, ambos do CC.
CLXV. Com efeito, estando em causa uma actividade de ensino pela qual a Ré é responsável por organizar e garantir aos seus formandos, é da natureza das coisas que a actividade da formadora tivesse de obedecer a regras e procedimentos «uniformizados», quer fosse prestada mediante contratos de trabalho, quer o fosse ao abrigo de contratos de prestação de serviços.
CLXVI. Perpassa pela matéria de facto provada que a formadora tinha um elevado grau de autonomia na organização e planificação da sua actividade, posto que respeitando os parâmetros gerais estabelecidos pelos órgãos competentes, organizavam as aulas como melhor entendiam.
CLXVII. E ademais, como nota o Prof. JÚLIO GOMES, «E se um professor for contratado por uma escola privada, terá necessariamente, quer seja trabalhador autónomo, quer seja trabalhador subordinado, um horário, pelo menos das aulas que deve leccionar (já podem relevar com o indício de trabalho subordinado, porventura, outras obrigações, que também implicam horários: participação obrigatória em conselhos e júris, vigilâncias, mormente noutras cadeiras, horários de acompanhamento de turmas). Com efeito, um professor, mesmo que seja um trabalhador autónomo, não pode pretender, obviamente, dar aulas quando quiser, ficando sujeito à marcação de um horário (e de uma sala de aulas).» (in Direito do Trabalho, Vol. I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, pp. 1307131).
CLXVIII. E, sendo certo que o nomen iuris que as partes dão ao contrato não pode ser o elemento determinante para a aferição da sua natureza, não deixa de ser um elemento que deve ser tido em conta, no sentido de que as partes se nortearam de acordo com o título que escolheram para o contrato.
CLXIX. Acresce que, face à factualidade apurada não resulta indiciada – bem pelo contrário – a exclusividade de prestação de trabalho à Ré ou a subordinação económica da formadora relativamente à mesma, o que tudo torna menos verosímil a existência de relações de subordinação da formadora à Ré.
CLXX. Assim, os factos apurados não são reveladores de que se verificasse uma situação de subordinação jurídica da formadora relativamente à Ré; pelo contrário, os factos provados apontam para, se não um efectivo querer, pelo menos uma aceitação, de ambas partes, da natureza do contrato como de prestação de serviços, sendo que, na execução do assim acordado, a formadora, ao longo do tempo e nos termos supra assinalados, prestou o seu labor e comportou-se como se efectivamente estivesse vinculada por um contrato de prestação de serviços, amoldando-se a factualidade apurada ao cumprimento de obrigações decorrentes de um contrato de prestação de serviços.
(…)
SEM PRESCINDIR, E AINDA QUE SE CONSIDERE A EXISTÊNCIA DE UMA RELAÇÃO DE TRABALHO SUBORDINADA ENTRE A RÉ E A FORMADORA, O QUE NÃO SE CONCEDE E APENAS POR MERO DEVER DE PATROCÍNIO SE EQUACIONA,
CLXXIII. sempre se diga que entre a Ré e a formadora não vigorou uma relação laboral contínua, já que, na verdade, o contrato celebrado entre as partes era apenas referente a um concreto ano lectivo.
CLXXIV. A Ré não sabia se, no ano subsequente, aquele concreto curso de formação seria aberto e, consequentemente, se iria precisar dos serviços da Formadora. Nesta medida, a Formadora sempre teve consciência que o contrato que celebrava conhecia o seu termo com o encerrar daquele ano lectivo.
CLXXV. Significa isto que, entre Ré e Formadora, ocorreram tantos contratos de trabalho quantos anos lectivos. Com efeito, o contrato de trabalho cessava no termo do ano lectivo e, de meados Julho a meados de Setembro, não existia qualquer relação jurídica entre as partes.
CLXXVI. No final do ano lectivo, o contrato de trabalho cessava; e no início do ano lectivo subsequente, poderia ser celebrado um novo contrato de trabalho.
CLXXVII. Perante esta factualidade, sempre se diga que, a considerar-se a relação existente entre a Ré e a Formadora como de trabalho subordinado – o que, repete-se, não se concede e apenas por dever de patrocínio se equaciona –estamos na presença de vários contratos de trabalho, tantos quantos os anos lectivos em que a Formadora prestou serviços a favor da Ré, sendo liminar que cada um dos contratos se extinguiu em Julho do ano subsequente, deixando de produzir quaisquer efeitos jurídicos, razão pela qual, para efeitos de antiguidade, apenas poderá ser considerada a existência da última relação jurídica constituída, a saber a constituída em Setembro de 2018.
CLXXVIII. Mesmo que assim não se entenda, então é manifesto que seria imperativo que fosse demonstrado para cada um dos referidos contratos (vigentes durante cada ano lectivo) a existência de indícios e da factualidade tendente à qualificação da relação jurídica como contrato de trabalho em cada um deles, e não tendo em consideração a relação jurídica “como um todo”, como se fosse una apenas, o que não ocorreu nos presentes autos, razão pela qual – no limite – apenas se poderá reconhecer a existência de um contrato de trabalho a partir de Setembro de 2018.

FACE AO SUPRA EXPOSTO,
CLXXIX. é notório que o Tribunal a quo não fez a melhor interpretação do Direito aplicável, violando, entre outros, os artigos 219.º, 236.º, 405.º, 1152.º e 1154.º do Código Civil, os artigos 10.º e 12.º do Código do Trabalho, e ainda os artigos 13.º, 26.º/1, 27.º/1, 47.º, 58.º/2, 61.º/1, 62.º/1 e 85.º/1 da Constituição da República Portuguesa.»
O A. apresentou resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
O recurso foi admitido como apelação, com efeito meramente devolutivo.
Vistos os autos pelas Exmas. Adjuntas, cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões que são de conhecimento oficioso, as questões que se colocam a este tribunal são as seguintes:

1. recurso do despacho saneador que julgou improcedentes as excepções dilatórias de impossibilidade originária da lide, meio processual inadequado, falta de interesse em agir/ilegitimidade/incompetência do A. e a nulidade do processo;
2. recurso da sentença:
2.1. impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
2.2. qualificação do acordo celebrado pelas partes como contrato de trabalho, com início em 8 de Setembro de 2014.

3. Fundamentação de facto

Estão provados os seguintes factos:
1 - A R. (Associação Empresarial de X, Y e W), MPC ………, NISS ………, com sede na Rua … X, exerce como actividade principal «organizações económicas e patronais», à qual corresponde o CAE — ….
2 - No desenvolvimento dessa sua actividade, é proprietária da Escola Profissional de X, titular da autorização prévia de funcionamento n.º 140, emitida em 9 de Maio de 2000, pelo Ministério da Educação/Direcção Regional da Educação Norte.
3 - Os locais de trabalho onde se desenvolve esta actividade são geridos pela R. e situam-se na Praça …, X, na Rua …, X, e no Pavilhão Gimnodesportivo, na Travessa …, X.
4 - A R. tem como Presidente da Direcção J. H., NIF ………, residente na Travessa de … X.
5 - A trabalhadora P. A. foi admitida ao serviço da R. como docente profissionalizada de História do grupo 400, leccionando as disciplinas de Cidadania e Mundo Actual, História e Cultura das Artes e Actividades Económicas e como formadora as disciplinas de atendimento e venda, distribuição e vender, para o ano lectivo de 2014/2015, e Directora de Curso de operador de informática, por contrato celebrado entre a R. e a trabalhadora em 8 de Setembro de 2014, e denominado (tais como os seguintes) como «contrato de prestação de serviços formador externo».
6 - A R. e a trabalhadora assinaram para cada um dos anos lectivos subsequentes três novos contratos denominados como «prestação de serviços formador externo», dois em que a trabalhadora se compromete a prestar os serviços de formador externo na disciplina de Organização Administrativa e Documental, Bolsa de UFCD, Atendimento e Venda, Cidadania e Mundo Actual, História da Cultura das Artes e outro em que se compromete a prestar os serviços de Directora de Curso de Operador de Informática.
7 - Todos os contratos estipulam como fim de vigência a data de 31 de Julho dos respectivos anos lectivos.
8 - O mês de Agosto de cada ano corresponde a um dos períodos de interrupção das actividades escolares e lectivas.
9 - Está previsto no art. 128.º, n.º 1, inserido na Secção VI (Calendário Escolar), do Capítulo III (Direitos e Deveres da Comunidade Escolar) do Regulamento Interno da Escola Profissional de X 2017-2020, aprovado pela R., que “o ano escolar é o período compreendido entre o dia 1 de setembro de cada ano e o dia 31 de agosto seguinte” e nos n.ºs 2, 3 e 5 do mesmo artigo que o calendário escolar anual é definido por despacho do Ministério da Educação, que se organiza em 3 períodos lectivos, ocorrendo a avaliação sumativa no final de cada um deles, e que o mês de Agosto é reservado para as férias de verão.
10 - No art. 129.º do mesmo Regulamento, que tem como epígrafe “Períodos de interrupção lectiva”, consta que o ano escolar é organizado de modo que sejam cumpridas, no mínimo, 3 interrupções das actividades escolares, coincidentes com o Natal, Carnaval e a Páscoa, e uma quarta, por um período nunca inferior a 22 dias úteis seguidos, a ocorrer, em cada ano escolar, entre 1 de Agosto e 1 de Setembro.
11 - A trabalhadora desenvolveu e desenvolve, ao longo destes anos lectivos a sua actividade de docente/formador, na área tecnológica e na área científica nas instalações da R. e por si geridas, referidas no n.º 3 supra, nomeadamente, nas instalações sitas na Praça … e na Rua ….
12 - Para o desempenho das suas funções a trabalhadora sempre utilizou instrumentos e equipamentos pertencentes à R., nomeadamente, mobiliário nos locais de trabalho, mesa, cadeira e quadro interativo e branco, computador, videoprojector, fotocópias, colunas, canetas, softwares onde escreve os sumários e registo de ocorrências e plataforma (moodle) para interagir com os alunos, nomeadamente entrega de trabalhos e testes e fornecimento de material.
13 - A trabalhadora dava as aulas que estavam previamente estabelecidas pela R., comparecia às reuniões de trabalho e de organização para que era convocado pela R. e participava como orientadora.
14 - A trabalhadora registava as aulas dadas e os respectivos sumários e através de uma plataforma informática existente na R., na qual entra através de “login” no programa/plataforma “e-schooling”.
15 - Para cada um dos anos lectivos, era a R. quem, no início dos respectivos anos, definia o horário de trabalho da trabalhadora e dos restantes colegas docentes, de acordo com as disciplinas que ministravam, e que afixava nas instalações e entregava ao trabalhador.
16 - A trabalhadora aprecia os desempenhos escolares dos alunos e nota-os.
17 - Como directora de turma, a trabalhadora regista as faltas, elabora a reposição de aulas aos alunos, mapas das faltas, atende semanalmente os encarregados de educação dos alunos, reúne com os encarregados de educação, pelo menos, 2 vezes por período escolar, procede ao registo dos sumários pedagógicos, elabora um dossiê de direcção de turma, segundo índice determinado pela Directora pedagógica e elabora todo o processo de matrícula inerente ao processo individual de cada aluno em formato de papel e digital, ocupa-se da preparação e elaboração de toda a documentação inerente às reuniões de avaliação formativa e sumativa e transmite aos encarregados de educação as informações relativas aos seus educandos.
18 - A trabalhadora está sujeita a avaliação de desempenho, cujo resultado provém da avaliação dos alunos, direcção pedagógica e direcção executiva.
19 - A trabalhadora está obrigada a comunicar em impresso próprio dirigido ao Director Executivo e justificar previamente todas as faltas referentes às aulas e reuniões.
20 - Consta do art. 209.º do Regulamento Interno, que tem como epigrafe “Não cumprimento de deveres por parte do docente/formador”:
“No caso dos docentes/formadores não cumprirem os deveres que têm para com a escola enunciados em todo o presente regulamento, ser-lhes-ão aplicadas as seguintes sanções de acordo com a gravidade da infracção:
a) Rescisão do contrato de prestação de serviços, nos termos enunciados no mesmo;
b) impossibilidade de o docente/ formador celebrar novo contrato de prestação de serviços com a escola nos anos letivos seguintes;
c) Pagamento de uma indemnização à Escola, que se traduzirá numa perda de honorários correspondentes às infrações cometidas.”
21 - E, no art. 210.º do mesmo Regulamento, que tem como epigrafe “Pressuposto de aplicação das sanções do docente”, está previsto que:
“1 - As medidas previstas no artigo anterior, à exceção da rescisão do contrato referida na alínea a) para que sejam aplicadas, devem ser registadas no Processo Individual do Docente/Formador pela Direção da Escola e comunicadas por esta à DGE, entidade competente para as aplicar.
2 - Antes do registo a DGE deverá ouvir o docente e sua justificação para a infração praticada, e decidir em conformidade de forma proporcional à gravidade daquela e à culpa do docente.”
22 - Como contrapartida do trabalho que prestava para a R. e os seus corpos directivos, a trabalhadora recebia o valor de € 12,50/hora, acrescido de IVA.
23 - O pagamento dessa quantia era, em regra, mensal e por transferência bancária para conta da trabalhadora que esta fornecia à R..
24 - Essa quantia era calculada com base no número de horas desempenhadas.
25 - A trabalhadora, no ano lectivo de 2014/2015, foi contratada pela R. para leccionar 480horas/ano.
26 - No ano lectivo de 2015/2016, foi contratada para leccionar 720horas/ano.
27 - No ano lectivo de 2016/2017, foi contratada para leccionar 478horas/ano.
28 - No ano lectivo de 2017/2018, foi contratada para leccionar 717horas/ano.
29 - No ano lectivo de 2018/2019, foi contratada para leccionar 584horas/ano.
30 - Após a instauração do presente processo pela Autoridade para as Condições no Trabalho, a R. celebrou com a trabalhadora P. A. um contrato de trabalho, em 18 de Abril de 2019, e comunicou a 24 de Maio de 2019 à Segurança Social a sua admissão como trabalhadora por conta de outrem, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2019.
31 - Os formadores têm autonomia na elaboração dos sumários.
32 - Os formadores podem trocar as aulas.
33 - Foram emitidos pelo trabalhador, relativamente à R., pelo menos, as facturas-recibos juntas a fls. 181 a 191, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
34 - No ano 2015/2016, o Sistema de Antecipação de Necessidades de Qualificações (Nut III - Ave) elaborou um relatório sobre a tendência de evolução da necessidade de Recursos Humanos, nos termos referidos no documento junto a fls. 172 v.º a 176.
35 - O Conselho Intermunicipal de Educação da CIM do Ave, reunido em 23/2/2016, aprovou a proposta intermunicipal de cursos profissionais, incluindo da Escola da R., nos termos e para os efeitos constantes de fls.162 a 172, aqui dadas por reproduzidas.
36 - No ano de 2017/2018, a Comunidade Intermunicipal do Ave deu parecer positivo para alteração da proposta inicial de oferta formativa de Cursos Profissionais, apresentada pela R., no sentido de alterar o Curso de Técnico de Apoio Familiar e Apoio À Comunidade para o Curso de Técnico de Coordenação e Produção de Moda, nos termos documentados na comunicação de fls. 177 v.º a 179, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
37 - No ano 2019, a propósito das autorizações de funcionamento dos cursos na Escola da R., houve as comunicações de fls. 176 v.º e 177, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
38 - A homologação dos cursos pelos órgãos de tutela depende da adequação das instalações e equipamentos disponibilizados pela R. para a ministração dos mesmos.
39 - A oferta formativa da R. depende de prévio financiamento.

4. Apreciação do recurso

4.1. Cabe apreciar, em 1.º lugar, o recurso interposto do despacho saneador, que julgou improcedentes as excepções dilatórias de impossibilidade originária da lide, meio processual inadequado, falta de interesse em agir/ilegitimidade/incompetência do A. e a nulidade do processo.
A Recorrente fundamenta estas excepções e nulidade, essencialmente, no facto de ter celebrado contrato de trabalho sem termo com a formadora P. A. em 18 de Abril de 2019, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2019, ou seja, antes da propositura da acção.
E fá-lo em termos semelhantes aos que formulou nos Processos n.ºs 3617/19.8T8GMR.G1, 3642/19.7T8GMR.G1, 3644/19.3T8GMR.G1 e 3814/19.4T8GMR.G1, entre outros, merecendo solução idêntica, com as devidas adaptações, à que foi dada nos Acórdãos desta Secção Social da Relação de Guimarães ali proferidos (1).
Segundo a Apelante, a impossibilidade originária da lide derivaria precisamente da circunstância de, tendo sido celebrado contrato de trabalho entre a formadora em causa e a R., a acção não ter objecto, de onde decorreria a nulidade do processo, por prática dum acto pelo Ministério Público fora dos pressupostos legais da propositura da acção.
O uso de meio processual inadequado derivaria do facto de estar exclusivamente em causa a antiguidade do contrato de trabalho, o que deveria ser aferido através de acção comum.
A falta de interesse em agir ou de interesse público suficiente derivaria de o Ministério Público não ter razão válida para se substituir ao prestador da actividade, porquanto está unicamente em causa o reconhecimento de antiguidade laboral, e, a defender-se o contrário, haveria violação do princípio da igualdade relativamente ao trabalhador subordinado em que esta qualidade não seja controvertida. Além disso, segundo logramos perceber, da falta ou insuficiência de interesse em agir decorreria a ilegitimidade/incompetência do Ministério Público para propor uma acção que implicaria desvio relativamente às atribuições que legalmente lhe cabem.
Vejamos.
Na decisão das excepções dilatórias e nulidade processual em apreço deve ter-se em conta que a acção para reconhecimento da existência de contrato de trabalho foi introduzida com a finalidade de combater a utilização indevida do contrato de prestação de serviço em relações de trabalho subordinado. No essencial, pretendeu-se combater a precariedade laboral, dissimulada pela utilização da figura do contrato de prestação de serviço em situações que correspondem a verdadeiros contratos de trabalho, situação vulgarmente designada como de «falsos recibos verdes».
Esta finalidade vai além do mero interesse particular dos trabalhadores na celebração de um contrato de trabalho. Está em causa igualmente uma vertente pública que consiste na concretização efectiva do princípio do acesso ao trabalho, no direito a um trabalho digno ou decent work e na regulação do mercado de trabalho. Numa perspectiva mais vasta, está em causa também a regulação da economia e o combate à concorrência desleal, impedindo o exercício de actividades económicas com recurso a formas de utilização de mão-de-obra que visam exclusivamente escapar ao vinculismo próprio do contrato individual de trabalho e à regulamentação legal das relações laborais, designadamente no que respeita às obrigações fiscais e relativas à segurança social.
A conclusão de que não está em causa apenas o mero interesse particular dos trabalhadores é confirmada pela forma como a acção para reconhecimento da existência de contrato de trabalho foi concebida, sem a intervenção directa daqueles, sendo consequência da acção inspectiva da Autoridade para as Condições do Trabalho, nos termos do art. 15.º-A do regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, e cabendo a legitimidade para o respectivo impulso junto do tribunal ao Ministério Público, nos termos dos arts. 5.º-A, al. c) e 186.º-K, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho. E o interesse preponderante é de tal modo de ordem pública que o n.º 2 desta norma acrescenta que, caso o Ministério Público tenha conhecimento, por qualquer meio, da existência de uma situação análoga à referida no n.º 3 do art. 2.º da Lei n.º 107/2009, comunica-a à Autoridade para as Condições do Trabalho, no prazo de 20 dias, para instauração do procedimento previsto no art. 15.º-A daquela lei.
Concretizando, de acordo com o n.º 1 daquele art. 186.º-K, após a recepção da participação prevista no n.º 3 do citado art. 15.º-A, o Ministério Público dispõe de 20 dias para propor a acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho; nos termos do n.º 2 do art. 186.º-L, o empregador é citado para contestar no prazo de 10 dias; acrescenta o n.º 4 desta norma que os duplicados da petição inicial e da contestação são remetidos ao trabalhador simultaneamente com a notificação da data da audiência final, com a expressa advertência de que pode, no prazo de 10 dias, aderir aos factos apresentados pelo Ministério Público, apresentar articulado próprio e constituir mandatário. A final, conforme resulta do art. 186.º-O, n.ºs 8 e 9, a sentença que reconheça a existência de um contrato de trabalho fixa a data do início da relação laboral e é comunicada oficiosamente pelo tribunal ao trabalhador, à ACT e ao Instituto da Segurança Social, I. P., com vista à regularização das contribuições desde a data de início da relação laboral fixada.
Trata-se, pois, de uma acção que tem como partes principais o Ministério Público e o beneficiário da actividade, com a finalidade de ser reconhecida a existência de um contrato de trabalho e fixada a data do início da relação laboral, designadamente com vista à regularização desde então das contribuições para a Segurança Social.
A intervenção do prestador da actividade é meramente facultativa e não está hoje previsto que a sua vontade possa influenciar de qualquer modo o desfecho da acção.
Com efeito, não obstante a vertente pública da acção, discutiu-se a possibilidade de celebração de transacção entre o beneficiário da actividade e o prestador da actividade na acção para reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
Esta discussão surgiu porque a versão inicial da regulamentação da tramitação desta acção, ou seja, a anterior às alterações que foram introduzidas pela Lei n.º 55/2017, de 17 de Julho, previa a realização de uma tentativa de conciliação no início da audiência de julgamento, desde que estivessem presentes o beneficiário e o prestador da actividade, colocando-se por isso a questão de saber em que termos podia ser admitida uma transacção que então fosse outorgada por aqueles.
O entendimento maioritário era que apenas era admissível a celebração de uma transacção em que fosse reconhecida pelos intervenientes a existência dum contrato de trabalho nos precisos termos peticionados pelo Ministério Público, isto é, desde a data indicada na petição inicial.
Este Tribunal da Relação de Guimarães, porém, acolheu uma posição mais flexível, explicitada, v.g., no Acórdão de 22 de Setembro de 2016, proferido no processo n.º 445/16.4T8BRG.G1 (2), e no Acórdão de 20 de Outubro de 2016, proferido no processo n.º 1209/16.0T8BRG.G1.
A mesmo assentava, essencialmente, no pressuposto de que, se a redacção inicial do art. 186.º-O, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho previa que, se o empregador e o trabalhador estivessem presentes ou representados, o juiz realizava a audiência de partes, procurando conciliá-los, antes do início da audiência de julgamento, havia que lhe dar um sentido útil conforme com o disposto nos arts. 51.º a 53.º e 55.º do mesmo diploma, nos termos dos quais, no início da audiência de partes, o autor expõe sucintamente os fundamentos de facto e de direito da sua pretensão, seguindo-se a resposta do réu, e a tentativa de conciliação subsequente destina-se prima facie a pôr termo ao litígio mediante acordo equitativo, sem prejuízo de resultar em desistência, confissão ou transacção, desde que conforme à lei.
Efectivamente, prevendo a lei a realização de audiência de partes, com tentativa de conciliação do prestador e do beneficiário da actividade pelo juiz, não fazia muito sentido que a mesma só pudesse terminar por confissão do pedido formulado pelo Ministério Público e não também mediante um acordo equitativo que tivesse em conta a antecedente exposição de fundamentos de facto e de direito por aqueles.
Não obstante, sendo a finalidade da transacção pôr termo ao litígio mediante recíprocas concessões, não podendo as partes, contudo, transigir sobre direitos de que lhes não é permitido dispor (arts. 1248.º e 1249.º do Código Civil), entendeu-se, em face das considerações acima expendidas acerca das motivações políticas, económicas e sociais subjacentes à acção em epígrafe, que ao prestador e ao beneficiário da actividade não era lícito afastar a pretensão de reconhecimento da existência de contrato de trabalho formulada pelo Ministério Público, sustentada em elementos de facto constatados directamente pela Autoridade para as Condições de Trabalho na data da inspecção realizada, mas apenas indicar data diferente para o respectivo início, desde que anterior àquela, sendo certo que os inspectores indicam uma data mediante conhecimento necessariamente indirecto.
Sucede, no entanto, que a Lei n.º 55/2017, de 17 de Julho, veio revogar o acima citado n.º 1 do art. 186.º-O do Código de Processo do Trabalho, que, como se disse, era a base de justificação da admissão, com razoabilidade, dum acordo equitativo entre o prestador e o beneficiário da actividade quanto aos termos da pretensão formulada pelo Ministério Público, pelo que não é mais sustentável tal entendimento nas acções em que – como é o caso da presente – é aplicável a nova redacção.
Com efeito, sendo o Ministério Público o titular da acção de reconhecimento de contrato de trabalho, como parte principal, não pode ser aceite qualquer transacção judicial que o não tenha como outorgante, agora que já não consta da lei a aludida norma, e assim, por identidade de razões, qualquer acordo extrajudicial entre o prestador e o beneficiário da actividade só é susceptível de inutilizar a acção se for reconhecida pelos outorgantes a existência dum contrato de trabalho nos precisos termos peticionados pelo Ministério Público, isto é, desde a data indicada na petição inicial.
Mantém-se, assim, para efeitos da validade e regularidade da instância após o início do processo judicial, o princípio vigente no processo administrativo, de acordo com o qual, lavrado o auto de notícia pelo Inspector do Trabalho e notificado o empregador para, no prazo de 10 dias, regularizar a situação, ou se pronunciar, dizendo o que tiver por conveniente, o procedimento apenas é imediatamente arquivado no caso em que o empregador faça prova da regularização da situação do trabalhador, designadamente mediante a apresentação do contrato de trabalho ou de documento comprovativo da existência do mesmo, reportada à data do início da relação laboral, sob pena de a ACT remeter, em cinco dias, participação dos factos para os serviços do Ministério Público junto do tribunal do lugar da prestação da actividade, acompanhada de todos os elementos de prova recolhidos, para fins de instauração de acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho (citado art. 15.º-A, n.ºs 1, 2 e 3 do regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro).
Aliás, se assim não fosse, seria uma maneira fácil de os empregadores se verem livres dos encargos decorrentes da existência de contrato de trabalho até à intervenção da Autoridade para as Condições de Trabalho ou instauração pelo Ministério Público da subsequente acção com vista ao seu reconhecimento, pois destas não resultaria qualquer desvantagem pelo facto de a situação não ter sido regularizada na altura devida ou desde a altura devida.
Neste sentido, veja-se o Acórdão deste Tribunal de 18 de Outubro de 2018, proferido no processo n.º 545/18.6T8BRG.G1 (3).

Em suma, como se sintetiza nos sumários dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Março de 2018 e 27 de Junho de 2018, proferidos nos processos n.ºs 17240/17.6T8LSB.L1.S1 e 18965/17.1T8LSB.L1.S2 (4), respectivamente:

“I - A ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é uma ação de cariz publicista que resulta da atividade da Autoridade para as Condições do Trabalho, com uma tramitação muito simplificada, cujo objeto consiste em apurar a factualidade relevante para qualificar o vínculo existente, e caso se reconheça a existência de um contrato de trabalho fixar a data do início da relação laboral, como impõe o n.º 8 do art.º 186.º-O do Código de Processo do Trabalho.”
Ora, tendo presentes estes pressupostos, as excepções e nulidade processual arguidas pela Apelante não podem deixar de improceder.
Com efeito, assim como a impossibilidade superveniente da lide é causa de extinção da instância, nos termos do art. 277.º, al. e) do Código de Processo Civil, a impossibilidade originária da lide deve ser considerada uma excepção dilatória inominada, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, nos termos dos arts. 278.º, n.º 1, al. e), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º do mesmo diploma. Em ambas as situações está em causa a impossibilidade de atingir o resultado visado com a acção, em virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, depois ou antes, respectivamente, da instauração da acção.

Ora, no caso em apreço, o objecto do processo é a qualificação como contrato de trabalho da relação jurídica que desde 8 de Setembro de 2014 foi estabelecida entre a R. e a sua formadora P. A., o que de modo algum está prejudicado pela celebração entre ambas de um contrato de trabalho com efeitos a 1 de Janeiro de 2019, o qual, a proceder a acção, não poderá deixar de ser considerado um mero acordo de modificação do contrato de trabalho já vigente.
Aliás, o desfecho da acção releva, além do mais, para efeitos de regularização das contribuições para a Segurança Social desde a data de início da relação laboral fixada na sentença, bem como, de prosseguimento do processo de apuramento da responsabilidade contra-ordenacional do beneficiário da actividade, que fica suspenso até à conclusão da mesma, nos termos do n.º 4 do art. 15º-A da Lei n.º 107/2009.
Ou seja, conforme se deixou exposto, a acção de reconhecimento de contrato de trabalho tutela, antes de mais, os acima referidos interesses de ordem pública, competindo ao Ministério Público a sua instauração e prossecução, a título principal, e, assim como não é aceitável qualquer transacção judicial que o não tenha como outorgante, também qualquer acordo extrajudicial entre o prestador e o beneficiário da actividade só é susceptível de inutilizar a acção se for reconhecida pelos outorgantes a existência dum contrato de trabalho nos precisos termos peticionados pelo Ministério Público, isto é, desde a data indicada na petição inicial.
Não sendo isso que ocorreu na situação dos autos, improcede a excepção em análise e a alegada nulidade do processo que dela decorreria.
Acresce que, entendendo-se que a lide não é impossível, por não estar esgotado o seu objecto, a saber, a pretensão do Ministério Público de qualificação como contrato de trabalho da relação jurídica que desde 8 de Setembro de 2014 se estabeleceu entre a R. e a identificada formadora, designadamente para os mencionados fins de ordem pública, a forma de processo a utilizar é a acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho regulada no Capítulo VIII do Título VI do Código de Processo do Trabalho, por ser a expressamente prevista, nos termos do art. 48.º, n.º 3 do mesmo diploma, para o caso de se verificarem os pressupostos a que aludem o art. 15.º-A do regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, e os arts. 5.º-A, al. c) e 186.º-K, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho – que efectivamente se verificam no caso em apreço.
Ao invés do sustentado pela Apelante, cometer à disponibilidade da identificada formadora da R. o eventual recurso ao processo comum para reconhecimento da sua antiguidade deixaria de fora a tutela de todos ou alguns dos interesses que se visam assegurar com a atribuição de legitimidade ao Ministério Público para a instauração da acção especial em referência.
Improcede, assim, também a excepção de inadequação da forma processual utilizada.
Finalmente, a Recorrente defende que se verifica falta de interesse em agir ou de interesse público suficiente do Ministério Público para se substituir ao prestador da actividade, porquanto está unicamente em causa o reconhecimento de antiguidade laboral, e, a defender-se o contrário, haveria violação do princípio da igualdade relativamente ao trabalhador subordinado em que esta qualidade não seja controvertida.
Também o interesse em agir ou interesse processual é entendido como uma excepção dilatória inominada que impede que se conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, nos termos dos arts. 278.º, n.º 1, al. e), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º do Código de Processo Civil. Traduz-se na necessidade ou utilidade de recorrer aos tribunais para solucionar um conflito existente ou tutelar um interesse material que, em face de algum tipo de incerteza, careça de intervenção judicial.
Ora, como se disse, a acção para reconhecimento da existência de contrato de trabalho foi introduzida, além do mais, com a finalidade de combater a precariedade laboral, indo muito além do mero interesse particular do concreto trabalhador na celebração de um contrato de trabalho.
Conforme já se referiu, nos termos do art. 15.º-A, n.ºs 1, 2 e 3 do regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social, o procedimento administrativo perante a ACT apenas é imediatamente arquivado no caso em que o empregador faça prova da regularização da situação do trabalhador, designadamente mediante a apresentação do contrato de trabalho ou de documento comprovativo da existência do mesmo, reportada à data do início da relação laboral, caso contrário aquela entidade remete participação dos factos para os serviços do Ministério Público, para fins de instauração de acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
A legitimidade para a sua instauração compete exclusivamente ao Ministério Público e através dela pretende-se que seja reconhecida a existência de um contrato de trabalho e fixada a data do início da relação laboral, designadamente com vista à regularização desde então das contribuições para a Segurança Social (art. 186.º-O, n.ºs 8 e 9 do Código de Processo do Trabalho), tendo também influência no processo de apuramento da responsabilidade contra-ordenacional do beneficiário da actividade.
A intervenção no processo do prestador da actividade é meramente facultativa e não se admite que a vontade deste possa influenciar de qualquer modo o desfecho da acção.
Em face do exposto, dúvidas não há de que o interesse que se visa tutelar com a acção só se mostra alcançado com o reconhecimento dum contrato de trabalho nos precisos termos peticionados pelo Ministério Público, isto é, desde a data indicada na petição inicial, e que até que tal aconteça a acção mantém inteira utilidade.
O Ministério Público intervém como parte principal, em nome próprio, na defesa de interesses de ordem pública, e não em representação ou no patrocínio do trabalhador, que pode nem aderir à pretensão daquele, pelo que, pela substancial diferença de situações, não ocorre qualquer violação do princípio da igualdade relativamente ao trabalhador subordinado, cuja qualidade não seja controvertida, que tem de recorrer à acção comum para ver reconhecida a sua antiguidade, visto que este o faz para daí extrair a satisfação de interesses exclusivamente seus.
Improcede, pois, também esta excepção, bem como a alegada ilegitimidade/incompetência do Ministério Público que dela decorreria.
4.2.1. Quanto ao recurso interposto da sentença, a Recorrente, antes de mais, impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido, pretendendo a sua alteração quanto a diversos pontos, com reapreciação da prova, designadamente dos depoimentos testemunhais gravados e dos documentos juntos.
Estabelece o art. 662.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe «Modificabilidade da decisão de facto», no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Por sua vez, o art. 640.º do mesmo diploma, que rege sobre os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe do seguinte modo:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
(…)

Deste regime resulta que, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões, nos termos dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, e acrescendo que há específicos ónus a cumprir no que tange à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, por força do art. 640.º, o recorrente deve:
- especificar inequivocamente no corpo das alegações os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que, no seu entender, impunham uma decisão diversa, e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, bem como, tratando-se de depoimentos, as passagens da gravação respectivas;
- e indicar sinteticamente nas conclusões, pelo menos, os pontos da matéria de facto que pretende ver alterados e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Retornando ao caso dos autos, verifica-se que a Recorrente considera incorrectamente julgados, impondo-se que sejam considerados como não provados, os factos dados como provados sob os pontos 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 23, a saber:
11 - A trabalhadora desenvolveu e desenvolve, ao longo destes anos lectivos a sua actividade de docente/formador, na área tecnológica e na área científica nas instalações da R. e por si geridas, referidas no n.º 3 supra, nomeadamente, nas instalações sitas na Praça ... e na Rua ....
12 - Para o desempenho das suas funções a trabalhadora sempre utilizou instrumentos e equipamentos pertencentes à R., nomeadamente, mobiliário nos locais de trabalho, mesa, cadeira e quadro interativo e branco, computador, videoprojector, fotocópias, colunas, canetas, softwares onde escreve os sumários e registo de ocorrências e plataforma (moodle) para interagir com os alunos, nomeadamente entrega de trabalhos e testes e fornecimento de material.
13 - A trabalhadora dava as aulas que estavam previamente estabelecidas pela R., comparecia às reuniões de trabalho e de organização para que era convocado pela R. e participava como orientadora.
14 - A trabalhadora registava as aulas dadas e os respectivos sumários e através de uma plataforma informática existente na R., na qual entra através de “login” no programa/plataforma “e-schooling”.
15 - Para cada um dos anos lectivos, era a R. quem, no início dos respectivos anos, definia o horário de trabalho da trabalhadora e dos restantes colegas docentes, de acordo com as disciplinas que ministravam, e que afixava nas instalações e entregava ao trabalhador.
16 - A trabalhadora aprecia os desempenhos escolares dos alunos e nota-os.
17 - Como directora de turma, a trabalhadora regista as faltas, elabora a reposição de aulas aos alunos, mapas das faltas, atende semanalmente os encarregados de educação dos alunos, reúne com os encarregados de educação, pelo menos, 2 vezes por período escolar, procede ao registo dos sumários pedagógicos, elabora um dossiê de direcção de turma, segundo índice determinado pela Directora pedagógica e elabora todo o processo de matrícula inerente ao processo individual de cada aluno em formato de papel e digital, ocupa-se da preparação e elaboração de toda a documentação inerente às reuniões de avaliação formativa e sumativa e transmite aos encarregados de educação as informações relativas aos seus educandos.
18 - A trabalhadora está sujeita a avaliação de desempenho, cujo resultado provém da avaliação dos alunos, direcção pedagógica e direcção executiva.
19 - A trabalhadora está obrigada a comunicar em impresso próprio dirigido ao Director Executivo e justificar previamente todas as faltas referentes às aulas e reuniões.
23 - O pagamento dessa quantia era, em regra, mensal e por transferência bancária para conta da trabalhadora que esta fornecia à R..
Por outro lado, a Apelante pretende que sejam considerados como provados os factos dados como não provados sob os pontos 2, 3 e 6, a saber, que:
2 - A trabalhadora pudesse ausentar-se e não comparecer nas instalações da R. sem sancionamento disciplinar ou outra consequência;
3 - O horário da trabalhadora fosse elaborado pela R. em função das disponibilidades que ela concedia à R.;
6 - A formadora P. A. tivesse recebido durante a pendência da relação jurídica celebrada com a R. as quantias e nas datas referidas no art. 208.º da contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
A Recorrente sustenta a sua pretensão, essencialmente, nos depoimentos, designadamente nas passagens por si assinaladas, das testemunhas por si arroladas J. L., Director Geral da R., onde trabalha há mais de 20 anos, N. M., Directora Pedagógica da R. desde o ano lectivo de 2014/2015, ali trabalhando desde 2005, e S. L., trabalhadora da R. há 20 anos, exercendo as funções de administrativa há cerca de 4 anos.
Tenha-se em conta, todavia, que este Tribunal, tal como o de 1.ª instância, não pode limitar-se a apreciar estes depoimentos, tendo de considerar também os que foram prestados pelas testemunhas arroladas pelo A., nomeadamente F. C., Inspector do Trabalho que efectuou visitas inspectivas à R. e realizou diligências e elaborou e subscreveu o Auto de Notícia e a participação no âmbito dos presentes autos, e A. F., Inspectora do Trabalho que acompanhou o anterior na referida actividade.
Acrescem os documentos juntos aos autos, mesmo os que a Recorrente não cita, que se mostrem pertinentes.
Por outro lado, cumpre ter presente que, nos termos conjugados dos arts. 13.º, n.º 2 e 15.º-A, n.º 1 do já referido regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social, o Inspector do Trabalho elabora auto de notícia quando, no exercício das suas funções, verificar ou comprovar, pessoal e directamente, ainda que por forma não imediata, a existência de características de contrato de trabalho na relação entre uma pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam.
Acrescenta o n.º 3 do citado art. 13.º que consideram-se provados os factos materiais constantes do auto de notícia levantado nos termos referidos enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa.
Pode, assim, concluir-se que o auto de notícia lavrado nos aludidos termos faz presumir a existência de contrato de trabalho, como se afirma expressamente no art. 186.º-S, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, sendo esse valor probatório especial que justifica igualmente que, diferentemente do que ocorre no processo comum, se o empregador não contestar, haja lugar a decisão condenatória, a não ser que ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias ou que o pedido seja manifestamente improcedente (art. 186.º-M do mesmo diploma).
Este regime compreende-se porque, conforme já acima se assinalou, a acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é uma acção de cariz publicista, que resulta da actividade da Autoridade para as Condições do Trabalho, justificando-se que seja atribuído valor especial às verificações e comprovações que decorram da mesma e sejam documentadas no auto de notícia, sem prejuízo de, no exercício do contraditório, poder ser abalada a sua fé em juízo, designadamente requerendo-se a junção dos originais dos documentos ou a inquirição em audiência de julgamento das pessoas que tenham sido ouvidas, ou oferecendo-se outras provas, de modo a convencer duma versão que prevaleça sobre a conferida pelo auto de notícia.
Improcedem, pois, a doutrina e jurisprudência invocadas no recurso a propósito de autos de notícia subscritos por outras entidades, que não a ACT, sem a cobertura legal conferida pelo regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social.

Posto isto, constata-se do Auto de Notícia que acompanhou a participação que esteve na origem da presente acção que aquele baseou-se nos elementos probatórios recolhidos na sequência de inúmeras reuniões, visitas inspectivas, audições e outras diligências realizadas, ali devidamente discriminadas, salientando-se:
a) análise dos documentos que estão anexos, a saber:
Doc. 2 – contratos de prestação de serviços;
Doc. 3 – Declarações da trabalhadora/formadora;
Doc. 4 – E-mail enviado pela trabalhadora datado de 13/05/2019;
Doc. 5 – Horário de trabalho;
Doc. 6 – Regulamento Interno;
Doc. 7 – Caderneta Informativa do Docente/Formador;
Doc. 8 – Justificação de faltas/Permuta;
Doc. 9 – Contrato de trabalho sem termo;
Doc. 10 – Declaração de quitação e remissão abdicativa.
b) reuniões/audições:
- J. L. (Director Geral);
- F. F. (responsável da área administrativa);
- P. A. (a prestadora de actividade em causa);
- J. H. (Presidente da Associação);
- S. C. (docente/formador com contrato de trabalho a termo certo);
- P. M. (docente/formador com contrato de trabalho a termo certo);
- M. A. (trabalhador com funções de processamento de salários);
- L. J. (trabalhador com funções de consultor);
- M. S. (Directora Executiva).
Os acima identificados Inspectores do Trabalho, F. C. e A. F., confirmaram em audiência de julgamento o teor do Auto de Notícia, resultando dos seus depoimentos que comprovaram pessoal e directamente, ainda que, essencialmente, por forma não imediata – ou seja, através da análise dos aludidos documentos e das informações recolhidas junto das pessoas mencionadas e registadas no próprio Auto e no Doc. 3 –, as características da prestação da actividade por P. A. que ali descrevem. Acresce que verificaram pessoal, directa e imediatamente as características das instalações e respectivos equipamentos e ainda as tarefas de direcção de curso que a P. A. estava a executar no Polo sito na R. ..., em X, no dia e hora em que ali compareceram para proceder à sua audição.
Assim, nos termos do citado art. 13.º, n.º 3, não tendo sido questionada a sua autenticidade, devem considerar-se provados os factos materiais constantes do Auto de Notícia em apreço, a não ser que a veracidade do seu conteúdo seja fundadamente posta em causa.
Vejamos, então, se as provas invocadas pela Recorrente são suficientes para abalar o valor probatório do Auto de Notícia, quanto aos concretos pontos da matéria de facto que indica.
Relativamente ao ponto 11 da factualidade provada, a Apelante impugna-o na parte relativa aos locais de trabalho, alegando que houve contradição entre os depoimentos dos dois Inspectores do Trabalho.
Ora, quer no Auto de Notícia, quer no «Auto de Declarações» da formadora P. A., datado de 10/05/2019 e por si assinado (Documento n.º 3 anexo ao Auto da ACT), é afirmado pelos respectivos subscritores que a formadora exercia funções nas instalações sitas na Praça ... e na Rua ..., e, inclusive, que no dia da audição estava a executar tarefas de direcção de curso no Polo sito na R. ..., em X. Aqueles Inspectores do Trabalho, em audiência de julgamento, remeteram para o conteúdo do Auto de Notícia, que confirmaram, esclarecendo que este ponto lhes foi fornecido pela própria formadora. A contradição entre ambos foi quanto ao local em que reuniram com a formadora para proceder à sua audição.
Assim, indefere-se o requerido nesta parte.
Quanto ao ponto 12, o seu conteúdo consta do item 3.8-ii do Auto de Notícia como comprovado pelos Inspectores do Trabalho com base no «Auto de Declarações» da formadora P. A., o que, compulsado tal registo, se constata estar correcto. Aqueles Inspectores do Trabalho, em audiência de julgamento, remeteram para o conteúdo do Auto de Notícia, que confirmaram. Os depoimentos das testemunhas da R., referindo as razões de terem os equipamentos e a não obrigatoriedade da sua utilização pelos formadores, não infirmam a veracidade do facto consignado. Acresce que o direito da formadora a utilizar todos os aludidos equipamentos e instrumentos de trabalho resulta dos arts. 104.º, n.º 3, als. f) e g) e 223.º, n.º 2 do «Regulamento Interno» e dos pontos 5.4, al. i) e 5.6 da «Caderneta Informativa do Docente/Formador».
Improcede, assim, a pretensão da Recorrente nesta parte.
No que se refere ao ponto 13, desde logo, os documentos basilares da relação jurídica ajustada entre a R. a prestadora da actividade fundamentam inteiramente o que dali consta.
Na verdade, com a assinatura dos denominados «contratos de prestação de serviço» a que se referem os autos (Documento n.º 2 anexo ao Auto da ACT), relativamente aos quais não foram arguidos quaisquer vícios da vontade, a formadora obrigou-se a desenvolver a sua actividade para a R. nos termos das respectivas cláusulas, sujeita, por isso, aos deveres aí estabelecidos para si e aos direitos aí previstos para a R.. Por outro lado, logo na cláusula 1.ª consta que lhe competia, além do mais, fazer cumprir as normas emanadas pelos órgãos de direcção da escola, co-responsabilizando-se com estes pelo bom funcionamento e imagem interna/externa da escola e da respectiva entidade proprietária, o que nos remete para o «Regulamento Interno» junto como Documento n.º 6 anexo ao Auto da ACT, onde consta na sua introdução:
«O presente Regulamento Interno tem como principal objectivo: Definir a regulação da organização e funcionamento da Escola, nomeadamente, no estabelecimento de regras e normas que marcam a convivência entre os diferentes actores da acção educativa e estabelecem a estrutura organizacional da comunidade escolar.
A Direcção Geral da Escola, em 6 de novembro de 2017, promulga as disposições contidas neste documento e reafirma que compete a todos os Colaboradores, a todos os níveis, o cumprimento das determinações que dele constam.»
A aplicação deste Regulamento à formadora P. A., por força da aludida cláusula do contrato que assinou e desta introdução, é reiterada pelo seu conteúdo, nomeadamente: o art. 190.º, n.º 2, onde se refere que a atribuição a um docente/formador de um cargo de orientador educativo de turma é formalizada através de assinatura de anexo ao contrato de prestação de serviços, também anual, que vincula o docente à Escola; o art. 206.º, n.º 1, que refere que todo o tipo de colaboração será reduzido a um contrato escrito, com menção das condições da sua realização e respectivo prazo de duração; e o art. 209.º, que estabelece:
«1 - No caso de os docentes/formadores não cumprirem os deveres que têm para com a Escola enunciados em todo o presente regulamento, ser-lhes-ão aplicadas as seguintes sanções de acordo com a gravidade da infracção:
a) Rescisão do contrato de prestação de serviços, nos termos enunciados no mesmo;
b) Impossibilidade de o docente/formador celebrar novo contrato de prestação de serviços com a Escola nos anos lectivos seguintes.»

Acresce que o «Regulamento Interno» tem em anexo um Organigrama, onde está previsto precisamente o corpo docente, na base da Direcção Técnico-Pedagógica. Ora, a R. tinha 13 docentes com os denominados «contratos de prestação de serviços» e apenas 3 docentes com assumido contrato de trabalho a termo certo, não tendo nenhum com contrato de trabalho por tempo indeterminado, pelo que seria absurdo que tal normativo, incluindo na parte das actividades lectivas, se aplicasse apenas a menos de 1/5 dos docentes, deixando de fora os restantes.
Assim, a trabalhadora estava sujeita aos deveres elencados no Regulamento, designadamente os previstos nos arts. 104.º (ex. dever de pontualidade e assiduidade no cumprimento dos horários, de estar presente em todas as actividades para que seja convocada, de apresentação atempada de toda a documentação exigida, nomeadamente planificações, avaliações, planos de recuperação, proposta e relatório de visitas de estudo e actividades, colaboração com orientadores/directores de turma ou de curso, de ser a primeira a entrar e a última a sair da sala de aulas, de desligar o telemóvel durante as aulas, de solicitar autorização, sempre que julgue necessário, da ocorrência de aulas fora da escola, assim como aulas extra à planificação, de participar no seu próprio processo de avaliação, fazendo a sua auto-avaliação com relatório crítico de desempenho) e 196.º a 208.º (em especial obrigatoriedade de presença em todas as reuniões previstas/convocadas devendo a não participação ser justificada, dever de sumariar e assinar o livro de ponto e de registo de aula na plataforma informática, deveres a observar em caso de falta/substituição, incluindo comunicação em impresso próprio, dever de justificar faltas e de submeter a autorização da R. as permutas que devem ser entendidas como extraordinárias), sob pena de poder sofrer sanções pela R. em caso de incumprimento dos deveres.
O «Regulamento Interno», por seu turno, prevê no seu art. 104.º, n.º 3, al. c) que o docente tem direito a receber no início do ano lectivo uma «Caderneta Informativa do Docente». Essa «Caderneta Informativa do Docente/Formador» (Documento n.º 7 anexo ao Auto da ACT) contém um ponto n.º 5 que integra exclusivamente normas dirigidas ao docente/formador, destacando-se o ponto 5.3 referente aos deveres do docente, incluindo o dever de assiduidade e pontualidade no cumprimento dos horários (al a), de conhecimento dos regulamentos (al. d), da necessidade de estar presente em todas as reuniões, provas e exames para que seja convocado (al. e), de não entrar na aula 10m depois no caso do início do 1.º bloco da manhã/tarde e após 5m nos restantes casos (al. k), de colaboração com várias entidades (als. f, h e i, com directores de turma, orientadores, directores de curso…), de cuidar do equipamento e materiais (al. r), de disponibilidade para uma actuação permanente extra fora da sala de aulas (al. v), só para citar alguns exemplos. Veja-se ainda o ponto 5.5 quanto a regras a observar em caso de faltas/substituições e justificação, a fazer em 48h, com menção ao impresso/formulário destinado a justificar faltas (Documento n.º 8 anexo ao Auto da ACT).
Em suma, logo da conjugação desta documentação anexa ao Auto da ACT resulta que a formadora P. A. estava sujeita às normas plasmadas nos denominados «contratos de prestação de serviços», no «Regulamento Interno» e na «Caderneta Informativa do Docente/Formador», nos diversos aspectos consignados no Auto de Notícia, incluindo os constantes do ponto em apreço. Vale, assim, inteiramente o que decorre da Cláusula 1.ª, als. c) e f) dos contratos celebrados, além das demais disposições mencionados.
Sublinha-se, a propósito da invocação pela Apelante dos depoimentos das testemunhas J. L., N. M. e S. L., que os mesmos não podem ser atendidos, por força dos arts. 392.º, 393.º, n.º 2 e 394.º do Código Civil, para provar que as partes no contrato não se obrigaram nos termos que aí declararam, nem para provar que convencionaram termos diferentes, contrários ou adicionais. De qualquer modo, tais depoimentos, nas passagens invocadas, referem-se essencialmente a existência de autonomia técnica da formadora na execução das suas funções, o que não está em causa, por ser inerente à profissão, independentemente da natureza do vínculo.
Também o aludido «Auto de Declarações» da prestadora da actividade P. A. sustenta inteiramente o teor do Auto de Notícia nesta matéria, sendo certo que os Inspectores do Trabalho, em audiência de julgamento, remeteram para o conteúdo de um e outro, que confirmaram, como já se referiu.
Relativamente ao ponto 14, a Apelante impugna-o na parte em que refere que a trabalhadora P. A. entrava no e-schooling com um login próprio, alegando que não resulta de qualquer prova produzida.
Essa menção consta do ponto 3.8-viii do Auto de Notícia como comprovado pelos Inspectores do Trabalho com base no «Auto de Declarações» da formadora P. A., o que, compulsado tal registo, se constata estar correcto. Os Inspectores do Trabalho, em audiência de julgamento, remeteram para o conteúdo de um e outro, que confirmaram, como já se referiu. A Apelante não indica depoimentos, especificando as respectivas passagens, que tivessem negado a veracidade do Auto na parte em apreço ou tivessem sequer se pronunciado sobre a questão.
Improcede, assim, a pretensão da Recorrente.
No que toca ao ponto 15, resulta da conjugação dos Docs. 2, 3, 4 e 5 anexos ao Auto de Notícia, isto é, os «contratos de prestação de serviço», o «Auto de Declarações» da formadora P. A., o «E-mail enviado pela trabalhadora datado de 13/05/2019» e o «Horário de Trabalho», sendo certo que os Inspectores do Trabalho, em audiência de julgamento, mantiveram o que dali resulta. Da cláusula 1.ª, al. i) do «contrato de prestação de serviços» resulta que competia à formadora desenvolver o seu trabalho na escola da R. de acordo com o horário atribuído pela Direcção, o qual podia ser alterado por esta sempre que necessário, pelo que, nos termos sobreditos, os depoimentos testemunhais invocados são inoperantes para demonstrar que a R. não tinha esse direito e a formadora não estava sujeita ao mesmo. Compulsado o «Auto de Declarações», constata-se que a formadora confirmou a factualidade em apreço. Acresce que dos depoimentos indicados pela Apelante não resulta que os horários da formadora e dos colegas não fossem feitos e atribuídos pela R., ou que fossem impostos a esta pelas disponibilidades daqueles, mas apenas que a R. tinha em conta tais disponibilidades – o que nada tem de estranho numa relação jurídica saudável. Não pode confundir-se o exercício dos direitos das partes, no dia a dia, de acordo com princípios de colaboração, consenso e boa fé, com a inexistência ou renúncia àqueles direitos.
Improcede, assim, a pretensão da Recorrente nesta parte.
A factualidade do ponto 16 decorre das funções de formadora de P. A., comprovadas no Auto de Notícia em conformidade com os «contratos de prestação de serviço» e o «Auto de Declarações» da trabalhadora, conjugadamente com o Capítulo V do «Regulamento Interno», designadamente arts. 138.º, 139.º e 154.º. Os Inspectores do Trabalho, em audiência de julgamento, remeteram para o conteúdo do Auto de Notícia, que confirmaram, como já se referiu. A Apelante não indica depoimentos, especificando as respectivas passagens, que tivessem negado a veracidade do Auto na parte em apreço ou tivessem sequer se pronunciado sobre a questão.
A factualidade do ponto 17 mostra-se comprovada no Auto de Notícia em conformidade com o «Auto de Declarações» da trabalhadora P. A., no que respeita às tarefas aí descritas como inerentes às funções de Directora de Curso que a mesma tinha. Os Inspectores do Trabalho, em audiência de julgamento, remeteram para o conteúdo do Auto de Notícia, que confirmaram, como já se referiu. A Apelante não indica depoimentos, especificando as respectivas passagens, que tivessem negado a veracidade do Auto na parte em apreço ou tivessem sequer se pronunciado sobre a questão.
Quanto ao ponto 18, resulta do art. 104.º, n.º 4, al. v) do Regulamento Interno e do «Auto de Declarações» da formadora P. A.. Os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela R. não logram infirmar o que resulta do seu próprio Regulamento, corroborado pelos demais elementos probatórios referidos, tal como consignado no Auto de Notícia, que os Inspectores do Trabalho confirmaram na audiência de julgamento.
Relativamente à factualidade constante do ponto 19, resulta à saciedade das normas dos «contratos de prestação de serviços», «Regulamento Interno» e «Caderneta Informativa do Docente/Formador», na parte respeitante a tal matéria, já acima referidas, conjugadas com o teor do «Auto de Declarações» da formadora P. A. e do Doc. 8 – Justificação de faltas/Permuta. Os Inspectores do Trabalho, em audiência de julgamento, remeteram para o conteúdo do Auto de Notícia, que confirmaram, como já se referiu. A Apelante não indica depoimentos, especificando as respectivas passagens, que tivessem negado a veracidade do Auto na parte em apreço, limitando-se a invocar o de A. F. na parte em que refere não ter visto nenhum documento de justificação de falta de P. A..
Improcede, assim, a pretensão da Recorrente.
No que toca à factualidade do ponto 23, a Apelante impugna a parte em que se dá como provado que o pagamento era, em regra, mensal.
Ora, da Cláusula 3.ª dos «contratos de prestação de serviços» resulta que os pagamentos deveriam ser mensais, apenas se ressalvando o caso de não serem oportunamente transferidas para a R. as verbas dos apoios nacionais e comunitários. O acordado está perfeitamente espelhado nos pagamentos à formadora enumerados discriminadamente no art. 209.º da contestação, à qual foram juntos vários recibos, de onde resultam omissões apenas nos meses de Setembro e Outubro (para além do mês de férias) e cuja razão de ser facilmente se infere que fosse a prevista carência de verbas no início do ano lectivo. A testemunha J. L. referiu que os pagamentos dependiam da existência de verbas e das necessidades manifestadas pelos formadores, esclarecendo não saber da situação da P. A. em concreto. A testemunha A. F. referiu que aquela formadora tinha declarado que os pagamentos eram de 2 em 2 meses (o que, sublinhe-se, também comprova a periodicidade) mas o certo é que tal contraria o acordado nos contratos e posteriormente observado, nos termos referidos, pelo que se entende que aquele depoimento não é o bastante para infirmar que a regra estabelecida fosse a do pagamento mensal.
Por outro lado, constata-se que a factualidade dada como não provada sob o n.º 2 está contrariada pela assente sob os n.ºs 19, 20 e 21; a constante do n.º 3 está-o pela provada sob o n.º 15; e a do n.º 6 pela do n.º 33 (que reflecte todos os recibos que se mostram juntos). Em face do exposto, improcede também, necessariamente, a pretensão da Apelante de serem considerados como provados tais factos dados como não provados, por serem meramente o reverso daqueles que se entendeu manter como provados, nos termos que se acabou de explicitar.
4.2.2. Assente a factualidade a ter em conta, cabe apreciar se, ao contrário do entendido pelo tribunal recorrido, não é de qualificar o acordo celebrado entre a R. e a formadora P. A. como contrato de trabalho, com início em 8 de Setembro de 2014.
Considerando o termo inicial da relação jurídica, é aplicável o Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro de 2009.
Nos termos do art. 1154.º do Código Civil, contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.
O Código do Trabalho, no art. 11.º, dispõe que contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.
Assim, a diferenciação entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço centra-se, essencialmente, em dois elementos distintivos: no objecto do contrato (no contrato de trabalho existe uma obrigação de meios, de prestação de uma actividade intelectual ou manual, e no contrato de prestação de serviço existe uma obrigação de apresentar um resultado); e no relacionamento entre as partes (a subordinação jurídica caracteriza o contrato de trabalho e a autonomia caracteriza o contrato de prestação de serviço).
Mas o elemento decisivo é o da subordinação jurídica, que consiste numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem.
Contudo, como se refere no já citado Acórdão deste Tribunal de 7 de Maio de 2020, proferido no processo n.º 3644/19.3T8GMR.G1, está “definitivamente ultrapassada a ideia da subordinação associada à emissão de ordens claras, directas e sistemáticas, dada a crescente autonomia técnica dos trabalhadores e actuais formas de organização e de interacção laboral. O traço decisivo é o chamado elemento organizatório, opção aliás espelhada na lei que utiliza a expressão “no âmbito de organização” – art. 11º do CT.
Donde, o fulcro da subordinação consistirá no facto de o prestador não trabalhar segundo a sua própria organização, mas sim inserido numa ciclo produtivo de trabalho alheio e em proveito de outrem, estando adstrito a observar os parâmetros de organização e funcionamento definidos pelo beneficiário.”
Não obstante, a extrema variabilidade das situações concretas dificulta muitas vezes a subsunção dos factos na noção de trabalho subordinado, implicando a necessidade de recorrer à averiguação de indícios da sua existência ou inexistência: denominação atribuída ao contrato, local onde é exercida a actividade, sujeição ou não a horário de trabalho fixo, utilização de bens ou utensílios próprios ou fornecidos pelo destinatário da actividade, fixação da remuneração em função do resultado do trabalho ou em função do tempo de trabalho, concessão ou não de férias pela contraparte, pagamento ou não de retribuição nas férias, bem como de subsídios de férias e de Natal, incidência do risco da actividade sobre o trabalhador ou sobre o beneficiário, inserção ou não do trabalhador na organização produtiva, possibilidade ou impossibilidade de recurso a colaboradores por parte do prestador da actividade, sujeição ou não às ordens e disciplina da parte contrária, tipo de actividade declarada aos serviços de finanças e de Segurança Social, exclusividade ou não da actividade prestada e dos rendimentos económicos provenientes da mesma, etc..
No recurso a tal método indiciário, como diz Monteiro Fernandes (5), “[c]ada um destes elementos, tomado de per si, reveste-se de patente relatividade. O juízo a fazer, nos termos expostos, é ainda e sempre um juízo de globalidade, conduzindo a uma representação sintética da tessitura jurídica da situação concreta e comparação dela com o tipo trabalho subordinado.”
Nos termos do regime geral de repartição do ónus da prova, cabe ao autor fazer a prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho (art. 342.º, n.º 1 do Código Civil), tendo os Códigos do Trabalho de 2003 e 2009, contudo, vindo introduzir uma presunção de existência de contrato de trabalho nas condições aí indicadas.
Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz e apenas tem de provar o facto que lhe serve de base, cabendo à parte contrária ilidir a presunção legal mediante prova em contrário, salvo se a lei o proibir (art. 350.º do Código Civil). Isto é, a presunção legal que pode ser ilidida por prova em contrário – presunção juris tantum –, como é o caso da estabelecida pelos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009, importa a inversão do ónus da prova (art. 344.º, n.º 1 do Código Civil). Já se o autor não demonstrar o preenchimento dos requisitos ali previstos, de modo a beneficiar da presunção de existência dum contrato de trabalho, terá de, nos termos do citado art. 342.º, n.º 1, do Código Civil, fazer a prova cabal dos seus elementos constitutivos, designadamente através do tradicional método indiciário acima aludido.

Ora, diz o n.º 1 do art. 12.º do Código do Trabalho de 2009 que presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:

a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.

Assim, como ensina Maria do Rosário Palma Ramalho (6), “(…) o tratamento desta matéria no actual Código do Trabalho apresenta três grandes diferenças em relação ao regime anterior: a primeira diferença tem a ver com o tipo de indícios de subordinação indicados pelo legislador, que são agora indícios em sentido próprio, porque não se confundem com os elementos essenciais do contrato de trabalho, antes apontam para tais elementos, designadamente para o elemento de subordinação do trabalhador; a segunda diferença tem a ver com a natureza do enunciado legal destes indícios, que passou a ser exemplificativa, bastando assim teoricamente que apenas dois desses indícios ocorram para que possa ser presumida a existência de um contrato de trabalho; e a terceira diferença reporta-se às consequências da qualificação fraudulenta do vínculo de trabalho para o empregador, que são agora mais gravosas, dando um sinal claro do desvalor associado pelo legislador à qualificação fraudulenta do negócio laboral.
Com a actual configuração, pode, pois, dizer-se que, pela primeira vez, a presunção de laboralidade desempenha uma função útil na qualificação do contrato de trabalho.”
Em sentido semelhante, nomeadamente admitindo que basta a verificação de dois dos indícios enumerados para que se considere que o trabalhador beneficia da presunção de existência de contrato de trabalho, passando a competir ao empregador a prova do contrário, isto é, da ocorrência de outros indícios que, pela quantidade e impressividade, imponham a conclusão de se estar perante outro tipo de relação jurídica, vejam-se António Monteiro Fernandes (7), João Leal Amado (8), Pedro Romano Martinez (9) e, ainda que de forma mitigada, Bernardo da Gama Lobo Xavier (10).
Ora, facilmente se conclui que o A. logrou demonstrar cabalmente o preenchimento dos requisitos em referência, como resulta da factualidade dos pontos 3 e 11 quanto à alínea a), do ponto 12 quanto à alínea b), dos pontos 15 e 19 quanto à alínea c) e dos pontos 22, 23 e 24 quanto à alínea d).
Relativamente a equipamentos e instrumentos de trabalho, a formadora tinha mesmo direito a que a R. lhos facultasse, nos termos dos arts. 104.º, n.º 3, als. f) e g) e 223.º, n.º 2 do «Regulamento Interno» e dos pontos 5.4, al. i) e 5.6 da «Caderneta Informativa do Docente/Formador».
O provado quanto ao horário de trabalho está de acordo com a cláusula 1.ª, al. i) dos contratos celebrados, nos termos da qual competia à formadora desenvolver o seu trabalho na escola da R. de acordo com o horário atribuído pela Direcção, o qual podia ser alterado por esta sempre que necessário. Mais, a trabalhadora estava obrigada, de acordo com o «Regulamento Interno» (art. 208.º), a comunicar e justificar, em impresso próprio dirigido ao director executivo da R., as faltas referentes às aulas e reuniões, assim como, em caso de permutas entre si e outros docentes. O que, aliás, já resultava inteiramente da al. m) da cláusula 1.ª do contrato celebrado.
Também não apresenta dúvidas que a formadora era retribuída em função do tempo despendido na execução da actividade, mais precisamente em função do número de horas de docência, o que, nos termos do art. 261.º do Código do Trabalho, é qualificado como «retribuição certa», sendo irrelevante que, por força do diferente número de dias úteis de trabalho, o montante global mensal variasse, não sendo nesse sentido que é utilizado pela lei o conceito de retribuição variável, que se refere antes à que resulta do uso de outro critério de determinação, geralmente “à peça”, por exemplo se a formadora fosse remunerada em função do número de alunos que se inscrevessem nas disciplinas por ela leccionadas ou do número de testes ou trabalhos que avaliasse.
Em suma, a formadora P. A. estava inserida na estrutura organizativa da R. e realizava a sua prestação sob as orientações e fiscalização desta.
Com efeito, a mencionada trabalhadora, desde 8 de Setembro de 2014, desenvolveu a sua actividade para a R. sujeita aos deveres estabelecidos para si e aos direitos previstos para a R. nas normas constantes dos denominados «contratos de prestação de serviços», do «Regulamento Interno» e da «Caderneta Informativa do Docente/Formador».

Nos termos da cláusula 1.ª do contrato, competia-lhe:
a) Fazer cumprir as normas emanadas pelos órgãos de direcção da escola, co-responsabilizando-se com estes pelo bom funcionamento e imagem interna/externa da escola e da respectiva entidade proprietária;
b) Colaborar com a direcção técnico-pedagógica da escola na elaboração de programas e orientações metadológicas, sempre que para tal for solicitado;
c) Leccionar os conteúdos programáticos da (s) respectiva (s) disciplina, segundo os programas e orientações metodológicas aprovados;
d) Assegurar a implementação do sistema de estrutura modelar;
e) Proceder a registo sumário das actividades lectivas e não lectivas, assim como a de todo o processo de acompanhamento e assiduidade do aluno;
f) Reunir sempre que necessário com o conselho de turma, Orientador Educativo de Turma/Director de Turma e com o Director de Curso;
g) Propor a aquisição de bibliografia, material e equipamento didáctico indispensável ou conveniente para a leccionação da disciplina respectiva;
f) Assegurar o acompanhamento dos projectos pessoais (PAP) a elaborar pelos alunos do 3.º ano, co-responsabilizando-se com os Orientadores dos Projectos;
i) Desenvolver o seu trabalho nesta Escola de acordo com o horário atribuído pela Direcção, o qual poderá ser alterado pela Entidade Proprietária, sempre que necessário;
j) Disponibilizar-se, na medida das suas possibilidades, para substituir outro docente que tenha anunciado a sua intenção de faltar, leccionando a sua própria disciplina;
k) Comunicar ao Orientador Educativo de Turma/Director de Turma qualquer problema do foro disciplinar, ou outro que seja do seu conhecimento, relativamente a qualquer aluno. Deverá faze-lo por escrito, sempre que se trate de assunto disciplinar;
l) Propor aos Directores de Curso, alterações aos conteúdos e metodologias de cada disciplina;
m) Justificar, junto da primeira outorgante, todas as faltas referentes às aulas e reuniões, utilizando para tal o impresso próprio para o efeito disponível nos serviços administrativos.
Sendo certo que, como directora de turma, a trabalhadora regista as faltas, elabora a reposição de aulas aos alunos, mapas das faltas, atende semanalmente os encarregados de educação dos alunos, reúne com os encarregados de educação, pelo menos, 2 vezes por período escolar, procede ao registo dos sumários pedagógicos, elabora um dossiê de direcção de turma, segundo índice determinado pela Directora pedagógica e elabora todo o processo de matrícula inerente ao processo individual de cada aluno em formato de papel e digital, ocupa-se da preparação e elaboração de toda a documentação inerente às reuniões de avaliação formativa e sumativa e transmite aos encarregados de educação as informações relativas aos seus educandos.
Como simples formadora ou como Directora de Curso, a P. A. prestava a sua actividade sob as directrizes e orientações da R. e dos seus corpos directivos, sujeita, também, ao «Regulamento Interno», que regula exaustivamente a organização e actividade da R., devendo observá-lo sob pena de aplicação de sanções, nos termos do seu art. 209.º.
Assim, a formadora estava sujeita a avaliação de desempenho e aos demais deveres elencados no Regulamento, designadamente os previstos nos arts. 104.º (ex. dever de pontualidade e assiduidade no cumprimento dos horários, de estar presente em todas as actividades para que seja convocada, de apresentação atempada de toda a documentação exigida, nomeadamente planificações, avaliações, planos de recuperação, proposta e relatório de visitas de estudo e actividades, colaboração com orientadores/directores de turma ou de curso, de ser a primeira a entrar e a última a sair da sala de aulas, de desligar o telemóvel durante as aulas, de solicitar autorização, sempre que julgue necessário, da ocorrência de aulas fora da escola, assim como aulas extra à planificação, de participar no seu próprio processo de avaliação, fazendo a sua auto-avaliação com relatório crítico de desempenho) e 196.º a 208.º (em especial obrigatoriedade de presença em todas as reuniões previstas/convocadas devendo a não participação ser justificada, dever de sumariar e assinar o livro de ponto e de registo de aula na plataforma informática, deveres a observar em caso de falta/substituição, incluindo comunicação em impresso próprio, dever de justificar faltas e de submeter a autorização da R. as permutas que devem ser entendidas como extraordinárias), sob pena de poder sofrer sanções pela R. em caso de incumprimento dos deveres.
A P. A. integrava também o Organigrama incluído no «Regulamento Interno» a que estava sujeita, como membro do corpo docente que constitui a base da Direcção Técnico-Pedagógica. Note-se que a R. tinha 13 formadores com denominados «contratos de prestação de serviço» e apenas 3 com contrato de trabalho a termo certo, e nenhum com contrato de trabalho por tempo indeterminado, pelo que a manutenção da formadora em apreço ao serviço daquela durante vários anos foi seguramente um factor de estabilidade e continuidade.
Posto isto, operando a presunção de laboralidade, nos sobreditos termos, competia à ora Recorrente a prova do contrário, ou seja, de que se verificam outros indícios que, pela sua quantidade e impressividade, impõem a conclusão de se estar perante outro tipo de relação jurídica, designadamente um contrato de prestação de serviço.
A Apelante alega que resulta da factualidade provada que, no final de cada ano lectivo, não podia garantir a contratação para o ano lectivo seguinte, dependendo da aprovação dos cursos e da respectiva inscrição de alunos, bem como de financiamento. Contudo, tal circunstancialismo, só por si, não é indício da celebração de contrato de prestação de serviço, já que na sua essência é a base legal da celebração de contrato de trabalho a termo certo ou incerto, pelo que acaba por se revelar um elemento neutro para este efeito.
Também a autorização para permutas entre os docentes é compatível com distintos vínculos jurídicos.
Finalmente, os requisitos quanto a instalações e equipamentos para efeitos de autorização de funcionamento são irrelevantes do ponto de vista da sua efectiva utilização pela formadora, que se provou.
Nesta conformidade, conclui-se que a R. não efectuou prova suficiente e significativa em sentido contrário à laboralidade presumida, designadamente indícios de carácter substancial com peso evidente, não sendo relevantes os indícios eminentemente formais atinentes à denominação do contrato, à emissão dos designados “recibos verdes”, ao regime fiscal e de segurança social próprios dos trabalhadores independentes, à não previsão de sanções disciplinares em sentido próprio, etc..
Com efeito, tais índices são obviamente consentâneos com a aparência jurídica que – precisamente – se pretende ajuizar se tem correspondência na efectiva relação jurídica querida e executada pelos outorgantes dos denominados «contratos de prestação de serviços».
Neste enquadramento, e sendo certo que todas as relações jurídicas contratuais, em concreto, podem suportar elementos típicos de vários contratos, importando, pois, atentar na feição que predominantemente apresentam, julga-se que no caso em apreço a factualidade apurada, no seu conjunto, evidencia através dos factores mencionados a inserção da formadora P. A. na organização da Recorrente e a sujeição da mesma a esta na execução do contrato, desde 8 de Setembro de 2014.
E, assim sendo, soçobra a pretensão da Apelante de violação do princípio da autonomia privada e da liberdade de contratar, com tutela constitucional, na medida em que o tribunal se limita a reconhecer a qualificação jurídica adequada ao acordo querido e executado pelas partes do denominado «contrato de prestação de serviço», como lhe incumbe.
De igual modo, falece a pretensão da Recorrente de que se considere que existiram tantos contratos de trabalho, distintos, quantos os «contratos de prestação de serviços» celebrados, na medida em que a tanto obsta a inobservância das formalidades e comprovada motivação subjacentes à admissão de celebração de contratos de trabalho a termo, não podendo considerar-se lícita a alegada cessação de cada um dos contratos.
Por todo o exposto, improcede o recurso interposto da sentença.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar improcedentes os recursos interpostos do despacho saneador e da sentença, confirmando-se os mesmos.
Custas de ambos os recursos pela Apelante.
Em 1 de Julho de 2021

Alda Martins
Vera Sottomayor
Maria Leonor Barroso


1. Disponíveis em www.dgsi.pt.
2. Disponível em www.dgsi.pt.
3. Disponível em www.dgsi.pt.
4. Disponíveis em www.dgsi.pt.
5. Direito do Trabalho, Almedina, 2012, p. 124.
6. Tratado de Direito do Trabalho Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 2014, p. 55.
7. Op. cit., pp. 126-127.
8. Contrato de Trabalho, Coimbra Editora, 2009, pp. 76-77.
9. Direito do Trabalho, Almedina, 2013, p. 307.
10. Manual de Direito do Trabalho, Verbo, 2014, pp. 366 e ss..