Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
340/16.7T8MNC.G1
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: LEGITIMIDADE PROCESSUAL
VENDA EM INSOLVÊNCIA AO CREDOR GARANTIDO POR HIPOTECA
ARRENDAMENTO POSTERIOR À HIPOTECA
CADUCIDADE
INOPONIBILIDADE
PROVA DA SIMULAÇÃO
RECUSA DE ENTREGA
INDEMNIZAÇÃO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. A questão da legitimidade ad causam pode ser arguida ou oficiosamente conhecida na fase de recurso, se o não tiver sido antes em concreto.

II. Tendo o Banco credor hipotecário adquirido, no âmbito da liquidação em insolvência de devedor (pessoa singular), um imóvel por este dado de arrendamento a uma Sociedade e que esta, invocando-o, se recusa a entregar-lhe, não tem aquele (insolvente) de ser demandado em litisconsórcio necessário na acção em que, apenas contra o Administrador da Massa e a Sociedade, o adquirente pede a declaração de nulidade (por simulação) do contrato ou a sua caducidade, inoponibilidade ou ineficácia (artº 824º, CC), e a consequente condenação na sua entrega

III. É que, face à relação material controvertida, o dito devedor não tem qualquer interesse próprio em contradizer, nem a sua intervenção é necessária para que a acção produza o seu efeito útil normal, sequer para apurar a realidade dos factos em que pessoalmente interveio.

IV. Inquestionada a assim adquirida titularidade do domínio pelo Banco e visando este entrar na posse efectiva do imóvel detido pela Sociedade (locatária), a estrutura de tal acção assemelha-se à de reivindicação. Porém, formulando-se, a título principal, o pedido de declaração de nulidade do contrato e, apenas a título subsidiário, o de caducidade ou ineficácia do mesmo, logicamente, embora este se restrinja a uma questão de direito e até se perspective logo a sua procedência, deve, primeiro, conhecer-se da matéria daquele.

V. A procedência da acção de simulação depende da alegação e prova de factos subjectivos essenciais, que podem ser alegados e demonstrados directa ou indirectamente. Por se processarem a nível interno ou psíquico e se revelarem em parcas manifestações externas, eles são de difícil percepção. Logo, a sua prova é quase sempre feita através da de factos instrumentais ou indiciários, avaliados no seu relevo e significado em função de presunções naturais e das máximas da experiência.

VI. A demonstração de tais pressupostos respeita à questão de facto. Respeitando tal tarefa ao julgamento da respectiva matéria, ela deve confinar-se, na estrutura da sentença, à parte da motivação da respectiva decisão. Por sua vez, a impugnação desta, no recurso, deve pautar-se pelas regras legais exigidas para a sua modificação, designadamente no artº 640º, CPC.

VII. Apontando todos os factos indiciários apurados, em conjugação com as máximas da experiência e as presunções naturalmente extraíveis, no sentido de que o contrato foi efectivamente simulado, devem dar-se como provados os respectivos factos essenciais, ainda que de carácter subjectivo. A partir destes se fará, então, a subsunção jurídico-normativa.

VIII. Apesar do disposto nos artºs 165º e 109º, nº 3, do CIRE, à transmissão da propriedade de imóvel, em execução universal (nos termos referidos no ponto 2 antecedente), tal como na que ocorre no âmbito de qualquer execução judicial, é aplicável o disposto no artº 824º, nº 2, do C. Civil. Por isso, a Sociedade sua detentora não pode invocar, para justificar a recusa em entregá-lo ao Banco (quer o adquire livre), o contrato de arrendamento pelo insolvente com ela celebrado já depois da referida oneração real (hipoteca em favor deste), designadamente por não ser aplicável ao caso o disposto no artº 1057º.

IX. Uma vez que a Sociedade locatária, quando instada pelo Banco, na pessoa do devedor insolvente – que corporizava os seus interesses e actividade aparentes e actuava como seu gerente de facto – se recusou a entregar o imóvel, continuando a usufruir dele, apesar de bem ciente da transmissão do domínio pleno para aquela e que o contrato de arrendamento era simulado – como também sabiam aquele gerente de facto e os seus anteriores gerentes de direito (o próprio devedor, o filho e a namorada entretanto adquirente das quotas) – ou, pelo menos, que, face à hipoteca anterior e à venda na insolvência, tal negócio não lhe era oponível, ela responde civilmente pelos danos causados, e não a Massa Insolvente vendedora.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

A autora Banco X, CRL, instaurou, em 20-09-2016 a presente acção declarativa com processo comum contra as rés:

1ª – Terras Y – Agro-Turismo, Lda.; e
2ª– Massa Insolvente de José, representada pelo respectivo Administrador.

Pediu que:

a) seja declarada a nulidade, por vício do simulação, do contrato de arrendamento rural descrito; ou
b) subsidiariamente, seja declarada a caducidade do mesmo negócio, com referência à data de compra pela autora dos prédios objecto daquele;
c) sejam as rés condenadas a entregar à autora os ditos prédios; e
d) bem assim, no pagamento de uma indemnização no valor mensal de €750,00, a contar de 1 de Junho de 2016, até à efectiva entrega dos prédios.

Alegou, para tanto, na petição inicial, resumindo, que em 08-06-2012 instaurou contra a ré “Terras Y” (mutuária) e réus José e seu filho J. P. (avalistas) execução (nº 258/12), na qual foram penhorados os prédios rústicos ..., 2407, 2412 e 2404, já hipotecados a seu favor desde 12-05-2004 conforme escritura do empréstimo. Em 28-02-2013 instaurou outra execução (nº 2899/12), onde foi efectuada idêntica penhora e na qual, uma vez citada para o efeito, reclamou, em 06-05-2013, o crédito de 228.859,30€ e juros. Em 10-12-2015, o réu José requereu processo de revitalização (nº 615/13), estando já designada a venda dos quatro prédios. Tendo tal processo fracassado, em 02-09-2014, aquele foi declarado insolvente. No âmbito desta insolvência, em 03-05-2016, a autora adquiriu e registou a seu favor a propriedade dos 4 prédios. Tendo querido, em 01-06-2016, deles tomar posse, foi disso impedida pelo José, com a alegação, por este, de que havia um contrato de arrendamento rural a favor da ré Sociedade, sociedade esta cuja constituição foi registada em 28-04-2009, tendo ele apresentado uma cópia do alegado contrato e dito que explorava os prédios.

Segundo o respectivo documento, tal contrato foi outorgado naquela mesma data – 28-04-2009 – e apenas participado às Finanças em 11-04-2011, intervindo nele, como outorgantes, o referido réu José, enquanto proprietário e locador, por si e como sócio-gerente da sociedade, e o réu seu filho J. P., igualmente sócio-gerente daquela, pelo prazo de 10 anos, renovável por períodos de 3, pela renda de 250,00€/ano.

Sucede que tal negócio foi combinado entre os outorgantes com o intuito de enganar os credores do José, nem este tendo querido verdadeiramente arrendar nem a Sociedade tornar-se locatária dos prédios, assim afugentando possíveis interessados na compra, permitindo eventual exercício do direito de preferência ou pelo menos que aquele (insolvente) permanecesse no prédio durante 10 anos.

Tal Sociedade fora constituída pelo José e pelo seu filho J. P., a este tendo sido cedida em 05-06-2014 a quota daquele, e as de ambos, em 10-09-2014, a Maria, a qual é estranha àquela e ao seu giro, apenas amiga do insolvente José. Jamais por tal arrendatária foi paga qualquer renda, fosse ao então senhorio José, ao Administrador da Massa Insolvente (onde os bens locados foram apreendidos) ou agora à autora adquirente destes (no respectivo processo).

A renda é manifestamente reduzida em função da rentabilidade dos prédios. Nunca a existência de tal arrendamento foi mencionada em qualquer circunstância respeitante aos mesmos. As duas hipotecas referidas foram constituídas pelo José em garantia de dois empréstimos (escritura de 12-05-2004) contraídos ante a autora aquando da compra por ele dos prédios, no respectivo contrato tendo ficado estipulado que aquele se obrigava a não locar os bens sem autorização da autora, disso estando, ele e o filho, conscientes quando formalizaram o arrendamento e, em consequência, as rés (Sociedade e Massa Insolvente).

Sendo assim, este contrato, se não nulo, sempre será ineficaz ou inoponível em relação à autora e, não tendo aquele sido registado, também terá caducado. Recusando-se a ré Sociedade a entregar os prédios à autora e continuando ela desde 01-06-2016 a ocupá-los e a usufruir dos mesmos (1) como bem entende, está a autora, pela indisponibilidade deles e porque a Massa Insolvente também nada fez (2) para aquela lhos entregar, prejudicada na medida das rendas que poderia realmente receber se os arrendasse.

Juntou documentos.

A 1ª ré “Terras Y”, contestando, impugnou parte da factualidade alegada, salientando que não impediu a entrega dos prédios e que José apenas informou e explicou cordialmente o contrato e respectivas circunstâncias, maxime que o mesmo foi necessário devido a uma candidatura a um projecto europeu desenvolvido por ela e apresentado no âmbito do PRODER, pelo que é verdadeiro e não simulado. Acrescentou que passaram mais de cinco anos desde a sua outorga até à insolvência. Explicou que as rendas não foram pagas por acordo e em razão dos investimentos que teve de fazer nos prédios e que, além disso, não recebeu qualquer comunicação da transferência da propriedade nem instruções sobre como depositar a renda. Refutou que tenha ocorrido caducidade do arrendamento, apesar da transmissão da posição de locador. Não se verificam, quanto a si, fundamentos para ser obrigada a pagar qualquer indemnização.

Juntou documentos.

Por sua vez, a 2ª ré “Massa Insolvente”, deduzindo também oposição, impugnando a factualidade alegada. Salientou que, no âmbito do processo de insolvência, o contrato de arrendamento questionado (tal como um outro de 11-04-2011 sobre outros bens igualmente apreendidos), foi dado a conhecer aos credores, nenhum o tendo impugnado, bem sabendo, portanto, a autora, mesmo quando adquiriu os prédios, da existência de tal negócio. Não há, pois, fundamentos para lhe ser imposta qualquer indemnização.

A autora, em resposta, manteve a sua versão, impugnou a das contestantes e referiu que nunca aceitou a validade do contrato de arrendamento.

Foi fixado o valor da acção, proferido saneador tabelar – nada nele se referindo quanto à legitimidade ad causam –, indicado o objecto do processo, enunciados os temas da prova e apreciados os meios indicados para tal.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento nos termos e com as formalidades descritas na acta respectiva, no seu decurso tendo o tribunal comunicado a possibilidade de existir litigância de má-fé e haver lugar a condenação, tendo facultado às partes oportunidade de sobre o tema se pronunciarem, o que fizeram.

Por fim, com data de 19-11-2017, foi proferida a sentença que culminou na seguinte decisão:

“Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:

a) Declaro nulo o contrato de arrendamento celebrado entre o insolvente José e a ré, Terras Y – Agro-Turismo, Lda., em 28 de Abril de 2009, por vício de simulação;
b) Condeno a ré, Terras Y – Agro-Turismo, Lda., a entregar à autora os prédios identificados em 2), livres de pessoas e bens e em normal estado de conservação;
c) Condeno a ré, Terras Y – Agro-Turismo, Lda., no pagamento à autora de uma indemnização no valor mensal de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), contada desde 1 de Junho de 2016 até efectiva entrega dos prédios descritos em 2);
d) Condeno a ré, Terras Y – Agro-Turismo, Lda., no pagamento de uma multa processual no valor de quatro UC’s cada, por litigância de má-fé;
e) Absolvo a ré, Massa Insolvente de José, do pedido.
*
Custas da acção pela Autora e pelas Rés, na proporção do respectivo decaimento, ao abrigo do disposto nos artigos 527.º, n.º 1, 1.ª parte e n.º 2, do Código de Processo Civil.”

A “Terras Y” não se conformou e apelou a esta Relação, alegando e concluindo:

1. A Mma. Juiz “a quo” julgou, em nossa opinião, incorrectamente a matéria de facto e de direito alegada nos presentes autos.

QUESTÃO PRÉVIA

2. A A. propôs a presente acção contra a R. Terras Y, ora recorrente, e contra a Massa Insolvente, sucede que, na petição inicial da A., no decorrer da produção da prova e na própria Sentença é consecutivamente referido e apontado como responsável pela alegada simulação do contrato de arrendamento em causa nos autos o Sr. José, também diversas vezes mencionado como o Insolvente.
3. Sucede que, o mencionado Sr. José nunca foi parte na presente acção, nunca teve oportunidade de se defender, nem de apresentar, processualmente, a sua versão dos factos, pese embora, seja constantemente apontado como responsável por ter simulado um negócio, o que em nosso entender resulta numa preterição do litisconsórcio necessário natural passivo o que determina uma ilegitimidade processual, com todas as consequências legais.
4. Salvo o devido respeito por opinião diversa, o efeito útil normal de uma decisão judicial consiste numa ordenação absoluta da situação concreta, debatida entre as partes, no entanto, para uma boa decisão da causa em apreço e a efectiva concretização da Justiça, teria necessariamente que ter intervindo no processo o alegado e supra referido simulador.
5. A aplicabilidade das regras de litisconsorcio necessário afere-se pela causa de pedir e pedido invocados na acção, ora com o pedido de nulidade do contrato de arrendamento, por alegada simulação do negócio, entendemos que tal acção sempre teria que ser proposta contra os eventuais simuladores sob pena de ilegitimidade processual, isto é, houve no caso em apreço insuficiência de RR.
6. Nos presentes autos, parece existir uma confusão entre a R. Massa Insolvente com o Insolvente, mas na verdade não é a mesma coisa, a Massa Insolvente é tão só o património do devedor e destina-se à satisfação dos credores. É um património autónomo que inclui os direitos patrimoniais privados penhoráveis do Insolvente e o Administrador de Insolvência assume a representação para todos os efeitos de carácter patrimonial.
7. Assim, para a avaliação de uma eventual simulação, é indispensável a análise da vontade real e a vontade declarada entre as partes que concretizaram o negócio, vontade essa que é um facto processual relevantíssimo em matéria de concretização da existência ou não de um vicio de vontade, trata-se de um evento do foro interno, sensorial e emocional do individuo a acrescer aos factos externos, que de maneira alguma podem ser representados ou defendidos pelo Administrador de Insolvência.
8. Importa ainda referir que, a nulidade do negócio por vício de simulação teria não só resultados patrimoniais no caso da Massa insolvente ser condenada, mas tem efeitos directos, imediatos e manifestos, na pessoa do Insolvente que é considerado um malfeitor e enganador sem sequer ter oportunidade de se defender.
9. E esse resultado, para além do patrimonial, verifica-se directamente na esfera jurídica, daquela pessoa que não é parte, violando os seus direitos de personalidade civil e constitucionalmente consagrados.
10. A prova dos requisitos da simulação do contrato de arrendamento, não se pode fazer em juízo sem que os alegados simuladores sejam chamados à demanda. Pelo que, devia ter sido também chamado à demanda o Sr. José, uma vez que a Massa insolvente só representa parte do património do Insolvente, não representando o Insolvente em toda a sua plenitude de personalidade jurídica.
11. Nesta medida e antes de mais considerações deve ser dada sem efeito a Sentença em virtude do Sr. José não ter sido chamado a acção e ser este citado para contestar querendo a acção proposta pela A., violando, nesta medida, o artigo 33º do C.P.C..

DA SIMULAÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO

12. Não pode a recorrente concordar com a apreciação da prova feita pela Mma. Juiz “a quo”, nem com a respectiva aplicação do direito, pois que, atenta a matéria de facto alegada nos articulados, os documentos juntos pelas partes e bem como os depoimentos prestados, devia ser outra a apreciação concernente à verificação (ou não) de simulação.
13. É no fingimento, na intenção de criar a aparência de uma realidade fazendo crer que há um desígnio de provocar uma ilusão para enganar terceiros, que reside a existência de uma simulação, sendo ainda necessário demonstrar o conluio concreto e a intenção de enganar pessoas concretamente determinadas. Sucede que, nenhuma dessas possibilidades se verificam nos factos provados e muito menos na interpretação e percepção que Mma. Juiz “a quo” faz daqueles, pelo que resultam, em nosso entender e com todo o respeito, num erro de apreciação da prova e de aplicação do direito, como iremos esclarecer.
14. De facto, não houve o pagamento de uma renda porque a empresa não chegou a obter rendimentos para o efeito, devido ao elevado investimento efectuado na promoção do negócio da vinha, agricultura e turismo rural.
15. No entanto, a falta de pagamento de renda não é bastante, nem sequer suficientemente indiciador, da existência de um contrato simulado, até porque ficou claro que o pagamento não foi feito porque a empresa não chegou a ter autonomia financeira para tal.
16. Acresce que, a circunstância de no momento de assinatura do contrato de arrendamento o senhorio ser pai do legal representante da inquilina e também sócio daquela, não é elemento bastante nem sequer indiciador da existência de um contrato simulado.
17. Nesta medida, estão e sempre estiveram preenchidos os elementos essenciais e específicos de um contrato de arrendamento rústico.
18. Mas, diversamente do que em nosso entender seria expectável, a Mma. Juiz “a quo” para justificar a existência de um negócio simulado fundamentou tal decisão em factos erróneos que teriam que resultar em diferente apreciação.
19. Desde logo quanto às hipotecas constituídas em 2004, estas resultam de um contrato de mútuo celebrado entre a A. e o Sr. José, particularmente, ao qual a sociedade R. e o filho do Sr. José são completamente alheios. Não justificando por isso qualquer intenção de enganar a A.
20. Também considera um outro processo de 2013, para justificar a intenção de enganar, mas em que a A. é chamada por ser credora hipotecária para reclamar créditos, não é a Exequente, trata-se mais uma vez de uma situação completamente alheia ao caso dos autos e aos respectivos intervenientes. Não justificando por isso qualquer intenção de enganar a A.
21. Afirma ainda a Mma. Juiz “a quo” que é “ É consabido que as Instituições bancárias apenas intentam acções executivas, muito tempo após o início da mora do devedor/ do mutuário, sendo que resulta das regras da experiencia comum que, durante vários meses as situações de incumprimento passam por tentativas de resolução …”, curiosamente não se aplica de todo ao caso em concreto, isto porque, de uma análise atenta ao documento nº1 junto com a P.I. relativamente ao requerimento executivo de 8 de Junho de 2012, designadamente da descrição dos factos o mandatário da A. escreve que o contrato de mutuo data de 11/04/2011 e a Sociedade não pagou a prestação de 14/10/2011, tendo a Banco X lançado mão do processo executivo.
22. Pelo que, de uma atenta apreciação do documento, a A. é mais expedita que a generalidade das Instituições bancárias, deixando cair por terra as regras de experiencia comum, como com a falta de pagamento de uma prestação avançou para o processo executivo, talvez até ultrapassando fases conciliatórias.
23. Ora, a validade formal do contrato de arrendamento não depende da respectiva participação fiscal, como aliás a Mma. Juiz “a quo” refere mais à frente quando tece considerações sobre a eventual caducidade do contrato de arrendamento, devendo o mesmo considerar-se celebrado na data referida no documento, 28/04/2009.
24. Acresce que, a Mma. Juiz “a quo” quer considerar como indicio o facto de apresentação ao serviço das Finanças ter ocorrido um ano antes da propositura da acção executiva, mas devia ter levado em conta que tal participação ocorreu até antes da existência de um contrato de mútuo, o que salvo o devido respeito afasta qualquer indício do contrato ter sido “fabricado” ou “fictício” como sugere a Mma. Juiz “a quo” e deve até comprovar a veracidade das vontades das partes e aversão trazida aos autos pela R. Terras Y.
25. O valor diminuto da renda não pode resultar em qualquer tipo de indício, pois que tal valor é consequência do assentimento por parte do Sr. José em virtude do elevado investimento a realizar e posteriormente efectivamente realizado pela R. no imóvel.
26. E existe mais uma vez a responsabilização do Insolvente, Sr. José, quem exercia a função de gerente em 2009 e representou a Sociedade, na data da assinatura do contrato de arrendamento foi J. P., não existindo, portanto, qualquer indício de que o contrato de arrendamento tenha sido “fabricado” ou “fictício” como sugere a Mma. Juiz “a quo”.
27. Nestas circunstâncias, mais uma vez impõem-se referir que toda a acção, produção de prova e Sentença se centra na figura do Sr. José, que em momento algum foi chamado aos autos para trazer a sua versão dos acontecimentos, já que as Rés não tem nem podem ter conhecimento de todo o circunstancialismo relacionado com o contrato de arrendamento em causa, violação legal que deverá ser analisada à luz das regras do litisconsorcio necessário com todas as consequências legais
28. Apesar da necessidade cumulativa da intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração, do acordo simulatório e o intuito de enganar a Banco X, para se verificar a existência de um negócio simulado e consequentemente decretar a sua nulidade, a Mma. Juiz “a quo” se funda em meros indícios, que na nossa modesta opinião são frágeis e foram erroneamente apreciados. Não estando concretamente preenchidos os requisitos necessários para a apreciação nos autos de um negocio simulado.
29. Aliás, de toda a prova produzida, em momento algum é determinado o conluio concreto e a intenção de enganar pessoas concretamente determinadas, no caso dos autos a A.
30. Em conclusão, entendemos que os indícios referenciados na Sentença, frágeis e errados, na nossa opinião, não podem resultar:

- que houve uma dvergência intencional entre a vontade real e a vontade declarada,
- que o Sr. José sabia que não podia dar de arrendamento o imóvel se o mesmo nem teve oportunidade de se defender, de alegar e provar que tais cláusulas contratuais nunca lhe foram explicadas, esclarecidas ou se quer lidas antes da outorga do contrato de mútuo, ou poderia vir dizer, por exemplo, que até tinha comunicado à Banco X a existência do contrato de Arrendamento,
- que houve divergência na vontade do J. P., legal representante da sociedade R. na data da assinatura do contrato de arrendamento, quando ele próprio esclarece que o contrato não só é real como não havia outra forma de fazer negócio com o seu pai e desconhecia o empréstimo que o Sr. José fez com a Banco X, - que houve um acordo entre o Sr. José e J. P. para defraudar os direitos dos credores, designadamente da Autora, quando não é feita qualquer prova do mesmo, não se evidenciam sequer indícios de conluio e, sobretudo, nem sequer existia o contrato de mútuo que motivou o processo executivo de 2012 (que está por base de tal indício).
31. Pelo supra exposto, impõe-se que não sejam dados como não provados, pelo menos, os pontos 14., 15. e 16. dos factos provados em sede de Sentença. E sejam dados como provados as alíneas g), h) e i) dos factos não provados, na medida da prova produzida e supra evidenciada.
32. Nomeadamente, que o arrendamento às Terras Y resultam da finalidade desta em promover o negócio na área da vinha e turismo rural, patente em projectos de investimento submetidos pela testemunha J. P. em representação das Terras Y. E que a empresa não pagou rendas em virtude de um conjunto de investimentos relevantes, na área da agricultura, na reestruturação da vinha, no parque de máquinas e no turismo rural.
33. E, salvo o devido respeito, deveria ter sido outra a decisão da causa, designadamente deveria ser considerado válido o contrato de arrendamento por total inexistência dos requisitos (nem sequer indícios) necessários e cumulativos para a verificação de simulação, conforme o artigo 240º do C.C..

DA CADUCIDADE DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO

34. Apesar de não ser tomada nenhuma decisão nesta matéria, a Mma. Juiz “a quo” faz uma apreciação com a qual discordamos, razão pela qual não podemos deixar de nos pronunciar.
35. Embora a A. no seu articulado inicial que o prédio em causa nos autos, havia sido dado como garantia, livre de quaisquer ónus e encargos, tal negócio não foi celebrado com a R. / ora recorrente, e na data da assinatura do contrato de arrendamento o legal representante da sociedade R. desconhecia tal existência.
36. Razão pela qual não pode sem mais ser imputada à inquilina tais circunstâncias, até porque, os prédios foram adquiridos no âmbito de um processo de Insolvência, no qual o Sr. Administrador de Insolvência reconheceu a existência e validade do arrendamento.
37. Pelo exposto e sabendo a A. da existência do contrato de arrendamento e sendo a inquilina pessoa diversa do Insolvente, não deve operar qualquer caducidade do arrendamento.

DA INDEMNIZAÇÃO PELA ALEGADA RECUSA NA ENTREGA

38. Em consequência de discordarmos da existência de um negócio simulado, e que V. Exas. doutamente apreciarão, somos de opinião que deverá concluir-se pela não existência de qualquer vício de vontade no contrato de arrendamento em causa nos autos, sendo, aquele documento, o reflexo genuíno das partes que o assinaram, não tendo existido, em momento algum, outro objectivo que não fosse reflectir um negocio real e verdadeiro, e sem qualquer propósito de enganar credores.
39. Nessa medida, mantendo-se válido o arrendamento, não estão preenchidos os pressupostos de que dependem a obrigação de indemnizar, pelo que, a R. / ora recorrente usufrui do prédio enquanto inquilina, mantendo-se assim até ao termino do contrato que ocorrerá já no próximo ano, e se as partes não acordarem na sua renovação.
40. Razão pela qual deve improceder a indemnização peticionada, por não estarem preenchidos os respectivos pressupostos, nos termos do art. 483º do C.C..
41. No entanto, não podemos de deixar de fazer algumas considerações, desde logo ao tratamento diferenciado que é feito entre as duas R. dos autos. Ora, se no que à indemnização diz respeito a R. Massa Insolvente não é condenada pois que a Mma. Juiz “a quo” entendeu - e bem - que a A. conhecia a situação dos prédios nos autos, designadamente o contrato de arrendamento com a sociedade R., pelo que nenhum facto ilícito poderia ser imputado à Massa Insolvente, no que respeita à sociedade Terras Y, houve uma ocupação ilícita pois sabia que os mesmos tinham sido adquiridos pela A. no processo de Insolvência e continuou a utilizá-los.
42. Então não devia pelo menos ter sido feito o mesmo raciocínio, isto é, a R./ ora recorrente sabia que tinha sido adquirido, mas também sabia tal com a Massa Insolvente que a A. tinha conhecimento do contrato de arrendamento e ainda assim adquiriu. Onde está aqui a ilicitude? E sobretudo onde está aqui uma actuação diferente entre as RR. que implique diferentes consequências?
43. Pelo que, deve improceder o pedido de indemnização civil peticionado.
44. Por mera cautela e sem prescindir, importa acrescentar que, ainda que fosse devida alguma indemnização, o que não se concede, os valores fixados na Sentença judicial recorrida sempre seriam manifestamente exagerados, isto porque, não considera o envelhecimento da vinha e o investimento realizado em cada produção.
45. Dúvidas não podem restar que no nosso direito processual civil vigora o princípio da prova livre, podendo o Tribunal apreciar livremente as provas e responder de acordo com a convicção que tenha formado para cada questão.
46. Razão pela qual as provas são apreciadas livremente de acordo com a convicção que geram realmente no espírito do julgador acerca da existência do facto. E, tal princípio consubstancia-se na utilização pelo julgador das regras da experiência e da sua livre convicção na apreciação da prova.
47. As regras ou normas da experiência, são definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes no caso concreto “sub júdice”, assentes na experiência comum,e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade.
48. A livre convicção é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundamentada da verdade e uma conclusão livre, porque subordinada à razão e à lógica, e não limitada por prescrições formais exteriores.
49. Ou seja, o princípio da livre apreciação da prova não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida. A liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada verdade material -, de sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, reconduzível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo.
50. Do mesmo modo, a livre ou íntima convicção do Juiz, de que fala a este propósito, não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável. Uma tal convicção existirá quando e só quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável. Não se tratará pois, na convicção, de uma mera opção voluntarista pela certeza de um facto e contra a dúvida, ou operada em virtude da alta verosimilhança ou probabilidade do facto, mas sim de um processo que só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável ao menos a posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse.
51. Salvo o devido respeito, é precisamente pelo facto de a R. não ter ficado convencido da justeza da decisão tomada pelo tribunal no que tange à matéria de direito e de facto e, consequentemente, não concordar com a motivação ou fundamentação da convicção do tribunal, que é interposto o presente recurso.
52. Efectivamente, entende a R. que a prova junta aos autos com os articulados e a produzida em audiência, designadamente a que é referida na motivação da decisão de facto da douta sentença recorrida, impõe, à luz do já referido artigo 607 º do C.P.C., uma decisão diversa da que foi tomada. Em razão disso, necessariamente, na perspectiva da Recorrente, foi violado tal normativo legal, pois que, conjugando os demais factos dados como provados com os documentos juntos e o depoimento das testemunhas supra mencionados, entende a R. que se impunha que o Tribunal desse uma resposta diferente.
53. Na realidade, entende a R. que, atenta a matéria de facto alegada nos articulados, bem como os depoimentos de parte dos RR., os depoimentos das testemunhas inquiridas sobre tal matéria e ainda os documentos juntos com os articulados, se impunha que fosse dado como assente a inexistência de qualquer negócio simulado, a validade do contrato de arrendamento e a improcedência da indemnização peticionada.

DA LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ

54. A R. foi ainda condenada como litigante de má-fé na multa de 4 UC’S por ter resultado claro e evidente ao tribunal que a R. (bem como o Insolvente José, mais uma vez o centro de processo mas que nunca foi parte) fabricou o contrato de arrendamento em causa nos autos com o intuito de prejudicar a A..
55. Ora, em momento algum a R. fez qualquer uso reprovável do processo, nem litigou de má-fé, tendo carreado para os autos a sua versão dos factos, sabendo no entanto que muitos outros poderiam ter sido trazidos se o Insolvente tivesse tido oportunidade de se defender ao invés de estar a ser julgado e condenado sem poder pronunciar-se.
56. Sendo certo que nos termos do disposto no art. 542º do C.P.C. a noção de má-fé pressupõe que exista dolo ou negligência grave, o que não sucedeu no caso dos autos.
57. A decisão ora objecto de recurso fez, pois, uma incorrecta aplicação da Lei e do Direito, pelo que deve ser revogada.
58. Pelo que, salvo o devido respeito, deveria ter sido outra a decisão da causa, designadamente deveria ser considerado válido o contrato de arrendamento por total inexistência dos requisitos (nem sequer indícios) necessários e cumulativos para a verificação de simulação.
59. A decisão ora objecto de recurso fez, pois, uma incorrecta aplicação da Lei e do Direito, pelo que deve ser revogada.
Termos em que
Deve ser revogado a douta sentença recorrida, substituindo-se por outra que reconheça a existência do contrato de arrendamento e em consequência considere como procedentes os pedidos efectuados na pi.
Assim se fará como sempre JUSTIÇA!”.

A autora contrapôs-se-lhe, alegando e concluindo nos seguintes termos:

1.a - A invocação pela recorrente, em sede de recurso, da excepção da ilegitimidade processual é manifestamente extemporânea, tanto mais que, em 20.01.2017 foi proferido despacho saneador, já transitado em julgado, que considerou não existirem quaisquer excepções que obstassem à decisão de mérito - vd. art.º 573.° e n.ºs 1 e 3 do art.º 613.° do CPC
2.a - Mesmo que assim não se entendesse, sempre se teria de concluir pela improcedência de tal excepção, uma vez que o simulador José já foi judicialmente declarado insolvente e, consequentemente, perdeu o poder de disposição dos seus bens, competindo, pois, ao administrador da insolvência representá-lo - vd. n.os 1 e 4 art.º 81.° do CIRE
3.a - A recorrente impugna a matéria de facto, porém, limita-se, a referir, de forma genérica, os factos que considera erradamente julgados, não especificando', relativamente a cada um deles, qual o concreto meio de prova que impõe que sejam dados como provados ou não provados. - vd. n.º 1 art.º 639.° e n.º 1 e ais. a) e b) n.º 2 art.º 640.° CPC
4.a É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito, não podendo, no caso sub judice, reapreciar-se a matéria de facto, uma vez que a recorrente não cumpre o ónus de alegação que impede sobre si - vd. art.º 635, n.º 4,639.°, n.º 1 e 640.°, n.º 2, aI. a) do CPC
5.a - Foram provados todos os factos que consubstanciam os requisitos de que depende a simulação do contrato e, por isso, bem andou o tribunal "a quo" ao dar como provada a matéria de facto constante dos pontos 14 a 16 e, consequentemente, ao declarar nulo o contrato de arrendamento - vd. arts. 240.° e 289.º do CC
6.a - Por ausência de prova não pôde a Mm.a Juiz "a quo" dar como provados os factos das als. g), h) e i) dos factos não provados e, de resto, a recorrente não indica quaisquer meios de prova que permitam dar como provados tais factos
7.a - Ainda que não se concluísse pela nulidade do contrato por simulação, o arrendamento invocado pela recorrente sempre teria caducado à data da venda do imóvel à autora, no processo de insolvência de José - cfr. n.º 2 art.º 824.º do CC e art.º 165.° do CIRE
8.a - Face à comprovada (e não impugnada) ocupação ilícita dos prédios em causa pela recorrente, está a mesma obrigada a pagar à autora a correspondente indemnização, como forma de reparar os prejuízos sofridos por esta, decorrentes da privação do uso e fruição dos referidos prédios - cfr. n.º 1 art.º 483.° CC
EM CONFORMIDADE COM AS RAZÕES EXPOSTAS DEVE NEGAR-SE PROVIMENTO À APELAÇAO, CONFIRMANDO-SE A SENTENÇA PROFERIDA ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA.”.

Foi admitido o recurso como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Corridos os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.

II. QUESTÕES A RESOLVER

Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos. Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.

No caso, tendo em conta as longas, inúmeras e, por isso, prolixas conclusões que praticamente se limitam a reproduzir as alegações (3), importa apreciar e decidir:

a) Ilegitimidade processual passiva, por preterição do litisconsórcio necessário.
b) Impugnação da matéria de facto relativa à alegada simulação do contrato de arrendamento: verificação dos requisitos do artº 640º; mérito.
c) Impugnação da matéria de direito: pressupostos jurídicos da simulação; subsidiariamente, caducidade/ineficácia/inoponibilidade da locação.
d) Indemnização.
e) Litigância de má-fé.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O tribunal recorrido, nesta sede decidiu:

A - FACTOS PROVADOS
Da instrução e discussão da causa, julgou-se provada a seguinte factualidade:

1. No dia 8 de Junho de 2012, a autora instaurou no Tribunal Judicial de Monção, contra a sociedade ré, o insolvente e o seu filho, J. P., a acção executiva com o nº 285/12.0TBMNC;
2. No decorrer dessa execução, foram penhorados os seguintes bens imóveis, então propriedade do insolvente:
a) Prédio rústico, terreno de cultura, vinha, pastagem e L., denominado “Quinta P.”, situado no Lugar ..., freguesia de ... concelho de Monção, inscrito na matriz predial sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 1056;
b) Prédio rústico, L. e vinha, denominado “Quinta P.”, situado no Lugar ..., freguesia de ... concelho de Monção, inscrito na matriz predial sob o artigo 2407, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 1062;
c) Prédio rústico, L. e vinha, denominado “Quinta P.”, situado no Lugar ..., freguesia de ... concelho de Monção, inscrito na matriz predial sob o artigo 2412, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 1063;
d) Prédio rústico, terreno de vinha, denominado “L.”, situado no Lugar ..., freguesia de ... concelho de Monção, inscrito na matriz predial sob o artigo 2404, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 1064;
3. Aquando da penhora descrita em 2), a autora dispunha já de duas hipotecas, constituídas em 12 de Maio de 2004, sobre os prédios indicados em c) e d), para garantia de pagamento, cada uma, de € 9.303,29;
4. No dia 28 de Fevereiro de 2013, no âmbito da acção executiva nº 2899/12.9TBMTS, do então 6º Juízo Cível do Tribunal de Matosinhos, a autora penhorou o prédio rústico descrito em a) do ponto 2);
5. Por efeito das hipotecas referidas no ponto 3) e da penhora referida no ponto 4), a autora foi citada na execução referida em 1), para aí reclamar os seus créditos;
6. No dia 6 de Maio de 2013, a autora reclamou nessa execução, o crédito total de € 228.859,30, acrescido de juros de mora vincendos;
7. No dia 10 de Dezembro de 2013, data em que na referida execução, se encontrava já designada a venda judicial dos prédios rústicos referidos em 2), o insolvente apresentou o processo especial de revitalização com o nº 615/13.7TBMNC;
8. O insolvente não conseguiu o acordo dos seus credores e, em consequência, no dia 2 de Setembro de 2014, foi declarada a sua insolvência;
9. No dia 3 de Maio de 2016, no âmbito do referido processo de insolvência, a autora adquiriu os prédios referidos em 2), tendo procedido ao registo de aquisição junto da Conservatória do Registo Predial;
10. No dia 1 de Junho de 2016, a autora apresentou-se no local dos prédios a fim de tomar posse dos mesmos, tendo sido impedida de o fazer pelo insolvente José;
11. O insolvente invocou a existência de um contrato de arrendamento a favor da sociedade ré, sobre os prédios descritos em 2), tendo apresentado, então, uma cópia desse contrato;
12. O insolvente referiu, ainda, que explorava esses prédios;
13. Com data de 28 de Abril de 2009, a sociedade ré, representada pelo sócio gerente J. P., e o insolvente (também sócio gerente da primeira), redigiram um documento particular que denominaram de “contrato de arrendamento” com o seguinte teor:

1º Outorgante: José (…)
2º Outorgante: Terras Y – Agro- Turismo, Lda. (…)
Entre os outorgantes acima identificados é celebrado o seguinte contrato de arrendamento rural, de harmonia com o D.L. nº 385/88, de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo D.L. nº 524/99 de 10 de Dezembro e demais condições acima estipuladas, relativas aos prédios rústicos seguintes de que o primeiro é proprietário:
(…)
- Prédio rústico, denominado Quinta P., com a área de 9400 m2, inscrito na matriz sob o nº ...
(…)
- Prédio rústico, denominado Quinta P., com a área de 1200 m2, inscrito na matriz sob o nº 2407
(…)
- Prédio rústico, denominado Quinta P., com a área de 4970 m2, inscrito na matriz sob o nº 2412
- Prédio rústico, denominado L., com a área de 5860 m2, inscrito na matriz sob o nº 2404
(…)
1º O contrato tem início em 28 de Abril de 2009 e é celebrado pelo prazo de dez anos, renovável por períodos sucessivos de três anos, enquanto qualquer das partes não for denunciada com antecipação legal.
2º A renda é de 250 euros anuais.
(…)
Lavra, 28 de abril de 2009”;
14. O negócio representado no documento referido em 13) foi combinado entre os outorgantes, com o intuito de enganar os credores do insolvente, divergindo as declarações prestadas da vontade real de cada um;
15. O insolvente não quis, na realidade, dar de arrendamento esses prédios à sociedade ré, que, correspondentemente, nunca os quis arrendar;
16. O intuito da redacção desse documento foi apenas o de afugentar os possíveis interessados na compra dos prédios, permitir (eventualmente) o exercício do direito de preferência ou fazer o insolvente permanecer nos prédios durante dez anos;
17. O referido documento apenas foi participado à repartição de Finanças no dia 11 de Abril de 2011;
18. A ré sociedade foi constituída pelo insolvente e pelo seu filho, J. P., tendo tido as seguintes alterações:
- em 05.06.2014, o insolvente declarou ceder a sua quota ao filho J. P.;
- em 10.09.2014, o J. P. declarou ceder as suas quotas a Maria;
19. Maria é amiga do insolvente, vive na cidade do Porto, onde trabalha e onde residem os seus familiares mais próximos;
20. Embora conste como sócia e gerente da sociedade ré, na verdade não pagou qualquer valor pelas quotas dessa sociedade e também não exerce, na realidade, a gerência da mesma;
21. É o insolvente quem, de facto, gere a sociedade ré;
22. A sociedade ré nunca pagou a renda prevista no documento descrito em 13), quer ao insolvente – até à declaração e insolvência -, quer ao administrador da insolvência, quer à autora – após a compra por esta desses prédios;
23. Por outro lado, a renda fixada é manifestamente reduzida, tendo em consideração as características e aptidão dos prédios em causa;
24. Com efeito, esses quatro prédios encontram-se ligados, dispõem, no seu conjunto, de uma área registada de 21.430 m2, com vinha alvarinha devidamente ordenada e já com produção;
25. A produção desta vinha tem muita procura e é comercializada facilmente, gerando um rendimento anual de catorze mil, duzentos e quarenta e um euros;
26. No decorrer da execução referida em 1), na sequência da penhora desses prédios, nunca o insolvente, ou a sociedade ré ou J. P., referiram a existência de qualquer arrendamento;
27. As duas hipotecas referidas em 3) foram constituídas pelo insolvente, aquando da compra dos prédios referidos em 2), para garantia dos empréstimos que então a autora lhe concedeu;
28. Os prédios foram comprados pelo insolvente livre de ónus ou encargos;
29. Nessa escritura de compra e venda e mútuo com hipotecas, a autora e o insolvente fizeram constar na cláusula sexta, o seguinte: “Os segundos outorgantes obrigam-se perante a Banco X a não dar de exploração, locar, alienar, hipotecar ou por qualquer outra forma onerar, no todo ou em parte, sem autorização da Banco X, os prédios dados de garantia, sob pena de imediato vencimento do crédito”;
30. A autora aceitou a garantia desses prédios precisamente porque os mesmos não se encontravam onerados ou limitados por qualquer ónus ou encargos e, nesse estado, asseguravam o pagamento do seu crédito;
31. O insolvente ficou consciente que a autora apenas aceitava esses prédios em garantia por se encontrarem totalmente livres de ónus e encargos, obrigando-se, correspondentemente, a manter esses prédios nessas precisas condições;
32. Isto porque a constituição de qualquer encargo sobre esses prédios, implicaria a redução do valor de mercado dos mesmos, afectando a recuperação do crédito da autora;
33. Aquando da assinatura do documento descrito em 13), a sociedade ré sabia perfeitamente as condições, referidas nos pontos 27) a 32), em que as hipotecas foram constituídas;
34. Porque eram gerentes da sociedade ré, o insolvente e o seu filho J. P.;
35. Sendo que, o insolvente tinha intervindo na escritura de mútuos com hipotecas e, por isso, estava consciente de que não podia dar de arrendamento esses prédios;
36. A autora adquiriu os referidos prédios em sede de liquidação do activo do insolvente;
37. O documento descrito em 13) nunca foi registado;
38. Desde a data descrita em 10), a sociedade ré continua a usufruir dos prédios descritos em 2) como bem entende;
39. A ré Massa insolvente não diligenciou pela entrega à autora dos referidos prédios, livres de pessoas e bens;
40. Se os prédios tivessem sido entregues à autora em 01.06.2016, este poderia tê-los vendido ou arrendado;
41. O Sr. Administrador da Insolvência enviou carta à sociedade ré, para exercício do direito de preferência, em 07.05.2015;
42. Em 21.10.2014 foi junto aos autos de insolvência o relatório a que alude o art. 155º do CIRE, do qual consta a menção: “A verba nº:1 do inventário está arrendada à sociedade Terras Y Agro-Turismo Lda. 508904056, por contrato de arrendamento datado de 28 de Abril de 2009 com uma renda anual de 2.000,00 € e as verbas 4 a 15 estão arrendadas à mesma sociedade por contrato de arrendamento datado de 11 de Abril de 2011, pelo valor anual 250,00 €.”;
43. O relatório foi do conhecimento de todos os credores, incluindo da ora Autora, não tendo sido o seu conteúdo impugnado por ninguém;
44. Realizou-se a Assembleia de Credores no dia 31.10.2014, onde o relatório foi aprovado, pelos credores presentes, bem como decidiu-se pelo início da liquidação;
45. A autora sempre teve conhecimento da existência do contrato de arrendamento, o que não a impediu de efectuar uma proposta de compra dos prédios arrendados, no processo de insolvência, e de ter sido a mesma formalizada, por escritura pública a que a Autora compareceu sem nada questionar.

B - FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevância para a decisão da causa, os factos não provados são os seguintes:

a) Que a área real do conjunto dos quatro prédios seja de 23.000 m2, com vinha alvarinha com três anos;
b) Que a produção da vinha existente nos quatro prédios gere um rendimento anual de trinta mil euros;
c) Que em condições normais, os prédios rústicos descritos em 2), pudessem ser dados de arrendamento pela renda anual de € 9.000,00 (nove mil euros);
d) Que no decorrer da insolvência de José, não tenha sido feita qualquer referência ao arrendamento dos prédios descritos em 2);
e) Que J. P. vivesse na companhia do seu pai, José, convivesse todos os dias com ele e se deslocasse com o pai ao balcão da autora, tendo perfeito conhecimento das condições fixadas na escritura de hipoteca;
f) Que o Sr. José apenas tenha tido uma conversa informal e cordial com a autora, esclarecendo os contornos do contrato de arrendamento e da necessidade de o formalizar em 2009, devido a uma candidatura a um projecto europeu;
g) Que o contrato de arrendamento tenha sido efectivamente celebrado e apresentado no âmbito da candidatura ao PRODER;
h) Porque era a sociedade ré quem estava a promover o desenvolvimento do projecto e da exploração agrícola, tenha sido necessário celebrar o referido contrato;
i) Que a renda não tenha sido paga, em virtude de o senhorio e a inquilina assim o terem acordado, devido ao elevado investimento realizado pela empresa ré no imóvel, pata remodelação e criação de condições razoáveis de habitação;
j) Que o valor da renda anual fixada estivesse de acordo com os valores praticados em 2009, considerando o estado de abandono em que os terrenos se encontravam à data;
k) Que a sociedade ré tenha realizado e pago investimentos nos imóveis, designadamente, a plantação de vinha, desenvolvimento de culturas e tratamento de árvores e frutos.
*
Salienta-se que o Tribunal não responde ao alegado nos restantes artigos dos articulados, por se tratar de matéria de mera impugnação, de direito e conclusiva.”.

IV. APRECIAÇÃO

A) Questão Processual

Comecemos, então, nos termos do nº 1, do artº 608º, aplicável ex vi do nº 2, do artº 663º, CPC, pelo problema da legitimidade ad causam.

Nas primeiras 11 conclusões do recurso – que, ao arrepio do nº 1, do artº 639º, do CPC, praticamente reproduz o respectivo texto das alegações sem as sintetizar – a ré ora apelante “Terras Y” suscita, pela primeira vez neste processo, o problema da legitimidade passiva, dizendo que devia ter sido também demandado o alegado simulador José para que a acção produzisse o seu efeito útil normal, uma vez que as suas implicações não se restringem apenas ao património (restituição) mas atingem a personalidade daquele, não se podendo fazer a prova da simulação sem estarem em juízo os protagonistas do respectivo negócio.

A sociedade apelada objectou que tal arguição fora da contestação é extemporânea; que a decisão sobre tal aspecto proferida no saneador transitou em julgado; constitui abuso de direito suscitá-la agora; e, em todo o caso, tendo o referido José sido declarado insolvente e, por isso, nos termos legais, perdido os poderes de disposição dos bens que tendo sido dele foram apreendidos para a Massa respectiva, a legitimidade passiva está assegurada pela intervenção desta (representada pelo Administrador), devendo improceder a excepção.

Recorde-se que, na presente acção, em última análise, o Banco autor pretende que lhe seja entregue (efectivamente) o imóvel adquirido por compra no âmbito daquela liquidação, a despeito do invocado contrato de arrendamento que legitimaria a recusa a desocupá-lo por parte da apelante, uma vez que – como alegou – aquele é nulo por simulado ou, mesmo que o não seja, teria caducado ou ser-lhe-ia ineficaz ou inoponível em razão da dita venda (pois que sobre o mesmo e antes de tudo estava constituída hipoteca a seu favor em garantia do mútuo concedido ao devedor/insolvente, garantia esta que lhe assegura a aquisição livre).

Vejamos.

A legitimidade processual ou “ad causam” nada tem a ver com a chamada “legitimidade substantiva”, como ensinava o Professor Antunes Varela e é entendimento pacífico. (4)

Esta respeita à relação jurídica definidora de direitos e obrigações (de natureza material ou substantiva e não formal ou adjectiva), à titularidade activa e passiva dos mesmos pelos respectivos sujeitos e ao seu exercício.

Como é sabido, a legitimidade processual constitui um dos pressupostos necessários para que o tribunal possa e deva apreciar o fundo ou mérito da causa e decidir sobre o pedido formulado, julgando-o procedente ou improcedente e concedendo ou negando a pretendida protecção jurisdicional.

Respeita à relação processual, à titularidade da relação material litigada, ao exercício do direito de acção.

Visa-se, ao exigi-la, que a discussão controversa do litígio se instale e desenvolva entre os seus aparentes interessados, os titulares da relação material alegada e sobre que se pede pronúncia do tribunal; entre, portanto, quem, com fundamento nela, exercita uma certa pretensão de que se afirma titular (por isso interessado em demandar e colher a utilidade derivada da procedência de tal acção) e quem, em face da mesma relação, nela surge como sujeito de obrigações e com direito a defender-se delas (por isso interessado em contraditá-la na sua dimensão fáctica e jurídica, por forma a livrar-se do prejuízo que da referida procedência lhe pode advir).

Se, com a relação jurídica tal como inicialmente arquitectada e invocada, em nada contendessem os interesses do demandante ou do demandado, correr-se-ia o risco de o tribunal vir a proferir uma decisão sobre ela inútil, insusceptível de resolver o verdadeiro litígio e de pacificar os reais litigantes.

Da noção e regras relativas à legitimidade e da sua possível modificação tratam os artigos 30º e seguintes e 260º a 263º, do CPC.

A sua falta integra excepção dilatória e implica a absolvição da instância, como decorre do artº 278º, nº 1, alínea e), sem embargo da especificidade consignada no nº 3.

Os efeitos da absolvição da instância estão previstos no artº 279º, devendo ter-se em conta ainda o que resulta dos artºs 576º, nºs 1 e 2, 577º, alínea e), 595º, nºs 1, alínea a), e 3.

Verificada, mesmo oficiosamente, uma tal excepção, fica o tribunal impedido, se ela não for sanada, de conhecer acerca do mérito da causa. Nesse caso, será absolvido da demanda quem para ela tiver sido instado, sem embargo de outra acção poder ser proposta pelo interessado sobre o mesmo objecto.

Ao seu conhecimento alude o artº 578º: o tribunal conhece oficiosamente as excepções dilatórias (sem embargo do regime adveniente do citado artº 278º, nº 3).

Tal sendo um dos temas a que se destina o despacho saneador, não pode esquecer-se que este, de acordo com o nº 3, do artº 578º, constitui, logo que transite, caso julgado formal, mas apenas quanto às questões concretamente nele apreciadas.

No caso aqui em apreço, como deflui já do relato supra, a questão da eventual ilegitimidade passiva ou do litisconsórcio necessário passivo (implicante da demanda do alegado simulador José), surge como novidade e só no âmbito deste recurso.

Com efeito, ela jamais fora suscitada pelas partes.

Nem o tribunal a quo a questionou e a enfrentou, limitando-se, no saneador tabelar, sem se lhe referir, a fazer constar, tal como preambularmente na sentença, que nenhuma questão ou excepção impedia a apreciação do mérito.

Sem embargo, sendo certo que, como refere o nº 1, do artº 573º, toda a defesa deve ser deduzida na contestação, não o é menos que, segundo o nº 2, excepcionalmente podem ser deduzidas excepções supervenientes ou de que se deva conhecer oficiosamente (cfr., ainda, artº 608º, nº 2, in fine).

A invocação, pois, pela recorrida, do chamado princípio da concentração da defesa ou da preclusão não obsta ao conhecimento (logo, à invocação) da excepção dilatória de ilegitimidade, uma vez que esta é de conhecimento oficioso, posto que:

-não tenha a mesma sido apreciada e decidida concretamente;
-não se tenha formado sobre tal decisão caso julgado formal:
-não esteja já ou não deva ainda providenciar-se pela sua sanação.

Não tendo, no presente caso, a questão sido objecto de qualquer apreciação anterior neste processo, muito menos concreta, está aberto o caminho à possibilidade de seu conhecimento oficioso.

Não ocorre extemporaneidade, preclusão ou inoportunidade.

Não existe, obviamente, perante o saneador tabelar, caso julgado formal.

Nem mesmo a circunstância de se estar na fase pós-sentença e de recurso.

“O despacho saneador meramente tabelar relativo à ilegitimidade oficiosamente proferido não produzi efeito de caso julgado formal” e “Por dela dever conhecer oficiosamente, não pode a Relação, com fundamento no princípio da preclusão, recusar o conhecimento da excepção dilatória de ilegitimidade plural que de novo tenha sido invocada pelo réu no recurso de apelação” – diz-se, v.g., no Acórdão do STJ, de 04-10-2007 (processo 07B3350, relatado pelo Consº Salvador da Costa).

Nesse mesmo sentido, citando Jurisprudência e Doutrina propositada, se pode ver, v.g., o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06-03-2014 (5).

Bem assim, o Acórdão da mesma Relação, de 29-05-2007 (6), e o da Relação do Porto, de 13-07-2016 (7), neste se considerando que, em caso de se verificar a necessidade de litisconsórcio passivo, é-lhe inaplicável a segunda parte do nº 3, do artº 278º, e, contra o entendido naquele, que, tendo sido já proferida sentença de mérito, não pode haver lugar a convite ao suprimento da ilegitimidade mediante dedução do incidente de intervenção principal provocada, simplesmente se devendo, em tal caso, absolver da instância.

Conhecendo-se, então, da referida excepção dilatória, adiante-se, desde já, que ela não se verifica.

Sobre o problema da legitimidade processual ou ad causam têm corrido, na Doutrina e na Jurisprudência, rios de tinta.

Recorde-se que, na sua primitiva redacção, o artº 26º, no nº 3, já estabelecia que, à falta de indicação da lei em contrário, consideravam-se titulares do interesse relevante (expresso na utilidade em demandar ou em contradizer, na perspectiva da procedência) “os sujeitos da relação material controvertida”.

Em torno da determinação desta radicava a clássica polémica: Barbosa de Magalhães entendia que tal relação jurídica decorria da configuração subjectiva que, pretensa e unilateralmente, o autor lhe dava na petição; Alberto dos Reis defendia que essa relação era a que, já depois de ouvidas ambas as partes, de examinadas as suas razões e de feitas as diligências necessárias, realmente se apresentava ao tribunal.

Através da Reforma operada em 1995 e 1996, o legislador tomou posição, primeiro através do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Fevereiro, e, depois, do Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro.

No preâmbulo daquele, consta: “Decidiu-se, (…) após madura reflexão, tomar expressa posição sobre a «vexata quaestio» do estabelecimento do critério de determinação da legitimidade das partes, visando a solução proposta contribuir para pôr termo a uma querela jurídico-processual que, há várias décadas, se vem interminavelmente debatendo na nossa doutrina e jurisprudência, sem que se haja até agora alcançado um consenso.
Partiu-se, para tal, de uma formulação da legitimidade semelhante à adoptada no Decreto-Lei n.° 224/82 e assente, consequentemente, na titularidade da relação material controvertida, tal como a configura o autor, próxima da posição imputada a Barbosa de Magalhães na controvérsia que historicamente o opôs a Alberto dos Reis.

Circunscreve-se, porém, de forma clara, tal problemática ao campo da definição da legitimidade singular e directa – isto é, à fixação do «critério normal» de determinação da legitimidade das partes, assente na pertinência ou titularidade da relação material controvertida – e resultando da formulação proposta que, pelo contrário, a legitimação extraordinária, traduzida na exigência do litisconsórcio ou na atribuição de legitimidade indirecta, não depende das meras afirmações do autor, expressas na petição, mas da efectiva configuração da situação em que assenta, afinal, a própria legitimação dos intervenientes no processo.

É que, enquanto o problema da titularidade ou pertinência da relação material controvertida se entrelaça estreitamente com a apreciação do mérito da causa, os pressupostos em que se baseia, quer a legitimidade plural – o litisconsórcio necessário – quer a legitimidade indirecta (traduzida nos institutos da representação ou substituição processual), aparecem, em regra, claramente destacados do objecto do processo, funcionando logicamente como «questões prévias» ou preliminares relativamente à admissibilidade da discussão das partes da relação material controvertida, dessa forma condicionando a possibilidade de prolação da decisão sobre o mérito da causa.”

Consequentemente, alterou-se a redacção do nº 3 e aditou-se um nº 4 ao artº 26º:

3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
4 - Na legitimidade plural, a titularidade do interesse relevante afere-se em função da relação controvertida tal como é configurada por ambas as partes e resulta do desenvolvimento da lide.”

Contudo, ainda aquele primeiro diploma não entrara em vigor e logo o legislador, em sinal da controvérsia do tema, arrepiou caminho, no segundo.

Assim se justificou no preâmbulo do Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro): “No tocante aos pressupostos processuais, entendeu-se suprimir o n.º 4 do artigo 26.° do Código de Processo Civil, por não fazer sentido que na questão crucial da definição da legitimidade das partes o legislador tivesse adoptado para a legitimidade singular a tese classicamente atribuída ao Prof. Barbosa de Magalhães e para a legitimidade plural a sustentada pelo Prof. Alberto dos Reis. A opção efectuada – discutível, como todas as opções – propõe-se circunscrever a querela sobre a legitimidade a limites razoáveis e expeditos, os quais, de resto, são os que a jurisprudência, por larga maioria, tem acolhido. A eliminação deste normativo não significa que não existam especificidades a considerar no que concerne à definição e ao enquadramento do conceito de legitimidade plural decorrente da figura do litisconsórcio necessário: julga-se, porém, que tais particularidades não são de molde, na sua essência, a subverter o próprio critério definidor da legitimidade das partes.”

Consequentemente, através deste último diploma, o artº 26º voltou à sua redacção tradicional, apenas com o acrescento, antes feito ao seu nº 3, da expressão “tal como é configurada pelo autor”, afinal aquela que ainda agora persiste no artº 30º do novo e actual Código, ou seja:

1. O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer.
2. O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção; o interesse em contradizer, pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3. Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.

Apesar disto, continua a nem sempre ser fácil (como o próprio legislador reconhece) definir, com exactidão, e aplicar, com rigor, nas situações concretas (maxime nas de carácter mais específico), o adequado critério de determinação da legitimidade processual e, sobretudo, distinguir esta da legitimidade substancial, pois, tratando-se de relações jurídicas diversas (formal/processual, uma; material/substantiva, a outra), muitas vezes não se apresenta diferenciada, com clareza, a relação controvertida, tal como delineada pelo demandante, do seu eventual reflexo efectivo na esfera jurídica do demandado, caso a acção proceda, por forma a discernir sobre o interesse directo deste (o relevante) em contradizê-la.

Por isso, Lopes do Rego, apesar da clara opção legislativa feita acerca da titularidade da relação material controvertida, se interroga primeiro: (8)

“Deverá, porém, tal titularidade – e, portanto, a legitimidade – ser aferida apenas pelas afirmações do autor na petição inicial, pelo modo como este unilateral e discricionariamente entende figurar o objecto do processo? Ou, pelo contrário, a determinação das partes legítimas deverá aferir-se em função da efectiva titularidade da relação material controvertida tomada provisoriamente como objectivamente existente, com a configuração que vier a resultar das afirmações de autor e réu, confirmadas pela instrução e discussão da causa? Bastará, para que as partes sejam legítimas, que o autor se arrogue a titularidade de um direito e trate de imputar a situação passiva correspondente ao réu? Ou, numa perspectiva substancialmente mais exigente, será necessário que o autor e réu sejam os efectivos titulares da relação jurídica, objecto do processo, tomada esta como hipoteticamente existente, por se abstrair, no momento da apreciação da legitimidade, dos aspectos que se reportam apenas à existência objectiva daquela relação litigiosa?”

E a seguir comenta: “Começaríamos por salientar que ela se articula claramente melhor com a natureza da legitimidade como pressuposto processual, impedindo, em absoluto, qualquer sobreposição entre os planos da legitimidade processual e da procedência ou improcedência da acção. (…) Na realidade, a tese de Barbosa de Magalhães respeita integralmente aquilo a que chamaríamos o «carácter hipotético» do objecto do processo: este não incide sobre direitos ou relações efectivamente existentes, mas sobre um litígio acerca de uma concreta relação jurídica, afirmada pelo autor e negada pelo réu. Antes de o processo findar e de o juiz proferir decisão sobre o mérito da causa, reconhecendo ou negando os direitos envolvidos nesse litígio, apenas encontramos «previsões, esperanças, probabilidades, aspirações – isto é, incerteza que no fim a decisão judicial deverá dissipar – e que são precisamente o oposto do direito à decisão favorável, preexistente ao processo, sobre o qual se funda toda a constituição chiovendiana». Ora, sendo a legitimidade uma relação entre os sujeitos e o objecto do processo, esta natureza puramente «hipotética» da relação litigiosa não poderá deixar de se reflectir na concepção da legitimidade.”

Daí concluindo, referindo-se ao defensor da referida tese, que “na nossa óptica, este nunca considerou que a legitimidade das partes tenha de ser aferida sempre e apenas pelo que o autor alegue na petição que formula – mas que, na medida em que a legitimidade deva ser determinada apenas em função da titularidade da relação material controvertida, esta deve ser tomada com a configuração que lhe foi dada unilateralmente na petição inicial.”

Assim, a legitimidade formal ou processual nada tem a ver com a verdadeira titularidade da relação material ou substantiva tal como apurada depois de apreciada e decidida a final e em função de cujo mérito a acção será julgada procedente ou improcedente. O que importa é que, tal como o autor a configura na petição, dela resulte o seu interesse em demandar e fazer prevalecer a correspondente pretensão, e, para o sujeito que ele demanda, o interesse em desta se defender. (9)

Como diz Antunes Varela (10), “A questão de saber se a relação material controvertida existe ou não validamente, se o dever jurídico correlativo se extinguiu ou não, interessa realmente ao mérito da causa. Ao problema da legitimidade importa apenas saber, por seu turno, quem são os sujeitos dessa relação – pressupondo que ela exista –, quais são as pessoas a quem a relação realmente diz respeito ou a quem ela interessa de modo directo”.

Por outras palavras: “O julgador para aferir da legitimidade das partes tem apenas que atentar na relação material controvertida como o autor a apresenta na petição inicial, para em face dela verificar se o autor e o réu são sujeitos com interesse directo em demandar ou contradizer. Não importa saber se essa relação é verídica ou não, não importa indagar da posição que o réu sobre ela venha a assumir, não importa considerar a relação que tenha resultado da discussão da causa, pois que esta vai interessar antes para o conhecimento de mérito.” (11)

Ainda assim, como parece ter sido preocupação do legislador a quando do DL 329-A/95 e parece sugerir Lopes do Rego, quando, em função da contestação, se coloca a hipótese de, da verdadeira relação substantiva como tal neste articulado desenhada, ser titular outro sujeito, assim parte interessada em quanto a ela se defender, isso não implica que o primitivo logo perca a sua legitimidade formal mas antes a necessidade de chamar o novo para assim assegurar a intervenção (plural) de todos os sujeitos da relação material litigada e garantir a máxima utilidade e definitividade da decisão em vista de mais justa composição do litígio (cfr. artºs 6º, 7º e 590º, nº 2, do actual CPC).

Ora, no caso aqui em apreço, protagonista da alegada simulação do contrato de arrendamento, na qualidade de proprietário/locador, teria sido, sem dúvida, José. Adiante melhor se verá isso.
Visando o Banco apelado, por efeito da respectiva nulidade, obter a reposição da ordem jurídica subsistente antes de tal relação jurídica como se esta nunca tivesse existido nem produzido qualquer efeito – artºs 240º, nº 2, e 289º, nº 1, CC – e, assim, libertar o bem de que é agora dominus pleno da sujeição ao vínculo locatício invocado como arrendatária pela sociedade apelante e antes subjectivado pelo referido José, desprendendo também este, enquanto senhorio, daquela relação vinculante com as inerentes consequências e de modo a que ele lhe seja entregue, investido na correspondente posse dele e, exercendo-a, gozar de modo pleno e exclusivo do seu direito, por efeito da insolvência este, contra o que sucederia numa situação normal à luz dos artºs 242º e 286º, do CC, deixou de ter qualquer interesse juridicamente relevante, face à relação material controvertida configurada pelo autor, em contradizer, pois que nenhum prejuízo atendível para ele próprio pode derivar da procedência da acção, nada na lei impondo a sua intervenção nem esta sendo necessária, ainda que por sua própria natureza, para a decisão a obter produzir o seu efeito útil normal – artºs 30º e 33º, do CPC.
A declaração de nulidade e os efeitos dela advenientes ficarão definitivamente regulados entre as partes litigantes independentemente da presença na lide do insolvente como antigo proprietário e na qualidade de locador então participante na outorga do contrato simulado, uma vez que ele é agora juridicamente indiferente à sorte do viciado negócio, jamais podendo ter nele qualquer pretensão.
É que, como se sabe, a declaração de insolvência privou-o imediatamente dos poderes de administração e de disposição dos imóveis uma vez que estes foram apreendidos e integrados na Massa Insolvente a cujo Administrador aqueles passaram a competir, passando este a representá-lo para todos os efeitos de carácter patrimonial que, como no caso, interessam à insolvência, sendo até ineficazes quaisquer actos por ele realizados em violação de tais regras – artº 81º, nºs 1, 2, 4 e 6, do CIRE.
Se o arrendamento prevalecer válido, nenhum benefício daí lhe pode advir que lhe interesse defender e, assim, justificar que se aqui se batesse pela validade do negócio.
Se o arrendamento for declarado nulo, também nenhum prejuízo daí pode para ele resultar e que justifique opor-se a tal invalidade.
A pretendida nulidade não tem, por outro lado, quaisquer efeitos pessoais que ele tenha interesse em defender. Tais interesses são de natureza exclusivamente patrimonial e circunscrevem-se no respectivo âmbito, regulando-se em função do regime normativo implicado, além do mais, pela insolvência. A enfatizada e temida consideração como “malfeitor e enganador”, que a acontecer extrapola os efeitos da arguida nulidade e deste processo, é contingência irrelevante na acção.
O efeito útil visado por esta – acentue-se – é a restituição ou entrega do bem livre, desobrigando quem o adquiriu e indirectamente sucedeu ao proprietário/devedor/insolvente, tendo agora os poderes de administração e de disposição dos bens recebidos da Massa e respectivo Administrador, do vínculo arrendatício e inerentes deveres contratuais.
A boa decisão e efectiva concretização da justiça, relativamente à questão da nulidade e da simulação, dispensam a intervenção de José como primitivo locador, nenhuma repercussão tendo na sua personalidade e direitos conexos. Note-se, aliás, que, relativamente ao demais peticionado, designadamente a indemnização, apesar da actuação na recusa da entrega dos imóveis pelo José adiante melhor tratada, nada lhe vem exigido e que lhe interesse contrariar.
Apesar de a motivação e objectivos fraudulentos inerentes à simulação se localizaram no foro interno e serem, portanto, do domínio subjectivo, como quaisquer outros factos da mesma natureza eles podem ser provados por outros meios sem necessidade de intervenção, para tal, do simulador, pois que em causa não está a defesa de tal reduto emocional e íntimo mas apenas o reflexo da conduta no negócio celebrado, no património afectado e respectivas consequências.
A intervenção dele destinar-se-ia até, desde logo, a assegurar o contraditório relativamente à alegada simulação e não, em princípio, a prová-la.
De resto – sublinhe-se – José foi arrolado e chamado a depor como testemunha, nessa qualidade tendo tido ensejo (e o dever) de contar a verdade dos factos, incluindo todos os que perpassaram pelo seu espírito ao decidir e outorgar o contrato de arrendamento.
E repare-se, por fim, que, caso fosse demandado passivamente, procedendo ou improcedendo a arguida nulidade por simulação, nenhuma perda sofreria nem benefício receberia na sua esfera jurídica. Simplesmente porque é agora – maxime depois de liquidada a massa insolvente e vendidos os bens – alheio ao destino da relação locatícia, seja como senhorio seja como inquilino, apenas dizendo esta, válida ou inválida, respeito à Sociedade apelante (que caso algum interesse juridicamente atendível vislumbrasse poderia tê-lo chamado, o que não fez oportunamente) e ao Banco apelado.
Não ocorre, portanto, a alegada excepção dilatória de ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário natural passivo.
Por isso mesmo, prejudicada está a questão do abuso de direito na invocação de tal excepção com que também a recorrida objectou, uma vez que jamais reconheceu ela existir, contestando-a, nem ela se verifica. A eventual procedência de um tal abuso pressupõe, logicamente, pelo menos a admissão, desde logo pela parte que o invoca, do direito ou a sua verificação pelo tribunal.

Deve, pois, julgar-se improcedendo, nesta parte, o recurso.

B) Questão de mérito

A recorrente, no capítulo das suas alegações intitulado “O Direito”, depois de ter anunciado que não concorda com os fundamentos da sentença, propôs-se aí tratar “da errónea apreciação da matéria de facto e de direito”, enveredando logo pela questão da “simulação do contrato de arrendamento” (12).
Ora, como já se salientou, a recorrida, através desta acção, tem por objectivo principal, conseguir a posse efectiva dos prédios por ela adquiridos derivadamente mediante negócio de compra e venda celebrado com o Administrador respectivo no âmbito da liquidação da Massa apreendida no processo de insolvência de José.
Ninguém pôs aqui em dúvida que ela, por isso e porque beneficia da respectiva presunção legal, não ilidida, resultante de, em seu nome, ter logrado inscrever no registo predial tal aquisição, é realmente titular do direito de propriedade dos quatro prédios rústicos em apreço.
O que aconteceu foi que, quando espontaneamente tentou entrar naquela posse, disso foi impedida, verbal e afrontosamente, pelo dito José, a pretexto da existência de um contrato de arrendamento rural dos imóveis a favor da apelante, que ele então terá exibido, apresentando-se-lhe na circunstância como “corpo e alma” de tal Sociedade, obstáculo que o tribunal de 1ª Instância não reconheceu mas que esta persiste em fazer valer.
Assemelhando-se, pois, esta acção à de reivindicação prevista no artº 1311º, do CC, não foi essa, porém, a configuração que a apelada lhe deu na petição inicial.
Com efeito, pressupondo como indiscutível a titularidade do direito real e certa a existência e a invocação pela contraparte, para legitimar a ocupação e não entrega dos prédios por esta, do contrato de arrendamento formalmente documentado, logo antecipou a estratégia processual para neutralizar tal defesa, por isso e para sua execução, formulando, como pedido principal, o de nulidade do negócio (por simulação) e, como pedido subsidiário, o de caducidade do mesmo.
Redundando este apenas numa questão de direito – de cuja solução, adiante-se já, resultará a insusceptibilidade de com êxito a apelante o opor eficazmente à apelada – nem por isso podemos deixar de, primeiro, tratar dos fundamentos, fácticos e jurídicos relativos àquele, integrados no objecto da apelação.
Tal o impõe a lógica jurídica. Visando aquele atacar, na sua génese, o próprio contrato e qualquer efeito dele com fundamento na sua nulidade, só se tal a apelada não lograr fará sentido tratar, então, e pelo menos, da sua paralisia (caducidade, inoponibilidade, ineficácia).
Tal decorre dos princípios dispositivo, de que o do pedido é manifestação, ambos aflorados, aliás, no artº 554º, nº 1, CPC.
Tratemos, pois, à luz das conclusões do recurso, da simulação.

a) Decisão da matéria de facto

Das conclusões 12ª a 33ª formuladas pela apelante que – reitera-se –, praticamente reproduzindo o texto das alegações respectivas, mal cumprem o ónus de síntese imposto no nº 1, do artº 639º, mas se transcreveram acima, sem recurso ao convite ao aperfeiçoamento, de modo a perspectivar-se também o respectivo mérito, resulta que a Sociedade apelante não se conforma com a sentença na parte e na medida em que nela se concluiu ter havido simulação do contrato de arrendamento aqui em apreço.
Tal conclusão, na medida em que o conceito de simulação ou os elementos deles integrantes tem, por um lado, uma dimensão concreta e objectiva perceptível e compreensível pela generalidade das pessoas comuns (enquanto ocorrências da vida) mas, por outro, uma dimensão jurídico-normativa (enquanto previsão e estatuição de direito), coloca-se em dois momentos ou planos.
No primeiro, puramente fáctico, quando, decidindo sobre as circunstâncias dessa natureza alegadas para demonstrar os pressupostos respectivos (13) susceptíveis de integrar a previsão normativa (14), o tribunal aprecia criticamente os meios de prova produzidos, os valora, colhe os factos por eles directamente revelados ou em função das regras da experiência indirectamente presumidos e destes, por si ou em conjugação, extrai a conclusão sobre se julga aqueles provados ou não provados.
Trata-se da chamada decisão da matéria de facto a que aludem os nºs 4 e 5, do artº 607º, de cujo regime de impugnação tratam especialmente os artºs 662º e 640º.
No segundo, estritamente de direito, quando, perante os factos apurados, o tribunal procede à chamada subsunção jurídico-normativa e, para tal, àqueles aplica, interpretando-os, os princípios e regras legais que indica como os que melhor julga poderem regular a situação controvertida em apreço, de modo a pronunciar a solução justa sobre as pretensões formuladas.
Trata-se, então, da decisão da matéria de direito, a que alude o nº 3, do artº 607º, a cujo regime de impugnação, quanto aos requisitos a observar, se referem especificamente os nºs 1 e 2, do artº 639º.
Nem ao estruturar a sentença nem ao arquitectar o recurso contra ela podem, pois, esquecer-se, aqueles traços definidores.
Assim como, numa acção como esta, cuja previsão normativa exige a verificação de pressupostos de índole subjectiva e, portanto, compreende factos do foro interno ou psíquico das pessoas com parcas manifestações externamente perceptíveis, logo de difícil captação e demonstração, sendo a prova deles indirecta, quase sempre confinada a factos instrumentais ou indiciários avaliados no seu relevo e significado em função de presunções naturais e das máximas da experiência, deve ter-se presente que toda esta tarefa deve confinar-se, na sentença, à parte da motivação da decisão de facto e a respectiva impugnação, no recurso, pautar-se pelas já referidas regras exigidas para a sua modificação.
Vem isto a propósito, por um lado, de, na sentença recorrida, se terem julgado provados, além de alguns meramente secundários, como factos concretos e essenciais os pontos nºs 13, 14, 15 e 16 – precisamente os relativos aos alegados negócio e pressupostos objectivos e subjectivos da sua pretensa simulação a subsumir à previsão do artº 240º - e como não provados, entre outros, os das alíneas g), h) e i) – invocados pela ré para contraditar aqueles, sobre uns e outros se tendo exposto, no capítulo III-C, a inerente “motivação” (a exigida pelo nº 4, do artº 607º); e de, por outro, no capítulo IV, relativo ao Direito (nº 3, daquele artigo), se ter voltado, depois de enunciados a noção e os requisitos abstractos da simulação decorrentes do artº 240º, do CC e no âmbito da apreciação do respectivo pedido, declarando-se “provada a simulação da celebração de um contrato de arrendamento”, a apreciar a prova e os vários indícios dela considerados emergentes, só então, no epílogo desse exercício e apesar do já antes declarado provado nos pontos 14, 15 e 16, se concluindo pelo preenchimento dos “requisitos do instituto jurídico da simulação”.

Temos assim, da “motivação” propriamente dita:

“A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica e ponderada, à luz dos princípios que regem a matéria, na valoração dos seguintes meios de prova:

a) nos depoimentos de parte e nos depoimentos prestados pelas testemunhas em sede de audiência de discussão e julgamento; e
b) nos documentos juntos aos autos;
c) nos relatórios periciais juntos aos autos.

Tendo presentes os meios de prova supra referidos – isoladamente ou conjugados entre si, conforme se explicita infra –, cumpre concretizar em que precisos termos se formou a convicção do Tribunal relativamente à factualidade que considerou provada nos presentes autos.
No que respeita à factualidade constante dos pontos 1) a 9), o tribunal teve em consideração os documentos de fls. 11 a 29, relativos aos processos executivos, escritura de compra e venda e mútuos com hipoteca, processo de revitalização do insolvente, sentença de declaração de insolvência, escritura de compra e venda e certidão do registo predial, e documento de fls. 52 (anúncio da sentença de insolvência). Cabe referir que tivemos, também, em consideração o acordo das partes (autora e sociedade ré) nos articulados.
Os mesmos documentos, designadamente as escrituras públicas, certidão do registo predial e documentos relativos ao processo de insolvência, foram relevantes para a prova da factualidade vertida nos pontos 27) a 29) e 36) da matéria fáctica.
No que respeita aos pontos 13), 17) e 37) dos factos provados, tivemos em consideração a consulta do documento particular junto aos autos a fls. 35-verso e seguintes.
Para a prova dos factos constantes dos pontos 18) e 34), foi relevante a consulta da certidão do registo comercial da sociedade ré, junta aos autos a fls. 37-verso e seguintes.
As missivas juntas aos autos a fls. 52-verso a 55 foram consideradas pelo tribunal para a prova dos factos constantes do ponto 41) e os documentos de fls. 60-verso a 65 (relatório e acta relativos ao processo de insolvência), para a prova dos pontos 42) a 45) e, consequentemente, para dar como não provado o facto constante da alínea d). Ou seja, resultou claro que em sede do processo de insolvência, desde o início, que foi dado conhecimento aos credores da existência de um contrato de arrendamento dos prédios em causa nos autos, através do relatório elaborado pelo Sr. Administrador da Insolvência, que foi apreciado em assembleia de credores (constata-se da análise da acta, que a autora não esteve presente, contudo, as deliberações da assembleia vinculam os credores não presentes).
Os relatórios periciais juntos aos autos a fls. 96 a 105 e 121 a 125 foram essenciais para a prova dos factos vertidos nos pontos 23) a 25) e bem assim, para a formação da convicção relativa às alíneas a) e b).
A restante factualidade resultou provada através da conjugação dos depoimentos de parte e declarações das testemunhas, conforme daremos conta infra.
Em tribunal prestou depoimento de parte o Sr. Administrador da Insolvência, Dr. Nuno. Fê-lo de forma clara e escorreita, logrando merecer credibilidade. Confessou alguns factos que são desfavoráveis à ré “Massa Insolvente” e que foram reduzidos a escrito em acta.
Explicou ao tribunal que no âmbito do processo de insolvência, se deslocou aos prédios em causa nos autos para fazer a sua apreensão. Todavia, não apreendeu fisicamente os prédios, porquanto os mesmos se encontravam ocupados. Posteriormente, tais prédios foram vendidos no processo de insolvência.
Acrescentou que foi o próprio insolvente que lhe disse que explorava os prédios rústicos em análise.
De relevante para a decisão da causa, referiu nunca ter recebido o valor da renda, nem se recorda de ter visto qualquer recibo de renda relativo a estes prédios; que a insolvência se encontra na sua fase final, a liquidação do activo foi concluída e todos os credores vão receber os seus créditos na totalidade.
Maria, legal representante da ré Terras Y, Lda., prestou depoimento de parte.
Explicou ao tribunal que tem uma relação “de namoro” com o insolvente, Sr. José, há dois anos e que se encontra em Monção aos fins-de-semana (vem nas quintas-feiras à noite e regressa ao Porto, onde reside, nas segundas-feiras de manhã).
Cumpre, desde já referir, que este depoimento não nos convenceu, pela forma confusa e pouco clara, como foi prestado.
Vejamos, referiu ser sócia-gerente da primeira ré, contudo, também é doméstica, efectua limpezas em casas particulares e aufere a quantia de setecentos euros por mês, é reformada e aufere uma pensão de reforma no valor de oitocentos euros por mês e trabalha numa loja sita na cidade do Porto.
Afirmou ter pago uma renda de dois mil euros por ano pelos prédios em causa nos autos, ao Sr. José, mas quando questionada sobre a forma e prazos de pagamento, afirmou que pagava duzentos euros por mês, seis meses por ano.
Afirmou, ainda, ter adquirido a quota da empresa ré, Terras Y, mas não soube dizer em que data e confessou não ter pago qualquer montante pela referida quota, pois “ele não quis receber o dinheiro”. Quanto questionada pelo tribunal, a quem se reportava, se ao Sr. José, se ao outro sócio, Sr. J. P., rectificou e disse “o José e o J. P.”.
Relativamente aos actos de gerência da Terras Y, acabou por dizer que quem trata dos assuntos com o contabilista é o Sr. José (embora afirme que este lhe faz um favor), que a própria dá ordens aos funcionários da empresa, Judite e Jorge, mas não existem recibos relativos a estes funcionários, porque trabalham “ao dia”.
No decurso do depoimento, acabou por mencionar que quem faz a facturação a empresa é o filho do Sr. José, que é economista.
Apesar de o Sr. José continuar a trabalhar na empresa, a depoente não lhe paga, alegando não ter dinheiro para lhe pagar. Passou uma procuração ao Sr. José para este movimentar as contas bancárias da empresa ré. É este quem compra as videiras para plantar os campos.
Por outro lado, a depoente acabou por referir que quando a autora foi aos prédios em causa nos autos para tomar posse dos mesmos, estava presente e não mencionou que era a legal representante da ré Terras Y.
Ora, perante este depoimento, formámos a convicção de que a depoente não gere, de facto, a empresa ré. Quem está à frente da empresa, no exercício da gerência e quem toma todas as decisões relativas à mesma, é o Sr. José, com quem a depoente tem uma relação amorosa.
Veja-se que a depoente nem soube dizer ao tribunal quantos contratos de arrendamento foram celebrados, relativamente aos prédios em causa nos autos.
Após a inquirição da testemunha José, reforçamos a nossa convicção quanto ao supra exposto.

Vejamos.
A testemunha prestou um depoimento de forma defensiva, querendo, inclusive, negar a relação amorosa que mantém com Maria, alegando serem apenas amigos.
Por outro lado, afirmou não ter qualquer relação com a empresa ré, Terras Y, quando pela própria Maria, foi dito o contrário.
Afirmou ter celebrado os contratos de arrendamento em 2009 e ter alienado a empresa “Terras Y” à Maria. Questionado acerca da forma de pagamento, referiu que não recebeu dinheiro algum, “porque a empresa não tem nada, é um nome”.
Muito relevante foi o facto de ter referido que, como ficou insolvente, não podia fazer nada; que a Maria não entende de agricultura, “mas entendo eu”; que é o próprio que continua nos campos, a trabalhar, “tudo igual como antigamente”. É a testemunha quem paga ao pessoal, sendo que a empresa ré não lhe paga ordenado.
Referiu, ainda, que a empresa ré nunca lhe pagou rendas; tem uma procuração da Maria para movimentar contas bancárias; os documentos da empresa ré encontram-se na sua residência; quem emite as facturas da empresa, é o filho da testemunha; quando é preciso fazer pagamentos a fornecedores, é a testemunha quem os faz; quem “injecta” dinheiro na empresa e quem gere os rendimentos da mesma, é a testemunha.
Em tribunal prestou depoimento a testemunha J. P., filho da testemunha anterior e ex-sócio das Terras Y.
A testemunha prestou um depoimento claro, contudo parcial (o que entendemos que acaba por ser natural, atenta a relação familiar próxima para com o insolvente, Sr. José.
Afirmou que, na sua convicção, a D. Maria e o seu pai têm uma relação amorosa (contudo, não faz perguntas ao seu pai sobre essa matéria, nem sobre os negócios).
Confirmou que transferiu a sua quota na empresa ré para a D. Maria, mas não houve lugar a pagamento. Assinou os contratos de arrendamento em causa nos autos, mas nunca questionou o seu pai se os prédios se encontravam hipotecados. Sabe que a renda estipulada era uma renda baixa, que não reflectia o valor de mercado e também tem conhecimento de que não houve lugar ao pagamento de qualquer renda.
A testemunha referiu, ainda, que a D. Maria foi uma “mais-valia” para o seu pai, em termos comerciais, porque conseguiu arranjar clientes na cidade do Porto, para venda do vinho produzido.
Ora, este depoimento reflecte, de forma clara, a tese da autora, no sentido de que quem continuou a gerir a empresa ré, de facto, foi o José, mesmo após a transmissão da quota societária para a D. Maria, bem como relativamente ao facto de não ter existido lugar a pagamento de renda, sendo que a renda estipulada no contrato é meramente simbólica.
Em tribunal, foram ainda inquiridas as testemunhas C. C., funcionário da autora, e Jorge G., engenheiro agrícola que efectuou uma avaliação aos prédios da autora, no âmbito de outro processo judicial.
As testemunhas prestaram depoimentos claros, isentos e merecedores de credibilidade.
C. C. explicou ao Tribunal que no âmbito das suas funções gere o património da autora, promovendo os imóveis e colocando-os à venda num sítio da internet. Por esse motivo, foi ao local ver os imóveis em causa nos autos, para colocar as placas de venda. Nessa altura, o Sr. José, que se encontrava presente, referiu que apenas lhe entregaria os prédios “obrigado, por força da autoridade”. Mostrou-lhe os contratos de arrendamento.
Ora, estas declarações infirmam a factualidade vertida f) dos factos não provados e são relevantes para a prova dos pontos 10) a 12) da matéria fáctica. Ou seja, houve efectivamente uma oposição do gerente de facto da sociedade ré, Terras Y, na entrega dos prédios à autora. Pois bem sabendo que os mesmos tinham sido adjudicados à autora em processo de insolvência e sabendo, ainda, que ao celebrar o contrato de mútuo com hipoteca, foi estipulada uma cláusula no sentido de não ser possível a celebração e contratos de locação relativos aos prédios hipotecados, sem autorização da autora, ainda assim, se opôs à entrega dos mesmos.
A testemunha referiu, ainda, que ao analisar os contratos, verificou que os mesmos não continham qualquer registo das Finanças.
Já foi ter com o Sr. José várias vezes para a entrega dos imóveis e é sempre este que atende a testemunha. Apenas, numa das vezes, encontrou lá uma senhora.
De relevante, adiantou que os prédios encontram-se cultivados, com vinha recente. Estão tratados e com boa produção.
Jorge G. conhece os prédios em causa nos autos, por ter efectuado uma avaliação dos mesmos a pedido da autora há cerca de dez anos atrás, e nessa altura, foi o Sr. José quem lhe mostrou os imóveis.
A testemunha explicou que o valor que resultou da avaliação efectuada, foi no pressuposto de que os prédios estariam livres de ónus e encargos.
Referiu, ainda, que como o Banco de Portugal obriga à reavaliação dos prédios de três em três anos, passou no local há cerca de dois meses atrás e verificou que os terrenos se encontram em plena produção de vinha alvarinha (mencionando que a casta alvarinha dá, em termos médios, 8 toneladas anuais por hectare, sendo o preço de um euro por quilograma, segundo a adega cooperativa de Monção).
Assim, o Tribunal ficou convencido da veracidade dos factos, tal como resultaram provados, sendo que nesta produção testemunhal sobrelevou-se a coerência dos factos relatados com os documentos juntos aos autos e que acima demos conta, bem como o conhecimento pessoal e directo dos factos perguntados, a isenção, sinceridade e a honestidade denotadas pelas testemunhas, bem como a convicção e transparência dos mesmos.
Relativamente aos factos não provados, cabe apenas referir que, no eu respeita às alíneas c), e), g) a k) tal resultou da ausência de prova (sendo que deixamos consignado que os documentos de fls. 48-verso a 51-verso não fazem menção aos prédios em causa nos autos, pelo que não têm a virtualidade de provar os factos em causa).”.

E temos, depois, já no capítulo do Direito, mais as seguintes considerações, que não deixam de ser também “motivação” uma vez que fazem parte do juízo que igualmente norteou o tribunal a quo na decisão de dar como provados os factos alusivos à simulação, designadamente os relativos à divergência cominada entre a vontade declarada no documento e a que realmente tinham as partes (14 a 16) (15) e, consequentemente, não provados os que visavam contraditá-los (g, h e i):

“Resultou provado que no dia 8 de Junho de 2012, a autora instaurou no Tribunal Judicial de Monção, contra a sociedade ré, o insolvente e o seu filho, J. P., a acção executiva com o nº 285/12.0TBMNC. No decorrer dessa execução, foram penhorados os bens imóveis descritos no ponto 2), então propriedade do insolvente.
Por outro lado, aquando da penhora acima referida, a autora dispunha já de duas hipotecas, constituídas em 12 de Maio de 2004, sobre os prédios indicados em c) e d) do ponto 2), para garantia de pagamento, cada uma, de € 9.303,29.
Mais se provou que, no dia 28 de Fevereiro de 2013, no âmbito da acção executiva nº 2899/12.9TBMTS, do então 6º Juízo Cível do Tribunal de Matosinhos, a autora penhorou o prédio rústico descrito em a) do ponto 2).
É consabido que as instituições bancárias apenas intentam acções executivas, muito tempo após o início da mora do devedor/do mutuário, sendo que resulta das regras da experiência comum que, durante vários meses as situações de incumprimento passam por tentativas de resolução através da área comercial (balcões ou agências), depois passam para uma área específica de recuperação de crédito e só mais tarde, para o departamento de contencioso. Isto significa que aquando da propositura da primeira acção executiva por parte da autora, a 8 de Junho de 2012, já o crédito se encontrava em incumprimento há bastante tempo. (16)

Ora, se atentarmos à data em que o documento descrito em 13), denominado de “contrato de arrendamento”, foi participado ao Serviço de Finanças - 11 de Abril de 2011 -, ou seja, cerca de um ano e dois meses antes da propositura da primeira acção executiva, aliado ao facto de o dito documento se encontrar datado de cerca de dois anos antes, temos o primeiro indício de que se tratou de um documento “fabricado” ou “fictício”.

Para além deste facto, provou-se que a renda estipulada no contrato de arrendamento é manifestamente reduzida face à área e aptidão dos prédios em causa. É certo que não se provou o montante da renda alegado pelo autor, mas se tivermos em consideração, quer a área, quer a idade das vinhas (que consta do relatório pericial junto aos autos), quer a produção anual média resultante dos mesmos prédios, chegamos à conclusão de que a renda anual de duzentos e cinquenta euros mensais, se trata de uma renda meramente simbólica ou fictícia e nunca real. E tanto assim é, que se provou que tal renda nunca foi paga.

Mais: o insolvente José foi sócio-gerente da sociedade ré e é gerente de facto da mesma sociedade. A lei não estabelece a distinção entre “gerente de direito” e “gerente de facto”, considerando-se apenas que os gerentes devem cumprir as suas obrigações legais. Estes são conceitos que surgiram na jurisprudência como meio de defesa dos gerentes que pretendiam demonstrar em Tribunal que, apesar de estarem nomeados como gerentes, não exerciam a gerência “de facto”, pelo que não deviam ser responsabilizados pela falta de pagamento de dívidas fiscais e à segurança social.
Hoje em dia, a jurisprudência é unânime em considerar que esses gerentes são, assim, meros gerentes de direito e não de facto. Neste sentido, vide Acórdão nº 00107/01, de Viseu, Tribunal Central Administrativo Norte, de 14.07.2005, sumariado em www.dgsi.pt da seguinte forma: “Atento o disposto no artº 13º do CPT, provada a gerência de direito presumia-se a gerência de facto. No entanto, provando o gerente de direito que, apesar de nominalmente gerente, não praticou a gerência de facto da executada, ficava excluída a sua responsabilidade subsidiária por dívidas da executada no período referente a essa gerência”.
Nesse sentido, em face da prova produzida, dúvidas não restam de que é o insolvente quem gere a sociedade ré, e nessa medida, conforme por si foi dito em audiência “tudo continua igual”. Ou seja, o Sr. José foi proprietário dos prédios em causa nos autos, foi quem sempre os explorou e, apesar de já não ser o proprietário, é quem continua a explorá-los e a retirar rendimentos do mesmo prédio.
Pelo exposto, no contrato de arrendamento junto aos autos e descrito no ponto 13), houve divergência intencional entre a vontade real e a vontade declarada, por acordo entre o insolvente José e a sociedade ré, visando defraudar os direitos dos credores, designadamente da autora, que dispunha de hipoteca registada em data anterior à do referido contrato.

Sabia o insolvente José e sabia a sociedade ré (em virtude do insolvente ser seu sócio-gerente) que não podia dar de arrendamento os prédios hipotecados sem o consentimento da autora (em virtude de assim ter sido acordado em contrato de mútuo com hipoteca).

Assim sendo, consideramos preenchidos os requisitos do instituto jurídico da simulação, conforme arts. 240º e seguintes do Código Civil. Dispõe o art. 240º, nº 2 do CC que o negócio simulado é nulo.
In casu, estamos perante um negócio simulado, cujo intuito foi enganar a autora, prejudicando-a no seu património. Trata-se, ainda, de uma simulação absoluta, uma vez que o declarante e o declaratário não quiseram celebrar, nem o negócio que celebraram, nem outro qualquer.”. (17)

Ora, como reiteradamente tem sido dito, a demonstração dos pressupostos integradores da simulação, mormente os de natureza subjectiva como a intenção ou intuito de enganar, constitui matéria de facto. (18)

Podendo ser questionada e directamente decidida, a prova de tal matéria pode basear-se em factos instrumentais ou indiciários, presunções e regras da experiência.

Como bem se sintetizou no Acórdão da Relação de Coimbra, de 04-03-2009: (19)

“I. - Para além da prova directa do facto, a apreciação do tribunal pode assentar em prova indirecta ou indiciária, a qual se faz valer através de presunções.
II. - No recurso a presunções simples ou naturais (art. 349º do Cód. Civil), parte-se de um facto conhecido (base da presunção), para concluir presuntivamente pela existência de um facto desconhecido (facto presumido), servindo-se para o efeito dos conhecimentos e das regras da experiência da vida, dos juízos correntes de probabilidade, e dos princípios da lógica.
III. - “As presunções simples ou naturais são, assim, meios lógicos de apreciação das provas; são meios de convicção. Cedem perante a simples dúvida sobre a exactidão no caso concreto.”.

Não devendo as presunções ser consideradas propriamente um meio de prova mas apenas meios lógicos que, aliadas às regras da experiência, permitem inferir e por tal via descobrir os factos, quer a indicação dos factos indiciários quer a consideração daquelas e a exposição das ilações a partir deles tiradas, integram ainda a tarefa da prova e, portanto, a decisão da matéria de facto, nesta sede devendo constar.

Em face disto, a Sociedade apelante, a propósito da matéria da simulação, ora dizendo-se inconformada com a “apreciação da prova” ora com a “aplicação do direito”, referindo que que não se verificam os requisitos daquela e, por isso, que a “interpretação e percepção” feita resulta em “erro da apreciação da prova e de aplicação do direito”, acabou por se envolver num certo equívoco conceitual entre o que constitui erro de julgamento da matéria de facto (aí sim, respeitante à apreciação e valoração da prova) e erro de julgamento da matéria de direito (este concernente à interpretação, valoração e subsunção jurídica dos factos dados como provados), resultante em confusão entre impugnação dos fundamentos da decisão daquela e impugnação dos fundamentos da decisão desta.

Foi por isso que, limitando-se a remeter vagamente para a “matéria de facto alegada nos articulados”, para os “documentos juntos pelas partes” e, bem assim, para os depoimentos prestados, sem mais nada especificar, enveredou a apelante, nas conclusões e nas alegações, por aludir aos factos indiciários, ao modo como foram valorados e ao relevo que lhes foi atribuído pelo tribunal a quo na sentença, mormente na parte relativa à aplicação do Direito onde eles foram criticamente analisados, dizendo ora que “não existindo, portanto qualquer indício de que o contrato de arrendamento tenha sido «fabricado» ou «fictício»” (conclusão 25ª) ora que são insuficientes ou inconcludentes, em suma “frágeis e errados” (conclusão 30ª) para deles se extraírem os factos integradores da simulação, considerando, designadamente, que “de toda a prova produzida, em momento algum é determinado o conluio concreto e a intenção de enganar pessoas concretamente determinadas” (conclusão 29ª), defendeu que, portanto, “deveria ter sido outra a decisão da causa…devia ser considerado válido o contrato de arrendamento por total inexistência dos requisitos (nem sequer indícios) necessários e cumulativos para a verificação de simulação, conforme artº 240º do CC” (conclusão 33ª).

Foi perante isto que a apelada defendeu que não estão cumpridos os ónus de impugnação a que alude o artº 640º de que depende o conhecimento desta, faltando a especificação dos meios de prova imponentes de decisão diversa, a indicação exacta, relativamente aos depoimentos testemunhais aludidos (do alegado simulador José e de seu filho J. P.), das passagens da gravação em que se funda o recurso e a explicação, mediante uma apreciação crítica daqueles, de como é que eles devem conduzir a diferente solução.

Ora bem.

Como é sabido, nos termos do artº 662º, nº 1, do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Concretamente quanto à impugnação da matéria de facto, o artº 640º, impõe certos ónus a cargo do recorrente:

-especificação ou individualização concreta dos pontos de facto que ele considera incorrectamente julgados, pois não são admissíveis recursos genéricos de tal matéria;
-especificação, de entre os constantes do processo, nele registados ou gravados em áudio ou vídeo, dos concretos meios de prova que, na sua perspectiva, teriam imposto decisão diversa de cada um de tais pontos e fundamentam a sua alteração, assim se afastando meras manifestações de discordância ainda que porventura baseadas numa global apreciação e valoração das provas produzidas;
-no caso de serem invocados meios probatórios que tenham sido gravados, indicação exacta das passagens da gravação em que se funda o recurso, assim se obrigando a parte a, cuidada e criteriosamente, identificar, salientar e sustentar, perante o tribunal ad quem, a razão do alegado erro de julgamento e da alteração pedida e a definir, com precisão, o âmbito da reapreciação e decisão a este cometida;
-isto sem prejuízo da possibilidade de o recorrente, cooperando, proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
-especificação da decisão que, no entender do recorrente, deve ser proferida.

A decisão da matéria de facto alberga diversos factos meramente instrumentais e os factos essenciais, como na sua transcrição acima feita se pode ver.

Apenas em relação a estes e a nenhum daqueles ela se refere.

Com efeito, de entre as múltiplas conclusões, vê-se, na 31ª, que a recorrente indica os pontos provados 14 a 16 – além das alíneas não provadas g) a i) (descrevendo, depois, o teor destas na 32ª).

Relativamente aos diversos factos indiciários nenhum propriamente põe em causa quanto à sua realidade, mas apenas o seu valor e relevo para, aliados a presunções naturais e a regras da experiência, deles se concluir quanto aos essenciais.

Satisfeito, quanto àqueles precisos pontos, o ónus da alínea a), do nº 1, do artº 640º, também o da alínea c), se mostra cumprido, uma vez que a apelante diz, na referida conclusão, qual a decisão que, no seu entender devia ter sido e deve agora ser proferida.

É o mínimo que se exige nas conclusões do recurso.

Resta ver se os demais estão verificados no corpo das alegações.

No que concerne ao pressuposto da alínea b), alude ela, como se viu, genericamente aos articulados, documentos e depoimentos que considera deverem conduzir a “outra apreciação” e à não verificação da simulação.

De tudo isso, contudo, apenas apontou os depoimentos de José e de seu filho J. P., aludindo ao ficheiro áudio em que cada um deles está gravado e por vezes se lhe referindo mediante narrativa (por palavras próprias e não sequer em transcrição ou discurso directo fiéis) parcelar do teor dos mesmos, diversas vezes salpicada com a indicação de diversos momentos temporais da gravação (não uma passagem significativa e elucidativa de erro, balizada pelo seu início e fim), com base nisso acrescentando à sua manifestação de inconformismo a opinião de que dos mesmos não resulta aquilo que o tribunal a quo considerou, passo a passo com trechos da motivação fazendo comentários discordantes e colocando diversas interrogações retóricas.

Nada concretiza, portanto, quanto aos demais e variados meios invocados e valorados pelo tribunal recorrido para sustentar a sua convicção.

Não indica, portanto, propriamente passagens da gravação, como exige a alínea a), do nº 2, do artº 640º, demonstrativas de qualquer erro de julgamento que considere ter ocorrido e com as quais fundamente a sua impugnação.

Não conexiona aquelas alusões dispersas concretamente com qualquer dos pontos questionados de modo a pô-lo em evidência.

Assim sendo, deve o recurso, nesta parte, ser rejeitado por incumprimento parcial dos citados ónus.

Ainda assim, sempre se diga, prevenindo entendimento contrário, que, cotejada com a extensa fundamentação expendida pelo tribunal a quo – incluindo, como se disse, a constante do capítulo do Direito e alusiva concretamente aos requisitos fácticos da simulação julgados directamente provados e a que a motivação não se refere expressamente – a argumentação aduzida pela recorrente e a contraposta pela recorrida, a impugnação não merece ser atendida.

Cremos, com efeito, não existir erro de julgamento que deva por nós ser corrigido, quer ao nível da apreciação e valoração dos meios de prova propriamente ditos quer mesmo dos indícios deles resultantes, no que não devem perder-se de vista, em abono do decidido, o princípio da livre convicção e o melhor posicionamento do tribunal de 1ª Instância para apreciar a prova diante do respectivo Juiz produzida. (20)

Examinámos toda a prova documental junta.

Ouvimos os depoimentos gravados de parte do Administrador da Insolvência, da pessoa que figura como representante da apelante (Maria), de José (embora na qualidade de testemunha, é quem, afinal, corporiza e representa aquela) e de seu filho J. P., estes salientados no recurso, bem como os de Jorge G., engenheiro agrícola avaliador, e de C. C., empregado da autora com as funções de gerir o património por ela adquirido em circunstâncias similares a esta.

Face aos documentos, depoimentos e acordo das partes, não há dúvida que o protagonista do caso, José, morando em zona vitivinícola, gostando da agricultura e (pela data de nascimento-1949) já arredado da profissão que teve, pensou em desenvolver e rentabilizar terrenos herdados e juntar-lhes os que comprou. Nesta senda, em 12-05-2004, adquiriu os prédios aqui referidos mas recorrendo a empréstimo (18.606,58€) concedido pela apelada, a pagar em prestações, para cuja garantia os deu de hipoteca à mesma, com expressa convenção estipulada de não os locar, sob pena de vencimento imediato e automático de toda a dívida.

Sem que se saiba com que verdadeiros motivos e finalidades e nem ele próprio nem o filho os tenham explicado clara e convincentemente, em 28-04-2009 registaram a constituição de uma Sociedade (a apelante “Terras Y”), entre os dois, tendo por objecto o agro-turismo, com o capital de 5.000€, sendo a maior quota (2.550€) do filho, que se obrigava com a assinatura de um gerente, e ambos os sócios designados para tal cargo.

No entanto, tal sociedade não tem capital, nem património, nem actividade societária própria, dependendo em tudo, independentemente do que figura no contrato e no registo e das pessoas que constam como sócios ou gerentes, da vontade, interesses, decisões e actuação do próprio José, como se pessoal e individualmente agisse.

Tal sociedade, em 11-04-2011, contraiu um empréstimo junto da autora, no valor de 20.000€, que logo incumpriu em 14-10-2011, sendo ela e os dois aludidos sócios (avalistas) demandados na execução 285/12 instaurada em 08-06-2012, na qual foram penhorados os prédios rústicos propriedade daquele José, antes dados de hipoteca, como se referiu.

Entretanto, na execução 2899/12, fundada em empréstimo de 150.000€ contraído, pelo executado, em 28-08-2008, incumprido em 28-08-2011, e em empréstimo de 150.000€, contraído em 07-05-2009, incumprido em 07-08-2011, para pagamento do pedido exequendo de 245.068,41€, foram penhorados, em 28-02-2013, parte dos mesmos prédios, pelo que a autora reclamou, em 06-05-2013, na nº 285/12, o valor de 228.859,30€.

Quando estava marcada a venda na execução 285/12 dos prédios lá penhorados, em 10-12-2013, o dito José apresentou processo especial de revitalização no qual confirmou a pendência das ditas duas execuções, referiu que na sua pessoa concentra toda a actividade vitivinícola e respectivas vicissitudes, declarou ter contraído vários créditos, estar-lhe vedado o acesso ao crédito bancário e não ter condições de solver as suas dívidas.

Não tendo êxito tal processo, no dia 02-09-2014, foi declarado em estado de insolvência.

Neste entretanto, durante o mesmo ano de 2014, relativamente à Sociedade, o filho e sócio J. P. em 05 de Junho comprou a quota do pai, em 10 de Setembro vendeu tudo à namorada deste M. C. e cessou as funções de gerente, em 18-12-2014 cessou idênticas funções o José e passaram estas – sempre segundo o registo comercial – para a dita Maria.

Aprovado em 29-09-2011 e assinado em 30-10-2012, a Sociedade apelante, representada pelo José, celebrou um contrato com o IFAP, para criação de um estabelecimento de agro-turismo, no valor de 227.115€, recebendo uma comparticipação não reembolsável de 136.269€ - contrato este que não explicita qualquer conexão com os prédios aqui em causa nem por qualquer meio esta tendo sido demonstrada.

Foi assim que, em 28-04-2009 – curiosamente, a data da inscrição da constituição da Sociedade apelante – foi com esta (representada pelo sócio gerente filho J. P.) formalizado pelo José, enquanto locador/proprietário (também sócio-gerente daquela), o invocado contrato de arrendamento a favor da mesma, sobre os prédios rústicos em questão, por 10 anos, renovável, pela renda anual de 250€ - contrato só participado fiscalmente em 11-04-2011.

Ora:

-Tendo tal contrato sido celebrado depois de, em 2004, o referido José ter dado os prédios de hipoteca, estando em curso o pagamento do empréstimo por ela garantido;
-Tendo ele contraído cumulativamente outros empréstimos de valores avultados em 2008 e 2009, geradores de volumosa responsabilidade;
-Sendo de presumir, pelas regras da experiência comum em circunstâncias similares, que, pelos valores envolvidos, rentabilidade baixa e incerta e vulnerabilidade da actividade agrícola em que estava envolvido, tudo aliado ao seu espírito ousado, quiçá temerário, patente nas referidas iniciativas, sua dimensão, insucesso e na personalidade algo fantasiosa mas engenhosa deixada transparecer quando ouvido na audiência, era de perspectivar – e que ele perspectivou – o elevado risco de proximamente entrar em incumprimento, como entrou logo em meados de 2011, e de, assim, de tais bens virem a ser pelo menos alvo de penhora em execução, como foram, ou mesmo ficar, como ficou, insolvente, e serem, como foram, apreendidos para a massa;
-Considerando que, apesar de tal não assumir, bem sabia não poder dar os bens em locação, face à clareza do contrato e à sua evidente capacidade de o apreender;
-Olhando ao valor meramente simbólico da renda mencionada;
-Tendo em conta que jamais alguma foi paga pela Sociedade, a quem quer que fosse;
-Sendo evidente que a Constituição da Sociedade e os actos relativamente à mesma formalizados foram todos fictícios e apenas destinados a encobrir e despistar a pessoa e actividade do próprio José;
-Não se demonstrando, ao contrário do que alegou a apelante, que o arrendamento dos prédios rústicos aqui em causa era necessário, que foi motivado ou alguma importância teve na apresentação do projecto de financiamento para agro-turismo junto do IFAP e nenhuma outra razão explicativa se encontrando para, nas referidas circunstâncias, sendo-lhe tal vedado contratualmente, ter outorgado o referido arrendamento por certo crente que, desse modo, continuaria a assegurar, como sempre, ele próprio, embora através da interposta Sociedade que dominava, o gozo e fruição dos prédios, protelando despojar-se deles, independentemente do que acontecesse no caso de execução ou insolvência, e, assim, demoveria os eventuais credores interessados da sua aquisição, face à aparência de a disponibilidade daqueles e respectivo valor estarem diminuídos pelo vínculo locatício (designadamente em termos de preferência e de oponibilidade a qualquer venda forçada futura em que “locador” e “locatária” acreditaram), incluindo à autora;

Convencemo-nos que tal arrendamento, gerado assim num contexto de ficção relativa à própria Sociedade, apenas se destinou a criar uma aparência, não correspondeu a qualquer verdadeira cedência do gozo dos prédios nem ao recebimento de qualquer contrapartida, tudo, salvo “no papel”, continuando “como dantes” e a girar em torno de José, apenas visando prosseguir a referida estratégia, em que comungaram ele, o filho e a companheira Maria, que estes conheciam e em que alinharam, cientes das obrigações daquele.

Sinal de que tal contrato estava funcionalmente reservado a fazer face ao incumprimento é o facto de precisamente só na eminência de este acontecer ele ter sido manifestado ao Fisco para, assim, o revestir de aparente seriedade e legalidade. Com efeito, tendo este ocorrido em 11-4-2011, em Agosto seguinte verificou-se o não pagamento das prestações de dois dos empréstimos.

Sinal também de que houve intenção de prejudicar a autora na satisfação do seu crédito resulta de que, confrontado com a aquisição por ela dos bens na insolvência e pretensão de deles tomar posse, José se lhe opôs, por si próprio e enquanto “corpo e alma” da Sociedade e a impediu, várias vezes, em diferentes momentos, quando para tal instado no local, de consumar aquele desígnio, a não ser à força, como fez questão de dizer na ocasião, brandindo, precisamente para o efeito, o antes fabricado contrato.

Ouvindo-se, especialmente, os depoimentos de Maria, do próprio José e do filho J. P., facilmente se conclui que só tal estratagema ínvio e o desejo comum de o disfarçar pela aparência, explicam os termos ostensivamente não credíveis em que depuseram, como o tribunal a quo entendeu e detalhadamente justificou e podemos afoitamente corroborar.

Maria, que figura como única sócia e gerente da Sociedade, notoriamente constrangida e comprometida, ladeou a resposta às perguntas directas e objectivas, disse não se lembrar a outras, mentiu quanto ao valor da renda e ao seu pagamento, mostrando, afinal de contas, ser alheia a tudo quanto diz respeito àquela e apenas lhe ter emprestado o nome, devido ao relacionamento que tem com José e obviamente acedendo ao seu desígnio e instruções.

Este, ora incomodado, ora arrogante, esquecido ou vago, tentou espertamente em termos e tom habilidosos esconder o relacionamento com a Maria, reconhecendo, ainda assim, que a Sociedade “é um nome, não tem nada”, que de agricultura “percebo eu”, “na exploração não mudou nada, só no nome”, nenhuma renda foi paga, ora alardeando ora vitimizando-se pela situação de insolvência, considerando, quanto às execuções, que isso “deve ser história” e, para justificar a participação fiscal tardia do contrato, referiu que fez várias tentativas, desvalorizou tal obrigação, e lhe disseram “oh pá, isso não presta para nada” mas mesmo assim acabou por manifestá-lo. Confirmou que foi abordado para entregar os prédios mas a tal não acedeu por ter o contrato.

O filho, testemunha J. P., claramente tentando demarcar-se e preservar a vida do pai, reconheceu que o mesmo tem uma personalidade singular, ele é que põe e dispõe de tudo, tentou justificar que a constituição da Sociedade visava um projecto de investimento e que a “passagem das propriedades para a empresa” se inseria nesse desígnio, mas confirmando que tal sociedade e os actos a ela respeitantes não passaram do papel e não tiveram qualquer tradução na realidade, designadamente em termos de pagamento de qualquer quota cedida e rendas, nunca ocorridos.

O Administrador da Insolvência confirmou ter tomado e dado no processo conhecimento do contrato de arrendamento, cuja veracidade não questionou, embora o próprio insolvente José lhe dissesse que quem explorava os prédios era ele e nenhuma renda tenha recebido.

A testemunha C. C., referiu que, sendo essas as suas funções no Banco apelado, em nome deste se dirigiu, várias vezes, a José, após a aquisição dos prédios na insolvência, para deles tomar posse, única pessoa que sempre se lhe deparou e nenhuma outra lá tendo visto, mas, sendo certo que ele lhos foi indicar e mostrar, se recusou a entregá-los, a pretexto do contrato de arrendamento “feito a uma empresa” que exibiu na altura, mas assumindo, ele próprio, que só com uma ordem do tribunal ou com a força da autoridade, só “obrigado, só à força”, tal aconteceria.

Não colhe o argumento da apelante de que nunca pagou as rendas por não ter tido rendimentos para tal e ter levado a cabo múltiplos e variados investimentos, aliás não concretizados nem demonstrados por qualquer meio, e que assim foi acordado. Não pagou porque inexistindo verdadeiro contrato e obrigações e confundindo-se na mesma pessoa o papel de locador e (embora disfarçado pela Sociedade) a de locatário, tal não fazia qualquer sentido. Se o fizesse, se tal obrigação fosse real e séria a necessidade de manter o contrato designadamente para desenvolver o alegado projecto do PRODER, não faltava dinheiro dos empréstimos bancários e dos subsídios públicos (europeu e nacional, não reembolsáveis) recebidos, quer pela Sociedade quer pelo próprio José, para tal. Aliás, tal é o desnorte e desacerto que a Maria disse ser de 2.000€ por ano a renda e acabou por balbuciar que as “pagava ao José”, enquanto que este confirmou os (simbólicos) 250€ constantes do documento e que nunca recebeu nem reclamou nada (apesar de verbalizar como objectivo assegurar uma fonte de rendimento para si), quer por isso quer pelo seu trabalho.

Tudo ponderado, enfim, apesar das múltiplas objecções, argumentos e interrogações esgrimidas pela apelante, não encontramos fundamento para, quanto à apreciação e valoração dos meios de prova e à decisão, a partir dos factos que deles se extraem ou dos indícios que deles resultam não contrariados por quaisquer outros que os abalem, tomada pelo tribunal recorrido quanto aos questionados pontos provados e não provados, encontrar qualquer erro, designadamente com base na alegada fragilidade daqueles, nem para divergir do julgamento feito.

Sempre seria, portanto, de concluir, pelo demérito do recurso nesta parte, e de manter a matéria de facto nos termos decididos pelo tribunal recorrido.

C) O Direito

a) Validade/ nulidade (simulação) do contrato de arrendamento

Para além de questionar, nos termos referidos, os factos, defendeu a apelante que deveria ter-se considerado existente e válida a locação e nesta conformidade revogada a sentença por não se encontrarem preenchidos os requisitos previstos no artº 240º.

A este propósito, referiu o tribunal a quo:

“O conceito de negócio simulado encontra-se explicitado, de harmonia com a doutrina tradicional, no nº 1 do art. 240º do Código Civil, de que decorre que há simulação sempre que concorram divergência intencional entre a vontade e a declaração das partes, combinação ou conluio que determine a falsidade dessa declaração (acordo simulatório), e a intenção, intuito ou propósito de enganar ou prejudicar terceiros.
Identificado o intuito de enganar terceiros com a intenção de criar uma aparência, essa intenção é necessariamente revelada pela divergência entre a vontade real e a declarada e pelo acordo que tal determina, de tal modo que assim concertadamente criada aparência não conforme com a realidade, tanto basta para que tenha de julgar-se evidenciado o intuito ou propósito de enganar terceiros.
A simulação pode ser absoluta (quando o acordo simulatório se dirige à celebração de um negócio e as partes não querem na realidade celebrar esse negócio, nem qualquer outro), ou relativa (quando o negócio simulado encobre outro acto que se diz dissimulado - por exemplo, declara-se vender, mas a vontade real das partes é doar).
A intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração traduz-se na consciência, por parte do declarante, de que emite uma declaração que não corresponde à sua vontade real. O declarante não só sabe que a declaração emitida é diversa da sua vontade real, mas quer ainda emiti-la nestes termos. Trata-se, portanto, de uma divergência livre, querida e propositadamente realizada. “

Assim, uma vez apurados os factos, mormente os dos pontos 13 a 16, concluiu:

“consideramos preenchidos os requisitos do instituto jurídico da simulação, conforme artºs 240º e seguintes do Código Civil“.

Pelo que decretou a respectiva nulidade.

Tendo a impugnação da matéria de facto sido julgada improcedente e nenhuma questão propriamente de direito suscitando a autora, deve também nesta parte a sentença manter-se.

b) Caducidade

Respeitando ao pedido subsidiário, não haveria que conhecer-se da mesma.

No entanto, cautelarmente, não deixou o tribunal recorrido de perspectivar a hipótese de se concluir pela não verificação dos pressupostos da simulação e, portanto, de o contrato de arrendamento ser válido.

Assim, salientando que a data de tal contrato é posterior à data do registo da hipoteca dos bens adquiridos pela autora enquanto credora garantida no âmbito da insolvência e considerando aplicável, na venda efectuada, mesmo nesse tipo de processo, tal como no executivo, conforme jurisprudência que citou, o disposto no nº 2, do artº 824º, CC, e este abrangente do direito ao arrendamento, ainda que anterior à penhora, concluiu:

“ainda que o contrato em causa não fosse nulo por simulação, sempre teria caducado à data da venda do imóvel à autora, no processo de insolvência.”

Ora, batendo-se pela nulidade, mas em face de tal entendimento, não deixou a apelante de, nas conclusões 34ª a 37ª se pronunciar e manifestar discordante.

Nem a apelada de responder, nas suas contra-alegações.

Na mesma linha e perspectiva e tendo em conta o disposto no artº 665º, nº 2, CPC, dispondo-se no processo de todos os elementos necessários e uma vez que as partes contraditoriamente versaram já sobre a questão, deixa-se consignado também o nosso entendimento de que, mesmo a considerar-se válido o negócio locatício, sempre ele não legitima a posição da apelante de impedir a apelada de ingressar na posse e domínio pleno dos bens.

Defende a ré apelante “Terras Y”, quanto a isto, apenas, que a hipoteca não foi dada por si e que, quando o seu legal representante, assinou o contrato de arrendamento, a desconhecia, não lhe podendo ser imputadas “tais circunstâncias” até porque, no decurso do processo de insolvência, o Administrador a reconheceu como locatária.

Objectou o Banco apelado, na resposta, que, tendo o pretenso arrendamento sido celebrado depois da constituição e registo da hipoteca a seu favor, opera a caducidade por força dos artºs 165º, do CIRE, e 824º, nº 2, do CC.

Vejamos, então.

Créditos garantidos são, nos termos do artº 47º, nº 4, alínea a), do CIRE, os créditos reclamados e reconhecidos sobre a massa apreendida ao devedor insolvente que beneficiem de garantia real até ao montante correspondente ao valor dos bens objecto dela, tendo em conta as eventuais onerações prevalecentes.

No domínio dos negócios em curso à data da declaração de insolvência e concretamente quanto ao contrato de locação em que o insolvente figure na qualidade de locador e que validamente exista e esteja em vigor, rege o artº 109º, do CIRE.

Assim:

A declaração de insolvência não suspende a execução do contrato (regra da inoponibilidade de tal declaração). A sua denúncia apenas é possível para o fim do prazo em curso, sem prejuízo dos casos de renovação obrigatória (nº 1). Logo, qualquer das partes deve continuar a cumpri-lo, enquanto não for denunciado.

A alienação da coisa locada no processo de insolvência não priva o locatário dos direitos que lhe são reconhecidos pela lei civil em tal circunstância (nº 3). (21)

Tutela-se assim o locatário, assegurando-se-lhe, na hipótese, v.g., da venda da coisa locada, a manutenção da sua posição contratual (22) e, bem assim, o seu direito de preferência. (23)

Em sede de liquidação dos bens integrantes da massa insolvente, o artº 165º dispõe, ainda, que aos credores garantidos que adquiram bens nela integrados é aplicável o disposto para o exercício dos respectivos direitos na venda em processo executivo.

Visando a lei consagrar explicitamente regime idêntico, nesta matéria, ao previsto no processo civil (aliás subsidiariamente aplicável ex vi do artº 17º) para a execução comum, “o que está em causa é a aplicação da regra da dispensa do depósito do preço” estabelecida no artº 815º, do actual CPC (anterior 887º, nº 1) – dizem aqueles citados autores (página 552).

Interpretando-se o âmbito do referido artº 165º como restrito à matéria do exercício dos respectivos direitos pelo credor garantido, designadamente quando ele próprio pretenda adquirir a coisa em venda, parece não haver qualquer dificuldade de interpretar e aplicar harmoniosamente com essa regra o disposto no nº 3, do artº 109º. A locação manter-se-ia, apenas dependendo das vicissitudes contratuais e legais próprias e específicas.

Porém, se aquele âmbito se considerar mais vasto e nele, portanto, também compreendido o problema da regulação dos direitos do credor garantido adquirente em confronto com os do locatário do bem adquirido agora à luz do artº 824º, do Código Civil, que trata da venda executiva, a questão complica-se.

Poderá, assim, acontecer que a adopção, considerada como também abrangida na remissão imposta pelo artº 165º, do CIRE, no processo de insolvência, do regime da venda vigente no comum processo executivo, e inerente aplicação deste, maxime do artº 824º, CC, no caso de a coisa vendida ter sido dada em locação pelo devedor, poderá implicar, para o sistema se conjugar em harmonia, uma interpretação restritiva do nº 3, do artº 109º, do CIRE, no sentido de que, sendo de aplicar o nº 2 daquela norma civilística, em caso de alienação, v.g. por venda, no processo de insolvência de coisa imóvel para a respectiva massa nele apreendida, em certos termos e circunstâncias os direitos do locatário cedem ante o adquirente caducando o contrato de arrendamento.

Estabelece o artº 824º, do CC:

1. A venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida.
2. Os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em elação a terceiros independentemente de registo.
3. Os direitos de terceiro que caducarem nos termos do número anterior transferem-se para o produto da venda dos respectivos bens.”.

Sendo certo que, em face dela, os bens vendidos em execução são transmitidos livres – livres dos direitos reais de garantia que os onerarem bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia (salvo os que, constituídos antes destes, sejam eficazes em relação a terceiros independentemente de registo), os quais, portanto, caducam – pode, com efeito, questionar-se se o nº 3, do artº 109º, do CIRE, apenas se limita a salvaguardar o locatário dos seus direitos em geral civilmente reconhecidos em caso alienação da coisa (como o da manutenção da sua posição contratual e direito de preferência) mas não obsta, antes cede, aos direitos do adquirente nas circunstâncias e segundo os termos referidos no nº 2, do artº 824º, do CC.

Qualificando-se tal direito do locatário como real (de gozo), fácil parece ser enquadrá-lo no âmbito daqueles “demais direitos reais” ali definido que, assim, cedem ante o adquirente.

Afastando-se essa qualificação, já a tarefa hermenêutica surge mais complicada: prevalece, designadamente na insolvência por força da aplicação ampla do nº 3, do artº 109º, do CIRE, o artº 1057º, do Código Civil, mantendo-se a relação locatícia apenas subjectivamente modificada pela mudança de senhorio?

Ou caduca o arrendamento e liberta-se o adquirente do vínculo obrigacional que desse contrato provinha desde que, não estando ele sequer sujeito a registo, “não tenha sido constituído antes de qualquer arresto, penhora ou garantia”, não produzindo, por isso, quaisquer efeitos contra o terceiro adquirente?

Nesta última hipótese, para o arrendamento ser oponível ao adquirente teria de a sua constituição ser anterior (24) e produzir, independentemente daquele, efeitos em relação a terceiros.

Ora, está consolidada quase unanimemente na Jurisprudência o entendimento de que:

-o direito ao arrendamento não tem natureza real;
-apesar disso, o arrendamento de prédio posterior à sua hipoteca ou à sua penhora caduca ou, pelo menos, é ineficaz em relação ao adquirente na venda executiva (ou inoponível);
-o mesmo acontece na venda em liquidação da massa insolvente.

Relativamente à venda executiva, entre muitos e desde há muito prolatados arestos (na sua grande maioria relevando favoravelmente a posição do adquirente), vamos destacar de seguida alguns, notando-se desde já o respaldo em boa parte deles encontrado na Doutrina, particularmente de Oliveira Ascenção (25) e de M. Henrique de Mesquita (26).

-O Acórdão do STJ, de 31-10-2006 (27), relativamente a caso em que o arrendamento foi celebrado já depois de penhorado o prédio também antes dado de hipoteca, entendeu que:

“À luz do art. 824º do CC, o contrato de arrendamento é considerado como um verdadeiro ónus em relação ao prédio.
Daí que, vendido o prédio em sede executiva, o contrato de arrendamento celebrado depois da constituição de hipoteca e da penhora caduque automaticamente.
O simples facto de só passados oitos após a aquisição a A., adquirente do prédio onerado com o arrendamento, ter vindo a juízo fazer valer os seus direitos em nada colide com o instituto do abuso de direito.”.

Fundamentou-se assim a orientação nele perfilhada:

“Com efeito, independentemente de se curar da hipoteca e da repercussão do registo da mesma em relação ao contrato de arrendamento, uma coisa é certa: no caso presente, houve a efectivação de uma penhora que foi devidamente registada antes da celebração do contrato de arrendamento que serviu de base a outros negócios e que, por isso mesmo, levou a que, consumada a venda executiva, o prédio fosse entregue ao comprador (no caso a própria Empresa-A) livre do ónus do arrendamento. Ou seja, com a concretização da venda, automaticamente caducou o contrato de arrendamento.
Com esta argumentação que, repetimos, temos por perfeitamente correcta atenta a factualidade dada como provada, o problema fica resolvido.
Caduco o referido contrato de arrendamento, automaticamente caducam todos os outros contratos que foram sendo celebrados no pressuposto da validade e eficácia daquele.
Mas não podemos olvidar que, in casu, estamos perante execução hipotecária, com a garantia registada antes da celebração do contrato de arrendamento.
Mas isso não altera em nada o que se disse.
A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor da coisa pertencente ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores, como resulta do nº 1 do art. 686º do CC. É claro que tal garantia há-de manifestar-se com toda a acuidade em sede executiva, esgotadas que sejam as possibilidades de o credor fazer valer as suas potencialidades por via amigável.
Assim, não tendo a credora Empresa-A feito valer por via da negociação os seus direitos garantidos pela hipoteca, outro remédio não tinha que não fosse o recurso à via judicial, concretamente à acção executiva.
Proposta a competente acção, seguiu-se a penhora do imóvel hipotecado, em observância do disposto no art. 835º do CPC.
A execução prosseguiu até à fase da venda e, com a adjudicação do imóvel hipotecado e penhorado, foi ele libertado de todos os ónus a fim de ser entregue ao arrematante, tal-qualmente o mesmo foi pracejado.
E, por isso mesmo, é que o contrato de arrendamento caducou automaticamente.
Se assim não fosse, perderia todo o alcance a garantia real.
Mas, a verdadeira dificuldade do problema está em saber se o arrendamento é um verdadeiro ónus para este efeito.
Caso a resposta seja positiva, encontraremos a solução, em tese geral, para o caso concreto, não obstante o resultado já alcançado por via da particularidade do mesmo, tal como o Relação o fez.

Vejamos, então.
O art. 819º do CC, na sua redacção originária e aplicável ao caso, tendo em conta a temporalidade dos factos em causa, dispunha que "sem prejuízo das regras de registo, são ineficazes em relação ao exequente os actos de disposição ou oneração dos bens penhorados".
À luz deste preceito discutia-se já se o arrendamento era, para este efeito, um verdadeiro ónus, não faltando jurisprudência a aceitar semelhante tese.
Exemplar é o acórdão deste Supremo Tribunal de 06 de Julho de 2000 que aprofundadamente debateu o problema e chegou à conclusão de que "a venda judicial, em processo executivo, de fracção hipotecada faz caducar o seu arrendamento, não registado, quando posteriormente celebrado à constituição e registo daquela hipoteca, por na expressão «direitos reais» mencionada no art. 824º, nº 2 do CC se incluir, por analogia, aquele arrendamento" (in C.J. - Acs. STJ -, Ano VIII - Tomo II, pág. 150 e ss.).
Data venia, desde já adiantamos que este nos parece ser o ponto de vista correcto.
Na verdade, o art. 1057º do CC preceitua que "o adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador, sem prejuízo das regras do registo".
Consagra, pois, este preceito legal a regra "emptio non tollit locatum".
A sua excepção surge apenas com respeito ao que está estabelecido no direito registral.
Como assim, um contrato de arrendamento (registado ou não) celebrado antes do registo de hipoteca, arresto ou penhora é oponível a estes actos (no caso de arrendamento sujeito a registo e não registado é que ele só poderá ser oponível pelo prazo pelo qual podia ser feito sem sujeição a registo).
Mas já um contrato de arrendamento, sujeito a registo e registado, celebrado após aqueles actos posteriormente a constituição de arresto, hipoteca ou penhora extingue-se com a venda.
Isto mesmo resulta do respeito pelo estabelecido no art. 6º do CRP, nº 1 - "o direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que lhe seguirem relativamente aos mesmos bens".
Mas o que nos preocupa, de verdade, é saber se o mesmo também se verifica em relação a um arrendamento não sujeito a registo celebrado após serem levados a registos hipotecas, arrestos ou penhoras.
Pela nossa parte, entendemos que não há razão para dar mais protecção aos arrendamentos não sujeitos a registo celebrados após aqueles actos do que aos arrendamentos não sujeitos a registo ou aos registáveis e não registados. Tanto num caso como noutro, a situação locatícia não merece qualquer protecção.
Seguir por caminho diferente daria azo a graves injustiças, pois estaríamos a criar um regime de favorecimento em relação a estas situações não registadas: nestes casos, os arrendatários veriam a sua situação perfeitamente segura, apesar da venda executiva do imóvel e quiçá com arresto ou hipoteca prévios.
E a injustiça sairia até reforçada nos casos de o contrato de arrendamento não estar registado apesar da sua obrigatoriedade. Nestes casos, valeria bem a pena não registar o contrato.
É que registando-o, mais dia, menos dia, havendo registo prévio de penhora, arresto ou hipoteca, a sua situação estava ficaria definida com a venda executiva do imóvel e no sentido da caducidade do arrendamento.
Mas já o caso mudaria radicalmente de figura se o arrendamento não estivesse registado ou não fosse registável.
O Direito, sob pena de se negar, não pode aceitar esta dualidade de critérios: há que considerar que o arrendamento surge aqui e agora como um verdadeiro ónus quer esteja sujeito a registo quer não.

Assim, no caso de não estar o arrendamento sujeito a registo ou, estando-o, não ter sido registado, há que, no caso de venda executiva com penhora, hipoteca ou outro direito real registados, julgar o mesmo caduco.

Esta é, aliás, a lição que se colhe de Miguel Teixeira de Sousa:

"..., em concreto: - se a locação dever ser registada - ... -, extingue-se aquela que tenha registo posterior ao do aresto, penhora ou garantia; - se a locação não dever ser registada, releva a data da sua constituição e extingue-se a que for constituída após o arresto, penhora ou garantia e que, por isso, é inoponível à execução" (in Acção Executiva Singular, 1998, pág. 390).
Remédios Marques e Miguel Mesquita defendem, de igual modo, a caducidade, após venda judicial, dos contratos de arrendamento não sujeitos a registo celebrados antes de penhora, arresto ou garantia invocada na execução, bem como daqueles outros que embora sujeitos a registo tenham sido levados a registo posteriormente à inscrição daqueles actos (cfr. Curso de Processo Executivo Comum à face do Código Revisto, pág. 408 e ss. e in Apreensão de Bens em Processo Executivo e Oposição de Terceiro, pág. 179 e ss., respectivamente).
Esta é também a posição de Henrique Mesquita, para quem o art. 1057º é também inaplicável à venda da coisa locada em processo executivo, sendo que "esta hipótese deve considerar-se incluída na regra do nº 2 do art. 824º" e, portanto, "inoponíveis ao comprador as relações locativas constituídas posteriormente ao arresto, penhora ou garantia" (in Obrigações Reais e Ónus Reais, pág. 140).
Igual é a posição defendida por Oliveira Ascensão: por um lado, o nº 2 do art. 854º do CC refere-se aos direitos inerentes e entre estes conta-se o arrendamento e, por outro, este está incluído nos direitos reais que produzem efeitos em relação a terceiros independentemente de registo, e tudo isto para além de se curar da natureza (real ou obrigacional) do contrato de arrendamento (in ROA, Ano 45, Setembro, pág. 365 e 366).
Aqui chegados, podemos dizer que qualquer situação locatícia - registada ou não - constituída após o registo de hipoteca, arresto ou penhora, é inoponível ao comprador do imóvel em sede de venda judicial, na justa medida em que após a concretização desta caducam automaticamente.
Mas depois desta pequena excursão em busca da solução a dar ao "nosso caso", ainda não está dada a resposta, de uma forma explícita, ao problema que colocamos, saber se o arrendamento constitui um verdadeiro ónus.
A este propósito, não resistimos em fazer apelo às reflexões feitas por Nuno de Lemos Jorge no seu trabalho "Arrendamento de Imóveis Hipotecados: Caducidade do Arrendamento Com a Venda Executiva", apresentado no âmbito no âmbito do Mestrado, Coimbra, 2002, ainda inédito.
Para este A., o arrendamento é um encargo pesado sobre um imóvel, determinado por dois factores - o art. 1057º do CC e o vinculismo -, que "diminui o valor da venda de um prédio, tanto, ou mais do que um direito real limitado".
Como assim, "se for permitida a subsistência de um arrendamento após a venda executiva, contraria-se o pensamento subjacente à regra do artigo 824º, nº 2 do CC, pois permite-se que o devedor e proprietário do bem onerado diminua o valor da garantia por mera vontade sua".
E não deixa de responder, com argumentos seguros, a quem vê obstáculos nos arts. 1051º e 1057º do CC, dizendo, por um lado, que o locatário não concorre ao património do locador como credor de uma dívida de gozo, não sendo parte no processo executivo, mas tão só "titular de um direito que lhe adveio de negócio com o devedor, direito esse que vai ceder no confronto com aquele que o credor accionou e, por outro, defendendo que o 1º dos preceitos citados não é taxativo, ideia esta também defendida por Oliveira Ascensão na obra referida, a pág. 355 ("o grande princípio da nossa ordem jurídica é o da analogia, fundado na regra constitucional do tratamento idêntico de casos semelhantes").
Se é certo que a regra do vinculismo acabou de levar uma grande machadada com o NRAU, não é menos certo que este diploma não é para aqui chamado, atenta a temporalidade dos factos em apreciação, não vendo nós razões para não considerar pertinentes e válidos para o caso os argumentos apresentados.
Temos, pois, por absolutamente seguro que o arrendamento se afigura como um verdadeiro ónus e como tal deve ser considerado no âmbito do nº 2 do art. 824º do CC.

Neste preciso sentido opina José Alberto Vieira:

"...o art. 824º, nº 2 do Código Civil tem aplicação ao arrendamento de prédio dado de hipoteca. Não obstante não mencionado expressamente, o direito do arrendatário implica materialmente um gravame sobre a coisa muito semelhante, se não até maior, àquele que é posto pelos direitos reais... Nenhum argumento se opõe a esta solução. Não o art. 1051º, ..., pois não existe uma tipicidade taxativa de casos de caducidade. E também decerto a posição do arrendatário. Não se esqueça que o direito deste é constituído após o registo da hipoteca. ... O arrendatário de imóvel dado de hipoteca sabe ou pode saber que o direito com base no qual o arrendamento foi celebrado se encontra onerado e que a hipoteca pode vir a ser executada", concluindo, assim, que "o direito do arrendatário de prédio dado em garantia se extingue com a venda judicial, nos termos do art. 824º, nº 2 do Código Civil" (in Arrendamento de Imóvel dado em Garantia, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, Volume IV, pág. 448 e ss.).
Este foi o sentido que o legislador acabou por consagrar, não permitindo mais dúvidas, ao dar nova redacção ao art. 819º do CC, através do D.-L. 38/2003, de 8 de Março:
"Sem prejuízo das regras de registo, são inoponíveis à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados".
Ora, no caso que nos ocupa, o contrato de arrendamento que está na base das posições defendidas pelos RR., aqui recorrentes, foi celebrado por cinco anos e com tendo como fim a indústria; como assim, à luz do art. 6º do CRP citado, não estava sujeito a registo.
Porém, o mesmo foi celebrado depois da constituição e registo não só da hipoteca como também da penhora.
Concretizada a venda em sede executiva, caducou automaticamente o aludido contrato, sendo, portanto, inoponível à A.. Empesa-A.
Com ele, caducaram também todos os demais contratos celebrados e que tinham na génese daquele a sua razão de ser.
Isto significa que os RR., aqui recorrentes, após a concretização da venda judicial, deixaram de ter título justificativo para a ocupação do prédio reivindicado.
Perfeitamente certa e legal a decisão das instâncias em ordenar a entrega do imóvel à Empresa-A, compradora do mesmo no processo executivo.”.

-Acórdão do STJ, de 27-03-2007 (28): em caso de venda executiva de fracção autónoma arrendada depois de registada a sua hipoteca em garantia de empréstimo concedido pela adquirente mas antes da sua penhora, considerou que o artº 824º, nº 2, do CC, não abrange o arrendamento por este ter natureza obrigacional e aquele só se referir a direitos reais (de garantia ou outros), nem tal norma se aplica analógica ou extensivamente; na venda executiva do imóvel urbano arrendado, aplica-se o artº 1057º, do CC, não caducando por isso o arrendamento (mesmo sendo este posterior à hipoteca); porém, nos termos do artº 919º, do CC, o arrendamento constituído depois da penhora sobre o respectivo imóvel é ineficaz em relação ao exequente e ao terceiro adquirente.

-Acórdão da Relação de Coimbra, de 21-10-2008 (29), perante caso de venda executiva de imóvel urbano dado de hipoteca pelo executado em 1998, de arrendamento em 2004 e posteriormente penhorado, considerou indiferente a qualificação do arrendamento como direito real de gozo, obrigacional ou misto, entendeu que no caso era inaplicável o artº 1057º, do CC por a situação ser abrangida no nº 2, do artº 824º, do CC, assim resumindo:

“I – Os contratos de arrendamento não sujeitos a registo só não caducam com a venda executiva, se a constituição da relação locativa for anterior à data do registo de penhora, arresto ou garantia invocada na execução.
II - Recaindo hipoteca sobre imóvel objecto de venda executiva, constituída e registada, em data anterior à do contrato de arrendamento celebrado entre o executado locatário e os executados senhorios, a locação é inoponível ao adquirente do imóvel, extinguindo-se o arrendamento e operando-se a caducidade do contrato, que não prevalece sobre aquela garantia real, após a realização da venda executiva.
III – Sendo a hipoteca uma espécie de penhora antecipada, o imóvel objecto de venda executiva foi, oportunamente, retirado da disponibilidade dos executados, seus proprietários, que ficaram privados do direito de nele praticar actos susceptíveis de colidir com a situação jurídica criada pela hipoteca, a partir do momento da sua constituição e registo.
IV - O regime legal decorrente do artigo 1057º (30) é inaplicável à venda de coisa locada, em processo executivo, por se tratar de hipótese que deve considerar-se incluída, no âmbito do disciplinado pelo artigo 824º, nº 2, ambos do CC.
V - Tratando-se o imóvel vendido em execução, cuja entrega foi solicitada pelo exequente, a casa de habitação do agravante, só se justifica a suspensão da sua efectivação se a desocupação puser em risco, por razões de doença aguda, a vida do executado, desde que comprovada por atestado médico, que tem de indicar, de modo fundamentado, o prazo durante o qual deve ser sustada a entrega.”

-Acórdão do STJ, de 05-02-2009 (31), em face de venda executiva de prédio urbano dado antes de hipoteca, depois arrendado, mais tarde penhorado e adquirido na execução pela exequente, entendeu, segundo o sumário, que: “O arrendamento constituído depois do registo da hipoteca do prédio, no qual se incluem os espaços arrendados, caduca com a venda executiva deste.”.

Atente-se no texto linear da respectiva fundamentação:

IX –A querela sobre a natureza, de direito real ou não, do arrendamento vem de longe e tem provocado clivagens profundas na doutrina a que a lei não pôs termo. Uma enumeração dos autores que defendem uma ou outra das posições e, bem assim, aqueles que vão no sentido duma natureza mista pode ver-se no Ac. deste Tribunal de 27.3.2007 (CJ XV, I, 146).
Não temos nós aqui, todavia, de tomar posição porque o entendimento, que vamos explanar, no sentido da abrangência do nosso caso, mesmo com recurso à analogia, pela primeira parte daquele n.º2 do artigo 824.º, torna dispensável tal opção. Como direito real ou como abrangido pela analogia, o arrendamento deve, a nosso ver, ser tido como caducado.
X – O Decreto n.º4511, de 17.4.1919, dispôs, no § 1.º do artigo 36.º, que os arrendamentos sujeitos a registo “subsistem à transmissão do prédio por via executiva, se estiverem registados anteriormente ao registo do acto ou facto de que a transmissão resultou.” Com a reforma de 1930, o artigo 1022.º do Código de Seabra passou a ter a seguinte redacção: “Os ónus reais com registo anterior ao de qualquer hipoteca, penhora ou arresto…acompanham o prédio alienado.” A expressão “ónus reais” era também a preferida no artigo 856.º do Código de Processo Civil vigente ao tempo. Sendo certo que o artigo 949.º, do Código Civil, então vigente, ao enumerar os ónus reais, incluía o “arrendamento por mais de um ano, havendo adiantamento da renda, e por mais de quatro anos não o havendo.”
Mas tal expressão foi abandonada, no artigo 907.º do Código de Processo Civil de 1939, com preferência pela de “direitos reais”: “Os bens serão transmitidos livres dos direitos reais que não tiverem registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou hipoteca, salvo os que, tendo sido constituídos em data anterior, produzam efeito em relação a terceiros independentemente de registo.” Logo se constatou, todavia – como se pode ver detalhadamente em Alberto dos Reis (Processo de Execução, 2.º, 395 e seguintes) – que a nova designação de “direitos reais” não correspondia totalmente aos direitos assim habitualmente designados. Razões de ordem histórica assentes nos preceitos supra citados e consideração de que se mantinha noutros do Código de Processo Civil a referência a “ónus reais” – nomeadamente naquele que mandava citar os credores a favor de quem existir registo de qualquer “ónus” e no outro que determinava que os eram adjudicados livres de “ónus e direitos que devam caducar” assim levavam a pensar. “A verdade é que o dote e o arrendamento nas condições da alínea e) do § 2.º do artigo 949.º nem são direitos reais de gozo, nem direitos reais de garantia. São contudo ónus reais; e não se compreende que sobrevivam à arrematação, quando registados posteriormente a qualquer hipoteca, penhora ou arresto”- refere, a dado passo e já concretizando, aquele Autor.
Como se vê, com clareza, do cotejo dos respectivos textos, o dito artigo 907.º constituiu a base do n.º2 do artigo 824.º do Código Civil de 1966. Este surgiu como opção pela inclusão em diploma substantivo do que é substantivo, mas sem manifestação de qualquer rompimento com o se vinha entendendo.
XI - Entretanto, vigorava o artigo 843.º do Código de Processo Civil que dispunha sobre a administração dos bens penhorados. Ali se previa, na falta de acordo, o arrendamento dos prédios, mas se tinha a cautela de estipular que o depositário não poderia fazer o arrendamento por prazo superior ao um ano. Evoluiu substancialmente a relação locatícia no sentido da duração do arrendamento e dos direitos do arrendatário à renovação contratual, de sorte que aquele prazo de um ano deixou de ter razão de ser. Eliminou-o o legislador com a reforma de 1967 e não o substituiu noutros termos. Daqui pode extrair-se o argumento de que os arrendamentos celebrados pelo depositário caducam, nos termos do artigo 1051.º, alínea c) do Código Civil. Está aqui, por um lado, uma confirmação do que vinha sendo entendido e, por outro, um avanço no sentido de se dever ter como terminada a distinção – para efeitos do n.º2 do artigo 824.º - entre arrendamentos (a não ser os arrendamentos constituídos em data posterior à do registo da penhora, constante do próprio texto legal). Nessa sequência deve ser entendida a nova redacção do artigo 819.º, ainda deste código, ao determinar que, sem prejuízo das regras do registo são inoponíveis em relação à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados. Esta redacção veio a lume depois de efectivados os contratos que se discutem nos presentes autos, mas face à discussão, doutrinária e jurisprudencial, que vinha tendo tido lugar, bem pode considerar-se interpretativa do direito anterior - mormente daquele n.º2 do artigo 824.º - então com os efeitos do artigo 13.º, n.º1, ainda do mesmo código.
Este n.º2 do artigo 824.º, não distingue entre penhora e hipoteca, pelo que consideramos extensiva a esta o entendimento que acabamos de traduzir. Relativamente à hipoteca, ainda há a considerar, em reforço, o artigo 695.º que mal se compreenderia se a oneração ali referida (nomeadamente a hipoteca) pudesse subsistir à venda executiva.
O entendimento, que vimos sustentando, de que o arrendamento deve ser considerado abrangido pelo n.º2 do artigo 824.º é, aliás, esmagadoramente maioritário, quer na doutrina, quer na jurisprudência. Assim e sem preocupação de exaustão, temos o estudo detalhado e que, parcialmente, serviu de orientação para a argumentação supra expendida, de Oliveira Ascensão (ROA, Ano 45, 345 e seguintes), Henrique Mesquita (Obrigações Reais e Ónus Reais, 140) José Alberto Vieira (em Estudos em Homenagem ao Professor Galvão Teles, IV, 437) e Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e Caldeira Jorge (Arrendamento Urbano, 2.ª edição, 189). Na jurisprudência, os Acórdãos deste Tribunal de 3.12.1998 (BMJ 482, 219), 6.7.2000 (CJ STJ, VIII, II, 2000), 6.4.2006, 31.10.2006 e 15.11.2007, estes em www.dgsi.pt.”.

-O Acórdão do STJ, também de 05-02-2009 (32), em caso de venda executiva de imóvel urbano arrendado depois de hipotecado e penhorado, entendeu:

“I - Qualquer situação locatícia - registada ou não - constituída após o registo da hipoteca, arresto ou penhora é inoponível ao comprador do imóvel em sede de venda judicial, na justa medida em que após a concretização desta caduca automaticamente.
II - A caducidade do contrato de arrendamento celebrado depois da constituição e registo da hipoteca e da penhora, por efeito da venda executiva, acarreta também a caducidade de todos os demais contratos celebrados e que tinham na génese daquele a sua razão de ser (por ex., a locação de estabelecimento).
III - Desde que a violação do direito de propriedade e a decorrente privação do uso derivem da prática de um acto ilícito, à parte do pedido de reivindicação (art. 1311.º do CC) pode ser formulado o pedido de indemnização, como forma de repor a situação anterior e reparar os prejuízos decorrentes da privação, como ocorre quando esta atinge bens imóveis.
IV - Provando-se que a indisponibilidade foi causa directa de prejuízos resultantes da redução ou perda de receitas, da perda de oportunidades de negócio ou da desvalorização do bem, não se questiona o direito de indemnização atinente aos lucros cessantes.
V - Mas mesmo que nada se prove a respeito da utilização ou do destino que seria dado ao bem, o lesado deve ser compensado monetariamente pelo período correspondente ao impedimento dos poderes de fruição ou de disposição: a simples falta de prova (ou de alegação) desses danos concretos não conduz necessariamente à denegação da pretensão indemnizatória.
VI - Sem embargo da prova que possa ser feita da total ausência de danos, não deve descartar-se o recurso à equidade para encontrar, no balanceamento dos factos e das regras da experiência, um valor razoável e justo.
VII - Considerando que a autora, credora hipotecária do imóvel arrendado que entretanto adquiriu judicialmente, exercia uma actividade lucrativa e pretendia alienar o prédio em causa, tarefa esta dificultada pela ocupação não consentida do mesmo, não pode a privação do uso de tal bem, por um período de tempo prolongado (Maio de 1999 a Maio de 2007), deixar de ser compensada através da atribuição de uma indemnização, cuja quantificação, em último caso, deve ser feita com recurso à regras da equidade”.

-Nesta Relação de Guimarães (33), em caso de venda executiva de imóvel que havia sido dado de hipoteca em 1997, 1998 e 2002, objecto de penhora em 03-12-2003 e, antes desta, arrendado em 04-02-2003 (embora só tendo sido feita a participação fiscal em 18-06-2007), considerou-se, na esteira do já acima aludido aresto do STJ de 05-02-2009, proferido no processo 08B4087, que o arrendamento caduca em face da referida venda, considerando, no caso, aquele abrangido na previsão do nº 2, do artº 824º, CC.

-O Acórdão do STJ, de 27-05-2010 (34), citando outros semelhantes arestos proferidos em casos similares (venda executiva de imóvel dado de hipoteca e, posteriormente a esta, de arrendamento), entendeu na mesma linha, em suma, que:

“I- Mesmo considerando, na esteira da largamente maioritária jurisprudência portuguesa, que o arrendamento se reveste de natureza obrigacional, a verdade é que, como nota Romano Martinez. «importa reconhecer que a finalidade conseguida por este contrato pode ser atingida mediante o recurso a direitos reais menores», em primeiro lugar e, em segundo lugar, que «retira-se (do artº 1022º do C. Civil) que a locação é uma forma de proporcionar o gozo temporário de uma coisa» (Romano Martinez, Contratos em Especial, Universidade Católica Editora, 1996, pg. 158), características essas que, para além da notória semelhança funcional e sócio-económica, têm por denominador comum, a repercussão no valor económico dos bens onerados com um arrendamento ou com outros ónus reais que sobre eles incidam, sendo certo que como ainda refere ainda Romano Martinez, «a transitoriedade, sendo uma característica do contrato de locação, muitas das vezes, pode perdurar por vários anos» (ibidem).
II- Daí que a semelhança das situações, jurídica e sócio-económica, justifique e exija o recurso à aplicação analógica do preceituado no falado nº 2 do artº 824º do CCivil, quanto à caducidade dos contratos de arrendamento nos sobreditos termos.
III- O artº 824º, nº 2 do C.Civil é peremptório no sentido de que os bens são transmitidos livres dos direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros, independentemente do registo.
IV- No caso em apreço, por um lado, o arrendamento é posterior ao registo da hipoteca sobre o imóvel e, por outro, a hipoteca é indiscutivelmente um direito real da garantia (Mota Pinto, Direitos Reais, 135), não sendo necessária, sequer, a sua equiparação à «penhora antecipada», para os efeitos da aplicação do referido preceito legal.
V- Quanto ao argumento de que não se pode falar de analogia já que a enumeração dos casos de caducidade do contrato de arrendamento prevista no artº 1051º do C.Civil não prevê a venda executiva e tal enumeração é taxativa, argumento esse esgrimido pela Relação no douto Acórdão ora sob recurso, não torna convincente, salvo o devido respeito, a bondade de tal solução.
VI- Não se trata aqui do uso da analogia para colmatar lacuna legal (interpretação analógica) mas da semelhança notória do arrendamento com um direito real de gozo tal como o uso e habitação, além da sua tendencial longa duração, como já atrás deixámos expresso e, por isso, a merecer igual tratamento no que concerne à tutela dos direitos do credor com garantia real (hipoteca) com registo anterior à celebração do arrendamento. Por isso, quando se fala em analogia, não se quer visar necessariamente a integração das lacunas legais (integração de omissão por interpretação analógica) no regime de arrendamento, mas também a extensão da norma a situações análogas, tendo sempre a teleologia da norma, a ratio legis, que no caso do artº 824º, nº 2 é, sem dúvida, a tutela dos direitos dos credores titulares das garantias reais, registadas com anterioridade relativamente ao estabelecimento da invocada relação locatícia.”.

-O Acórdão da Relação de Coimbra, de 01-06-2010 (35), igualmente seguindo os passos do dito Acórdão do STJ, de 05-02-2009, proferido no processo 08B4087, também entendeu, em suma, que:

“I – O artº 824º, nºs 1 e 2, do CC, preceitua que “a venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida. Os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os oneram, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que constituídos em data anterior produzam efeito em relação a terceiros independentemente de registo”.
II – Ao arrendamento deve ser atribuída uma natureza obrigacional, reportando, desde logo, a sua colocação sistemática no CC, onde foi incluído no Livro II, que regula o direito das obrigações.
III – O artº 1057º CC estabelece que na transmissão da posição do locador o adquirente sucede nos direitos e obrigações do anterior, sem prejuízo das regras de registo, o que não pode deixar de significar uma especificidade determinada pela afectação da coisa por esse tipo particular de direito.
IV – É entendimento maioritário na doutrina e na jurisprudência o de que o arrendamento deve ser considerado abrangido pelo nº 2 do artº 824º CC.”.

-O Acórdão do STJ, de 22-10-2015 (36), igualmente defendeu que:

“De modo que tudo se reconduz a saber se existia ou não sobre o prédio vendido um arrendamento, que arrendamento, em que tempo nascido se nasceu.
É óbvio, é óbvio de um ponto de vista socio-económico, que arrendamento que incida sobre um determinado imóvel, constitui um pesado ónus incidindo sobre este.
E é essencial isso mesmo (saber do arrendamento e do seu tempo) porque quer se considere a dimensão real do arrendamento quer tão só e apenas a dimensão obrigacional do contrato que o substancia, o que importa é definir se o ónus (ou o contrato que formalizou a sua criação) ocorreu antes ou depois do arresto, penhora ou garantia com os quais o credor/exequente se protegeu e que, se posteriores, na sua dimensão real o fazem caducar por deverem ter o tratamento previsto no nº2 do art.824º do CCivil ou, na sua dimensão puramente obrigacional o tornam inoponível ao comprador por não estar o devedor inteiramente livre para dispor dos bens a seu bel prazer, condicionado que está pela garantia que sobre ele o credor fez recair.
E é assim que este Supremo Tribunal, preocupado sobretudo com a dimensão real do arrendamento (do arrendamento se realizou em concreto e não ficou apenas na dimensão obrigacional do contrato que o sustenta ou parece sustentá-lo), vem decidindo uniformemente no sentido assumido no sumário do acórdão da 6ª SECÇÃO deste Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Julho de 2015 (J. P. Camilo), que se transcreve - «com a venda judicial de um imóvel hipotecado que tenha sido dado de arrendamento a terceiro após o registo da referida hipoteca, caduca o direito do respectivo locatário, nos termos do n.º 2 do art.824.º do CCivil ».
Neste mesmo acórdão se podem respigar as referências doutrinárias e jurisprudenciais que exactamente sustentam a ideia de que ao direito do arrendatário deve ser aplicado por analogia o disposto no mencionado artigo – Oliveira Ascenção, in Revista da Ordem dos Advogados, nº 45, pág. 363 e segs.; Henrique Mesquita, in RLJ, 127º, 223; Romano Martinez, in “ Da Cessação do Contrato “, pág. 321; Ana Carolina Sequeira, in “ A Extinção e Direitos por Venda Executiva”, in ” Garantias das Obrigações”, págs. 23 e 43.
E, na jurisprudência, e por mais recentes, os acórdãos de 16-09-2014, no proc. nº 351/09TVLSB.L1.S1; de 27-05-2010 no proc. nº5425/03.7TBSXL.S1; de 5-02-2009 no proc. nº SJ200902050040872; de 28-06-2007, no proc. nº 1838/07 e de 31-10-2006, no proc. nº 3241/06.”

Sendo isto assim na venda forçada resultante de qualquer acção executiva, no que especificamente concerne à alienação realizada em liquidação da massa insolvente, não se descortinando razões para ser de modo diferente quanto aos imóveis integrantes daquela e na qual foram apreendidos, uma vez que se trata, afinal, também de execução, embora universal na medida em que potencialmente englobando todos os bens do devedor e a participação de todos os credores, a cujo procedimento adjectivo e efeitos substantivos presidem regras e princípios similares, é de adoptar a mesma orientação, como a Jurisprudência versando especialmente tais casos também tem entendido.

Assim:

-O Acórdão da Relação de Lisboa, de 24/5/2012 (37), respeitante a caso em que uma fracção autónoma havia sido dada de hipoteca ao Banco em 18-01-1984, de arrendamento em Setembro de 1987, ocorreu a insolvência em 2003 e no âmbito de cuja liquidação aquela adquiriu em 27-03-2007 o imóvel, entendeu, em resumo, que:

“1. Qualquer situação locatícia - registada ou não - constituída após o registo da hipoteca, arresto ou penhora é inoponível ao comprador do imóvel em sede de venda judicial, na justa medida em que após a concretização desta caduca automaticamente.
2. A caducidade do contrato de arrendamento celebrado depois da constituição e registo da hipoteca e da penhora, por efeito da venda executiva, acarreta também a caducidade de todos os demais contratos celebrados e que tinham na génese daquele a sua razão de ser.
. A venda judicial de fracção hipotecada faz caducar o seu arrendamento quando posteriormente celebrado à constituição e registo daquela hipoteca, nos termos preceituados no art. 824º, n.º 2, do CC.
4. Não é de aplicar ao imóvel hipotecado e arrendado a previsão do art. 1057º do CCivil, sendo aplicável o disposto no art. 824º, n.º 2, do CCivil.”.

Eis como fundamentou o decidido:

“2. Da aplicação do art. 824º do CCivil ao contrato de arrendamento
Defendem os Recorrentes que, uma vez que o contrato de arrendamento tem natureza obrigacional, não se aplica o regime jurídico previsto no art. 824º do C.Civil.
Na verdade, a sentença recorrida considerou que a jurisprudência tem vindo a ser cada vez mais consensual no sentido de considerar a aplicação do regime jurídico previsto no art. 824º do C.Civil ao contrato de arrendamento e concluiu que este contrato de arrendamento caducou com a venda judicial do imóvel a beneficiária de hipoteca constituída em data anterior.
Importa, no fundo, dar resposta à questão de saber se face à aquisição desta fracção pela Autora, no âmbito de processo judicial (falimentar), e atendendo à hipoteca de que a mesma nessa altura já era beneficiária sobre o mesmo imóvel, tem a Banco W, ou não, direito à sua entrega pelos Réus, livre de pessoas e bens, por se dar a caducidade do contrato de arrendamento titulado por estes últimos.
Ou se, detendo os Réus a fracção no âmbito do referido arrendamento (outorgado em momento anterior a esta aquisição), gozam de título legítimo de ocupação e do direito de manutenção desta locação, sem prejuízo da hipoteca constituída em data anterior a tudo isto (quer à venda, quer mesmo ao arrendamento).
Quanto a esta questão vale aqui a argumentação e citação quer doutrinária quer jurisprudencial constante da sentença recorrida, que no geral se acolhe e aqui se reproduz:

“Em resposta, e tal como vem sendo feito de forma cada vez mais consensual pela jurisprudência, entende-se que, por aplicação analógica do regime disposto no art. 824º, nº 2, do Código Civil, este contrato de arrendamento que é (indiscutivelmente) titulado pelos Réus caducou com a venda judicial do imóvel a beneficiária de hipoteca constituída em data anterior. O que, como consequência, faz exigir a entrega do imóvel à sua adquirente, a Autora.

Com efeito, dispõe o art. 824º, nº 1 e 2, do Código Civil:

“1 – A venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida.
2 – Os bens são transmitidos livre dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo”.
Citando Pires de Lima e Antunes Varela (cfr. “Código Civil Anotado”, 3ª ed., vol. II, pp. 98 e 99), realizada a venda dos bens penhorados em processo de execução, os direitos do executado sobre a coisa vendida, “quer se trate de um direito de propriedade, de crédito, de usufruto, ou qualquer outro”, transferem-se para o adquirente e este, por ser um adquirente de direitos alheios, não pode arrogar-se senão aqueles que competiam ao transmitente, ou seja, ao executado. E, sobre o art. 824º, nº 2, defendem os mesmos autores que “há que distinguir duas espécies de direitos que incidam sobre os bens vendidos: os direitos de garantia caducam todos; os direitos de gozo só caducam se não tiverem um registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia (hipoteca), ou seja, anterior à mais antiga destas garantias”. No mesmo sentido, Oliveira Ascenção (cfr. ROA, 1985-2, 345-384) defende a inclusão do arrendamento entre os direitos de gozo sujeitos a caducidade com a venda executiva, independentemente de se atribuir, ou não, natureza real a este direito (de locação), da mesma forma que Lopes Cardoso, abordando o então art. 907° do Código de Processo Civil (cfr. “Manual de Acção Executiva”, 3ª ed., pp. 623 a 625), refere que os direitos de gozo “não estando sujeitos a registo (caducam) quando tiverem sido constituídos em data posterior ao registo de qualquer arresto, penhora ou hipoteca”.
Este é, de resto, e como já se referiu, o entendimento maioritário na jurisprudência.
Assim, segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.02.2009[3], qualquer situação locatícia – registada ou não – constituída após o registo da hipoteca, arresto, ou penhora, é inoponível ao comprador do imóvel em sede de venda judicial, na justa medida em que após a concretização desta caduca automaticamente.

Ainda no mesmo sentido entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Novembro de 2007 e 27 de Maio de 2010, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 28 de Setembro de 2006, 6 de Março de 2007 e 30 de Abril de 2009, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20 de Dezembro de 2004 e os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 14 de Março de 2006, 21 de Outubro de 2008 e 1 de Junho de 2010, todos disponíveis em www.dgsi.pt e onde se conclui que o arrendamento de imóvel hipotecado, celebrado depois da hipoteca, caduca nos termos do art. 824°, nº 2, do Código Civil.

3. Quanto ao art. 1057º do CCivil

O Réu/Recorrente, uma vez mais, invoca o art. 1057º do Código Civil, o qual, a propósito do contrato de locação, estabelece que “o adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador”.
Efectivamente, não pode ignorar-se que o art. 1057º do CCivil, integrado no capítulo da locação, e sob a epígrafe de “transmissão da posição do locador”, estabelece que“o adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador”. Porém, também não pode deixar de se ter em consideração que, na parte final, se ressalvam expressamente as situações derivadas do registo, conforme decorre da inclusão em tal norma da seguinte expressão: “sem prejuízo das regras do registo”.
E segundo Henrique Mesquita[4] “o art. 1057º é também inaplicável à venda de coisa locada em processo executivo. Esta hipótese deve considerar-se incluída no n.º 2 do art. 824º, sendo portanto inoponíveis ao comprador as relações locativas constituídas posteriormente ao registo de qualquer arresto, penhora ou garantia (e ainda as constituídas em data anterior na medida em que a respectiva eficácia perante terceiros dependa de registo e este não tenha sido feito)”.

Esta orientação, para além do mais, é a que melhor se adequa ao cumprimento das legítimas expectativas de um credor hipotecário/adquirente do bem, em processo judicial.
Na verdade, como o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28 de Setembro de 2006[5], refere, “ainda que seja válida a oneração traduzida em arrendamento, é manifesto que uma oneração desta natureza desvaloriza o prédio e, em sede executiva, atenta a sua finalidade, acaba também por frustrar a posição do credor hipotecário, desvirtuando-se, assim, a essência da garantia hipotecária, porquanto um bem imóvel onerado com um arrendamento que seja colocado à venda sempre acabará por dificultar a concretização da venda em processo executivo, diminuindo o valor-preço da aquisição do bem. Daí que o legislador tivesse tido a preocupação de estabelecer o princípio de que os bens arrematados em hasta pública por credor com garantia real anterior se transmitirão para o novo adquirente livres e desembaraçados desse ónus locatício, nos termos do art. 824º, nº 2, do Código Civil”.

E embora o art. 1057º do CC, seja específico do arrendamento, a situação em análise não pode ser enquadrada legalmente numa norma de conteúdo geral, como será o caso do citado preceito que regula a transmissão da posição do locador.
Tudo isto sem esquecer que sendo a falência/insolvência um processo de execução universal, tendo como propósito – primeiro e último – a satisfação dos credores (de um devedor insolvente), todas as considerações agora feitas não deixam de valer, nos seus exactos termos, na circunstância de se tratar, como é o presente caso, de um venda judicial realizada em processo falimentar.

Em suma, e como conclui a sentença recorrida, “a venda judicial, em processo executivo (onde se poderá incluir a execução universal em que se traduz uma falência / insolvência), de um imóvel hipotecado, faz caducar o arrendamento celebrado posteriormente à constituição da hipoteca, nos termos do art. 824º, nº 2, do Código Civil”.
Caducou, por isso, com a venda judicial do imóvel ao Banco W, beneficiária de hipoteca constituída em data anterior, o contrato de arrendamento a favor dos RR/Recorrentes.”.

-No Acórdão da Relação de Coimbra, de 09-10-2012 (38), tratando-se de caso em que um Banco credor reclamante pedia a entrega de duas fracções por ele adquiridas, por compra, em 29-12-2011, no âmbito da liquidação da massa efectuada em processo de insolvência para a qual haviam sido apreendidas, as quais se encontravam ocupadas pelo réu a pretexto de com o devedor insolvente ter celebrado contrato de arrendamento em 01-11-2005 embora só participado ao Fisco em 07-05-2010 mas que haviam sido dadas de hipoteca àquele adquirente em 23-12-2005 (depois da data do aludido arrendamento), rejeitando a tese defendida pelo Banco de que a data relevante (do arrendamento) a considerar era a da participação fiscal (apenas esta, sim, posterior à data da constituição da referida garantia) e tendo em conta a da outorga do respectivo contrato (01-11-2005, anterior àquela), confirmou a decisão recorrida que negara a entrega (designadamente com fundamento no artº 109º, do CIRE), assim, nessa situação concreta, protegendo a posição do arrendatário, mas sem deixar de reconhecer que, caso o arrendamento tivesse sido posterior à hipoteca, mesmo a despeito do que dispõe a referida norma do CIRE, seria de seguir a jurisprudência dominante.

Em suma:

“1.- A validade formal do contrato de arrendamento não está dependente da respectiva participação fiscal, devendo o mesmo considerar-se celebrado na data referida no contrato e não naquela em que foi efectuado o pagamento do imposto de selo.
2.- O processo de insolvência não é o meio próprio para decidir sobre a existência e validade do contrato de arrendamento cuja existência se mostrava devidamente publicitada nos anúncios para a venda do imóvel respectivo.
3.- O artigo 109.º, n.º 3, do CIRE não acrescenta nem retira direitos ao locatário: apenas garante a tutela que lhe é conferida pela lei civil.
4.- Sendo a data de celebração do contrato de arrendamento anterior ao registo da hipoteca a favor do adquirente em venda forçada em processo de insolvência do senhorio, aquele contrato não caduca apesar da sua participação fiscal ser posterior à constituição daquela garantia, transmitindo-se os direitos e obrigações do senhorio para o adquirente do arrendado, nos termos dos artigos 1057.º do CC e 109.º, n.º 3, do CIRE. ”

Como fundamentação, resulta do texto respectivo:

“Apesar da inegável controvérsia que este assunto tem gerado, o certo é que, mais recentemente, tem sido entendimento pacífico que a venda judicial de imóvel hipotecado faz caducar o arrendamento, registado ou não, do imóvel, desde que este tenha sido celebrado após a data do registo de hipoteca. Assim, no âmbito do processo executivo, tem-se entendido que o arrendamento caduca, nos termos do art. 824.º, n.º 2, do Código Civil, pois constitui um verdadeiro ónus em relação ao prédio”.
Ora, - e o sublinhado é do próprio Recorrente -, a afirmação produzida é verdadeira, nos casos que refere, em que o arrendamento tenha sido celebrado após a data do registo da hipoteca, desenvolvendo o Recorrente todas as suas alegações sempre no pressuposto que a data que deve ter-se como a data da celebração do contrato é a data da participação às Finanças, a qual é efectivamente posterior à data do registo da hipoteca, conforme dos factos supra descritos se alcança.

Porém, pelas razões supra aduzidas, não pode ser essa a data considerada como a data da celebração do contrato, mas sim a que consta no escrito subscrito pelos outorgantes, a qual é anterior ao registo da hipoteca.
Precisemos então o que preceitua a lei a respeito da transmissão da posição do locador.
Sendo certo que a aquisição do direito de propriedade por banda do Recorrente ocorreu na venda efectuada no âmbito do processo de insolvência, cumpre ter presente o que dispõe o artigo 109.º, n.º 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18-03, norma citada pelo Tribunal a quo em fundamento do decidido.
Dispõe este preceito legal que “a alienação da coisa locada no processo de insolvência não priva o locatário dos direitos que lhe são reconhecidos pela lei civil em tal circunstância”.
Este preceito regula as situações em que, como no caso em apreço, o locador foi declarado insolvente, decorrendo do mesmo que a alienação do local arrendado no âmbito do processo de insolvência, não retira ao locatário os direitos que lhe são reconhecidos pela lei civil, remetendo, portanto, e de forma genérica, para a mesma.
“Visto no seu conjunto, pode dizer-se que o regime definido no art.º 109.º é dominado pela ideia de tutela do locatário, estranho à situação de insolvência do locador”[8].

Assim sendo, podemos concluir que, no caso em apreço, o preceito em referência não acrescenta nem retira direitos ao locatário: apenas garante a tutela que lhe é conferida pela lei civil.
O mesmo é dizer que este preceito garante ao locatário, para o que agora interessa, a manutenção da posição contratual, nos exactos termos em que a mesma lhe é garantida pelo artigo 1057.º do CC, que se refere à transmissão da posição do locador, estatuindo que “[o] adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador, sem prejuízo das regras do registo”.
Ora, é precisamente o preceituado neste artigo que tem estado no cerne da discussão sobre a natureza jurídica do direito do arrendatário[9], dividindo a doutrina entre os que consideram tratar-se de um direito real[10] e os que sustentam estarmos perante um direito pessoal de gozo[11].
Consideramos que o legislador do NRAU[12], confrontado com esta querela doutrinária, adoptou o entendimento que vê no direito do arrendatário um direito de raiz estruturalmente obrigacional, ao fazer regressar ao Código Civil, e precisamente ao Livro das Obrigações, o tratamento legal do contrato de arrendamento[13].
Efectivamente, o art.º 1057.º do CC consagra o princípio-regra de que a situação jurídica do locatário subsiste, não obstante a alienação do direito com base no qual o contrato foi celebrado, havendo unicamente uma modificação subjectiva quanto à pessoa do locador.
Deste modo, se o locador, proprietário ou usufrutuário do bem dado em locação dispuser do respectivo direito, transmitirá a posição contratual emergente da locação para o adquirente, o qual ipso jure fica investido na posição de locador.
“Trata-se de um caso em que um contrato, celebrado entre duas partes, acaba por vincular um terceiro, que nada teve a ver com a celebração daquele contrato e que nem sequer interveio na estipulação das suas cláusulas, mas que, por força da aquisição da coisa sobre a qual o contrato incide, se vê obrigado a cumprir os seus termos”[14].
Este é o regime regra aplicável à alienação do imóvel por acto do senhorio.

Porém, como acentua o Recorrente, maiores dificuldades se levantam quanto ao problema da subsistência ou não do contrato de arrendamento no caso da venda executiva do imóvel arrendado – aplicável, como nos parece evidente, a todas as situações de venda forçada do imóvel como é aquela que acontece no domínio do processo de insolvência -, o qual tem sido objecto de divergências doutrinais e jurisprudenciais, havendo que distinguir os diversos casos.

Assim, se a relação arrendatícia for constituída depois da penhora do locado, esta será inoponível à execução, nos termos do disposto no art.º 819.º do CC, pelo que a venda judicial do arrendado não determinará a transmissão para o adquirente da posição de senhorio[15].

Trata-se de situação linear porquanto estando o imóvel onerado já com uma penhora que visa dar satisfação aos direitos do credor, mal se compreenderia que o senhorio pudesse onerar o imóvel com um arrendamento e este fosse oponível ao credor beneficiário de tal garantia.

Questão que tem motivado acesa controvérsia na doutrina e jurisprudência é a que se refere à subsistência versus caducidade do contrato de arrendamento celebrado depois da constituição de um direito real de garantia, como a hipoteca, e antes da penhora do locado, com a venda executiva.
Defendemos o entendimento maioritário[16], ou seja, que neste caso o contrato de arrendamento caduca com a venda executiva, sendo aplicáveis os art.º 819.º e 824.º, n.º 2, este por analogia, e não o art.º 1057.º, todos do CC.

Por fim, se o arrendamento for anterior ao registo da hipoteca/penhora não caduca, antes se opera a transmissão da posição contratual do senhorio, nos termos do art.º 1057.º do CC, podendo o locatário defender o seu direito contra o adquirente mesmo em venda judicial[18], porquanto já não se justifica a tutela que os supra referidos artigos estabelecem para aqueles credores que vêem onerado o imóvel hipotecado por acto do devedor posterior à constituição do seu direito.
Assim, nesta situação, a venda forçada não afectará a relação locatícia celebrada antes da constituição de qualquer direito real de garantia sobre o locado, maxime da hipoteca, tendo plena aplicação o regime geral de transmissão previsto no artigo 1057.º.
Consequentemente, a posição do senhorio transmitir-se-á para o terceiro adquirente do arrendado, que sucede nos respectivos direitos e obrigações.
Volvendo ao caso dos autos, é tempo de concluir.
Tendo ficado demonstrado que o contrato de arrendamento celebrado entre o insolvente e terceiro, tem data anterior ao registo da hipoteca a favor do credor reclamante, o mesmo não caduca, transmitindo-se ao adquirente do imóvel, nos termos do artigo 1057.º do CC, porquanto a alienação da coisa locada em processo de insolvência, não priva o arrendatário dos direitos que lhe são reconhecidos pela lei civil, de harmonia com o disposto no artigo 109.º, n.º 3, do CIRE.
Pelos fundamentos expostos, é de indeferir a pretensão do Recorrente de imediata entrega dos imóveis adquiridos com agendamento de diligência para o efeito, devendo manter-se o sentido da decisão proferida pelo Tribunal a quo.”.

-No Acórdão do STJ, de 09-07-2015 (39), numa acção em que a arrendatária de imóvel pretendeu opor esta sua posição eficazmente contra a resolução de tal contrato declarada pelo Administrador da Massa Insolvente onde aquela fora entretanto apreendida, considerando que em tal caso o bem fora dado de hipoteca ao Banco em 30-01-2004, arrendado em 22-01-2009, declarada a insolvência do locador em 19-04-2011, apreendida para a Massa em 04-03-2013 e, posteriormente, vendida ao Banco credor hipotecário, entendeu-SE, em resumo, que:

“O citado artigo 824º, nº 2 preceitua que os bens transmitidos em execução são transmitidos livres dos direitos de garantia que os oneram, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com exceção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo.
Segundo entenderam as instâncias, ao direito do arrendatário deve ser aplicado por analogia o disposto no art. 824º, nº 4 mencionado.

A aplicação deste preceito ao direito do locatário posterior à constituição da hipoteca é defendida pelo Prof. Oliveira Ascenção, in Revista da Ordem dos Advogados , nº 45, pág. 363 e segs.
É igualmente este o entendimento do Prof. M. Henrique Mesquita, in RLJ, 127º, 223.
Também, o Prof. P. Romano Martinez, in “ Da Cessação do Contrato “, pág. 321 segue idêntica opinião.

De igual opinião é Ana Carolina S. Sequeira in “ A Extinção e Direitos por Venda Executiva”, in ” Garantias das Obrigações”, págs. 23 e 43.

É, assim, este o entendimento geral da doutrina.

Também este Supremo Tribunal vem decidindo no mesmo sentido, de forma unânime, pelo menos, nos últimos anos, citando-se, como exemplo, os acórdãos todos no mesmo sentido que foram prolatados nos últimos anos: acórdãos de 16-09-2014, no proc. nº 351/09TVLSB.L1.S1; de 27-05-2010 no proc. nº 5425/03.7TBSXL.S1; de 5-02-2009 no proc. nº SJ200902050040872; de 28-06-2007, no proc. nº 1838/07 e de 31-10-2006, no proc. nº 3241/06.
Pensamos que dada a excelência destas opiniões não nos ficam dúvidas sobre o sentido em que a questão deve ser resolvida.
Esta questão está relacionada com a natureza do direito do arrendatário como direito de natureza real ou creditória.
Tem sido muito discutida esta questão.
Assim podemos ver os termos dessa polémica in “ Arrendamento”, de F. M. Pereira Coelho, Coimbra 1988, pág. 17 e segs.

Porém, pensamos como a quase generalidade dos autores, que esse direito tem natureza pessoal ou creditícia, mas tem contornos que se assemelham aos direitos reais em que o regime dos direitos reais se lhe aplica – cfr. art. 1037º, nº 2 do Cód. Civil.
As exigências de justiça e os interesses teleológicamente detetáveis no referido nº 2 do art. 824º apontam para a aplicação ao arrendamento do regime de caducidade neste último previsto.
Em favor deste entendimento e rebatendo os argumentos geralmente apontados em sentido oposto – como os expostos no notável acórdão fundamento junto para legitimar a revista excecional -, acrescentaremos que o disposto no art. 1051º do Cód. Civil, que indica os casos em que o contrato de arrendamento caduca, não é taxativo, nomeadamente, por também poder caducar em caso de impossibilidade de cumprimento, nos termos do art. 795º do Cód. Civil.

Também o disposto no art. 1057º do Cód. Civil não pode justificar o entendimento oposto, por tal preceito se não aplicar à venda judicial que, nesse aspecto, tem norma própria que é a do art. 824º, nº 2 referido.

É certo que a hipoteca não impede o poder de alienação ou de oneração do imóvel sobre que incide, como decorre do disposto no art. 695º do Cód. Civil.
Porém, gozando o titular da hipoteca do direito de preferência decorrente da prioridade do registo, fica o proprietário do bem limitado em relação ao seu direito de propriedade, como seja o de por em causa o valor do mesmo.
E constituindo a hipoteca uma garantia de um crédito em que o valor do imóvel é um elemento fundamental na atribuição do empréstimo – subjacente à constituição da hipoteca – e na determinação do respectivo quantitativo, a situação de arrendamento do imóvel é um dos elementos relevantes dessa avaliação.
Se o imóvel está dado de arrendamento, o credor hipotecário pode conhecer dessa circunstância e essa qualidade é-lhe oponível, por ser anterior ao da constituição da hipoteca.
Se pelo contrário o prédio não está dado de arrendamento e o imóvel está livre, a constituição do arrendamento posteriormente ao registo da hipoteca, vem piorar a situação do credor hipotecário, situação esta com que o mesmo razoavelmente não podia contar, pois o arrendamento é posterior à hipoteca.
E na ponderação dos interesses do credor hipotecário em face dos interesses do arrendatário, devem prevalecer os primeiros, pois o arrendatário pode saber da situação de hipotecado do imóvel, dada a obrigatoriedade da hipoteca de constar do registo.
A situação de arrendado do imóvel constitui um verdadeiro ónus sobre o imóvel e sobre o seu valor, dada a natureza vinculística do arrendamento – pese embora as alterações recentes na regulamentação legal do arrendamento urbano que vieram atenuar em muito esse carácter.
Aqui ainda releva no sentido daquela oneração, o prazo do arrendamento que é de trinta anos, circunstância esta muito rara no arrendamento de prédios para habitação.
“ Assim, por via da falada interpretação teleológica e com base em argumentos de analogia ou semelhança das situações de facto e consequências práticas, designadamente, de natureza sócio-económicas, que não, necessariamente, no sentido técnico-jurídico da integração de lacunas, deverá entender-se que a ”referida norma do art. 824º se aplica a todos os direitos de gozo, quer de natureza real quer pessoal, de que a coisa vendida seja objecto e que produzam efeitos em relação a terceiros. É que o arrendamento, dada a sua eficácia em relação a terceiros, deve ser para este efeito, equiparado a um direito real. De outra forma, pôr-se-ia em causa o escopo da lei, de que a venda em execução se faça pelo melhor preço possível” – transcrição do acórdão de 16-09-2014 acima referido que temos, aliás, seguido de perto na demais exposição.

Tal como ensina o Prof. M. Henrique Mesquita, in “ Obrigações Reais e Ónus Reais”, pág. 183 : “ O intérprete deve ter sempre presente que o direito do locatário é tratado, para certos efeitos, como direito de soberania e, para outros, como direito meramente creditório, assente numa relação intersubjectiva que liga permanentemente o locador e o locatário. E face a este estatuto dualista, o caminho metodologicamente correcto para esclarecer dúvidas interpretativas ou resolver problemas de regulamentação será o do recurso, nuns casos, aos princípios que disciplinam os direitos reais e, noutros, aos princípios que regem as obrigações, consoante os interesses em jogo, apreciados e valorados à luz das soluções ditadas pelo legislador para os problemas de que directa e expressamente se ocupa.”
Será, é certo, com a solução que vimos defendendo, penalizada a arrendatária, mas os interesses desta são suplantados pelos interesses do credor hipotecário que, em nosso entender, são mais merecedores de protecção por o registo da hipoteca ser anterior à constituição do arrendamento e ser a hipoteca do conhecimento ou da cognoscibilidade da arrendatária.

Desta forma, nos termos do art. 824º, nº 2 referido, o direito de arrendamento da recorrente caducou com a venda judicial do imóvel sobre que versava a locação.”

Posto isto, concluímos nós, não obstante o teor do nº 3, do artº 109º do CIRE - interpretado, assim, no sentido de que em tal norma o legislador se restringiu apenas a explicitar a prevalência, também no caso específico de a alienação de imóvel arrendado ter lugar no âmbito da liquidação (venda) da massa apreendida em processo de insolvência, do regime-regra vigente no domínio (adjectivo e substantivo) civil, nenhum direito mais aí lhe tendo querido reconhecer nem ao adquirente, maxime ao credor garantido, subtrair e na linha do que dispõe o artº 165º referido à relação adquirente/arrendatário, este, portanto, amplamente compreensivo da sua regulação em geral – que, no presente caso, atendendo a que:

-a hipoteca em benefício do credor Banco apelado remonta a 12-05-2004;
-o contrato de arrendamento foi outorgado em 28-04-2009 (e participado às Finanças em 11-04-2011);
-a insolvência foi declarada por sentença de 02-09-2014;
-a aquisição e registo pelo Banco apelado (por compra, na liquidação da massa insolvente) teve lugar em 03-05-2016;

Então, o contrato de arrendamento, mesmo que válido fosse, sempre caducou à data da venda do imóvel dele objecto, não podendo, pois, a ré invocá-lo e opô-lo ao adquirente para legitimar a sua recusa em entregar-lho.

De resto, sendo o dono dos imóveis locador José sócio e gerente também da apelante “Terras Y” e, juntamente com seu filho (nesta mesma qualidade societária), tendo outorgado o contrato de arrendamento, é óbvio que por seu intermédio na pessoa deste se produziu o conhecimento de tal facto e na esfera jurídica daquela, por uma e outra via, ele tem de se considerar recebido e compreendido, não procedendo a alegação de ignorância do mesmo pela dita pessoa colectiva.

A circunstância, enfim, de o Administrador de Insolvência a ter tratado e no processo referido como arrendatária em nada obstaculiza, uma vez efectuada a venda ao credor garantido pela hipoteca primitiva, a ineficácia do negócio quanto a este, uma vez que daquela consideração nenhuma excepção resulta ao regime acabado de expor, sendo certo que, enquanto aquela transmissão não ocorresse e nenhuma outra causa ocorresse em contrário, sempre a sua qualidade se mantinha no processo e até à venda, isso sim exactamente por força do disposto no artº 109º, do CIRE.

c) Indemnização

Nas longas conclusões 38ª a 53ª, a apelante Sociedade “Terras Y” questionou a arbitrada indemnização, em síntese, porque o arrendamento é válido, porque dele sabendo a apelada ao adquirir os prédios inexiste ilicitude, porque considera o valor indemnizatório manifestamente exagerado e, enfim, porque – voltando à prova e à decisão de facto – diz não ter ficado convencida nem concordar e se impunha que fosse dada por “assente a inexistência de qualquer negócio simulado” e, assim, a “improcedência da indemnização peticionada”.

Sobre isto, consta da fundamentação da sentença:

“Peticiona a autora a condenação solidária das rés no pagamento de uma indemnização no valor mensal de € 750,00, contados desde 1 de Junho de 2016 até efectiva entrega dos mesmos, pelos prejuízos que a ocupação ilícita dos prédios lhe causou.
Nos termos do artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil, “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

São, pois, pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos:

a) Um facto voluntário do agente;
b) A ilicitude desse facto;
c) Que haja um nexo de imputação do facto ao lesante;
d) Que da violação do direito subjectivo ou da lei sobrevenha um dano;
e) E que se verifique a existência de um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima (neste sentido, Prof. Antunes Varela, in "Das Obrigações em Geral", Vol. I, pág. 495, 6ª ed., Coimbra - l989).
No que respeita à ré Massa Insolvente, não se provou que a sua conduta tenha sido ilícita e apta a causar qualquer dano à autora. Pois, considerando que desde o início do processo de insolvência, ao ser notificada do relatório elaborado pelo Sr. Administrador da Insolvência, a autora teve oportunidade de conhecer a situação dos prédios em causa nos autos, nenhum facto ilícito pode ser imputado à ré Massa Insolvente.
Se a autora não leu o relatório a que alude o art. 155º do CIRE, nem esteve presente na assembleia de credores (art. 156º do mesmo diploma legal) no âmbito dos autos de insolvência de José, tal deve-se à sua exclusiva inércia.
Já no que respeita à ré, Terras Y, efectivamente provou-se que ocupou ilicitamente os prédios em causa nos autos. Pois sabia que os mesmos tinham sido adquiridos pela autora em processo de insolvência e recusou-se a entregá-los, continuando a utilizá-los como bem entendeu.
A ré sabia que não tinha título para permanecer nos prédios em causa e ainda assim, fabricou o contrato de arrendamento descrito no ponto 13), de molde a prejudicar a credora hipotecária.
Provada a propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei, entre os quais não figura o de o réu ocupar a coisa abusivamente e sem título (art. 1311º, CC).
O art. 1305º, do CC confere ao proprietário os direitos de uso e fruição da coisa pelo que, estando o dono impedido de fruir o prédio e não tendo a parte contrária logrado convencer que o detém com base em título válido, oponível ao proprietário, assiste a este o direito de formular o correspondente pedido de indemnização, como forma de reparar os prejuízos decorrentes daquela privação.
Resultou provado que, caso os prédios não permanecessem na posse da ré, a autora podia tê-los vendido ou arrendado. Em rigor, nem tais factos necessitariam de resultar provados, pois são consequência do direito de propriedade e decorrem das regras da experiência comum.
Não se provou, contudo, o montante pelo qual a autora poderia arrendar tais prédios.
Nesta matéria, acolhemos a tese que defende que o ressarcimento não está dependente da prova, em concreto, de prejuízo efectivo, sendo suficiente a prova da mera privação temporária do uso.
É esta privação do uso que constitui um dano de natureza patrimonial, indemnizável nos termos do art. 483º, do CC.
Assim, ainda que não se tenha provado que durante o período de privação o proprietário teria arrendado o imóvel por uma determinada quantia, não está afastado o seu direito de indemnização que considere o valor locativo do imóvel e, se necessário, pondere as regras da equidade (conforme art. 566º, nº 3 do Código Civil).

Termos em que, considerando que desde a data da aquisição dos imóveis pela autora, até à presente data, decorreram dezassete meses, e que os prédios em causa encontram-se ligados, dispõem, no seu conjunto, de uma área registada de 21.430 m2, com vinha alvarinha devidamente ordenada e já com produção; e que a produção desta vinha tem muita procura e é comercializada facilmente, gerando um rendimento anual de catorze mil, duzentos e quarenta e um euros, entendemos que o valor mensal peticionado é adequado e proporcional ao prejuízo que a autora teve com a privação do uso dos imóveis.
Assim sendo, condeno a ré, Terras Y, no pagamento de uma indemnização à autora no valor mensal de € 750,00, contados desde 1 de Junho de 2016 até efectiva entrega dos imóveis.”

Ora, não tendo procedido o recurso na parte relativa à simulação do contrato nem, consequentemente, podendo ele considerar válido, falece o primeiro fundamento com que a apelante defendia não estarem verificados os pressupostos da obrigação de indemnizar: o da ocupação e recusa de entrega ilegítimas.

Há um equívoco da apelante quanto ao segundo fundamento esgrimido.

Diz ela que, tendo-se baseado a absolvição da ré Massa Insolvente, também demandada quanto ao mesmo pedido, no conhecimento pela autora apelada de que havia um arrendamento dos prédios dado a conhecer no processo de insolvência, não devia a apelante enquanto locatária ter sido condenada com o argumento de que sabia que os prédios tinham sido adquiridos pela autora apelada, pois ela também estava consciente de que a adquirente tinha conhecimento da situação, não se justificando tratamento diferenciado.

É que não foi a ré Massa Insolvente que obstaculizou a entrega nem impediu a tomada de posse efectiva dos prédios pela apelada. E, apesar de esta saber (cfr. facto 45) do invocado arrendamento, é óbvio que ao adquirir os prédios pressupôs a invalidade ou pelo menos a caducidade ou oponibilidade consequente do respectivo contrato, como veio nesta acção a invocar e com êxito.

Ao invés, a apelante, apesar de sabedora que a apelada adquirira os prédios, quando instada por esta, na pessoa de José – como se disse, a pessoa que na realidade corporizava os interesses e actividade na aparência atribuídos àquela e, em todo o caso, seu gerente de facto, como considerou o tribunal recorrido (40) – e que o contrato de arrendamento era simulado – como bem sabia aquele e os seus sucessivos gerentes de direito (ele próprio, o filho e a namorada) – ou, pelo menos, face à hipoteca anterior e à venda na insolvência, passível de não produzir quanto a ela qualquer eficácia, recusou-se a entregá-los, como decorre dos factos 10 a 12, continuou, desde aí, a usufruir dos mesmos, da mesma maneira, nos termos, aliás, já antes referidos e protagonizados por aquele José.

É aí que radica a ilicitude da conduta da apelante, diferente na verdade da do Administrador da Massa Insolvente.

O dito fundamento, portanto, não procede.

Ao alegar, depois, que o valor indemnizatório fixado é “manifestamente exagerado” porque “não considera o envelhecimento da vinha e o investimento realizado em cada produção” e não concretizando como se evidencia nem como se conclui por tal exagero, uma vez que nada se sabe quanto à idade das cepas (a não ser que, pelas regras da experiência, ela potencia o volume e a qualidade da produção) nem quanto ao investimento necessário (mas estando provada a área dos prédios, a sua exploração e rendimento anual – cfr. pontos de facto 24 e 25), não resultam postos em causa os critérios adoptados na sentença para determinar, avaliar e compensar o dano e respectiva indemnização.

Nas demais conclusões apresentadas (45ª a 53ª) e neste âmbito da indemnização se limitando a apelante a reproduzir considerações abstractas e conhecidas sobre os princípios e noções relativos à apreciação das provas, a livre convicção e a afirmar que não ficou convencida da justeza da decisão nem concorda com a fundamentação pois que a prova impunha decisão diversa mormente quanto à validade do contrato e à indemnização, também nada há a acrescentar por assim se não suscitar qualquer verdadeira questão a decidir, mesmo em relação à pretensa violação do artº 607º, do CPC, obviamente sem o menor mérito.

Também por aí improcede, pois, o recurso.

d) Litigância de má fé

A ré apelante “Terras Y” foi considerada litigante de má fé e como tal condenada na multa de quatro UC´s.

Nas conclusões 54ª a 59ª, que mais uma vez praticamente reproduzem as alegações, a discordar da decisão, a negar que tenha feito “qualquer uso reprovável do processo, tendo carreado para os autos a sua versão dos factos, sabendo no entanto que muitos outros poderiam ter sido trazidos se o insolvente tivesse tido oportunidade de se defender ao invés de estar a ser julgado e condenado sem poder pronunciar-se” e que não houve “dolo ou negligência grave”.

A sentença recorrida a este propósito, depois de expor as normas legais aplicáveis e transcrever extractos doutrinários, no caso entendeu:

“Da matéria de facto provada, resultou que a ré, “Terras Y”, deduziu contestação, alterando dolosamente a verdade dos factos ou omitindo factos essenciais à decisão da causa.
Resultou claro e evidente ao tribunal que a ré (bem como o insolvente José) fabricou o contrato de arrendamento em causa nos autos, com o claro intuito de prejudicar a autora.

Assim, dúvidas não restam de que estão preenchidas, quer a alínea a), quer a alínea b) do nº 2 do art. 542º do CPC, pois a ré, para além de saber que deduziu oposição sem qualquer fundamento legal, alterou a verdade dos factos relevantes para a decisão a causa com o único objectivo de manter o cultivo da vinha nos prédios em causa, daí retirando proveitos e retardar o mais possível, a entrega dos mesmos à autora, prejudicando-a.
Tem, portanto, de ser condenada como litigantes de má fé, em multa processual, conforme peticionado pela autora.
Pelo exposto, por se verificarem os pressupostos do art. 542º, nº 1 e nº 2, do Código de Processo Civil, condeno a ré na multa processual de 4 UC’s.”

Ora, nenhuma verdadeira questão opondo ao decidido, em nada constitui fundamento para se alterar o decido o argumento de que o insolvente está a ser julgado e condenado sem poder pronunciar-se.

Sendo certo que o verdadeiro protagonista de tudo é José, é óbvio que quem juridicamente existe, foi demandado na acção e condenado foi a ré Sociedade apelante que, através do seu gerente de direito (depoente Maria) e daquele seu gerente de facto (ouvido como testemunha) puderam narrar “toda a verdade”.

Em vez disso, procederam como atrás vastamente se refere, mormente sustentando a validade do contrato simulado.

Não há motivo para, também quanto a isto, alterar a sentença.

Deve, em suma, improceder a apelação.

V. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida.
*
Custas da apelação pela apelante – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).
Guimarães, 05 de Abril de 2018

José Fernando Cardoso Amaral
Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo
Pedro Damião e Cunha



1. Itens 44 e 47 da pi.
2. Item 45 da pi.
3. Não se optou pelo convite ao aperfeiçoamento em ordem a que a apelante as sintetizasse como impõe o artº 639º, nº 1, CPC, não só porque, na maior parte das vezes, tal redunda em desperdício de tempo e de meios, mas também porque, relativamente à impugnação da decisão da matéria de facto, tem-se entendido que não é disso susceptível. Além disso, espelhando o teor das mesmas o das alegações, a sua transcrição ajuda a apreciar o mérito respectivo.
4. Podem ver-se as explicações no seu Manual de Processo Civil, 2ª edição revista, Coimbra Editora, páginas 128 e seguintes, especialmente páginas 132, nota 2, e 133.
5. Processo nº 281/12.7TBPTS.L1-6, relatado pela Desemb. Fátima Galante.
6. Proferido no processo nº 8120/2006-1, relatado pelo Desemb. Rui Vouga.
7. Processo nº 424/15.9T8PNF, relatado pelo Desemb. Pedro Martins.
8. Comentários ao Código de Processo Civil, Coimbra, 1999, pág. 50.
9. Como, por exemplo e nesta linha, sustentámos no Acórdão da Relação do Porto, de 09-10-2014, processo 3880/13.6TBVFR-B.P1, “Invocando o autor, como fundamento do pedido de indemnização pelos danos sofridos em acidente de viação, o incumprimento pela ré, concessionária da auto-estrada onde ocorreu o despiste do seu veículo, do dever que afirma ser dela, por isso a responsabilizando, de assegurar as condições de segurança e manutenção, designadamente relativos ao funcionamento do sistema de escoamento das águas da chuva, que esteve na origem da formação de um lençol de água e daquele resultado, e defendendo-se aquela alegando que não é responsável pelo evento e seus danos uma vez que tal obrigação fora transferida contratualmente para empresa terceira, ela tem legitimidade processual passiva para a causa, pois que é titular da relação material controvertida, tal como o autor a configurou, independentemente do respectivo mérito.
10. Manual de Processo Civil, 2ª edição revista, páginas 144 e 145.
11. Acórdão da Relação de Lisboa, de 21-03-2012, processo nº 2755/10.5TTLSB.-L1-4, relatado por Ramalho Pinto.
12. Sem distinguir bem, no método, na forma e na substância, o que é questão-de-facto ou questão-de--direito.
13. Ou seja: i) divergência entre os termos (aparentes) do negócio declarado e a vontade real dos declarantes (aquilo que verdadeiramente quiseram ou não); acordo entre declarante e declaratário pré-ordenado à criação de tal ficção; iii) desígnio comum de enganar (e prejudicar) terceiros.
14. Artigo 240º, do CC.
15. Apesar de directamente julgados provados e como tal incluídos no respectivo rol, a motivação, a despeito da sua fundamental importância, não se lhes refere específica e concretamente, embora analise com minúcia toda a prova produzida e, em relação a alguns outros pontos, exprima a conclusão que dela tirou sobre eles. Assim, tal como outros pontos, também aqueles 14 a 16 têm de se considerar incluídos na genérica conclusão de que “a convicção …alicerçou-se na análise crítica e ponderada, à luz dos princípios que regem a matéria, na valoração” de todos os meios de prova produzidos “isoladamente ou conjugados entre si” e “a restante factualidade resultou provada através da conjugação dos depoimentos de parte e declarações das testemunhas”, tendo o tribunal ficado “convencido da veracidade dos factos, tal como resultaram provados, sendo que nesta produção testemunhal sobrelevou-se a coerência dos factos relatados com os documentos juntos aos autos e que acima demos conta, bem como o conhecimento pessoal e directo dos factos perguntados, a isenção, sinceridade e a honestidade denotadas pelas testemunhas, bem como a convicção e transparência dos mesmos.”.
16. Relativamente à execução 285/12, da própria petição consta que o incumprimento de um dos mútuos deu-se em 11-04-2011 e o outro em 14-10-2011.
17. Aqui se aludindo à “prova produzida”, ora dela se extraindo “indícios” ora concluindo que “houve divergência intencional entre a vontade real e a vontade declarada, por acordo entre o insolvente Júlio Pereira e a sociedade ré, visando defraudar os direitos dos credores, designadamente da autor”, está-se no campo da decisão de matéria de facto. Da matéria de direito tratam os dois últimos parágrafos desta transcrição, ao subsumirem o resultado daquela à hipótese normativa prevista no artº 240º, do CC.
18. Cfr. Acórdãos do STJ, de 09-10-2003, 25-03-2004 e 22-02-2011, proferidos nos processos 03B2536, 04B539 e 1819/06.4TBMGR.C1.S1.
19. Proferido no processo 1313/07.6GBAGD.C1, relatado pela Desemb. Elisa Sales, e que, embora tirado em matéria penal, quadra igualmente neste domínio civil.
20. Cfr. Acórdão desta Relação de Guimarães, de 18-12-2017, proferido no processo nº 61/16.0T8FAF.G1 (relatado pela Desemb. Eugénia Marinho da Cunha): “1- Passando a possibilidade de alteração da matéria de facto a ser função normal do Tribunal da Relação (verdadeiro Tribunal de substituição para, com mais um grau de jurisdição, serem supridos erros de julgamento e, assim, se lograrem alcançar os fins a que o Estado se propõe: maior certeza e segurança jurídicas e, com decisões mais justas, maior equidade e paz social), constata-se que o legislador sentiu a necessidade de impor ao recorrente o cumprimento de rigorosas regras para evitar autênticas repetições de julgamentos, por vão inconformismo (v. art. 640º, do CPC); 2- Não cumprem os ónus estabelecidos naquela norma os recorrentes que se limitam a manifestar diverso entendimento, sem indicar concretamente a prova em que fundamentam cada ponto de facto e sem fazer a análise crítica das provas; 3- De qualquer modo, o Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto se formar a convicção segura da ocorrência de erro na apreciação dos factos impugnados; 4- O julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida. Cada elemento de prova tem de ser ponderado por si, mas, também, em relação/articulação com os demais. O depoimento de cada testemunha tem de ser conjugado com os das outras testemunhas e todos eles com os demais elementos de prova; 5- Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjetivas - como a prova testemunhal -, a respetiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e o tribunal de 2.ª instância só deve alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando, efetivamente, se convença, com base em elementos lógicos ou objetivos e com uma margem de segurança elevada, que houve erro na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não haver qualquer suporte para ela; 6- Em caso de dúvida, deve, aquele Tribunal, manter o decidido em 1ª Instância, onde os princípios da imediação e da oralidade assumem o seu máximo esplendor, dos quais podem resultar elementos decisivos na formação da convicção do julgador, que não passam para a gravação”.
21. O antecessor nº 2, do artº 170º, do CPEREF, dispunha que “No caso de alienação do prédio arrendado, a declaração de falência não retira ao arrendatário os direitos que lhe são reconhecidos pela lei civil.”
22. O adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede, em princípio, nos direitos e obrigações do locador, sem prejuízo das regras do registo – artº 1057º, Código Civil – e do que mais a diante a este propósito se dirá.
23. Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, Quid Juris, 2008, página 409.
24. Anterior ao registo de qualquer arresto, penhora ou garantia.
25. Que exaustivamente tratou a matéria em estudo publicado na Revista da Ordem dos Advogados, Setembro/1985, páginas 345 a 390, especialmente 355 e sgs.
26. Na sua obra Obrigações Reais e Ónus Reais, Almedina, 1997, página 140, nota 18, onde considera inaplicável o frequentemente invocado artº 1057º, do CC à venda da coisa locada em processo executivo.
27. Proferido no processo 06A3241, relatado pelo Consº Urbano Dias.
28. Processo 404/07, relatado pelo Consº Moreira Alves , in CJ, nº 198, ano XV, Tomo I/2007, páginas 146 a 151.
29. Processo 699/06.4TBAND-A.C1, relatado pelo então Desemb. e hoje Consº Hélder Roque.
30. Por lapso manifesto, que tomámos a liberdade de corrigir conformando o sumário ao texto do corpo do acórdão e ao claro sentido deste, constava aqui a palavra “não” que expurgámos.
31. Proferido no processo nº 08B4087, relatado pelo Consº João Bernardo.
32. Proferido no processo nº 08B3994, relatado pelo Consº Oliveira Rocha.
33. Por Acórdão de 14-05-2009, proferido no processo nº 683/03.0TCGMR-D.G1, relatado pelo Desemb. António Sobrinho.
34. Proferido no processo nº 5425/03.7TBSXL.S1, relatado pelo Consº Álvaro Rodrigues.
35. Proferido no processo nº 3624/05.6TBLRA-B.C1, relatado pelo Desemb. Manuel Capelo.
36. Proferido no processo nº 896/07.5TBSTS.P1.S1, relatado pelo Consº Pires da Rosa.
37. Proferido no processo nº 738/09.7TBBNV.L1-6, relatado pela Desemb. Fátima Galante.
38. Proferido no processo nº 1734/10.7TBFIG, relatado pela Desemb. Albertina Pedroso
39. Proferido no processo nº 430/11.2TBEVR-Q.E1.S1, relatado pelo Consº João Camilo.
40. Mais tratada na Jurisprudência de ordem fiscal, a figura do gerente de facto pressupõe o exercício real e efectivo da administração, com certo grau de intensidade qualitativa e quantitativa, a autonomoa decisório e o conhecimento e/ou consentimento dos sócios e dos administradores de direito. Todos estes elementos resultam, no caso, exuberantemente demonstrados quanto a Júlio Pereira. Por isso, “pode dizer-se que as obrigações contraídas pelo administrador de facto em nome da sociedade a vinculam perante terceiros, uma vez que aquela aceita os actos de administração por ele praticados” – Cfr., sobre o tema, “A Responsabilidade dos Gerentes e Administradores de Facto no CIRE”, Dissertação de Mestrado, Paulo Alexandre Azevedo do Nascimento, Universidade Católica, Porto, 2012, página 11, acessível na Internet.