Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
8685/15.7T8VNF.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: COMÉRCIO BANCÁRIO
CONTRATO DE CRÉDITO
JUROS DE MORA
CAPITALIZAÇÃO DE JUROS
DECRETO-LEI Nº 344/87 DE 17 DE NOVEMBRO
ANATOCISMO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. No regime aplicável decorrente da norma do artº 5º do DL nº 344/87, de 17 de Novembro, na redação dada pelo DL nº 204/87, de 16 de Maio, nº 6, na falta de disposição especial, são aplicáveis as regras gerais do Anatocismo fixada no nº1 artº 560º do Código Civil, nomeadamente da exigência de convenção posterior ao vencimento ( segundo entendimento que perfilhamos cfr. Ac. do STJ de /3/2004, in www.dgsi.pt, e, Menezes Cordeiro, in “ Manual de Direito Bancário, 4ª edição, 2012, pg. 636 ), e que inexiste no caso em apreço.

II. E, nos termos do artº 7º do DL nº 58/2013, de 8 de Maio, diploma este com aplicação rectroactiva às situações de mora relativas a contratos de crédito em curso á data da sua vigência, nos termos do nº2 do artº 13º, prevendo-se já um regime especial em caso de mora no cumprimento das obrigações contratualmente assumidas pelas partes, no caso sub judice não resulta provada a existência do acordo e dos pressupostos de capitalização de juros legalmente exigidos.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Banco A, S.A., Autor na acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, que propôs contra J. R., veio interpor recurso de Apelação da decisão final proferida nos autos, nos termos da qual se decidiu julgar a acção parcialmente procedente, condenando-se o Réu a pagar ao A. Banco A, S.A:

a) a quantia de €: 4646,85, relativo ao saldo devedor em 1/Maio/2006;-
b) as comissões por incumprimento (€: 12), por mês, desde Maio 2006 até Agosto de 2006;
c) juros à taxa de 2,25% ao mês sobre as quantias referidas, desde 8/10/2009 até 21/8/2014;
d) juros de mora, sobre as quantias referidas em a) e b), vencidos desde 22/8/2014, à taxa prevista para os créditos comerciais, até integral pagamento, e vincendos, considerando-se quaisquer portarias que venham a alterar a taxa de juro de mora aplicável até que ocorra tal pagamento, absolvendo-o do demais peticionado.

O Autor, Banco A, S.A., demandou J. R., pedindo a condenação do Réu no pagamento ao Autor da quantia global de €: 18.616,67 (dezoito mil seiscentos e dezasseis euros e sessenta e sete cêntimos), acrescida dos juros de mora vincendos sobre o montante de €: 17.101,15 (dezassete mil cento e um euros e quinze cêntimos), à taxa de 7,15% ao ano, e do respectivo imposto de selo, até efectivo e integral pagamento, alegando, em síntese, que celebrou com o Réu um contrato de mútuo sob a forma de concessão de um cartão de crédito, que o Réu incumpriu, tendo o Autor vindo a resolver o contrato, encontrando-se à data da resolução o saldo devedor no montante de €: 17.101,15.
Citado, veio o Réu oferecer contestação, excepcionando a prescrição parcial dos juros e impugnando o demais alegado.
O Autor apresentou resposta, pugnado pelo indeferimento das excepções.
Foi realizada audiência prévia, proferindo-se despacho saneador e despacho de fixação do objecto do processo e temas da prova.
Realizado o julgamento foi proferida sentença nos termos acima indicados, tendo o Autor interposto recurso.

O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo

Nas alegações de recurso que apresenta, o apelante formula as seguintes conclusões:

. O presente recurso vem interposto da, aliás, douta sentença, proferida em 14 de Novembro de 2016, a fls…dos autos, que julgou a presente ação parcialmente improcedente, no que concerne à capitalização dos juros de mora e de penalização calculados e debitados mensalmente em cada extrato de conta sobre os valores em dívida à data do fecho de cada extrato de conta.
. O presente recurso tem por objeto a decisão que acaba de se referir e a impugnação da decisão da matéria de facto com a consequente alteração da decisão de direito - artigo 640.º do Código de Processo Civil.
. O Recorrente considera incorretamente julgados pelo Tribunal “a quo” os concretos pontos de facto constantes dos n.ºs 2 e 3 dos Factos não provados da sentença recorrida.
. Do conteúdo dos extratos de conta de fls. 7 a 67 dos presentes autos e do conteúdo do contrato de utilização do cartão crédito celebrado com o Réu, aqui Recorido, de fls. 98 a 100 dos presentes autos, resulta que os n.ºs 2 e 3 dos “Factos não provados” da sentença recorrida foram mal decididos de facto e de direito.
. O Tribunal “a quo” não poderia ter dado como não provados os n.º 2 e 3 dos “Factos não provados” da sentença recorrida, ou seja não poderia ter dado como não provados que “O valor das despesas referidas em f) ascendia, em 21/08/2014, a um saldo devedor no montante de Euros 17.101,15” e que “A. e R. acordaram a capitalização dos juros de mora e de penalização calculados e debitados mensalmente em cada extrato de conta sobre os valores em dívida à data do fecho de cada extrato de conta”.
. Resulta dos extratos da conta cartão juntos de fls. 7 a 67 dos presentes autos, que os juros de mora e de penalização calculados e debitados mensalmente em cada extrato de conta sobre os valores em dívida à data do fecho de cada extrato de conta foram capitalizados pelo Banco Recorrente.
. Os mencionados extratos da conta cartão de fls. 7 a 67 dos presentes autos foram enviados e notificados mensalmente pelo Recorrente, ao Recorrido, com a indicação do saldo mensal em dívida, que referiam e incluíam expressamente a capitalização dos juros de mora e de penalização.
. A capitalização dos juros de mora e de penalização foi convencionada no contrato de crédito original, ou seja, no mencionado contrato de utilização do cartão celebrado com o Recorrido.
. Do teor das cláusulas 44, 47 e 50 do mencionado contrato de utilização do cartão junto a fls. 98 a 100 dos presentes autos, resulta que foi acordada entre o Recorrente e o Recorrido, a capitalização do valor dos juros de mora e de penalização calculados e debitados mensalmente em cada extrato de conta sobre os valores em dívida à data do fecho de cada extrato de conta.
10ª. A cláusula 47 do mencionado contrato de utilização do cartão ao estabelecer que “O valor dos juros vencidos será debitado mensalmente na conta cartão, fazendo parte integrante da dívida”, quis significar e estatuir que os juros de mora e de penalização calculados e debitados mensalmente em cada extrato de conta sobre os valores em dívida à data do fecho de cada extrato de conta serão capitalizados.
11ª. Em face dos extratos de conta juntos de fls. 7 a 67 dos presentes autos, e do contrato de utilização do cartão de crédito junto de fls. 98 a 100 dos presentes autos, impunha-se que a decisão sobre a matéria de facto fosse outra, no sentido de dar como provados os factos constantes dos n.ºs 2 e 3 dos Factos não provados da sentença recorrida, ou seja, impunha-se dar como provado que “O valor das despesas referidas em f) ascendia, em 21/08/2014, a um saldo devedor no montante de Euros 17.101,15” e que “A. e R. acordaram a capitalização dos juros de mora e de penalização calculados e debitados mensalmente em cada extrato de conta sobre os valores em dívida à data do fecho de cada extrato de conta”.
12ª. A M.ª Juiz “ a quo” não valorou, como devia, os conteúdos dos extratos de conta juntos de fls. 7 a 67 dos presentes autos, e do contrato de utilização do cartão de crédito junto de fls. 98 a 100 dos presentes autos.
13ª. A mencionada prova documental produzida nos autos pelo Recorrente é, assim, adequada e suficiente para demonstrar:

a) que “O valor das despesas referidas em f) ascendia, em 21/08/2014, a um saldo devedor no montante de Euros 17.101,15”; e
b) que “A. e R. acordaram a capitalização dos juros de mora e de penalização calculados e debitados mensalmente em cada extrato de conta sobre os valores em dívida à data do fecho de cada extrato de conta”.

14ª. Daquela prova documental produzida nos autos, resulta:

a) que o saldo das despesas referidas em f) ascendia, em 21/08/2014, a um saldo devedor no montante de Euros 17.101,15; e
b) que A. e R. acordaram a capitalização dos juros de mora e de penalização calculados e debitados mensalmente em cada extrato de conta sobre os valores em dívida à data do fecho de cada extrato de conta.
15ª. A M.ª Juiz “a quo”, não obstante o princípio da livre apreciação da prova, não poderia ter dado como não provados os factos constantes dos n.ºs 2 e 3 dos Factos não provados, da sentença recorrida, desvalorizando, assim, a prova documental que foi produzida nos autos através dos conteúdos dos extratos de conta juntos de fls. 7 a 67 dos presentes autos, e do contrato de utilização do cartão de crédito junto de fls. 98 a 100 dos presentes autos.

16ª. Pelas razões e motivos acima referidos, a matéria de facto terá de ser alterada, devendo ser dados como provados os factos constantes dos n.ºs 2 e 3 dos Factos não provados da sentença recorrida, ou seja, ser dado como provado:

a) que o valor das despesas referidas em f) ascendia, em 21/08/2014, a um saldo devedor no montante de Euros 17.101,15; e
b) que A. e R. acordaram a capitalização dos juros de mora e de penalização calculados e debitados mensalmente em cada extrato de conta sobre os valores em dívida à data do fecho de cada extrato de conta.
17ª. Em face da alteração da matéria de facto acima peticionada, deve a presente ação ser julgada totalmente procedente e provada.
18ª. Nos termos do artigo 7.º nº 3 Decreto-Lei nº 344/78, de 17 de Novembro, os juros de mora que incidem sobre o capital já vencido podem ser capitalizados.
19ª. Daquele diploma legal resulta que a capitalização dos juros pelas instituições de crédito pode ser convencionada desde logo no contrato de crédito inicial, não sendo necessária acordo posterior ao vencimento, nem o envio de uma notificação ao mutuário.
20ª. A capitalização dos juros de mora e de penalização, debitados mensalmente nos referidos extratos da conta cartão de fls. 7 a 67 dos presentes autos, é lícita e admissível, e foi efetuada pelo Recorrente, nos termos do artigo 7.º nº 3 Decreto-Lei nº 344/78, de 17 de Novembro.
21ª. Recorrente e Recorrido estipularam no mencionado contrato de utilização do cartão celebrado com o Réu, aqui Recorrido, junto a fls. 98 a 100 dos presentes autos, a capitalização dos juros de mora e de penalização calculados e debitados mensalmente em cada extrato de conta sobre os valores em dívida à data do fecho de cada extrato de conta.
22ª. Os mencionados extratos da conta cartão de fls. 7 a 67 dos presentes autos foram enviados e notificados mensalmente pelo Recorrente, ao Recorrido, com a indicação do saldo mensal em dívida, que referiam e incluíam expressamente a capitalização dos juros de mora e de penalização calculados e debitados mensalmente em cada extrato de conta.
23ª. Tendo sido licitamente capitalizados os juros debitados nos mencionados extratos de conta juntos de fls. 7 a 67 dos presentes autos, os juros que se venceram desde Maio de 2006 não prescreveram, nos termos do artigo 310.º alínea d) do Código Civil.
24ª. Nestes termos deve a presente ação ser julgada totalmente procedente, e, em consequência, o Réu, aqui Recorrido, ser condenado a pagar ao Autor, aqui Recorrente, a quantia global de 18.616,67, acrescida dos juros de mora vincendos sobre o montante de Euros 17.101,15, à taxa legal de 7,15% ao ano, e do respetivo imposto de selo, até efetivo e integral pagamento.
25ª. A sentença recorrida violou, assim, os artigos 310.º alínea d), 341.º, 342.º, 405.º e 560.º do Código Civil e o artigo 7.º n.º 3 do Decreto-Lei nº 344/78, de 17 de Novembro.

Nestes termos, e nos mais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, devendo a sentença recorrida ser revogada, na parte em que julgou a presente ação parcialmente improcedente, no que concerne à capitalização dos juros de mora e de penalização calculados e debitados mensalmente em cada extrato de conta sobre os valores em dívida à data do fecho de cada extrato de conta, e substituída por outra que julgue a presente ação totalmente procedente e, em consequência, o Réu, aqui Recorrido, ser condenado a pagar ao Autor, aqui Recorrente, a quantia global de 18.616,67, acrescida dos juros de mora vincendos sobre o montante de Euros 17.101,15, à taxa legal de 7,15% ao ano, e do respetivo imposto de selo, até efetivo e integral pagamento,

Foram proferidas contra – alegações.

O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras “ ( artº 635º-nº3 e 608º-nº2 do Código de Processo Civil ) - Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 21/10/93, CJ. Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, tomo 3, pg.84, e, de 12/1/95, in CJ. Supremo Tribunal de Justiça, Ano III, tomo I, pg. 19.
E, de entre estas questões, excepto no tocante aquelas que o tribunal conhece ex officio, o tribunal de 2ª instância apenas poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos termos do artº 5º do Código de Processo Civil , não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas.
Atentas as conclusões da apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar:
- reapreciação da matéria de facto: - pontos n.ºs 2 e 3 dos Factos não provados deverão ser declarados provados ?
- reapreciação do mérito da causa


FUNDAMENTAÇÃO
I . OS FACTOS (São os seguintes os factos declarados provados, e não provados, na sentença recorrida ):

a) O Autor, no exercício da actividade comercial bancária a que se dedica, e a solicitação do Réu, titular da conta cartão n.º …, em data posterior a 10 de Fevereiro de 2005 e não posterior a 15 Fevereiro de 2005, emitiu a seu favor e forneceu-lhe para seu uso o cartão de crédito “C. Visa” n.º …5. (artigo 1º da petição inicial)--
b) A concessão do referido cartão foi solicitado pelo Réu, ao Autor, mediante a subscrição da respectiva “Proposta de Adesão”, nos termos do documento junto a fls. 98 a 100, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (artigo 2º da petição inicial)--
c) Com a subscrição do referido cartão, o Réu declarou responsabilizar-se por todos os débitos efectuados com o referido cartão crédito emitido sobre a sua conta cartão. (artigo 3º da petição inicial)--
d) O Autor obrigou-se previamente perante os estabelecimentos comerciais autorizados a liquidar-lhes à vista todas as facturas que pelos mesmos lhe fossem apresentadas, desde que nelas constem os elementos de identificação do cartão usado. (artigo 4º da petição inicial)--
e) Utilizando o seu cartão de crédito até 10/3/2006, o Réu adquiriu diversos produtos e efectuou algumas despesas em vários estabelecimentos, que se encontram descritos e identificados no extracto junto à petição com o nº 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (artigo 5º da petição inicial)-
f) O Autor pagou aos estabelecimentos comerciais, junto dos quais o Réu utilizou o cartão em causa, a totalidade das despesas por ele efectuadas e enviou-lhe mensalmente os extractos. (artigo 6º da petição inicial)--
g) O valor das despesas referidas em e) e comissões ascendia, em 1/05/2006, a um saldo devedor no montante de €: 4646,85. (artigo 7º da petição inicial)--
h) Ficou acordado entre o Autor e o Réu que aquele exigiria deste o pagamento de quaisquer valores em débito na referida conta cartão, através da emissão e envio mensal dos extratos de conta para a morada deste, indicada para tal efeito. (artigo 10º da petição inicial)—
i) O A. intentou em Outubro de 2014 injunção contra o R. na qual, após oposição do R., apresentou desistência da instância o que foi homologado por sentença. (artigo 7º da contestação)--
j) Os juros vêm-se acumulando desde Maio de 2006. (artigo 11º da contestação)--
k) Em Abril de 2006 foi feito um pagamento do valor utilizado pelo cartão por débito bancário. (artigo 19º da contestação)--
l) A família do R. propôs ao A., por carta registada, em 22 de Janeiro de 2014, o pagamento do capital em dívida dos dois cartões em débito, carta essa que não mereceu qualquer resposta ou reacção parte do A.. (artigo 23º da contestação)--
m) Foi acordado entre A. e R. que o R. se obrigava ao pagamento da totalidade do saldo devedor mencionado em cada extracto de conta, dentro da respetiva data limite de pagamento indicada em cada extrato de conta mensal emitido. (artigos 3º e 4º da resposta)--
n) Foi acordado entre o Autor e o Réu, que, em caso de mora no pagamento ao Autor das quantias devidas pela utilização do mencionado Cartão de Crédito, seriam devidos juros de mora, contados dia a dia, à taxa de 2,00%, e dos juros de penalização à taxa de 0,25%, acrescidos do respetivo imposto de selo, sobre as quantias em dívida desde as datas da constituição em mora até à data do fecho de cada extracto de conta mensal. (artigo 6º da resposta)--
o) Foi acordado entre eles que seriam devidas as comissões de recuperação dos valores em dívida. (artigo 7º da resposta)--
p) O requerimento de injunção referido em i) deu entrada no dia 08/10/2014. (artigo 20º da resposta)—
q) O A. comunicou ao R. a resolução do contrato, por carta registada com Aviso de recepção, do dia 25/8/2014.--
*
B) Factos não provados:---

1) O R. utilizou o cartão para compras e pagamentos até 21/08/2014. (artigo 5º da petição inicial)---
2) O valor das despesas referidas em f) ascendia, em 21/08/2014, a um saldo devedor no montante de Euros 17.101,15. (artigo 7º da petição inicial)-
3) A. e R. acordaram a capitalização dos juros de mora e de penalização calculados e debitados mensalmente em cada extrato de conta sobre os valores em dívida à data do fecho de cada extrato de conta. (artigo 8º da resposta)--

II) O DIREITO APLICÁVEL

1. - Reapreciação da matéria de facto:

Nos termos do disposto no artº 662º-nº1 do Código de Processo Civil “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Ainda, nos termos do artº 640º -nº1 do Código de processo Civil “ Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; c) A decisão que, no seu entender, dever ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
No caso sub judice impugna o apelante a matéria de facto alegando dever ser alterada a resposta dada pelo Tribunal de 1.ª Instância aos pontos n.ºs 2 e 3 dos Factos não provados os quais, defende a recorrente, deverão ser declarados provados, nomeadamente com base em prova documental junta aos autos, alegando que a prova de tal factualidade resulta dos extratos de conta juntos de fls. 7 a 67 dos presentes autos e do contrato de utilização do cartão de crédito junto de fls. 98 a 100.
Analisando o teor dos indicados pontos de facto, declarados não provados, designadamente.
- 2) O valor das despesas referidas em f) ascendia, em 21/08/2014, a um saldo devedor no montante de Euros 17.101,15.
3) A. e R. acordaram a capitalização dos juros de mora e de penalização calculados e debitados mensalmente em cada extrato de conta sobre os valores em dívida à data do fecho de cada extrato de conta.
e os meios de prova especificados pelo apelante, dir-se-á que com relevância para a decisão da causa resultou já provada a seguinte factualidade, resultante dos indicados meios de prova, e não impugnada:

- b) A concessão do referido cartão foi solicitado pelo Réu, ao Autor, mediante a subscrição da respectiva “Proposta de Adesão”, nos termos do documento junto a fls. 98 a 100, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
e) Utilizando o seu cartão de crédito até 10/3/2006, o Réu adquiriu diversos produtos e efectuou algumas despesas em vários estabelecimentos, que se encontram descritos e identificados no extracto junto à petição com o nº 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
g) O valor das despesas referidas em e) e comissões ascendia, em 1/05/2006, a um saldo devedor no montante de €: 4646,85.
j) Os juros vêm-se acumulando desde Maio de 2006-
ainda se tendo declarado não provado que:
- 1) O R. utilizou o cartão para compras e pagamentos até 21/08/2014;
resultando o indicado pontos nº 3 dos factos não provados meramente conclusivo e irrelevante face á matéria de facto já fixada, estando já dado como reproduzido o documento de “Proposta de Adesão” junto a fls. 98 a 100, e, respeitando já ao mérito da causa a análise e efeitos do conteúdo do documento, e traduzindo-se o ponto nº2 dos factos não provados, quanto ao valor indicado em resultado de cálculo matemático de contagem de juros e respectiva capitalização referenciados pelo apelante, sendo ainda que, a al. f) em referência no artigo não se reporta ao valor das despesas efectuadas, estando estas já definitivamente fixadas no facto provado al. g), termos em que se julga improcedente a impugnação deduzida, mantendo-se as respostas dadas, e, consequentemente, inalterado o elenco dos factos provados, objecto factual da acção.

2. – do mérito da causa

Vem o presente recurso de apelação interposto da decisão proferida nos autos, que nos termos da qual se decidiu julgar a acção parcialmente procedente, condenando-se o Réu a pagar ao A. Banco A, S.A: a) a quantia de €: 4646,85, relativo ao saldo devedor em 1/Maio/2006; b) as comissões por incumprimento (€: 12), por mês, desde Maio 2006 até Agosto de 2006; c) juros à taxa de 2,25% ao mês sobre as quantias referidas, desde 8/10/2009 até 21/8/2014; d) juros de mora, sobre as quantias referidas em a) e b), vencidos desde 22/8/2014, à taxa prevista para os créditos comerciais, até integral pagamento, e vincendos, considerando-se quaisquer portarias que venham a alterar a taxa de juro de mora aplicável até que ocorra tal pagamento, absolvendo-o do demais peticionado, alegando o Banco apelante dever a sentença recorrida ser revogada na parte em que julgou a acção parcialmente improcedente no que concerne à capitalização dos juros de mora e de penalização calculados e debitados mensalmente em cada extrato de conta sobre os valores em dívida à data do fecho de cada extrato de conta, e substituída por outra que julgue a presente ação totalmente procedente, condenando o Réu a pagar ao Autor a quantia global de 18.616,67, acrescida dos juros de mora vincendos sobre o montante de € 17.101,15, à taxa legal de 7,15% ao ano, e do respetivo imposto de selo, até efetivo e integral pagamento; interpondo o apelante recurso de apelação da parte da sentença que concerne à capitalização dos juros de mora e de pe-nalização calculados e debitados mensalmente em cada extrato de conta sobre os valores em dívida à data do fecho de cada extrato de conta.
Tendo-se na decisão recorrida fundamentado: “ ... No comércio bancário a capitalização de juros é admissível nos termos do disposto no artigo 7º, nº 3 do Decreto-Lei n.º 344/78, de 17/11, sem prejuízo do disposto no artigo 5º, nº 6 do mesmo diploma legal – regras especiais relativamente ao artigo 560º do Cód. Civil). No entanto, os juros de uma entidade bancária relativos às operações de abertura de crédito, empréstimo em conta corrente e outras operações de natureza similar não serão capitalizadas por mero efeito da lei, mas podê-lo-ão ser por convenção posterior ao vencimento ou a partir da notificação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização. (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15/06/2004, in www.dgsi.pt). Não tendo o A. demonstrado a existência de convenção posterior nem de notificação judicial ao devedor nos termos expostos, os juros vencem-se apenas sobre o capital em dívida e sobre as comissões acordadas”, mais se referindo “Destarte, inexiste, por força de capitalização obstáculo à prescrição.Assim, o prazo prescricional iniciou-se a partir do momento em que os juros – vencidos sobre o capital e comissão – deveriam ser pagos, ou seja, nos termos acordados, a partir da data prevista para o débito directo de cada extracto bancário “ , veio o apelante contrapor, alegando que “ Nos termos do artigo 7.º nº 3 Decreto-Lei nº 344/78, de 17 de Novembro, os juros de mora que incidem sobre o capital já vencido podem ser capitalizados, e, daquele diploma legal resulta que a capitalização dos juros pelas instituições de crédito pode ser convencionada desde logo no contrato de crédito inicial, não sendo necessária acordo posterior ao vencimento, nem o envio de uma notificação ao mutuário. E, Recorrente e Recorrido estipularam no mencionado contrato de utilização do cartão celebrado com o Réu, aqui Recorrido, junto a fls. 98 a 100 dos presentes autos, a capitalização dos juros de mora e de penalização calculados e debitados mensalmente em cada extrato de conta sobre os valores em dívida à data do fecho de cada extrato de conta”, concluindo que a capitalização dos juros de mora e de penalização, debitados mensalmente nos referidos extratos da conta cartão de fls. 7 a 67 dos presentes autos, é lícita e admissível, e foi efetuada pelo Recorrente, nos termos do artigo 7.º nº 3 Decreto-Lei nº 344/78, de 17 de Novembro.
É nosso entendimento carecer de razão o apelante.
1. Com efeito, desde logo, estando em causa a análise da “proposta Contratual“ de fls.98/100 dos autos, datada de 10/2/2005 ( cfr. fls. 99 ), é aplicável ao caso sub judice, relativamente a estipulações quanto a “Juros”, a norma do artº 5º do DL nº 344/87, de 17 de Novembro, na redação dada pelo DL nº 204/87, de 16 de Maio, aqual dispõe, no seu nº 6 – “ Não podem ser capitalizados juros correspondentes a um período inferior a três meses “, assim, e, dispondo a cláusula 47 do mencionado contrato de utilização do cartão de crédito que “O valor dos juros vencidos será debitado mensalmente na conta cartão, fazendo parte integrante da dívida”, deste modo se estipulando a capitalização mensal dos juros de mora, que passam a integrar o capital em dívida, conclui-se ser tal estipulação nula por violação da norma do artº 5º do DL nº 344/87, de 17 de Novembro, na redação dada pelo DL nº 204/87, de 16 de Maio, norma esta de natureza especial e imperativa para o comércio bancário e que determina a absoluta proibição do anatocismo relativamente a juros devidos por prazo inferior a três meses, in casu tendo sido estipulada a capitalização mensal.
2. E, ainda, discutindo-se, na doutrina e jurisprudência a exigência de convenção e/ou de convenção posterior ao vencimento para a capitalização dos juros – “ Anatocismo “, tendo em atenção, nomeadamente a evolução legislativa do preceito, o qual na redacção inicial decorrente do DL nº 344/87, de 17 de Novembro, sob o art.5º - “ Juros Compensatórios” - nº 4º, exigia para verificação de capitalização de juros convenção posterior ao vencimento tratando-se de juros correspondentes a período inferior a 1 ano, e, na redacção que lhe foi dada pelo DL nº 83/86, de 6 de Maio, igualmente sob o nº 4º - nº 6, exigia, para esse efeito, convenção, mesmo que anterior ao vencimento, nenhuma referência fazendo já o legislador a “convenção” na redacção da norma decorrente do DL nº 204/87, de 16 de Maio, propendemos a considerar a aplicabilidade, no regime aplicável decorrente da norma do artº 5º do DL nº 344/87, de 17 de Novembro, na redação dada pelo DL nº 204/87, de 16 de Maio, nº 6, das regras gerais do Anatocismo fixada no nº1 artº 560º do Código Civil, nomeadamente da exigência de convenção posterior ao vencimento, no seguimento dos fundamentos já expostos no Acórdão do STJ de /3/2004, in www.dgsi.pt, ( - “ I. O princípio geral da proibição do anatocismo estabelecido no art.560º C.Civ. não é absoluto: consoante nº3º desse artigo, e conforme uso generalizado no comércio bancário, com eco no art. 5º, nº4º, do DL 344/78, de 17/11, lei particular desse comércio, estão, nomeadamente, excluídas daquela proibição as operações de crédito efectuadas por instituição de crédito ou parabancária autorizada. II - Mantendo-se actualmente apenas, no nº6º da redacção dada ao art.5º do DL 344/78 pelo DL 204/87, de 15/5, a proibição da capitalização de juros correspondentes a período inferior a 3 meses, na falta de disposição expressa nesse sentido, nem por isso, no entanto, pode julgar-se implicitamente dispensada convenção que tal autorize. III - Um tal acordo ou convenção tem de ser expresso, em termos de poder considerar-se que a capitalização dos juros foi expressamente contemplada e aceite ou admitida pelo devedor, por esse modo tornado bem ciente desse uso particular do comércio bancário), e, na doutrina por Menezes Cordeiro, in “ Manual de Direito Bancário, 4ª edição, 2012, pg. 636 ( v– “ ... o artº 5º/6 do Decreto – Lei nº 204/87, de 16 de Maio, a contrario, permite a capitalização de juros correspondentes a um período igual ou superior a três meses: nos termos gerais haverá que, após o vencimento, concluir um acordo, nesse sentido”. ), e, em particular considerando o brocardo aí citado – “ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus”.
3. Acresce que nos termos do artº 7º do DL nº 58/2013, de 8 de Maio, diploma este com aplicação rectroactiva às situações de mora relativas a contratos de crédito em curso á data da sua vigência, nos termos do nº2 do artº 13º , e, cujas normas referentes à capitalização de juros, juros moratórios, cobrança de comissões e imputação de despesas, dos artigos 7º a 9º, entraram em vigor 120 dias após a data da sua publicação, ou seja, a 5 de Setembro de 2013, nos termos do n.º 2 do artigo 14.º do citado diploma legal, sendo, assim aplicável ao caso sub judice, e, o qual veio estabelecer as novas normas aplicáveis à classificação e contagem dos prazos das operações de créditos, aos juros remuneratórios, à capitalização de juros e à mora do devedor, revogando o regime previsto no DL n.º 344/78 de 17 de Novembro, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 429/79, de 25 Outubro, 83/86 de 6 de Maio e 204/87 de 16 de Maio, prevendo-se já um regime especial em caso de mora no cumprimento das obrigações contratualmente assumidas pelas partes, dispondo, designadamente, nº 1 : “ A captitalização de juros remuneratórios, vencidos e não pagos, depende de convenção das partes, reduzida a escrito, não podendo os mesmos ser capitalizados por períodos inferiores a um mês “, nº 3 : “ Para efeitos de aplicação de juros moratórios, os juros remuneratórios que integram cada prestação vencida e não paga só podem ser capitalizados uma única vez “ e nº 5 “ Só é admissivel a capitalização de juros moratórios mediante acordo das partes, reduzido a escrito, e no âmbito de reestruturação ou consolidação de contratos de crédito”, dos factos provados não resulta provada a existência do acordo e dos pressupostos de capitalização de juros legalmente exigidos.
Nestes termos, não se mostrando legal a capitalização de juros operada pelo Banco Autor no caso sub judice, improcedendo os fundamentos da apelação.
4. Ao que acresce, ainda, em qualquer caso, demonstar-se actuar o Autor em “abuso de direito” nos termos do artº 334º do Código Civil, ao formular, no caso concreto, pedido correspondente a tal capitalização, nos termos do indicado preceito se considerando como ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé ou pelo fim social ou económico desse direito, o que resulta dos factos provados, nomeadamente ao ter-se provado que “o Autor emitiu a favor e forneceu-lhe para seu uso o cartão de crédito “C. Visa” n.º …5 em data posterior a 10 de Fevereiro de 2005 e não posterior a 15 Fevereiro de 2005, tendo o Réu usado o referido cartão até 10/3/2006 “ ( cfr. factos provados als. a) e e) e g) ), tendo a acção vindo a ser interposta em apenas 30/10/2015, mais se provando que “ A família do R. propôs ao A., por carta registada, em 22 de Janeiro de 2014, o pagamento do capital em dívida dos dois cartões em débito, carta essa que não mereceu qualquer resposta ou reacção parte do A..” ( facto provado al. l) ), também por estes fundamentos improcedendo os fundamentos da apelação.
5. Consequentemente, e relativamente á prescrição de juros, alegando o apelante que “tendo sido licitamente capitalizados os juros debitados nos mencionados extratos de conta juntos de fls. 7 a 67 dos presentes autos, os juros que se venceram desde Maio de 2006 não prescreveram, nos termos do artigo 310.º alínea d) do Código Civil”, reitera-se o já decidido na sentença recorrida, para cuja fundamentação se remete, concluindo-se nos precisos termos, designadamente “ Destarte, inexiste, por força de capitalização obstáculo á prescrição “.
6. Concluindo-se, nos termos expostos pela total improcedência do recurso de apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
Guimarães, 19 de Outubro de 2017