Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
562/06.9TBVCT-C.G1
Relator: AMILCAR ANDRADE
Descritores: EXECUÇÃO
EMBARGOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/26/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I. Em execução movida apenas contra um dos cônjuges, o Exequente ao nomear à penhora bens comuns do casal, deverá requerer a citação do cônjuge do executado requerer a citação do cônjuge do executado para os efeitos do artº 825º do CPC.
II. Não o fazendo, pode o cônjuge do executado embargar de terceiro nos termos do artº 352º do CPC.
III. Embora a lei se refira apenas ao cônjuge do executado, cremos ser o mesmo regime aplicável ao ex-cônjuge do executado.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães


Liliana …… deduziu os presentes embargos de terceiro por apenso à execução que “Administração do Condomínio…” moveu contra António….
Alegou, em síntese, que tomou agora conhecimento de que no âmbito do processo de execução à margem identificado, foi efectuada a penhora do prédio urbano correspondente à fracção autónoma “B” respeitante ao rés-do-chão esquerdo do prédio aí devidamente identificado.
A Embargante foi casada com o executado António …, segundo o regime de comunhão de adquiridos.
Sucede que, desde 29 de Novembro de 2004, que ela se encontra divorciada do executado.
O prédio urbano agora penhorado nunca chegou a ser partilhado, pelo que é um dos bens comuns do dissolvido casal da embargante e executado.
Tendo em conta que a execução é apenas movida contra o executado António … e não contra Embargante não podem ser penhorados bens compreendidos no património comum.
A penhora já efectuada ofende, assim, a propriedade e posse da Embargante sobre o dito prédio.
Liminarmente admitidos os embargos (cfr. fls. 18), foram as partes primitivas notificadas para contestar.
A exequente embargada apresentou contestação, pugnando pela improcedência dos embargos (cfr. fls. 22 e ss.).
Efectuado o julgamento foi proferida sentença que julgou os embargos de terceiro improcedentes.
Inconformada, apelou a Embargante, tendo apresentado as seguintes conclusões:
1. Uma vez dissolvido o casamento e antes de se proceder á respectiva partilha passam a ser aplicáveis aos bens comuns as normas da compropriedade, ficando esses bens sujeitos ao regime desta.
2. Nessa medida, era aplicável nos presentes autos o disposto no art° 826°, n° 1 do Cód. Proc. Civil .
3. Por isso mesmo, e tendo em conta que a execução a que os presentes autos foram apensos foi apenas instaurada contra o executado António….(e não contra a Recorrente, sua ex-mulher), não podiam ter sido penhorados bens compreendidos no património comum, designadamente o prédio urbano que foi penhorado.
4. O que poderia e deveria ter sido penhorado era a meação do executado nos bens comuns a partilhar.
5. Por outro lado, a penhora efectuada nos presentes autos ofende a propriedade e posse da embargante sobre o prédio urbano em questão.
6. O tribunal recorrido deveria ter julgado os embargos provados e procedentes e, consequentemente, ordenando o levantamento da penhora do bem imóvel de que é co-proprietária a Recorrente.
7. Ao decidir de forma diversa, o tribunal fez errada interpretação e aplicação do disposto nos art°.s 826° do Cód. Proc. Civil.
8. Pelo que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e proferindo-se douto acórdão que, considerando provados e procedentes os embargos deduzidos pela ora Recorrente, ordene o levantamento da penhora do bem imóvel de que a mesma é co-proprietária.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida e proferindo-se douto acórdão em conformidade com as conclusões supra-formuladas. Com o que se fará Justiça.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação de facto
Na 1ª instância foram dados como provados, os factos seguintes:
1. António…. e Liliana …. casaram no regime de comunhão de adquiridos em data anterior a 25-09-2002.
2. No dia 25-09-2002 António …e Liliana celebraram um acordo denominado Compra e Venda e Empréstimo com Hipoteca no âmbito do qual compraram a fracção autónoma designada pela letra “B”, a que corresponde o rés-do-chão esquerdo que faz parte do prédio urbano constituído em propriedade horizontal situado em Sobreiros, da freguesia de Monserrate, Viana do Castelo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o n.º 639, Monserrate (cfr. documento de fls. 41 e ss. cujo teor se dá aqui por reproduzido e integrado para os devidos e legais efeitos).
3. A referida aquisição encontra-se inscrita sob a ap. 15 de 03-07-2002 do prédio descrito sob o n.º 639/19830707 – B, freguesia de V. Castelo (Monserrate) da 1.º Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo (cfr. documento de fls. 26 e ss. cujo teor se dá aqui por integrado e reproduzido para os devidos e legais efeitos).
4. No dia 29 de Novembro de 2004 foi decretado o divórcio por mútuo consentimento entre António … e Liliana …..
5. A exequente apresentou no dia 5 de Fevereiro de 2005 requerimento de injunção invocando, como causa de pedir, dívida inerente a prestações de condomínio de Abril de 2003 a Novembro de 2004 e valores de obras realizadas nas partes comuns, inerente á fracção B (cfr. documento de fls. 5 do apenso da execução).
6. A execução de que estes embargos constituem apenso foi instaurada no dia 6 de Fevereiro de 2006, tendo-o sido apenas contra António …..
7. No âmbito da dita execução foi penhorada, em 31-01-2007, a fracção indicada em 2. (cfr. documento de fls. 28 cujo teor se dá aqui por reproduzida e integrada.
8. A embargante não foi citada nos termos do disposto no artigo 825.º do C.P.C. no âmbito da execução.
9. Até á data o bem identificado em 2. não foi partilhado por Liliana…e António….

Fundamentação de Direito
Dispõe o nº 1 do art. 351º do CPCivil que “se qualquer acto, judicialmente ordenado, de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”.
Por seu turno, preceitua o artigo 352.º do C.P.C. que o cônjuge que tenha a posição de terceiro pode, sem autorização do outro, defender por meio de embargos de terceiro os direitos relativamente aos bens próprios e aos bens comuns que hajam sido indevidamente atingidos por diligencia de penhora, ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens que ofenda tais bens.
No caso em apreço, o bem imóvel penhorado foi adquirido na constância do casamento do executado com a embargante, sendo estes casados no regime de comunhão de adquiridos, pelo que é um bem comum do casal (artº 1724º, b) do CC).
A Embargante veio defender por embargos o seu direito ao imóvel penhorado, que é um bem comum do casal, sendo ela um terceiro em relação ao processo de execução.

Estamos perante uma execução em que se pretende obter o pagamento de uma dívida inerente a prestações de condomínio de Abril de 2003 a Novembro de 2004 e valores de obras realizadas nas partes comuns, inerente á fracção B.
Uma tal dívida é da responsabilidade de ambos os cônjuges, face ao estatuído no artº 1691º, c) do Cód. Civil.
Sucede que a execução de que estes embargos constituem apenso foi instaurada no dia 6 de Fevereiro de 2006, tendo-o sido apenas contra António ….
O título executivo da presente execução – pelo qual se determinam o fim e os limites da execução, art. 45º do CPC – apenas indica como devedor o ex- cônjuge da Embargante pelo que só contra ele podia ser instaurada a execução – art. 55º do CPC.

Ao presente processo aplica-se o regime da reforma da acção executiva operada pelo DL n.º 38/2003, de 8 de Março.
De acordo com esse regime, aplicável aos presentes autos, na execução movida contra um só dos cônjuges, podem ser penhorados bens comuns do casal, contanto que o exequente, ao nomeá-los à penhora, peça a citação do cônjuge do executado para requerer a separação dos bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida (artigo 825.º, CPC).

No caso sub judice, a Exequente ao nomear á penhora bens comuns do casal, não requereu a citação da Embargante para os efeitos do art. 825º do CPC.
Em execução movida apenas contra um dos cônjuges, o exequente, querendo penhorar bens comuns, deve, ao nomeá-los à penhora, requerer a citação do cônjuge do executado para os efeitos do artº 825º do CPC. Não o fazendo, pode o cônjuge do executado embargar de terceiro nos termos do artº 352º do CPC. (neste sentido, vide Acs do STJ, de 17.04.1980, BMJ, 296: 229 e da RL, de 20.10.2005 (processo n.º 7914/2005-8) e de 28.06.2007 (processo n.º 2927/2007-6) in: www.dgsi.pt).
Resulta assim uma indevida apreensão de bens comuns, a que a Embargante se pode opor através de embargos de terceiro (cfr. Cons. Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 9ª edição, pag. 289 e Remédio Marques, Curso de Processo Executivo, 2000, pag. 334).
No caso, estão em causa bens comuns ainda não partilhados.
Por outro lado, a embargante não foi citada para os efeitos do artº 825º do CPC.
Embora a lei se refira apenas ao cônjuge do executado, cremos ser o mesmo regime aplicável ao ex-cônjuge do executado.
Neste particular, acompanhamos o Ac. RP, de 21.05.2009, in www.dgsi.pt. onde se pondera: «Apesar do artigo 825.º, n.º 1, aludir apenas à citação do cônjuge do executado não se pode fazer uma interpretação meramente literal, já que o texto da lei adjectiva não abrange exclusivamente os casos de sociedade conjugal em vigor, mas também aqueles em que o executado tenha sido membro de uma tal sociedade e já não o seja por a mesma se ter dissolvido, desde que permaneça o património comum do casal em pé, por ausência de partilha»; «o fim do preceito é, pois, a um tempo, permitir definir a situação do exequente, assegurando o seu direito de crédito, mas também a do cônjuge ou ex-cônjuge do executado relativamente à penhora e subsequente venda, de forma que o património comum seja separado e o não responsável pela dívida seja poupado a qualquer prejuízo, já que pelo cumprimento da obrigação, em princípio apenas responde o património do devedor».
É também aplicável ao ex-cônjuge, na ausência de partilha, o regime dos artigos 352.º e 825.º (v. ac. RL de 12-01-2012, (Proc. 45740/06.6YYLSB-A-LI-8, disponível em dgsi.Net).

Procedem, em consequência, os embargos, não podendo manter-se a penhora.

Decisão.
Em face do exposto, no provimento do agravo, revoga-se a decisão recorrida, julgam-se os embargos procedentes e em consequência ordena-se o levantamento da penhora sobre o imóvel penhorado.
Custas pela Embargada.
Guimarães, 26-04-2012
Amílcar Andrade
Manso Rainho
Carvalho Guerra