Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1248/20.7TVNF.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
SUBSÍDIOS DE FÉRIAS E DE NATAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/03/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da responsabilidade da relatora – artº 663º, nº 7 do CPC)

. A exigência legal - de assegurar o sustento minimamente digno do insolvente e do seu agregado familiar - surge como uma exigência do princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de Direito, afirmado no art. 1º da Constituição da República e a que se alude na al. a) do nº 1 do art. 59º do mesmo diploma fundamental, a propósito da retribuição do trabalho.
. O Tribunal Constitucional tem considerado que «ao fixar o regime do salário mínimo nacional o legislador teve presente a intenção de garantir a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador, tendo o salário mínimo/retribuição mínima mensal garantida como valor de referência na fixação do limite mínimo.
. A retribuição mínima mensal garantida corresponde assim ao montante mínimo capaz de assegurar a subsistência com o mínimo de dignidade.
. Por força da submissão ao instituto da exoneração do passivo restante aquilo a que o devedor tem direito é apenas a um montante que lhe proporcione um sustento minimamente condigno; e, não sendo os subsídios de férias e de Natal imprescindíveis para o sustento minimamente condigno da apelante, têm de ser incluídos no rendimento a disponibilizar ao fiduciário para os fins da insolvência, na totalidade ou na parte em que excederem o montante que assegure aquele sustento.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

C. C. e J. C. vieram requerer a sua declaração de insolvência e simultaneamente a exoneração do passivo restante, alegando que se encontram preenchidos todos os requisitos legais.
Foi proferida decisão a declarar a insolvência dos requerentes, em 04.03.2020.
O Sr. Administrador da Insolvência não se opôs ao deferimento do pedido de exoneração do passivo restante.
O processo foi encerrado por falta de bens.
Foi proferido despacho que determinou, ao abrigo do disposto no artigo 239.º, nº 2, do CIRE, que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, o rendimento disponível, bem como quaisquer rendimentos e créditos de que os insolventes venham a ser titulares ou a auferir, por qualquer forma e a qualquer título - até ao montante em dívida - (ressalvado o valor correspondente a um salário mínimo nacional para cada um, doze vezes por ano (esclarecendo-se que este valor deve ser calculado como média mensal ao longo do ano), necessário ao sustento minimamente digno dos insolventes e do seu agregado familiar), se considere cedido ao fiduciário, funções que serão desempenhadas pelo sr.AI.

É deste despacho que os insolventes interpuseram o presente recurso, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:

1. Por despacho proferido a 04.06.2020, pelo Tribunal a quo, foi determinado que “Deste modo, e ao abrigo do disposto no artigo 239.º, n.º 2 do CIRE, determino que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, o rendimento disponível, bem como quaisquer rendimentos e créditos de que os insolventes venham a ser titulares ou a auferir, por qualquer forma e a qualquer título – até ao montante em dívida – (ressalvado o valor correspondente a um salário mínimo nacional para cada um, doze vezes por ano (esclarecendo-se que este valor deve ser calculado como média mensal ao longo do ano), necessário ao sustento minimamente digno dos insolventes e do seu agregado familiar), se considere cedido ao fiduciário que será, in casu, por razoes de economia processual, o Sr. Administrador de Insolvência”.
2. Os Recorrentes com o presente recurso pretendem que seja fixado no despacho inicial de exoneração do passivo restante, já proferido, que o rendimento a coberto da cessão seja o salário mínimo nacional, para cada um, multiplicado por 14 meses, equivalente à fórmula da retribuição mínima mensal garantida (RMMG), e, devendo ser entregues ao fiduciário, os proventos que ultrapassem esse valor.
3. Desta forma, o rendimento indisponível dos Recorrentes deverá ser calculado, como média mensal, tendo por base os rendimentos auferidos multiplicados por 14 vezes, e o produto a dividir pelos 12 meses do ano.
4. Assim, decisão recorrida violou ou não fez a melhor interpretação do disposto no artigo 615.º/1, al. c) do Código de Processo Civil, e artigo 59.º, n.º 2, al. a) e 1.º da Constituição da República Portuguesa, bem como do ponto i), alínea b), do n.º 3 do artigo 239.º do CIRE.
5. Na esteira da jurisprudência recente do Tribunal da Relação do Porto, “[t]ranspondo este princípio para o valor do rendimento necessário ao sustento minimamente digno do insolvente, teremos de admitir que esse valor é retido 14 vezes ao ano ou, então, cada uma das parcelas mensais não deverá ser inferior à RMMG multiplicada por 14, cujo produto é dividido por 12. Esta solução não colhe unanimidade jurisprudencial, mas é aquela que, na nossa ótica, melhor quadra com a salvaguarda de uma existência condigna do devedor, acolhida pelo CIRE para a definição do sustento mínimo do devedor, e melhor cumpre as exigências constitucionais do princípio da essencial dignidade da pessoa humana. Na perspetiva constitucional, à luz do normativizado no artigo 59.º/2, a), da CRP, a RMMG representará aquele valor imprescindível a uma subsistência digna”.
6. A RMMG é tida como a remuneração básica estritamente indispensável à satisfação das necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador e, concebida como o patamar mínimo, não podendo ser reduzido qualquer que seja o motivo.
7. O artigo 235.º do C.I.R.E, estatui que se o devedor for uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento do processo.
8. Nesse período de cinco anos, designado período de cessão, o insolvente tem de entregar ao fiduciário, para satisfação dos direitos dos credores e encargos do processo, o seu rendimento disponível, integrado por todos os recursos patrimoniais que aufira, a qualquer título, excepto os créditos previstos que tenham sido cedidos a terceiros e o que seja razoavelmente necessário para o sustento do devedor e do seu agregado familiar, com o limite do triplo da remuneração mínima mensal garantida (RMMG), para o exercício da sua atividade profissional e para outras despesas que, a requerimento do devedor, venham a ser consideradas pelo juiz, no próprio despacho inicial ou em momento ulterior (artigo 239.º do C.I.R.E).
9. Os Recorrentes, e salvo o devido respeito que lhe merece a decisão judicial em causa não se conformam com o despacho proferido pelo Tribunal Recorrido, entendendo que o Tribunal deveria ter considerado como rendimento indisponível o correspondente a um salário mínimo para cada um, 14 vezes por ano, e não apenas 12 meses, incluindo, assim, o subsídio de férias e o de Natal, devendo ser calculado de acordo com a fórmula da RMMG, ou seja, cada uma das parcelas mensais não deveria ser superior ao valor recebido pelos Recorrentes, multiplicado por 14 e o produto a dividir por 12.
10. A decisão do Tribunal a quo deverá, pois, no segmento recorrido, ser revogado e substituído por outro que, apreciando os fundamentos de facto e de Direito invocados pelos Recorrentes, no sentido de lhes ser reconhecido o direito a um rendimento indisponível correspondente ao valor de um SMN, por cada um dos Recorrentes, multiplicado por 14 vezes, e o produto dividido por 12 meses.
Termos em que, nos melhores de Direito, e sempre com o V/mui douto suprimento, em face de tudo o que ficou exposto, deverá este Venerando Tribunal dar provimento ao recurso, e em consequência ordenar que o despacho recorrido seja alterado considerando como rendimento indisponível o montante de 2 SMN, um para cada um dos Recorrentes, multiplicado por 14 vezes, e o produto dividido por 12 meses.
Não foram apresentadas contra-alegações.

II - Objeto do recurso

Considerando que:
. o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

a questão a decidir é a seguinte:
.se no rendimento a excluir da cessão ao fiduciário deve atender-se a duas retribuições mínimas mensais garantidas, contadas 14 vezes no ano, a dividir por doze, ou se devem apenas ser contadas 12 vezes por ano, como se entendeu na sentença recorrida.

III – Fundamentação

Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:
a) A insolvente C. C. encontra-se desempregada e padece de um estado de saúde bastante débil.
b) O insolvente J. C. é reformado, auferindo uma pensão na quantia mensal de €984,93.
c) Os insolventes têm como despesas a renda de casa no valor mensal de € 300,00, com saúde no valor €135,00, assim como, despesas com água, gás e eletricidade num montante mensal aproximado de € 150,00.
d) Os devedores nunca foram condenados pela prática de qualquer dos crimes descritos no art. 238º, nº 1, al. f) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Sendo admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, o juiz proferirá despacho inicial, nos termos do art. 239º, nºs 1 e 2, do CIRE (1), no qual determinará que durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, denominado período de cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido ao fiduciário para os fins do art. 241º (pagamento das custas do processo de insolvência ainda em dívida; reembolso ao Cofre Geral dos Tribunais das remunerações e despesas do administrador da insolvência e do próprio fiduciário que por aquele tenham sido suportadas; pagamento da remuneração vencida do fiduciário e despesas efectuadas; distribuição do remanescente pelos credores da insolvência, nos termos prescritos para o pagamento aos credores no processo de insolvência).
No final do período da cessão, será então proferida decisão sobre a concessão ou não da exoneração do passivo restante do devedor, ouvido este, o fiduciário e os credores da insolvência (cfr. art. 244º) e, sendo a mesma concedida, dar-se-á, de acordo com o art. 245º, a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida, sem excepção dos que não tenham sido reclamados e verificados, salvaguardando-se, contudo, os que vêm referidos no nº 2 deste último preceito (2).
No caso dos autos, a Mm.ª Juíza a quo, considerou não haver motivo para indeferimento liminar e proferiu despacho no qual determinou os insolvente a entregarem ao fiduciário o rendimento que excedesse o montante superior a duas retribuições mínimas mensais garantidas, por ter entendido ser aquele que permite que os recorrentes possam prover dignamente à sua subsistência.
Os recorrentes entendem que o rendimento a excluir da cessão ao fiduciário deve atender a duas retribuições mínimas mensais garantidas, contadas 14 vezes/ano ou seja multiplicadas por 14 e dividido o produto obtido por 12 meses, quando a decisão que fixou o rendimento indisponível do insolvente/devedor teve por base duas retribuições mínimas mensais consideradas 12 vezes/ano.
Estabelece o nº 3 do artº 239º que «integram o rendimento disponível os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão: a)dos créditos a que se refere o art. 115º cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz; b) do que seja razoavelmente necessário para: (i) o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional; (ii) o exercício pelo devedor da sua actividade profissional; (iii) outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor.»
Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, “as exclusões previstas nas subalíneas i) e ii) – da al. b), do artigo 239, do CIRE – decorrem da chamada função interna do património, enquanto suporte da vida do seu titular”, decorrendo destas duas subalíneas “a prevalência da função interna do património sobre a função externa – garantia geral dos credores”. (3)
A fixação da quantia a subtrair à entrega ao fiduciário deve ter em conta os rendimentos do insolvente e as suas despesas, de modo a que não fique privado de um mínimo que possa assegurar a sua subsistência e do seu agregado familiar.
A lei estabelece qual é o limite máximo do valor que se deve entender como sendo “o razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor” – o correspondente a três salários mínimos nacionais -, mas já não fixou um limite mínimo, cabendo ao intérprete e aplicador do direito fixar o seu conteúdo, caso a caso (4).
A exigência legal - de assegurar o sustento minimamente digno do insolvente e do seu agregado familiar - surge como uma exigência do princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de Direito, afirmado no art. 1º da Constituição da República e a que se alude na al. a) do nº 1 do art. 59º do mesmo diploma fundamental, a propósito da retribuição do trabalho.
O Tribunal Constitucional tem considerado que «ao fixar o regime do salário mínimo nacional o legislador teve presente a intenção de garantir a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador» (5), tendo o salário mínimo como valor de referência na fixação do limite mínimo.
“A retribuição mínima mensal garantida corresponde assim ao montante mínimo capaz de assegurar a subsistência com o mínimo de dignidade.” (6). Não se desconhece que tal valor não é elevado e que o devedor terá de fazer sacrifícios. No entanto, o devedor, durante o período da cessão também terá de adequar o seu modo de vida à sua nova situação económica, não se podendo olvidar na concretização do montante necessário para prover a um sustento minimamente digno do devedor que o período de cessão visa afectar o seu rendimento disponível à satisfação dos interesses dos credores que aguardam o pagamento dos seus créditos, ainda que parcial (7). No mesmo sentido, o acórdão desta Relação de Guimarães, de 17-12-2018 (8), onde se defendeu:
“1. A exoneração do passivo não contempla um gracioso perdão generalizado de dívidas. Visa premiar um sério respeito e responsável esforço pela satisfação dos interesses dos credores.
2. Subjaz à intenção do legislador a boa ideia de recuperar economicamente o agente e humanamente a pessoa. Porém, ela é perpassada pela preocupação de que tal apenas se viabilize estando garantida a licitude, seriedade, honestidade, confiança, transparência, lealdade e boa-fé na conduta do devedor ínsitos ao procedimento e aos fins específicos do processo.
3. É critério de merecimento da exoneração do passivo restante que se perspective a possibilidade de a dívida ser, pelo menos em parte, paga no processo de insolvência e, depois, durante o período de cessão de rendimentos.”

Tem-se entendido que o limite mínimo será o da retribuição mínima mensal garantida que visa assegurar a subsistência com o mínimo de dignidade, pelo que se mostra adequado tê-la como referência (9), valor esse de referência para efeitos de impenhorabilidade, nos termos do actual nº 3 do artº 738º do NCPC (10), a não ser que se trate de um crédito por dívida de alimentos, caso em que o montante mínimo é mais baixo, correspondendo ao valor da pensão social de regime não contributivo.
Os recorrentes não põem em causa que a importância a excluir da cessão seja correspondente a duas retribuições mínimas mensais garantidas, mas não concordam que tais remunerações não sejam consideradas 14 vezes por ano.
A questão dos subsídios de férias e de Natal (ou seus equivalentes) englobarem ou não o rendimento disponível a entregar ao fiduciário não é pacífica na jurisprudência dos tribunais superiores.
No sentido defendido pelos apelantes, os Acs. por estes citados do TRL, de 13.03.2018, Proc. n.º 92/17.3T8LSB-B.L1 (11), de 24.04.2018, Proc. n.º 3553/16.8TABRR-E.L1 (12) (ambos do mesmo colectivo) e do TRP de 22.05.2019, proc. nº 1756/16.4T8STS-D.P1.
No sentido defendido na decisão recorrida, o acórdão, também do TRP de 23-09-2019, proc. 324/19.3T8AMT.P1onde se entendeu que «o valor do salário mínimo nacional enquanto equivalente ao sustento minimamente digno é uma referência e é uma referência mensal: o salário mínimo nacional, esse valor de referência, em sede de CIRE, não se confunde com o crédito do trabalhador subordinado.(…) o salário mínimo nacional, enquanto referência ou padrão mínimo para a estipulação – pelo tribunal e olhando às particularidades de cada caso concreto - do (mínimo) rendimento indisponível do devedor, ou seja, não sujeito a cessão ao fiduciário (artigo 239, n.º 2 e n.º 3, alínea b), ii) do CIRE) é o salário mínimo nacional mensal, legalmente fixado, e não o equivalente a um duodécimo da multiplicação por 14 daquele valor.”
Também o Ac. do TRL de 22-03-2018 (17) alude ao salário mínimo nacional como «o valor da retribuição mínima mensal garantida e não o valor desta multiplicado por 14 meses e dividido por doze.(…) Isto porque não são só os interesses dos devedores que têm de ser tomados em consideração, quer na questão genérica da impenhorabilidade quer na concreta da fixação do rendimento indisponível, mas também os dos credores cujo mínimo de subsistência também pode estar em causa (basta pensar na hipótese de o credor ser um trabalhador e de o seu crédito ser pelo trabalho prestado, retribuído, por exemplo, com o SMN, ou de o credor ser uma empresa com trabalhadores nestas condições). Ressalve-se que não se está a discutir a questão da natureza do subsídio de Natal e de férias, para efeitos de retribuição ou do direito de trabalho, mas a considerar o SMN apenas para efeitos de penhorabilidade ou de rendimento indisponível».”

Sendo expressivo e unânime o entendimento deste TRG quanto à não inclusão dos subsídios de férias e de Natal, desde que assegurado o mínimo garantido ao devedor.

Assim:
.O Ac. do TRG de 17.09.2020, onde se entendeu que “a análise do regime legal aplicável à delimitação dos rendimentos que integram o rendimento disponível do devedor e respetivas exclusões no âmbito do direito insolvencial (12) implicam que se deva atender ao salário mínimo nacional, correspondente ao valor da retribuição mínima mensal garantida, tal como introduzida pelo Decreto-Lei n.º 217/74, de 27-05, sucessivamente atualizada ( a que se refere o n.º 1 do artigo 273.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12-02) enquanto referência razoável e adequada à definição do mínimo necessário a assegurar o sustento condigno dos devedores nos 12 meses do ano”.
(…)
Assim, não tem amparo no CIRE a pretensão do devedor no sentido de, nos meses em que recebe subsídio de férias e subsídio de Natal, autonomizar estas prestações, em relação à pensão de reforma, para efeitos da aplicação da exclusão prevista na subalínea i) da alínea b) do n.º 3 do artigo 239.º».

.O Ac. do TRG de 23.05.2019, processo nº 4211/18.4T8VNF.G1 onde se entendeu que “desde que os subsídios de férias e de natal a receber pela devedora, englobados nos rendimentos totais desta, não ultrapassem objectivamente um salário mínimo nacional e meio fixado como o montante necessário ao sustento digno da insolvente, estão excluídos do rendimento disponível para o fiduciário.”
.O Ac. do TRG de 17-12-2018, processo nº 2984/18.3T8GMR.G1, “Por força da submissão ao instituto da exoneração do passivo restante aquilo a que o devedor tem direito é apenas a um montante que lhe proporcione um sustento minimamente condigno; e, não sendo os subsídios de férias e de Natal imprescindíveis para o sustento minimamente condigno da apelante, têm que ser incluídos no rendimento a disponibilizar ao fiduciário para os fins da insolvência.”
.O Ac. do TRG 12.07.2016, processo 4591/15.3T8VNF.G1 (o qual segue o entendimento expresso no acórdão deste TRG de 14.02.2013, proc. 3267/12.8TBGMR-C.G1) onde se considerou que “Por força da submissão ao instituto da exoneração do passivo restante aquilo a que o devedor tem direito é apenas a um montante que lhe proporcione um sustento minimamente condigno.
Não ofende qualquer norma constitucional a decisão que determina que o subsídio de férias e de Natal deve ser incluído no rendimento a disponibilizar ao fiduciário para os fins da insolvência.”
.O Ac. do TRG de 26.03.2015, processo 952/14.3TBGMR.G1 “Por força da submissão ao instituto da exoneração do passivo restante aquilo a que o devedor tem direito é apenas a um montante que lhe proporcione um sustento minimamente condigno e os subsídios de férias e de Natal não são imprescindíveis para o sustento minimamente condigno do Apelante, pelo que têm que ser incluídos no rendimento a disponibilizar ao fiduciário para os fins da insolvência.
Este sacrifício imposto ao devedor tem, no entanto, o reverso que é de o libertar das dívidas decorrido esse período, permitindo-lhe recomeçar de novo, totalmente desonerado.”

É pois expressivo e unânime o entendimento deste TRG de que o subsídio de férias e de Natal não têm necessariamente de integrar o montante a excluir da cessão. Note-se que tendo sido excluído da cessão o montante equivalente a duas remunerações mensais mínimas garantidas, nos meses em que o insolvente recebe a pensão a dobrar (o que corresponde ao subsídio de férias e de Natal dos cidadãos no ativo), não tem de ceder a totalidade dos mesmos ao fiduciário, mas apenas o que exceder o montante de 1.270,00 euros, retendo dos “subsídios” a quantia total de 570,14 (1270,00 - 984,93 x 2 ).
Efetivamente, como referem os apelantes, se os subsídios fossem pagos em duodécimos não estariam sujeitos a cessão, mas não foi esse o propósito com que foram consagrados na lei. Estes subsídios têm como fim auxiliar o trabalhador e em igual medida os pensionistas, em períodos de acréscimo de despesas, como é o período de Natal e o de férias, por isso devendo ser pagos, o subsídio de Natal até ao dia 15 de dezembro (artº 263º, nº 1 do CT, aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de fevereiro) e o de férias, salvo acordo escrito em contrário, antes do início do período de férias e proporcionalmente em caso de gozo interpolado de férias (artº 264º, nº 3 do CT).
Consequentemente, a decisão recorrida, não merece censura.

IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo do rendimento disponível dos insolventes. Não se logrando o pagamento por meio de tal rendimento, então as custas ficam a cargo dos apelantes, nos termos do art. 248º do CIRE, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam.
Guimarães, 3 de dezembro de 2020


1. Diploma a que pertencerão doravante os artigos citados sem menção de origem.
2. Refere-se este nº 2 aos créditos por alimentos – a), às indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, que hajam sido reclamadas nessa qualidade – b), aos créditos por multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contra-ordenações – c) e aos créditos tributários – d).
3. Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, reimpressão 2009, pg.788.
4. Cfr. se defende nos Ac. do TRL de 09.04.2013, proc. 4595/11 e Ac. do TRL de 22.01.2013, proc. 2844/12, acessíveis em www.dgsi.pt, sítio onde poderão ser encontrados todos os acórdãos que venham a ser citados, sem indicação da fonte.
5. Acordão 177/2002, de 23/02, acessível em www.tribunalconstitucional.pt que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma que resultava da conjugação do disposto na alínea b) do nº 1 e no nº 2 do artigo 824º do Código de Processo Civil de 1961, na parte em que permitia a penhora até 1/3 das prestações periódicas, pagas ao executado que não é titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda, a título de regalia social ou de pensão, cujo valor global não fosse superior ao salário mínimo nacional, por violação do princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de Direito, e que resulta das disposições conjugadas do artigo 1º, da alínea a) do nº 2 do artigo 59º e dos n.ºs 1 e 3 do artigo 63º da Constituição.
6. Cfr. Ac. RP de 12.06.12, proferido no proc. 51/12 e Ac. do TRL, de 12/04/2011, proferido no proc. nº 1359/09.
7. Cfr. se defende no Ac. deste TRG de 07.08.2014, proferido no proc. 298/13.
8. Processo nº 667/18.3T8GMR.G1.
9. Cfr. se defende no Ac. do TRG de 30.05.2011, proc. 4073/10 e Ac. do TRL de 28.05.2013, proc. 611/12.
10. Cfr. Ac. do TRL de 09.04.2013.
11. Acessível em http://www.pgdlisboa.pt/jurel/jur_mostra_doc.php?nid=5416&codarea=58&.
12. Acessível em http://www.pgdlisboa.pt/jurel/jur_print_ficha.php?nid=5445&codarea=58.