Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
231/19.0T8PRG.G1
Relator: JORGE SANTOS
Descritores: ASSOCIAÇÃO
CAUSA DE EXTINÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator):

- A causa de extinção a que alude a al. d) do n° 1 do art. 182º do CC resulta da impossibilidade prática de a associação atingir o seu fim e de funcionar nos termos dos estatutos, e tal pode resultar da perda da qualidade de sócio de todos os seus membros, seja por falecimento, seja por saída da associação (voluntária) ou exclusão (saída forçada).
- Se se vier a demonstrar que todos os associados da Ré desapareceram ou faleceram, estaremos aqui perante a impossibilidade prática de a associação atingir o seu fim e de funcionar nos termos dos estatutos, o que será susceptível de integrar a causa de extinção da mesma, prevista no art. 182º, nº 2, al. a) do CC.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

FUNDAÇÃO ..., F.P., NIF ………, com sede na Casa …, Rua … Peso da Régua, representada pelo seu Presidente do Conselho Diretivo, Prof. P. A., Instaurou a presente acção declarativa com processo comum contra X – Associação Cultural ..., Associação sem fins lucrativos, com sede na Avenida … Peso da Régua, formulando os seguintes pedidos:

A) Decretar-se a extinção da X – Associação Cultural ..., nos termos do artigo n.º 182, n.º 2, al. a) do C.C., comunicando-se tal extinção ao Registo Nacional de Pessoas Coletivas, para os efeitos do disposto no artigo 6.º al. g) do DL 129/98 de 13/5.
B) E consequentemente decretar-se que a Autora é proprietária do espólio museológico identificado no artigo n.º 18, com as seguintes consequências daí decorrentes.
Para o efeito, a autora alega que, desde 2002, a ré não possui qualquer actividade, não convocando qualquer assembleia geral e não elegendo os respectivos órgãos de administração e conselho fiscal. Mais alega a autora que a totalidade dos sócios da ré desapareceu e que a maioria dos seus sócios fundadores já morreu, que a respectiva sede está encerrada e abandonada. Mais alega a autora que, no ano de 2002, foi celebrado um protocolo entre o Museu ... e a ré, mediante o qual a ré cedeu gratuitamente e em regime de depósito o seu espólio museológico ao Museu ..., tendo ainda ficado estipulado que, por extinção da ré, o seu espólio que se encontrasse à guarda do Museu ... passaria a ser propriedade deste último.

Tendo-se frustrado a citação pessoal da ré, procedeu-se à sua citação edital, não tendo sido apresentada contestação.

A autora foi notificada para se pronunciar sobre a pertinência de uma decisão imediata sobre o mérito da acção.

Foi proferida sentença que decidiu:
a) Julgar improcedentes os pedidos formulados pela autora e, em consequência, deles absolver a ré.
b) Condenar a autora no pagamento das custas processuais, nos termos dos n.ºs 1 do artigo 527.º do Código de Processo Civil.

Inconformada com a sentença, dela veio recorrer a Autora formulando as seguintes conclusões:

A. A Autora / Recorrente é uma instituição de direito privado e utilidade pública, dotada de personalidade jurídica que tem por objetivos, para além dos mais, a instalação, a manutenção e a gestão do Museu ....

B. Museu, esse, que em 2002, celebrou protocolo de cooperação com a Ré /Recorrida.

C. Que estabelecia que o referido Museu passaria a desempenhar funções de depositário do espólio museológico da Ré / Recorrente, e, em caso de extinção da Ré /Recorrente, de proprietário do mesmo.

D. Sucede que desde esse ano que a Ré / Recorrida não tem qualquer tipo de atividade: não cumprindo com as obrigações legalmente estabelecidas, não levando a cabo qualquer tipo de atividade e tendo ocorrido um progressivo abandono dos associados.

E. Abandono que se deve quer ao falecimento dos mesmos, quer ao seu desaparecimento de junto da Ré / Recorrida.

F. Pelo que a prossecução do objetivo para o qual a Ré / Recorrida foi criado ficou altamente condicionada, se não, impossibilitada; até porque não haveria quem pudesse levá-la a cabo, nem recursos monetários que o permitissem.

G. O que implica que a douta decisão do Tribunal a quo devesse ter sido diferente; porque improcedendo o peticionado pela Autora / Recorrente parece ter sido desconsiderada toda a situação factual alegada.

H. Até porque, nos termos do disposto no artigo 182.º, número 1, alínea d) do Código Civil, o desaparecimento e falecimento dos associados é causa bastante de extinção de uma associação.

I. O que implica que devia ter sido dado a procedência ao peticionado pela Autora / Recorrente, ainda que se o fundamento normativo apontado fosse diverso da supra aludida alínea d).

J. Até porque, o artigo 5.º, número 3 do Código de Processo Civil estabelece que o juiz não se encontra sujeito ou vinculado às alegações de direito apresentadas pelas partes.

K. Não havendo, assim, qualquer impedimento em declarar a Ré / Recorrida extinta tendo por base o desaparecimento ou falecimento dos seus associados ainda que a declaração não tivesse sido requerida com esse fundamento primeiro.

L. Visto que esta situação é, também, uma causa de extinção, per se.

M. Que foi sobejamente alegado pela Autora / Recorrente na sua petição inicial e em requerimento de aperfeiçoamento da mesma; e resultou inequívoco da própria tramitação dos autos.

N. A que se soma a circunstância de a Autora / Recorrente se encontrar perfeitamente legitimada para requerer decisão judicial nesse sentido; como, aliás, fez.

O. Devendo, por isso, ter sido proferida decisão judicial que declarasse a Ré /Recorrida extinta e, bem assim, declarasse a Autora / Recorrente proprietária do espólio da Ré / Recorrida, atualmente cedido e depositado junto da Autora / Recorrente.

Nestes termos e no melhor de Direito, Deve o presente recurso merecer provimento, revogando-se a sentença proferida, e proferindo-se outra, em sua substituição que:

i. Declare a extinção da Ré / Recorrida; e
ii. Declare, ainda, a Autora / Recorrente proprietária do espólio museológico melhor identificado nos autos, de que é depositária; Pois só assim decidindo farão, V./s Ex.cias, INTEIRA JUSTIÇA!

Houve contra-alegações pelo Ministério Público, pugnando-se pela improcedência da apelação e confirmação da sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar.

II – OBJECTO DO RECURSO

A – Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente, bem como das que forem do conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando notar que, em todo o caso, o tribunal não está vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, atenta a liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.

B – Deste modo, considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, cumpre apreciar:

- se os factos alegados, a provarem-se, são susceptíveis de fundamentar a procedência da acção e dos pedidos formulados na petição inicial.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Factos julgados provados na sentença:

1. A FUNDAÇÃO ..., foi criada a 23 de março de 2006, pelo Decreto-Lei nº 70/06, sendo uma instituição de direito privado e utilidade pública, dotada de personalidade jurídica.

2. A Fundação tem como fins a prossecução de atividades culturais, cabendo-lhe a instalação, a manutenção e a gestão do Museu ..., criado pela Lei n.º 125/97, de 2 de Dezembro, e a concretização das atribuições estabelecidas nesta lei.

3. Por sua vez, a Ré foi constituída por Escritura Pública, celebrada no Cartório Notarial de …, no dia - de Junho de 1981.

4. Sob o título “Protocolo”, em 28 de Fevereiro de 2002, entre o Museu ... e a Ré, foi celebrado um Acordo pelo qual esta cedia a título gratuito e em regime de depósito ao Museu todo o espólio museológico de que era proprietária e que àquela data se encontrava nas instalações que detinha na Rua … nesta cidade.

5. Sob o mesmo PROTOCOLO, ficou o Museu ... autorizado a utilizar o espólio museológico de acordo com as suas necessidades e finalidades.

6. Mais ficou clausulado que por extinção da Ré, todo o espólio que se encontrar à guarda do Museu ..., passa a ser sua propriedade.

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Atento o apontado objecto do recurso, cumpre apreciar se os factos alegados, a provarem-se, são susceptíveis de fundamentar a procedência da acção e dos pedidos formulados na petição inicial, ou seja, a existência de fundamento para a extinção da ré e a transferência da propriedade para a autora do espólio museológico que a ré cedeu ao Museu ....
Alega a Recorrente que a Ré / Recorrida não tem qualquer tipo de atividade: não cumprindo com as obrigações legalmente estabelecidas, não levando a cabo qualquer tipo de atividade e tendo ocorrido um progressivo abandono dos associados; que esse abandono que se deve quer ao falecimento dos mesmos, quer ao seu desaparecimento de junto da Ré / Recorrida; e que por isso a prossecução do objetivo para o qual a Ré / Recorrida foi criado ficou altamente condicionada, se não, impossibilitada.
Conclui a Recorrente que, por isso, a douta decisão do Tribunal a quo devesse ter sido diferente, porque improcedendo o peticionado pela Autora / Recorrente parece ter sido desconsiderada toda a situação factual alegada, o que nos termos do disposto no artigo 182.º, número 1, alínea d) do Código Civil, o desaparecimento e falecimento dos associados é causa bastante de extinção de uma associação. O que, no entender da Recorrente, implica que devia ter sido dado a procedência ao peticionado pela Autora / Recorrente, ainda que se o fundamento normativo apontado fosse diverso da supra aludida alínea d).

Vejamos.
As causas de extinção das associações estão previstas no artigo 182º do Código Civil.

De harmonia com o disposto no referido artigo 182.º, n.º 1, do Código Civil, as associações extinguem-se:

a) Por deliberação da assembleia geral;
b) Pelo decurso do prazo, se tiverem sido constituídas temporariamente;
c) Pela verificação de qualquer outra causa extintiva prevista no acto de constituição ou nos estatutos;
d) Pelo falecimento ou desaparecimento de todos os associados;
e) Por decisão judicial que declare a sua insolvência.

Nos termos do n.º 2 do mesmo preceito legal, as associações se extinguem ainda por decisão judicial:

a) Quando o seu fim se tenha esgotado ou se haja tornado impossível;
b) Quando o seu fim real não coincida com o fim expresso no acto de constituição ou nos estatutos;
c) Quando o seu fim seja sistematicamente prosseguido por meios ilícitos ou imorais;
d) Quando a sua existência se torne contrária à ordem pública.

Temos assim que este artigo prevê de forma taxativa as causas de extinção das associações. E também resulta desse preceito legal que as causas previstas nas alíneas a) a d) do n.º 1 são independentes de decisão judicial, diversamente da causa descrita na alínea e) do n.º 1 e das descritas nas alíneas a) a d) do n.º 2, as quais dependem de decisão judicial.
Nas alíneas a) a c) do n° 1 deste normativo estabelecem-se causas de extinção das associações, que derivam da vontade dos membros que as integram, e nas restantes (als. d) e e)) causas que derivam da vontade dos membros que as constituíram.
A causa de extinção a que alude a al. d) do n° 1 resulta da impossibilidade prática de a associação atingir o seu fim e de funcionar nos termos dos estatutos, e tal pode resultar da perda da qualidade de sócio de todos os seus membros, seja por falecimento, seja por saída da associação (voluntária) ou exclusão (saída forçada).
Por sua vez, o elenco das causas de extinção das associações que consta do nº 2, relaciona-se com o elemento teleológico, isto é, com a realização do seu objectivo ou verificação da impossibilidade de sua realização, com a divergência entre o escopo prosseguido e o estabelecido e com a ilicitude ou imoralidade dos meios utilizados para a respectiva prossecução (cfr. Ac. RE de 8.02.2007, proc. 1035/06-2, disponível in dgsi).
De entre as causas relativas ao elemento teleológico, temos a impossibilidade do fim da associação.
A respeito deste elemento telelógico, sustenta Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. I, pag. 174 e ss,, que a referida impossibilidade “pode ser objectiva ou sujectiva, consoante a realização do fim se torna impossível para qualquer indivíduo ou organização de indivíduos, ou apenas para os meios de que dispõe a pessoa colectiva, ou mais genericamente, para as condições particulares em que esta se encontra.”
Tecidas estas considerações, voltemos ao caso.
Conforme decorre do teor da petição inicial, a Autora fundou o seu pedido de declaração judicial de extinção da associação Ré no disposto na alínea a) do n.º 2 do aludido artigo 182.º do Código Civil, que nos diz que as associações se extinguem por decisão judicial “quando o seu fim se tenha esgotado ou se haja tornado impossível”.
Por outro lado, do acto de constituição da associação Ré resulta que a mesma tem por fim o estudo, recolha, preservação e defesa do património cultural, artístico, etnográfico, arqueológico, histórico e pré-histórico e bibliográfico da região Alto Duriense.
Analisada a factualidade julgada provada e a alegada na petição inicial, designadamente a matéria constante dos art. 12º a 19º ( ou seja, que os Associados foram abandonando progressivamente a associação e deixou completamente de funcionar, tendo a totalidade dos sócios da mesma desaparecido, ficando a sede da Ré encerrada e abandonada; e que a maioria dos seus Sócios Fundadores já faleceu, inclusive os membros da Direção, os Senhores Drs. A. T. e M. F.), podemos extrair a conclusão que, a provar-se essa alegação factual, a prossecução do fim da associação Ré se tornou impossível.
Com efeito, se se vier a demonstrar que todos os associados da Ré desapareceram ou faleceram, estaremos aqui perante a impossibilidade prática de a associação atingir o seu fim e de funcionar nos termos dos estatutos, o que será susceptível de integrar a causa de extinção da mesma, prevista no art. 182º, nº 2, al. a) do CC.
De resto, ante a factualidade alegada, está em nosso entender manifestamente arredada a aplicação ao caso da previsão das alíneas b) a d) do n.º 2 do artigo 182.º do Código Civil, a saber, a não coincidência entre o fim real e o fim expresso no acto de constituição, a sistemática prossecução do fim por meios ilícitos ou imorais e a existência contrária à ordem pública. Ou seja, a provar-se a factualidade alegada, jamais poderíamos enquadrar a mesma na previsão de qualquer destas alíneas, designadamente na al. c), como alega a Recorrente no art. 17º da petição inicial.
Assim sendo, discordando do entendimento da sentença recorrida, somos a concluir que o pedido de declaração de extinção da ré tem fundamento legal, no sentido de que se a Autora lograr provar a factualidade alegada, esta pode ser subsumível na referida alínea a) do nº 2, do art. 182º do CC e, consequentemente, determinar a procedência da acção.
Deste modo, impõe-se a revogação da sentença recorrida proferida em sede de despacho saneador e o consequente prosseguimento dos autos com vista à realização da audiência final tendente ao apuramento dos factos e à aplicação do direito que ao caso couber.
Procede, pois, a apelação.
*
DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes desta relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos com vista à realização da audiência final tendente ao apuramento dos factos alegados e à aplicação do direito que ao caso couber.
Sem custas.
Guimarães, 4.03.2021

Relator: Jorge Santos
Adjuntos: Heitor Pereira Carvalho Gonçalves
Conceição Bucho