Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5804/21.8T8VNF.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL DO EMPREGADOR
APLICABILIDADE DE CCT
DESFILIAÇÃO DE ENTIDADE CELEBRANTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
É admissível a cessão da posição contratual do empregador, numa relação de trabalho.
A cessionária ingressa na posição da cedente, não ocorrendo uma automática cessação da aplicabilidade de CCT a que a relação se encontrava sujeita, pelo simples facto da cessão.
Não se encontrando o cessionário filiado em associação subscritora de CCT aplicável à relação laboral existente entre cedente e trabalhador, deve aplicar-se o regime relativo à “desfiliação de entidade celebrante” constante do nº 4 do artigo 496º do CT, a menos que outro resulte do acordado.
Decisão Texto Integral:
AA, propôs a presente ação declarativa sob a forma de processo comum, contra “BB – Gestão Hospitalar, ...”, formulando o seguinte pedido:

«deve julgar-se provada e procedente a presente ação e declarando-se que à relação jurídica laboral existente entre A. e R. se aplicam os IRCT supracitados nomeadamente, mas sem limitar o CCT celebrado entre a APHP (Associação Portuguesa de Hospitalização Privada) e a FESAHT (Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal), publicado no BTE, 1.ª série, n.º 15, de 22.04.2010, condenando-se em consequência a R. a:

1. Aplicar à relação jurídico laboral que mantém com a A. desde 19 de maio de 2011, o CCT celebrado entre a APHP (Associação Portuguesa de Hospitalização Privada) e a FESAHT (Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal), publicado no BTE, 1.ª série, n.º 15, de 22.04.2010;
E em consequência:
2. Pagar à A. a quantia global de € 2.925,00 a título de diferenças remuneratórias na sua retribuição base mensal nos períodos indicados supra da P.I.;
3. Reconhecer à A. a categoria profissional de “Técnica administrativa III”;
E ainda que assim se não entenda o que se coloca por mera hipótese académica, condenar a R. a:
4. Reconhecer à A. a categoria profissional de “Técnica administrativa III”»

Para tanto, alegou em síntese que, na sequência de uma ação judicial que intentou contra a sua anterior entidade empregadora “Hospital ..., S.A.”, para quem exercia as funções inerentes à categoria profissional de “técnica administrativa”, foi acordado entre as partes que ao contrato de trabalho vigente entre ambas era aplicável a CCT entre a APHP e a FESAHT, BTE n.º 15 de 22/20/2010 e bem assim a cessão da posição contratual que essa entidade empregadora detinha no contrato de trabalho para a Ré, sendo que, no cumprimento dessa transação judicial, veio a ocorrer a referida cessão da posição contratual e a Ré passou a ser a entidade empregadora da Ré, reconhecendo-lhe, pelo menos desde 2011 até 2015, quer a categoria profissional de “técnica administrativa III”, quer a aplicação do referido CCT, designadamente fazendo constar tal IRCT na diversa documentação legal da Ré.
Acontece que, a partir de 2016, sem qualquer motivo, a Ré deixou de aplicar à relação laboral o CCT referido, recusando-se a fazê-lo, não obstante protestos e reclamações por parte da Autora e do Sindicato do qual é filiada.
Entende, pois, que à relação laboral existente entre as parte é aplicável o CCT celebrado entre a APHP (Associação Portuguesa de Hospitalização Privada) e a FESAHT (Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal), onde se encontra filiada a associação sindical da A., publicado no BTE, 1.ª série, n.º 43, de 22.11.2000 e a partir de 2010 o CCT celebrado entre a APHP (Associação Portuguesa de Hospitalização Privada) e a FESAHT (Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal), publicado no BTE, 1.ª série, n.º 15, de 22.04.2010, e respetivas portarias de Extensão e atualizações salariais, tendo em atenção: (i) a atividade social desenvolvida pela Ré; (ii) a assunção da posição que o ”Hospital ..., S.A.” detinha no contrato de trabalho da Autora, designadamente de que à relação laboral que vinculava as partes se aplicava o CCT, pelo que, ao deixar de aplicar tal CCT a Ré deixou de cumprir o acordado no contrato de trabalho; (iii) o facto de a Ré se poder filiar na APHP; (iv) o facto de por mais de 16 anos ter sido paga à Ré a retribuição base mensal nos termos da CCT e respetivas tabelas salariais; e (v) o facto de desde 19.05.2011 até Janeiro de 2016, a Ré ter reconhecido à Autora a categoria profissional elencada no referido CCT.
A ré contestou pugnando pela improcedência da ação, para o que alegou entender que à relação laboral mantida com a Autora não é aplicável o CCT por esta alegado: por um lado, porque o CCT não é aplicável por via do princípio da dupla filiação, por outro lado, porque o CCT não é aplicável por força da cessão da posição contratual de empregador para a Ré, sendo certo que esta não teve intervenção na transação judicial alegada pela Autora;
por outro lado, ainda, porque nunca aplicou à Autora ou a qualquer dos seus trabalhadores o referido CCT, devendo-se a lapsos e parametrização informática a referência ao CCT em causa em alguns documentos da Ré.
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Realizado o julgamento foi proferida a seguinte sentença:

“Face ao exposto, julga-se a ação parcialmente procedente, e, em consequência:
» condena-se a Ré “BB – Gestão Hospitalar, ...” a aplicar à relação jurídica laboral que mantém com a Autora CC celebrado entre a APHP (Associação Portuguesa de Hospitalização Privada) e a FESAHT (Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal), publicado no BTE, 1.ª série, n.º 15, de 22.04.2010, e respetivas atualizações;
» condena-se a Ré “BB – Gestão Hospitalar, ...” a pagar à Autora a quantia de € 2.102,11 (dois mil cento e dois euros e onze cêntimos) a título de diferenças de retribuição respeitantes ao período de janeiro de 2016 a setembro de 2021;
» condena-se a Ré “BB – Gestão Hospitalar, ...” a reconhecer à Autora a categoria profissional de “Técnica Administrativa III)…”
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Inconformada a ré interpôs recurso apresentando em síntese as seguintes conclusões:

- Nulidade da sentença por omissão de pronúncia, ao não se pronunciar sobre a invocação relativa aos limites temporais, no caso de se julgar aplicável o artigo 498º do CT., nem quanto à comunicação da filiação sindical apenas em 2016.
- Erro na aplicação de direito:
(Cessão voluntária da posição contratual).
- Não aplicabilidade da CCT invocada por força do principio da filiação; não se aplicando nenhuma das exceções previstas nos artigos 496º, 3 e 4; 498º e 514º do CT.
- Não aplicabilidade por portarias de extensão.
- Violação do principio da autonomia coletiva, com consagração nos artigos 55º e 56º da CRP, bem como do artigo 61º da mesma – direito à livre iniciativa -.
- Inaplicabilidade do regime relativo à transmissão de empresa – violação dos artigos 10º e 11º do CC.
- Cautelarmente:
- Aplicabilidade do CCT em vigor à data e não das posteriores atualizações.
- Limitação temporal prevista no artigo 498º do CT.
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A ré contra-alegou sustentando o julgado.
A Exma. PGA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos das Ex.mas Srªs. Des. Adjuntas há que conhecer do recurso.
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Factualidade considerada em primeira instância:

1. A Autora é sócia do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Norte. (artigo 1.º da petição inicial)
2. A filiação sindical da Autora foi comunicada à Ré em julho de 2016. (artigo 28.º da contestação)
3. A Autora foi eleita para os corpos gerentes do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Norte, integrando a direção deste, tendo tal situação sido comunicada à Ré em 13 de maio de 2019 e por esta rececionada em 19 de maio de 2019, direção que foi publicada no BTE .º 21, de 8.6.2019. (artigo 1.º da petição inicial)
4. A Autora foi admitida a 1 de Dezembro de 2001 através de contrato de trabalho por tempo indeterminado, para trabalhar sob as ordens, direção e fiscalização ao serviço da sociedade “Hospital ...”, sociedade anónima de direito privado e membro da Ré, que explora uma unidade de saúde denominada “Hospital ...” sita na cidade ... e que gere e explora, com intuito lucrativo e no âmbito dessa exploração presta serviços de saúde na vertente de ambulatório, internamento e cirurgia, destinada à administração de terapêuticas médicas. (artigo 2.º da petição inicial)
5. A Ré é um agrupamento complementar de empresas que se dedica à «prestação de serviços informáticos, manutenção, aprovisionamento, recursos operacionais, contabilísticos, humanos, jurídicos, gestão, incluindo a atividade de centros de receção de chamadas Contact Centers e outros, contribuindo para maior eficiência operativa e flexibilidade de atuação dos seus membros na área de negócio dos seus membros, promovendo a concentração de competências, a racionalização de meios, a otimização de estruturas e o alinhamento de procedimentos, a modernização e integração de sistemas de informação, a fim de melhorar as condições e meios de exercício ou de resultados da atividade dos seus membros, necessários ao exercício da sua atividade». (artigo 3.º da petição inicial e artigo 35.º da contestação)
6. A Autora foi admitida pelo “Hospital ...” para no seu estabelecimento exercer as funções inerentes à categoria profissional de “Auxiliar de ação médica”. (artigo 7.º da petição inicial)
7. Numa primeira fase, a Autora trabalhava no Serviço de Consulta Externa e, posteriormente, no Serviço de Arquivo Clínico. (artigo 49.º da contestação)
8. No ano de 2010, a Autora intentou contra a então sua entidade empregadora “Hospital ...” uma ação judicial que correu os seus termos no Tribunal do Trabalho ... – Secção Única, sob o n.º 748/10...., a qual culminou com uma transação judicial, homologada por sentença em 19 de maio de 2011, com o seguinte teor:
“ I
Autora e ré reconhecem para efeitos da presente transação que ao caso é aplicável, neste momento, a CCT entre APHP (Associação Portuguesa de Hospitalização Privada) e a FESAHT (Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal) Revisão Global, BTE n.º 15 de 22/20/2010
II.
Autora e ré acordam que, com efeitos a partir da presente data, é atribuída à autora a categoria profissional de técnica administrativa III/técnica de secretariado III, nos termos definidos no referido CCT e, nomeadamente com a retribuição base de € 645,00
III.
Mais acordam autora e ré que, também com efeitos a partir da presente data, a autora desempenhará as funções inerentes à categoria profissional referida na cláusula anterior no CALL Center do ... – Agrupamento Complementar de Empresas BB
IV.
Compromete-se a ré a obter no prazo de 8 dias desta ... o necessário consentimento para a cedência de posição contratual daqui decorrente e nomeadamente com a assunção por parte deste ... de todos os direitos que para a autora decorram da relação laboral já existente com a ré.
V.
A autora presta, desde já o necessário consentimento para a cedência da posição contratual laboral por parte da ré ao referido ....
VI.
As custas em dívida em juízo serão suportadas, em partes iguais, por autora e ré prescindindo ambas as partes de custas de parte e procuradoria.” (artigos 9.º a 11.º da petição inicial)
9. Em 20 de Junho de 2011, entre a Autora, na qualidade de trabalhadora, a Ré, na qualidade de “Cessionário”, representada por DD e EE e o “Hospital ...”, na qualidade de “Cedente”, e representada por DD e EE, foi celebrado o acordo designado de “cessão de posição contratual de empregador a título gratuito”, nos seguintes termos:
“1.ª Com a expressa concordância da Trabalhadora, pelo presente acordo a Cedente cede gratuitamente ao Cessionário, que aceita, a posição contratual de empregador que para si resultava do Contrato de Trabalho, na sua atual configuração, com efeitos desde o dia .../.../2011 (doravante, a «Data da Cessão»).
2.ª A Cedente garante ao Cessionário que a posição contratual ora cedida existe e que se consubstancia nos direitos e obrigações decorrentes do Contrato de Trabalho.
3.ª Em consequência da cessão, e nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 424.° do Código Civil, a Trabalhadora reconhece que, a partir da Data da Cessão, cessa a relação de trabalho que mantém com a Cedente, passando a mesma a considerar-se estabelecida unicamente com o Cessionário para todos os efeitos legais e sem qualquer solução de continuidade, sem prejuízo do estabelecido na cláusula 8 a infra.
4.ª A Trabalhadora passará a desempenhar a atividade de Técnico Administrativo III, competindo-lhe o desempenho das inerentes tarefas, bem como a realização de quaisquer outras funções afins ou funcionalmente ligadas àquela atividade, conforme lhe forem determinadas periodicamente pelo Cessionário.
5.ª A Trabalhadora passará a auferir retribuição mensal de 645,00 € (seiscentos e quarenta e cinco euros), paga 14 (catorze) vezes por ano, acrescida das diuturnidades (na qualidade, quantidade e valor que lhe vêm sendo pagas pela Cedente) e, ainda, do respetivo subsídio de alimentação.
6.ª Encontram-se integralmente pagos todos e quaisquer créditos da Trabalhadora sobre a Cedente, constituídos ou vencidos no âmbito do Contrato de Trabalho, sejam de que natureza forem, incluindo vencimento, seja qual for a respetiva designação, comissões, férias, subsídio de férias, subsídio de Natal, retribuição por trabalho suplementar e ou noturno, dias de compensação por trabalho suplementar, subsídio de refeição, ajudas de custo, prémios de qualquer natureza, anuidades, diuturnidades, crédito de horas de formação ou quaisquer outros que possam ter sido constituídos ou se reportem a factos ocorridos anteriormente à Data da Cessão.
7.ª O trabalho prestado pela Trabalhadora no corrente ano será contado como prestado ao Cessionário para efeitos do respetivo direito a férias e a subsídio de férias que se venceram no pretérito dia 1 de janeiro.
8.ªTodas as demais condições contratuais de que a Trabalhadora beneficiava ao serviço do Cedente se mantêm ao serviço do Cessionário, incluindo a sua antiguidade, que para todos os efeitos se considera reportada à data do início de execução do Contrato de Trabalho, com o desconto de eventuais faltas injustificadas que tenha dado ao serviço da Cedente e do período de suspensão do contrato que lhe tenha sido imposto a título de sanção disciplinar, se aplicável.
9.ª A Trabalhadora desde já autoriza a Cedente a divulgar ao Cessionário toda a informação a si relativa que tenha sido por aquela legitimamente obtida, e a fornecer-lhe cópia de todos os documentos existentes no seu registo biográfico, seja de que natureza for, mesmo se relativa a dados pessoais, biométricos ou médicos de que aquela pudesse dispor nos termos da lei.
10.ª A pesar da cessão da posição de empregador no Contrato de Trabalho e de, por esse efeito, terminar a relação de trabalho que a Cedente mantinha com a Trabalhadora, obriga-se este a prestar quaisquer informações que lhe sejam razoavelmente solicitadas pela Cedente relativamente a assuntos em que tenha estado envolvido ou de que possa ter conhecimento, sem que dessa colaboração resulte para a Cedente obrigação retributiva ou qualquer outra, salvo se convencionada expressamente e por escrito assinado por ambas as partes.
11.ª A Trabalhadora obriga-se a guardar confidencialidade sobre todos os assuntos relacionados com a Cedente, de que tenha tomado conhecimento no exercício das suas funções ou por qualquer outra forma, ficando-lhe vedado ceder, revelar ou discutir com qualquer pessoa, singular ou coletiva, quaisquer elementos, informações, dados, práticas comerciais e empresariais, quer relativos à Cedente ou grupo económico em que se insere, quer relativos à execução ou conclusão dos trabalhos em que participou, ou de quaisquer outros realizados pela empresa, bem como sobre todos e quaisquer assuntos relacionados com a sua vida interna que não sejam do domínio público ou cuja divulgação seja suscetível de o prejudicar.
12.ª As partes declaram mutuamente ter plena consciência do significado de todas e cada uma das cláusulas do presente acordo, incluindo a presente, sobre as quais se puderam informar e aconselhar livremente, e declaram ainda que receberam das contrapartes todas as explicações que solicitaram acerca do seu sentido e alcance.”. (artigos 13.º a 16.º da petição inicial)
10. A Ré passou a pagar à Autora os vencimentos mensais, emitindo os respetivos recibos de vencimento, e efetuou os descontos para a Segurança Social onde a Autora figurava como trabalhadora daquela. (artigo 20.º da petição inicial)
11. A Ré reconhecia e atribuía à Autora a categoria profissional de “Técnica Administrativa III”, exercendo e desempenhando a Autora as tarefas inerentes a essa categoria profissional na Ré. (artigo 21.º da petição inicial)
12. A Ré fez constar a aplicação de IRCT em diversa documentação legal da empresa, designadamente em mapas de horários de trabalho. (artigo 23.º da petição inicial)
13. Não obstante diversos protestos e reclamações da Autora, por si e através da associação sindical da qual é filiada, contra tal atuar, a Ré recusa-se a aplicar o CCT referido em d). (artigo 25.º da petição inicial)
14. A partir de outubro de 2020, a Ré passou a reconhecer e atribuir à Autora a categoria profissional de “Técnico Administrativo”. (artigo 26.º da petição inicial)
15. Entre janeiro de 2016 e setembro de 2021, a Ré pagou à Autora as seguintes quantias:

5. Entre janeiro de 2016 e setembro de 2021, a Ré pagou à Autora as seguintes quantias:

Vencimento base  Vencimento pago Subsídio de Férias/Natal
Janeiro/2016 €645                    €645

Fevereiro/2016 €645           €645
Março/2016 € 645  € 505,14 [€ 645- € 139,86 ( 6 dias baixa médica)]
(...)"

16. A Autora desempenha as suas funções de atendimento de chamadas em exclusivo num Contact Center explorado pela Ré. (artigo 7.º da contestação)
17. O Contact Center onde a Autora trabalha não é uma unidade de saúde. (artigo 8.º da contestação)
18. O Contact Center onde a Autora desempenha as suas funções de atendimento de chamadas interage com uma multiplicidade de realidades económicas, desde a saúde, até ao retalho, passando pela manutenção, os seguros e as análises laboratoriais. (artigo 11.º da contestação)
19. No Contact Center da Ré são, para além do mais, atendidas chamadas e feitas marcações para realização de exames e análises realizadas pela “IR - Instituto de Radiologia Dr. ... S.A.”, e pela “T..., Lda.” (artigo 12.º da contestação)
20. A Ré não é, nem nunca, foi associada da APHP – Associação Portuguesa de Hospitalização Privada. (artigo 27.º da contestação)
21. O CAE principal da Ré é o 70220-R3 (outras atividades de consultoria para os negócios e a gestão) e o CAE secundário é o 69200-r3 (atividades de contabilidade e auditoria; consultoria fiscal) e o 822200-r3 (atividades dos centros de chamadas). (artigo 36.º da contestação)
22. A Ré não tem, nem nunca teve, no seu quadro de pessoal e ao seu serviço um único médico ou auxiliar de saúde. (artigo 40.º da petição inicial)
23. A Ré tem ao seu serviço, entre outros, trabalhadores de limpeza, assistentes administrativos, técnicos administrativos, técnicos de recursos humanos, contabilistas, advogados, arquitetos, assessores, diretores, jardineiros. (artigo 42.º da contestação)
24. À data da transação referida em 8. o “Hospital ...” era uma entidade que se dedicava à atividade de exploração de unidades de saúde e, simultaneamente, associada da APHP desde pelo menos 2004. (artigo 69.º da contestação)
25. A Ré vem prestando, com regularidade, serviços a entidades na área da saúde e que aplicam o CCT referido em d). (artigo 101.º da contestação)
26. A Ré, na prestação daqueles serviços, é obrigada a interagir com o CCT. (artigo 102.º da contestação)
27. A Ré não tem uma receção ou um serviço onde os doentes podem ser por si atendidos, não tem serviços médicos para onde os doentes podem ser por si encaminhados, não tem exames médicos que possam ser por si entregues aos doentes, não tem processos ou arquivos clínicos cuja gestão lhe pode ser entregue, não tem visitantes nem doentes. (artigo 105.º da contestação)
28. A Ré pagou prestações extraordinárias à Autora, sem qualquer carácter de regularidade, de forma esporádica e mediante critérios de oportunidade por si definidos em cada momento, nomeadamente a título de “prémio de produtividade”, designadamente em outubro de 2016 e março a junho de 2019 (artigo 108.º da contestação)
29. As referências do CCT da Hospitalização Privada ficam-se a dever, à parametrização do sistema informático que processa, quer a documentação relativa à Ré, quer relativa a unidades hospitalares. (artigo 111.º da contestação)
30. Alguns mapas de horários fazem referência a essa CCT, outros não. (artigo 113.º da contestação)
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Conhecendo do recurso:

Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.

Importa apreciar as seguintes questões:
- Nulidade da sentença por omissão de pronúncia - invocação relativa aos limites temporais, no caso de se julgar aplicável o artigo 498º do CT., e invocação da comunicação da filiação sindical apenas em 2016.
- Erro na aplicação de direito:
(Cessão da posição contratual).
- Não aplicabilidade da CCT invocada por força do princípio da filiação; ou por portaria de extensão, nem por força das exceções previstas nos artigos 496º, 3 e 4; 498º e 514º do CT. – (Inaplicabilidade do regime relativo à transmissão de empresa – violação dos artigos 10º e 11º do CC.)
- Violação do principio da autonomia coletiva, com consagração nos artigos 55º e 56º da CRP, bem como do artigo 61º da mesma – direito à livre iniciativa -.
- Cautelarmente:
- Limitação temporal prevista no artigo 498º do CT e inaplicabilidade das atualizações.
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- Nulidade da sentença.

Invoca a recorrente omissão de pronúncia, relativamente à invocação atinente aos limites temporais de aplicação da CCT, no caso de se julgar aplicável o artigo 498º do CT., e ainda quanto aos efeitos da comunicação da filiação sindical apenas em 2016.
A alínea d) do artigo 615º do CPC dispõe que é nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de que não podia tomar conhecimento”.
Refere a recorrente, que invocou no artigo 88º da contestação, para o caso de se entender aplicável o artigo 498º do CT, as limitações temporais constantes neste normativo. Mais refere que invocou que a autora apenas em 2016 lhe comunicou a sua filiação sindical, pelo que, uma eventual filiação anterior nunca poderia ser oponível para efeitos de aplicação de contratação coletiva.
O Juiz deve conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, ou seja, de todos os pedidos deduzidos, exceções invocadas bem como de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 608º do Código de Processo Civil.
O não conhecimento do pedido, causa de pedir ou exceção que devesse conhecer, constitui nulidade.
Refere-se na sentença “ Aceitando-se a possibilidade de, no âmbito da relação laboral, se aplicar a figura da cessão da posição contratual e considerando que, nesta figura, o que se transmite é o complexo dos direitos e obrigações que advieram do contrato transmitido, inexistem dúvidas que, se não diretamente, pelo menos por aplicação do artigo 498.º do Código do Trabalho supra citado, é de considerar a aplicação da CCT que vigorava no âmbito da relação contratual existente entre a Autora e a sua primitiva entidade empregadora no que ao clausulado sobre retribuição e categoria diz respeito.”
O tribunal entendeu que o cessionário toma a posição do cedente em toda a sua amplitude, abrangendo a “vinculação” aos IRCT que obrigam aquela. Se bem se mal é questão de erro de julgamento e não de nulidade. Na perspetiva do tribunal, a questão da limitação temporal não se coloca, como irreleva a data da comunicação da filiação sindical. O cessionário em boa verdade deve ter conhecimento dessa circunstância por informação, até prévia ao contrato, por parte da cedente. O trabalhador, se a empregadora cedente sabe da sua filiação, não tem que a fazer do novo ao cessionário.
Não ocorre a invocada nulidade.
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- Erro na aplicação de direito:

(Cessão da posição contratual).
Não aplicabilidade da CCT invocada.
A recorrente refere que o IRCT referenciado não é aplicável, nem por força do princípio da filiação, nem por força de portaria de extensão, nem por força das exceções previstas nos artigos 496º, 3 e 4 (filiação à data do início das negociações, ou filiação no período de vigência do IRCT); ou nos artºs 498º e 514º (transmissão de estabelecimento), todos do CT.
Invoca violação do princípio da autonomia coletiva, com consagração nos artigos 55º e 56º da CRP, bem como do artigo 61º da mesma – direito à livre iniciativa -, e violação dos artigos 10º e 11º do CC.
Importa tecer algumas considerações sobre o “contrato celebrado”, que determinou uma alteração subjetiva na relação contratual.
Esta forma contratual, sem regulamentação na legislação laboral, prevista nos artigos 424º ss do CC, é admissível em sede laboral ao abrigo do princípio da liberdade contratual – artigo 405º do CC. -, como vem sendo entendido sem vozes dissonantes.
Tal aplicação, contudo, não pode deixar de ter em consideração a complexidade e especificidades da relação laboral, e do direito que a regula, e que demandaram a sua progressiva autonomização, designadamente:
- O tratar-se de um contrato intuitu personae, envolvendo a pessoa do trabalhador, a sua energia e o seu tempo e disponibilidade, numa “prestação” realizada sob subordinação, e com relevantes implicações na realização pessoal e social do trabalhador.
Esta caraterística implica, segundo communis opinio, a impossibilidade da cessão da posição contratual do trabalhador, sendo apenas possível a cessão da posição de empregador.
- O ser de execução continuada (princípio da continuidade), sujeito a normas legais, a IRCT negociais e não negociais, instrumentos estes que, verificados os pressupostos da sua aplicação são de aplicação imperativa; normações estas, que se vão alterando no tempo, e umas e outras com normas imperativas e normas supletivas.
Tendo em conta as especificidades das relações laborais, importa que o contrato de cessão da posição contratual, não envolva violação de princípios e regras laborais imperativas, pondo em causa as razões que determinaram a autonomização deste ramo do direito.
Não esquecendo estas considerações, importa “deixar” ao contrato, tendo em conta a liberdade contratual, o seu espaço próprio de regulação, nesta particular realidade social, atendendo às razões pelas quais as partes sentiram necessidade de recorrer à figura, não a reconduzindo a formas previstas expressamente no Código do Trabalho, pelas quais as partes não optaram, e cujos pressupostos se não verificam. Tal recondução implica a negação da possibilidade desta forma contratual em sede laboral.
Não obstante, não é aceitável o entendimento pretendido pela recorrente, de que, pelo simples facto de o cessionário não ser filiado em associação subscritora da CCT aplicável à data de cessão, esta deixe de imediato de ser aplicável.
Tal implicaria “fuga” a princípios e regras laborais, relativas ao modo e termos para a desvinculação e desaplicação efetivas, de uma convenção aplicável. Pode mesmo dizer-se que tal contenderia com a própria norma do CC – 424º -. É que a cessão tem por base a totalidade da posição contratual, portanto, tal como ela existe. O cessionário ingressa na precisa posição do cedente. A relação contratual cedida mantém-se a mesma – Successio non producit novum ius sed vetus transfert -.
Foi este o entendimento da primeira instância. Só que, obrigar a cessionária a ficar perpetuamente vinculada a tal instrumento, corresponde a não atentar nas especificidades da relação laboral, ignorando a sua dinâmica própria, a evolução das suas normações ao longo do tempo, e os princípios de direito laboral que informam estas, como o invocado princípio da filiação. Corresponde afinal a ficcionar que se mantêm a mesma empregadora. Tal solução também não é aceitável.
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Dito isto importa verificar se é invocável a figura da transmissão de estabelecimento – artigo 285º do CT -, ainda que por analogia, ou as regras relativas à cedência ocasional de trabalhadores – artº 291º do CT -.

Sobre a cessão da posição contratual consta do artigo do CC.
Artigo 424.º
(Noção. Requisitos)
1. No contrato com prestações recíprocas, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão.
2. Se o consentimento do outro contraente for anterior à cessão, esta só produz efeitos a partir da sua notificação ou reconhecimento.
A reter que se trata de uma relação jurídica tripartida, o trabalhador intervém, consentindo na cessão, ou antes desta ocorrer, ou no próprio contrato de cessão, ou posteriormente. Esta intervenção, este consentimento, não ocorre nos casos em que a “cessão “é legal, como é o caso do artigo 285º do CT (sem embargo do direito de oposição nos termos regulamentados no CT).

Consta deste normativo:
Efeitos de transmissão de empresa ou estabelecimento
1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral.
2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração.
3 - Com a transmissão constante dos n.ºs 1 ou 2, os trabalhadores transmitidos ao adquirente mantêm todos os direitos contratuais e adquiridos, nomeadamente retribuição, antiguidade, categoria profissional e conteúdo funcional e benefícios sociais adquiridos.

5 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória.

Não ocorreu no caso presente a transmissão de qualquer unidade económica, no sentido do artigo 285º do CT, e tal como é delineado pelo TJ.
Sobre o Conceito, Acs. desta relação de 8/4/2021, processo nº 1028/19.2T8VRL.G1; de 13-10-2022, processo nº 2758/20.1T8VCT.G1; de 20-1-2022, processo nº 678/20.9T8BRG.G1; de 19-1-2023, processo nº 658/19.7T8GMR-A.G1. No acórdão Spijkers do TJ, processo 24/85, ECLI:EU:C:1986, refere-se que a noção de «transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos que impliquem mudança de empresário» tem em vista a hipótese de a entidade econômica em questão manter a sua identidade, “se se trata de uma entidade económica ainda existente que foi alienada - o que resulta, nomeadamente, do facto de a sua exploração ser efetivamente prosseguida ou retomada pelo novo empresário, com as mesmas catividades económicas ou com atividades da mesma natureza.” Refere ainda o acórdão do TJ que deve atender-se ao “conjunto de circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa, entre as quais figuram, designadamente, o tipo de empresa ou de estabelecimento de que se trata, a transferência ou não dos elementos corpóreos, tais como os edifícios e os bens móveis, o valor dos elementos incorpóreos no momento da transferência, o emprego ou não por parte do novo empresário do essencial dos efetivos, a transferência ou não da clientela, bem como o grau de similitude das atividades exercidas antes e depois da transferência e da duração de uma eventual suspensão destas atividades. Convirá, todavia, precisar que todos estes elementos não passam de aspetos parciais da avaliação de conjunto que se impõe e não poderão, por isso, ser apreciados isoladamente.”
No presente caso, a atividade de uma e outra empresa é diversa, como resulta dos factos, não sendo transferido qualquer outro elementos além do “contrato de trabalho “do autor.
Na cessão da posição contratual, não está presente, tendo em conta o sentido deste normativo, qualquer transmissão de uma unidade económica ou qualquer outra ocorrência que se reflita na exploração da unidade económica, em que o trabalhador se mantém. Não se verifica na cessão (voluntária) da posição contratual, uma ocorrência que se enquadre na previsão da norma. Assim, não deve aplicar-se o regime relativo à transição de estabelecimento, sem embargo, de as partes no contrato de cessão poderem estipular a aplicação desse regime.
Ocorre no caso e apenas, uma substituição do empregador, por via de um contrato de cessão da posição contratual.
Evidentemente, se em concomitância com a cessão da posição contratual ao abrigo da norma do código civil, estiver presente a “passagem” de uma unidade económica, já o regime do artigo 285º do CT deve ser aplicado, não obstante o negócio tripartido celebrado, dada a imperatividade do regime do artigo 285º do CT. Isto a menos que o regime estipulado no contrato de cessão seja mais favorável ao trabalhador.
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Relativamente ao regime da cedência ocasional, o artigo 291º nº 1 estipula que “durante a cedência ocasional, o trabalhador está sujeito ao regime de trabalho aplicável ao cessionário no que respeita ao modo, local, duração de trabalho, suspensão do contrato de trabalho, segurança e saúde no trabalho e acesso a equipamentos sociais”. O regime tem como razão de ser o facto de o trabalhador manter uma ligação à sua empregadora, tratando-se de ocorrência temporária e sujeita aos limites constantes da lei – artigo 289º do CT -. No caso que nos ocupa, ocorre um corte completo na relação com o anterior empregador. A aplicação deste regime não seria justificável, implicando uma vinculação perpétua do novo empregador ao regime aplicado na cedente, limitando a dinâmica própria da relação laboral no tempo, com prejuízo do princípio da filiação.
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Passemos à questão da aplicabilidade ou não da CCT invocada, e em que termos:
Como vimos e resulta da norma do CC. referida (artº 424), o que se transmite é uma determinada posição no contrato, a posição, tal como está configurada para o cedente.  Importa ainda ter em consideração o acordado, já que o trabalhador interveio no mesmo, consentindo nas respetivas cláusulas.
Consta do acordo:
“1.ª Com a expressa concordância da Trabalhadora, pelo presente acordo a Cedente cede gratuitamente ao Cessionário, que aceita, a posição contratual de empregador que para si resultava do Contrato de Trabalho, na sua atual configuração, com efeitos desde o dia .../.../2011 (doravante, a «Data da Cessão»).

4.ª A Trabalhadora passará a desempenhar a atividade de Técnico Administrativo III, competindo-lhe o desempenho das inerentes tarefas, bem como a realização de quaisquer outras funções afins ou funcionalmente ligadas àquela atividade, conforme lhe forem determinadas periodicamente pelo Cessionário.

8.ªTodas as demais condições contratuais de que a Trabalhadora beneficiava ao serviço do Cedente se mantêm ao serviço do Cessionário,
Resulta assim que a cessionária assume a relação laboral na sua atual configuração, com todas as condições contratuais e legais aplicáveis, ou seja, sendo aplicável, à data, o IRCT referido no acordo que um mês antes a autora celebrara com a cedente.
Pouco importa a não intervenção da cessionária nesse acordo. Ela ingressa na posição da cedente na relação contratual.
Este acordo de cessão da posição contratual está em conformidade com a norma do código civil, e respeita as regras laborais.
Importa, no entanto, ter presente que o que se transmite é o contrato de trabalho, o contrato individual de trabalho, com todas as suas cláusulas individuais. Naturalmente o cessionário fica obrigado, porque ingressa na posição de uma das partes, às restantes obrigações desta, que resultem da lei em vigor à data, seja norma legal propriamente dita, seja norma de IRCT aplicável. Mas tal não implica uma cristalização (perpétua) dessa vinculação, no que respeita aos IRCT convencionais.
Transmite-se, pode dizer-se, o contrato individual de trabalho, bem como a situação jurídico laboral, à data vigente entre as partes, em que se incluem os IRCT que sejam aplicáveis, ou em que as partes tenham acordado, sem prejuízo das alterações decorrentes da dinâmica e consequente evolução das normas aplicáveis, sejam as normas legais propriamente ditas, sejam as normas de autorregulamentação – IRCTs convencionais -, e sem prejuízo da cessação da aplicabilidade à relação laboral, dos IRCT, nos termos da legislação laboral.
Não resulta do acordo (e podia tal ter sido acordado, enquanto cláusula inserida no contrato de trabalho), nem resulta das normas legais, que a cessionária fique eternamente vinculado a CCT invocada.
Note-se que tal vinculação perpétua implicaria uma assunção de obrigação, além das próprias obrigações da cedente, que pode quando entender, desvincular-se da organização patronal subscritora, ficando então sujeita ao regime que resulta do artigo 496º, 4 do CT.
A vinculação perpétua implicaria que a cessionária estaria a assumir mais obrigações que as que tinha a parte que lhe cede a posição.
Como referimos, não resulta do acordo de cessão da posição contratual qualquer estipulação introduzida na relação individual de trabalho no sentido de se aplicar, sempre, o CCT que se encontrava em vigor à data e suas alterações, nem resulta tal obrigação do contrato individual celebrado com a cedente (referência que ficou aliás expressa no acordo celebrado entre a autora e a cedente – cls I – “Autora e ré reconhecem para efeitos da presente transação que ao caso é aplicável, neste momento, a CCT…).
Veja-se o Ac. RC de 15-09-2017, processo nº 3910/16.0T8VIS.C1, onde se refere:
Ao abrigo da liberdade contratual prevista no citado 405.º do Código Civil, independentemente das regras de aplicação dos IRCT’s constantes do Código do Trabalho, não havendo outro IRCT aplicável que se imponha necessariamente e que com ele conflitue, nada impede que o trabalhador e o empregador estabeleçam que o contrato seja regulado por um determinado CCT, a ele aderindo, ou que apliquem à relação laboral parte do regime previsto num IRCT. Neste sentido, veja-se a título exemplificativo, o acórdão deste Relação de Coimbra16/03/23, 10:26 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra ww.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/540fb654d8c10c3a802581a6003c4914?OpenDocument 20/20 de 27/06/2014, proc. 512/13.6TTVIS.C1, acessível em www,dgsi.pt.
Como se refere em tal aresto, para que tal ocorra necessário se torna que no contrato de trabalho conste uma cláusula que sujeite a relação de trabalho ao regime jurídico globalmente decorrente daquele CCT ou de parte determinada dele.
Não é o caso dos autos, uma vez que ficou provado- facto 34- que a referência ao CCT que a Ré fez constar dos contratos individuais de trabalho celebrados com os seus trabalhadores traduziu apenas o dever de informação aos trabalhadores relativamente ao instrumento de regulamentação coletivo que lhes eram aplicáveis, não decorrendo de qualquer acordo entre as partes.”
Resultando do contrato de cessão da posição contratual, a colocação da nova empregadora na posição da anterior empregadora, ao mesmo deve ser dada a faculdade de “desvinculação” que o cedente detinha.
Assim, e não sendo a mesma associada de associação subscritoras da CCT, nem se tendo filiado em qualquer associação que tenha sido subscritora da CCT, tudo se passará como se a partir daquela data ocorresse desvinculação de associação subscritora, por parte da empregadora, sendo de aplicar o disposto no artigo 496º, nº 4 do CT.
O mesmo é dizer, o que na prática ocorre é a descontinuidade no que respeita à filiação da empregadora, devendo aplicar-se o pertinente regime jurídico.
O argumento da recorrida, no sentido de que neste caso, não tendo a lei laboral previsto regime semelhante ao prescrito para o caso de transmissão de estabelecimento, significaria a não transmissão do instrumento de regulamentação não pode aceitar-se. A lei laboral não prevê de forma expressa os efeitos da cessão de posição contratual, porque não prevê nem regula esta modalidade de alteração dos sujeitos no contrato de trabalho.
Aquele entendimento implicaria a frustração das regras laborais relativas à cessação da aplicação de uma convenção, seja por caducidade seja por outra causa, designadamente a alteração da empregadora por força da transmissão do estabelecimento, ou por deixarem de se verificar os requisitos da dupla filiação; regras essas nos termos das quais, a convenção continuará em vigor durante um determinado período de tempo, como regra o período de vigência nelas previsto – artigos  498º, 501º, 502º, 496º do CT.
Voltando ao caso, e quanto à desfiliação, ou no caso, descontinuidade na filiação, implicando a “quebra” de um pressuposto de aplicação da Convenção – a filiação da empregadora -, refere o normativo:
Artigo 496.º
Princípio da filiação
1 - A convenção coletiva obriga o empregador que a subscreve ou filiado em associação de empregadores celebrante, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros de associação sindical celebrante.

3 - A convenção abrange trabalhadores e empregadores filiados em associações celebrantes no início do processo negocial, bem como os que nelas se filiem durante a vigência da mesma.
4 - Caso o trabalhador, o empregador ou a associação em que algum deles esteja inscrito se desfilie de entidade celebrante, a convenção continua a aplicar-se até ao final do prazo de vigência que dela constar ou, não prevendo prazo de vigência, durante um ano ou, em qualquer caso, até à entrada em vigor de convenção que a reveja.
A CCT aplicável à data da cessão era o Contrato coletivo entre a APHP — Associação Portuguesa de Hospitalização Privada e a FESAHT — Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal — Revisão global, publicado no BTE 15, de 22/04/2010
Refere na Cláusula 2.ª
Vigência, renovação automática e sobrevivência
1 — O presente CCT entra em vigor no dia 1 do mês seguinte ao da sua publicação no Boletim do Trabalho e Emprego, tem um período mínimo de vigência de três anos e renova -se sucessivamente.
2 — As tabelas salariais e demais cláusulas de expressão pecuniária vigoram pelo período de 12 meses, são revistas anualmente e reportam os seus efeitos a 1 de janeiro de cada ano
 (…)
Assim o prazo de vigência da CCT era até 30/4/2013.
Cessada a aplicabilidade à relação laboral da convenção referida, qualquer pretensão com base nela, que não tenha afetado o contrato individual em termos substanciais, e pretendemos dizer, em moldes tais que, tal como acontece com normas emanadas pelo Estado, tenha conformado a relação individual de trabalho, não pode ser reclamada, por carecer de “fonte de direito “que a legitime – artigos 1º as 3º do CT -.
Mantêm-se, pois, os efeitos já produzidos na relação individual de trabalho, designadamente e no que ao caso importa, retribuição e categoria profissional, sendo de respeitar promoções já ocorridas.
Este entendimento, acolhido doutrinal e jurisprudencialmente, veio a inspirar a introdução do regime que atualmente consta do nº 8 do artigo 501º do CT., para os casos de caducidade na sequência de denúncia, e após o período de sobrevivência, aplicável às situações previstas no artigo 498º - transmissão de estabelecimento – e no nº 1, b) ii) do artigo 502º do CT. – extinção da associação de empregadores outorgante -.
A ré respeitou a convenção durante o período de vigência desta, não tendo por outro, ocorrido qualquer ofensa ao princípio da irredutibilidade da remuneração – artº 129º, 1 do CT -. Assim procede a apelação no que respeita a remunerações e diferenças salariais.
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Vejamos quanto à categoria profissional.
A autora, aquando da cessão da posição contratual, tinha a categoria de técnico administrativo III, tal como referida na CCT então aplicável.
Consta da CCT quanto à categoria:
2.3 — Técnico administrativo III ou técnico de secretariado III: Executa funções administrativas sob supervisão ocasional; Soluciona problemas rotineiros e operacionais; Pode ter formação, ou experiência equivalente, num domínio administrativo específico.
O acesso é feito com referência a posse do ensino secundário, formação específica ou experiência equivalente. Experiência profissional de referência: seis anos de experiência
Importa referenciar que a referência “III”, corresponde ao nível mais elevado do respetivo perfil profissional.
Resulta da prova que a ré tem outros técnicos administrativos ao seu serviço e que a partir de outubro de 2020, passou a reconhecer e atribuir à autora a categoria profissional de “Técnico Administrativo”. A ré não justifica a alteração, referindo quanto ao acrescento “III” “que se reporta à progressão na carreira e nunca à categoria em si mesma considerada, a qual é sempre “Técnico Administrativa”.
Ora, a circunstância de a autora se encontrar no nível mais elevado da categoria, tendo em conta a CCT aplicável aquando da cessão da posição contratual, pode ser relevante para esta, tendo em conta a sua posição na organização da empresa. A manutenção da categoria tal como resulta daquela CCT, i é, com o nível que possuía, é relevante, já que tal nível faz parte do seu estatuto profissional.
O estatuto profissional da autora deve continuar a ser interpretado de acordo com a CCT; última versão concretamente aplicada à relação laboral; que conformou em concreto esse estatuto.
Veja-se a propósito do artigo 501º, 6 (atual 8) do CT, o AC RL de 17-2-2016, processo nº 8303/14.0T8LSB.L1-4, disponível na net,  onde se refere; “os institutos ressalvados no n.º 6 do art.º 501.º - «retribuição do trabalhador, categoria e respetiva definição…» - cristalizam-se, de forma dinâmica, no respetivo vínculo de trabalho, conforme se achavam definidos ou eram concretizados nos termos da dita convenção coletiva, à data da cessação desta última, continuando a relação laboral, assim enformada e formatada, a processar-se de acordo com os parâmetros definidos por esse quadro contratual e convencional, aplicando-se quanto aos demais as regras do Código do Trabalho e legislação complementar.” Realçado nosso.
Este entendimento não obsta à alteração da denominação da categoria, adaptando-a a outro tipo de categorização e designações, por exemplo, contando que tal não implique uma diminuição do respetivo estatuto, o que no caso se não demonstra.
Atente-se em que a ré refere na sua contestação que “na prestação daqueles serviços, é obrigada a interagir com o CCT e, por força dessa proximidade, utilizou, meramente como referencial para a designação das suas categorias profissionais, a nomenclatura prevista no dito contrato coletivo, uma vez que nenhum outro instrumento se lhe aplicava diretamente” – artigo 102 da contestação.
Assim deve ser reconhecida a categoria reclamada.
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DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se nessa medida a sentença recorrida, mantendo-se esta apenas na parte relativa à atribuição à autora da categoria de Técnico(a) Administrativo(a) III.
Custas em partes iguais.
30-3-2023

Antero Veiga
Vera Sottomayor
Leonor Barroso