Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
271/08.4TBGMR-A.G1
Nº Convencional: JTRG000
Relator: CONCEIÇÃO BUCHO
Descritores: NRAU
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/22/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I – Tendo o NRAU entrado em vigor em 27 de Junho de 2006 (à excepção dos arts. 63º e 64º) e não tendo a executada pago as rendas de Novembro de 2004 a Julho de 2007, os factos que servem de base à resolução contratual iniciaram-se ainda no âmbito da lei antiga (RAU), mas prolongaram-se e verificaram-se já depois da vigência da nova legislação, pelo que é lícito ao senhorio resolver o contrato, pois à data em que diligenciou pela notificação judicial avulsa da arrendatária (17.07.2007) já esta se encontrava em mora há mais de três meses e o meio de obter a resolução era a prescrita na lei vigente (arts. 12º, nº 1 do CC, 59ºdo NRAU e 142º do CPC).
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

Proc. n.º 271/08.4TBGMR- A . G1


I – AA..., Lda deduziu oposição à execução contra BB...., invocando, em síntese, a ilegitimidade da exequente para intentar a presente execução, e não estar a dever qualquer renda, encontrando-se as rendas integralmente pagas em virtude de uma alteração ao contrato de arrendamento inicial ocorrida em 10 de Outubro de 2003, nos termos da qual o valor gasto pela Opoente na realização em obras no locado foi descontado nas rendas mensais de €350 cada uma a partir de Janeiro de 2005, tendo-se verificado a compensação integral do dinheiro gasto nas obras em Fevereiro de 2008, tendo a partir de Março de 2008 passado a vigorar a renda mensal de €100, que a Opoente tem depositado na CGD à ordem da senhoria, sustentando a manutenção da relação locatícia que a exequente queria ver cessada e requerendo a condenação da exequente como litigante de má fé no art.º 6º da P.I. da Oposição.

Notificada, a exequente contestou impugnando o alegado pela Opoente, alegando que inexistir qualquer ilegitimidade da exequente e que a invocada alteração do contrato de arrendamento nunca existiu, sendo falsa apenas tendo surgido como fundamento de oposição à execução contra si deduzida, mantendo-se as rendas do locado em dívida desde Janeiro de 2004 e concluindo pela condenação da Opoente como litigante de má fé em multa e indemnização em montante não inferior a €5.000.
Seguidamente, procedeu-se à prolação de despacho saneador, onde, por decisão transitada em julgado, foi julgada improcedente a excepção da ilegitimidade activa arguida pela Opoente, tendo-se seguido a selecção da matéria de facto assente e da matéria de facto controvertida constante da Base Instrutória.

Após, realizou-se o julgamento e efectuado este foi proferida sentença na qual se decidiu:

Pelo exposto, e sem necessidade de ulteriores considerações, julgo improcedente por não provada a presente Oposição à Execução deduzida pela Executada AA..., Lda e, em consequência, determino :
a) a cessação imediata da suspensão da execução que havia sido determinada a fls.91;
b) o prosseguimento da execução nos seus trâmites legais subsequentes, com a efectivação da entrega à Exequente do imóvel id. a fls.6 dos autos principais, nos termos do disposto no artigo 930º, n.ºs 1 e 3, do CPC.


Inconformada a executada interpôs recurso, cujas alegações de fls. 423 a 433, terminam com conclusões onde são colocadas as seguintes questões:
Como questão prévia alegou que fez distribuir junto dos juízos cíveis de Guimarães uma acção cível, que, apesar de não ter sido levada ao conhecimento do juízo de execução em sede de oposição, no seu entender obsta ao prosseguimento destes autos.
A notificação judicial avulsa de Junho de 2007, não contém todos os elementos para que possa considerar-se título executivo.
Estando na génese do pedido factos de 2004, seria aplicável o RAU e não o NRAU.
Os factos sob os n.ºs 2º, 3º, 5º, 6º, 11º, 17º, 18º, 20º, e 22º, foram incorrectamente julgados.
Foram violados o artigo 46º do Código de Processo Civil, 236º, 238º, 239º, 360º e 376º do Código Civil.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – É pelas conclusões do recurso que se refere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso – artigos 684º, n.º 3 e 690 º, n.º 1 e 4 do Código de Processo Civil -.

Em 1ª instância foi dada como provada a seguinte matéria de facto:
1º - A exequente intentou a presente execução para entrega de coisa certa dando à execução o contrato de arrendamento junto a fls.28 e 29 dos autos principais, acompanhado da notificação judicial avulsa de fls.9 a 14 desses mesmos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2º- A executada não pagou à exequente as rendas dos meses de Novembro e Dezembro de 2004, as rendas dos meses de Janeiro a Dezembro de 2005, as rendas dos meses de Janeiro a Dezembro de 2006 e as rendas dos meses de Janeiro a Junho de 2007.
3º- Nem pagou as que posteriormente se venceram.
4º- As rendas de Janeiro de 2004 a Outubro de 2004, encontram-se
integralmente pagas conforme recibos juntos a fls.54 a 63, cujo teor dá-se aqui por integralmente reproduzido.
5º- Em 10 de Outubro de 2003 a exequente e o seu falecido marido Dionísio Salgado outorgaram procuração a favor de 2 dos seu filhos dando-lhe os poderes consignados na procuração junta a fls.65 a 66, e a Opoente juntou a fls.64 o documento intitulado “alteração ao contracto de arrendamento celebrado entre : D...., casado, NIF... e AA..., Lda, NIF ....., datado de : 1 de Setembro de 2003”, o qual se encontra datado de “10 de Outubro de 2003”, e mostra-se 1 Rectificando-se deste modo o lapso de escrita notório e manifesto constante da alínea A) dos Factos Assentes constante a fls.124.
assinado no local destinado ao “PRIMEIRO OUTORGANTE” por CC... e DD... e no local destinado ao “SEGUNDO OUTORGANTE” por EE... e FF... por cima do carimbo com os dizeres “AA.., LDA A Gerência”.
6º- O valor das obras atingiu o montante de € 11.567,92, com o esclarecimento de que João...., electricista que efectuou trabalhos na obra reclama da Opoente o pagamento de €2.500.
7º- A Opoente procedeu ao depósito do valor de € 100,00 mensais relativas aos meses de Março e Abril de 2008 na Caixa Geral de Depósitos à ordem de “Herdeiros de GG...” indicando como motivo para o depósito referente ao mês de Março de 2008 “Litigio entre Herdeiros”, conforme consta dos documentos juntos a fls.87 e
88, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
8º- A oponente respondeu à notificação judicial avulsa junta à execução, conforme consta de fls.89 a 90.
9º- Os recibos referidos no item foram entregues pela exequente ao seu filho EE..., legal representante da executada.
10º- O aludido EE... ficou de pagar, em nome e representação da Herança, a dívida existente ao Engº F..... relativa ao projecto das vivendas.
11º- A Herança ficou em dívida, por não ter sido paga ao referido engenheiro, a quantia de €5.648,48.
12º- Em 10 de Outubro de 2003 GG..... já se encontrava gravemente doente e em fase terminal vindo a falecer 2 dias depois, no dia 12 de Outubro de 2003.
13º- O falecido GG... e a exequente acederam em outorgar na procuração referida no item 6º.
14º- Era preocupação dos mandantes assegurar que fossem feitas as escrituras das casas.
15º- O conteúdo da procuração constitui um texto tipo.
16º- O documento “alteração ao contrato de arrendamento” apresenta a data de 10 de Outubro de 2003, desconhecendo-se a data efectiva da sua realização.
17º- Na procuração referida no item apenas são dados poderes a BB.... e a HH... para “dar e tomar de arrendamento bens imóveis, deles mandantes, mesmo a longo prazo, estipulando as rendas e condições que entender, despedir arrendatários e rescindir ou alterar os contratos”, não constando do texto de tal instrumento notarial para procederem a qualquer alteração ao contrato de arrendamento existente com a Opoente, a compensação de obras realizadas com as rendas que se viessem a vencer, nem que o montante da renda convencionada passaria a ser de €100, após a realização de tais obras.
18º- O aludido documento de “alteração” reduziu o valor locativo do locado para menos de 1/3 do seu valor contratual.
19º- O documento de “alteração” referido no item 17º foi elaborado pela sócio gerente da executada, BB..., dele resultando o referido no item anterior.
20º- A junção a estes autos do documento de “alteração” referido no item 17º visou obstaculizar a possibilidade da acção de despejo por falta de pagamento de rendas e a cabeça-de-casal comunicou aos filhos que se não pagassem as respectivas rendas iria intentar a respectiva acção de despejo, como veio a fazê-lo.
21º- O valor da renda estipulado contratualmente é inferior ao seu valor de mercado.
22º- Tal renda foi assim acertada porque a sociedade arrendatária é propriedade de um filho dos senhorios e no contrato outorgado em 1 de Setembro de 2003 não foi acordado entre os aí segundo outorgante promitente arrendatário e primeiro outorgante promitente senhorio que este realizaria quaisquer obras nem que a sociedade executada as pudesse executar a expensas destes descontando nas rendas devidas o custo de tais obras.
23º- A presente oposição visa única e exclusivamente impedir a entrega do imóvel despejando e a obtenção do pagamento das rendas devidas.
24º-Tendo o legal representante da executada, C..., conhecimento directo e pessoal dos factos alegados.

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Como decorre dos artigos 676º, n.º 1 e 684º, n.º 3 do Código de Processo Civil, os recursos constituem os meios de impugnação de decisões proferidas pelos tribunais inferiores, pelo que o seu âmbito, por regra, está objectivamente delimitado pelas questões já colocadas ao tribunal de que se recorre.
Com os recursos visa-se a modificação de decisões impugnadas e não a produção de decisões sobre matéria nova, não sendo lícito, por isso, invocar nos recursos questões diferentes das que tenham sido objecto de apreciação nas decisões recorridas, nem devendo neles conhecer-se de questões que as partes não hajam suscitado no tribunal recorrido.
As questões, são as que se prendem com o mérito das pretensões formuladas pelas partes, pois que existem aquelas que são do conhecimento oficioso.
No caso dos autos a questão prévia suscitada, não foi colocada ao tribunal recorrido , nem é do conhecimento oficioso deste tribunal.

Encontrando-se gravada a prova produzida em julgamento, de acordo com o disposto nos artigos 522º-B e 522º-C do Código de Processo Civil na redacção do Decreto-Lei n.º 303/07 de 24/08, a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada se para tanto tiver sido observado o condicionalismo imposto pelo artigo 685º-B, como é permitido pelo disposto no artigo 712º, n.º 1, alínea a ) e n.º 2 do mesmo diploma.
Dispõe o citado artigo 685º-B que “quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”.
De acordo ainda com o n.º 2 do artigo, no caso previsto na alínea b) , existindo registo de gravação, sob pena de rejeição do recurso, compete ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
A recorrente no que respeita ao facto sob o n.º 16, que constitui a resposta ao quesito 17º, limita-se, de forma genérica, a alegar que o tribunal recorrido, “ ... lançou a indefinição para os presentes autos, ao seguir o caminho de que a procuração não conferia poderes para a lavrar a alteração ao contrato de arrendamento, o que é contraditado pelo próprio documento autêntico”.
Existe uma confusão entre a impugnação da matéria de facto e a interpretação jurídica, do texto da procuração, que são coisas completamente distintas.
Não estão assim, preenchido os requisitos a que alude o citado artigo 685º-B do Código de Processo Civil.
No que respeita ao facto sob o n.º 22º, que consubstancia a resposta ao quesito 23º a recorrente refere que a resposta ao mesmo é ininteligível e conclusiva, não referindo quais os meios probatórios que conduziriam a uma resposta diversa.
Quanto aos demais pontos que refere estarem indevidamente julgados, a recorrente não dá manifestamente cumprimento ao disposto no artigo 685º-B do citado código, nada alegando .
Como já se referiu, o artigo 685º-B do Código de Processo Civil, impõe que o recorrente refira quais os pontos de facto – quesitos ou factos alegados na p.i. – que considera incorrectamente julgados, e em relação a cada um deles, quais os meios probatórios que impunham uma resposta diversa, o que a recorrente não fez.
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Alega a recorrente a falta de título executivo, uma vez que não é de aplicar ao caso o NRAU.
Conforme consta dos autos, o título executivo é o contrato de arrendamento e a notificação da resolução do mesmo contrato, efectuada nos termos do disposto no artigo 9º, n.º 7 do NRAU.
Também resultou provado que a executada não pagou as rendas desde Novembro de 2004 a Junho de 2007.
A notificação judicial avulsa foi efectuada em 17 de Julho de 2007.
O NRAU entrou em vigor em 27 de Junho de 2006, à excepção dos artigos 63º e 64º, que entraram em vigor em 28 de Fevereiro de 2006.
Os factos que servem de base à resolução iniciaram-se ainda no âmbito da lei antiga, mas prolongaram-se e verificaram-se já depois da entrada em vigor da nova lei, pelo que, no seu âmbito, é lícito ao senhorio, mediante comunicação resolver o contrato.
Assim, os factos no qual se baseia a resolução do contrato ocorreram no âmbito da lei antiga e da nova lei.
Na data em que foi efectuada a comunicação, a recorrente já se encontrava em mora há mais de três meses, e nessa data o meio de obter a resolução era a prescrita na lei em vigor – o NRAU, como resulta do seu art. 59.º
A aplicação das normas adjectivas da Lei 6/06 faz-se segundo a regra geral de aplicação imediata do nº 1 do art.º 12º. O regime adjectivo da Lei 6/06 aplica-se assim mesmo aos processos pendentes, havendo apenas que ressalvar a validade dos actos processuais praticados ao abrigo da lei anterior (art. 142º, nº 1 do CPC). Quanto à forma de processo aplicável, rege o disposto no nº 2 do mesmo art. 142º, determinando-se a mesma pela lei vigente à data em que a acção é proposta.”
Assim, tendo sido feita a comunicação de acordo com a lei em vigor, a exequente está munida de título executivo válido, conforme se decidiu na sentença recorrida.
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III – Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Guimarães, 22/04/2010.