Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
| Processo: |
| ||
| Relator: | ANTÓNIO SOBRINHO | ||
| Descritores: | RECLAMAÇÃO PENAL RECURSO REJEIÇÃO PRAZO DE RECURSO VIOLÊNCIA DOMÉSTICA PROCESSO URGENTE | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 06/19/2019 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | RECLAMAÇÃO | ||
| Decisão: | RECLAMAÇÃO DESATENDIDA | ||
| Indicações Eventuais: | SECÇÃO PENAL | ||
| Sumário: | Face à natureza urgente dos processos por crime de violência doméstica, ainda que não haja arguidos presos, o prazo para interposição de recurso das decisões neles proferidas não se suspende no período de férias judiciais. | ||
| Decisão Texto Integral: | I - Relatório Reclamante: S. C. (arguido); Reclamado: MºPº; ***** S. C. veio reclamar do despacho do Sr. Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Local Criminal de Vila Nova de Famalicão – Juiz 3, datado de 20.05.2019, que lhe não admitiu o recurso por si interposto, com o fundamento na sua intempestividade.Segundo o reclamante, o recurso não deveria ter sido rejeitado, por ter sido apresentado tempestivamente, argumentando que, muito embora se trate de um processo de violência doméstica que tem natureza urgente, o prazo de interposição de recurso não corre em férias. II - Fundamentação As incidências fáctico-processuais a levar em linha de conta são as constantes do Relatório supra e ainda o seguinte: 1. No âmbito do presente processo, foi condenado o arguido S. C., pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido, pelo art. 152°, n° 1, ai. a) e n°2, do Código Penal, na pessoa da ofendida, pena de 02 anos e 10 meses de prisão; mais foi condenado o arguido S. C., pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido, pelo art. 152°, n° 1, ai. d) e no 2, do Código Penal, na pessoa do filho F. M., na pena de 02 anos de prisão; e foi também condenado o arguido S. C., pela de um crime de violência doméstica, previsto e punido, pelo art. 152°, n° 1, ai. d) e n° 2, do Código Penal, na pessoa do filho Francisco Castro, na pena de 02 anos de prisão; destas penas resultou a condenação na pena única de 04 ano e 10 meses de prisão cuja execução se suspendeu por igual período de tempo, sujeita a regime de prova. 2. Realizado o julgamento, a sentença foi lida e depositada em 09.04.2019. 3. O recurso do reclamante foi remetido aos autos em 16.05.2019. * A presente reclamação suscita a questão da tempestividade do recurso, mais especificamente, do prazo de interposição de recurso em processo relativo ao crime de violência doméstica.Trata-se de problemática já por nós abordada no âmbito da Reclamação decidida nos autos de Processo nº 92/13.2GBPVL-A.G1 deste Tribunal da Relação e cujos fundamentos aí plasmados aqui se reiteram. Com efeito, “[S]obre a epígrafe ‘Celeridade processual’ dispõe o artº 28º da Lei nº 112/2009, de 16.09, que: «1 - Os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos. 2 - A natureza urgente dos processos por crime de violência doméstica implica a aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 103.º do Código de Processo Penal». Ora, o regime deste nº 2, do artº 103º, do CPP, é o de consagrar uma excepcionalidade em relação à prática de actos processuais, ou seja, o de que estes são praticados, desde logo, dentro do período de férias e não fora desse período como estatui o seu nº1. Logo, da conjugação dos citados preceitos do artº 28º, da Lei 112/2009, de 16.09, e do artº 103º, nº 2, do CPP, dada a natureza urgente do processo por crime de violência doméstica, resulta que os actos processuais a serem nele praticados, como seja o relativo à interposição de recurso da sentença, decorrem no período de férias judiciais. Como tal, o prazo de contagem corre em férias. Contrapõe, porém, a reclamante o inverso, alegando que o artº 104º, nº 2, do CPP, apenas determina o curso em férias da prática dos actos referidos nas alíneas a) a e), do nº 2, do artº 103º, do CPP. Ou seja, não prevê a alínea g) deste mesmo normativo - que se reporta aos actos considerados urgentes em legislação especial (cuja redacção resultou da Lei nº 20/2013, de 21.02). Todavia, importa não descurar que as normas de processo penal, v.g. as relativas ao tempo dos actos e contagem dos prazos, não podem deixar de ser interpretadas no sentido de coerência e unicidade de todo o sistema global de direito penal. O mesmo é dizer que não é defensável que - tendo o legislador atribuído a natureza de urgente ao processo por crime de violência doméstica, estatuindo expressamente que neste tipo de processos os actos processuais são praticados durante as férias - a contagem dos prazos de tais actos processuais, como é o caso de interposição de recurso, não corram em férias, com o argumento linear de que o disposto no nº 2, do apontado artº 104º do CPP, não faz remissão para a assinalada alínea g), nº 1, do artº 103º, do CPP, a qual se reporta aos ditos actos considerados urgentes em legislação especial. Como dito ficou, no que respeita aos processos por crime de violência doméstica, o acrescento deste normativo da alínea g), mais não traduz do que o já consagrado no redito artº 28º da Lei nº 112/2009. Acresce que esta mesma alínea g) foi introduzida mais recentemente pela mencionada Lei nº 20/2013, de 21.02, sendo plausível que a sua não referência no artº 104º, nº 2, se deva a mero lapso do legislador (não decorre objectivamente desta alteração legislativa de 2013 que houve a intenção de afastar a aplicação do art.º 104º, n.º 2 do CPC aos processos por crime de violência doméstica como estabelece o art.º 28º da Lei n.º 112/2009)”. Neste sentido, vide a posição do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18/1/2017, Processo n.º 921/12.8S7LSB.C1, in www.dgsi.pt., onde se fundamenta que “a excepção da al. f) do mesmo preceito decorre da sua diferenciação em termos de actos dos mencionados nas alíneas anteriores e o constante de g) é do mesmo teor destes. (…) a própria coerência do regime aplicável aos processos de natureza urgente, como foi classificado o crime de violência doméstica, implica que lhe sejam aplicáveis as normas especiais, designadamente quanto ao prazo de interposição de recurso. E não faria qualquer sentido que assim não fosse, isto é, que se tivesse declarado a urgência do processo e não tivesse repercussão na sua tramitação”. Nesta linha jurisprudencial apontam, aliás, os vários acórdãos citados no mesmo aresto, entre os quais os Acórdãos do TRC de 27/1/2016,Proc. 234/14.0GBFND.C1, e de 11.02.2015, Proc. 3/12.2PBCTB.C1. De salientar ainda que o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 158/2012, in D.R. n.º 92, Série II de 11/5/2012, pronunciou-se no sentido de não julgar inconstitucionais as normas do artº 28.º, nºs 1 e 2, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, quando interpretadas no sentido de que os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos, não se suspendendo no período de férias judiciais o prazo para interposição de recurso de decisões neles proferidas. Por último resta dizer que, ao invés do argumentado pelo reclamante, o citado Acórdão do STJ de 03.03.3026, proc.768/10.6SMPRT.P1-A.S1 ,in dgsi.pt, proferido em recurso de fixação de jurisprudência, reforça inclusive a posição acima defendida, ao consignar-se neste que “A natureza urgente do processo por crime de violência doméstica deve cessar com o trânsito em julgado da respectiva decisão (…)”. Ou seja, a contrario sensu, não tendo havido ainda o trânsito em julgado da decisão - como sucede no caso em apreço - por ser sido impugnada por via do recurso, a natureza urgente do processo por crime de violência doméstica mantém-se. Assim, dado que o depósito da sentença ocorreu em 09.04.2019, o prazo de 30 dias para interposição de recurso já se encontrava esgotado em 16.05.2019 - data em que foi remetido o requerimento de recurso aos autos. Motivo pelo qual a sua apresentação foi declarada extemporânea. Porquanto se deixa aduzido, não procede a reclamação. Sintetizando: Face à natureza urgente dos processos por crime de violência doméstica, ainda que não haja arguidos presos, o prazo para interposição de recurso das decisões neles proferidas não se suspende no período de férias judiciais III. Decisão Nestes termos e pelos fundamentos expostos, desatende-se a reclamação apresentada pela assistente S. C., mantendo-se a decisão da 1ª instância. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s, sem prejuízo do apoio judiciário concedido. Guimarães, 19 de Junho de 2019. O Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães, António Júlio Costa Sobrinho |