Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ALCIDES RODRIGUES | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA OPOSIÇÃO PETIÇÃO DEFICIENTE DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO INDEFERIMENTO DO PEDIDO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 12/07/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I – Posteriormente à dedução da oposição é lícito ao juiz no âmbito de um processo de insolvência a prolação de despacho de aperfeiçoamento com vista ao “suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada”, nos termos do disposto no art. 590º, n.º 4, do CPC “ex vi” do art. 17º do CIRE. II – No caso de uma petição deficiente, cuja causa de pedir carece de ser completada ou corrigida por os factos alegados serem insuficientes ou não se apresentarem suficientemente concretizados, se o autor não corresponder ao convite ao aperfeiçoamento a ação prosseguirá, correndo ele o risco de que a decisão de mérito lhe seja desfavorável, por inconcludência ou falta de concretização da causa de pedir. III – Por referência ao regime estabelecido nos arts. 590º, n.º 4 e 591º, n.º 1, al. c) do CPC, uma corrente doutrinária rejeita o efeito preclusivo dos factos que poderiam (e deveriam) ter sido alegados pela parte em resposta ao convite do tribunal, cometendo ao juiz a possibilidade de providenciar pela correção de falhas ainda subsistentes, o que pressupõe, além do mais, a falta de cumprimento de anterior despacho. IV – O despacho que, “ex officio”, renova o prazo para a demandante aperfeiçoar o articulado da petição corporiza a materialização dessa faculdade de interpelação da parte com vista ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização do acervo factual oferecido por aquela parte. V – A estrita aplicação do regime consagrado no art. 27º, n.º 1, al. b) do CIRE conduziria a que a falta de suprimento tivesse como consequência o indeferimento do pedido de declaração de insolvência, o que é de rejeitar quando a petição é apenas deficiente e não irregular. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório Nos autos de processo de insolvência de que estes autos de recurso em separado são dependentes à margem referenciados, que correm termos no Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão - Juiz 4 - do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, a Sociedade Portuguesa de Autores, C.R.L. requereu a declaração de insolvência da requerida AF e Cª, Lda. * Citada nos termos e para os fins legais, a requerida deduziu oposição, na qual, como questão prévia, arguiu a exceção de ineptidão do requerimento inicial, por não se encontrarem alegados factos que permitam a verificação de qualquer um dos factores índices previstos no art. 20º do CIRE.* Datado de 7/07/2017, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho (cfr. fls. 339):«Analisada a petição inicial, constata-se que a mesma padece de vícios de alegação factual que urge corrigir. Compete à requerente a alegação da situação de insolvência da requerida. Contudo, analisada a petição inicial, constata-se que a requerente se limita a alegar tal requisito de forma claramente conclusiva e reproduzindo normas legais, ou seja, desprovida de factos concretos. Por outras palavras, lendo a petição inicial, ficamos sem saber ao certo e em concreto, porque a requerente entende que a requerida se encontra em situação de insolvência. Aliás, a requerente chega mesmo a alegar que desconhece se a requerida tem outras dívidas para além das aqui reclamadas ou se possui algum património… Pelo exposto, nos termos do art. 27º, nº 1, al. b) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, convido a requerente a apresentar, no prazo de 5 dias, petição inicial aperfeiçoada, concretizando factualmente a alegada situação de insolvência da requerida. (…)». Não tendo a requerente respondido ao despacho convite para aperfeiçoar a petição inicial no prazo indicado, o Tribunal a quo, a 3/08/2017, proferiu o seguinte despacho: "Renovo o despacho anterior. " * Inconformada com esta decisão, a requerida dela interpôs recurso, pedindo o provimento do recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida e substituição por outra que determine o indeferimento da petição inicial, nos termos do art. 27°, n.º 1, al. b) do CIRE (cfr. fls. 2 a 8). A terminar as respectivas alegações formulou a recorrente as seguintes conclusões (que se transcrevem (1)): «1ª - A decisão recorrida padece de erro de julgamento e de flagrante ilegalidade, por violar o disposto no art. 27° n.º 1, aI. b) do CIRE. 2ª - Ao verificar que a petição inicial padece de vícios, se o Juiz os considerar sanáveis pode convidar o requerente a aperfeiçoar a sua petição e sanar tais vícios, no prazo de 5 dias. 3ª - Decorre do art. 27°, n.º 1, al. b) do CIRE que o prazo fixado para o aperfeiçoamento é um prazo perentório, pois, caso o requerente não sane tais vícios, impõe-se o indeferimento da Acão. 4ª- Os vícios de que sofre a petição inicial, aliás como reconhecido pelo Tribunal a quo, não são vícios meramente formais, são vícios que impedem o reconhecimento ou a declaração da insolvência. 5ª - Por não se tratar de vícios meramente formais ou da junção de documentos o despacho ora em crise, viola o disposto no artigo 27° n.º 1, aI. b) do CIRE. 6ª - Nesse sentido veja-se o Carvalho Fernandes e João Labareda em anotação ao art. 27° do CIRE, a alínea b), Sem embrago, se o requerente não sana os vícios existentes, o Juiz tem de indeferir o pedido, segundo a comunicação expressa na primeira parte da ai. b). (. .. ) Neste sentido, pode-se ver a ac. da Rel. de Évora de 1/MARC/2007, in CJ, 2007, 1, pág. 65." - in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2013, pág. 235. 7ª- A renovação do convite ao aperfeiçoamento, em claro desrespeito ao disposto no art. 27°, n.º 1 aI. b) do CIRE fere as expectativas juridicamente criadas, pela recorrente e constitui uma grosseira violação a um dos princípios basilares do Estado de Direito, o princípio da Segurança e da Confiança Jurídica. 8º - O despacho ora em crise atenta manifestamente contra o princípio da segurança, na sua vertente material da confiança, na medida em que os cidadãos deixam de poder criar expectativas juridicamente garantidas, para se transformarem autómatos, seres cujos actos obedecem à vontade alheia e que não são precedidos de reflexão. 9ª - Face ao vindo de expor resulta que a decisão prolatada pela 1ª instância, fez um erro de julgamento e violou o disposto nos artigos 27° n.º 1 aI. b) do CIRE, juntamente com princípio da Segurança e Confiança Jurídica, pelo que pelo que não pode manter-se». * A recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção na íntegra do despacho recorrido e da petição inicial aperfeiçoada, devendo os autos prosseguir os seus precisos termos até final (cfr. fls. 340 e 341). * O recurso foi admitido por despacho de 6 de novembro de 2017 como de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo (cfr. fls. 352).* Foram colhidos os vistos legais.* II. Objeto do recurso Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a única questão que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em saber se o despacho datado de 3/08/2017, que “ex officio” prorrogou o prazo para aperfeiçoamento da petição inicial, é legal. * III. Fundamentação de facto.Os factos materiais relevantes para a decisão do presente recurso são os que decorrem do relatório supra, que por brevidade aqui se dão por integralmente reproduzidos. * IV. Fundamentação de direito O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores [art.º 1º, n.º 1, 1ª parte do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante, abreviadamente, designado por CIRE), aprovado pelo Dec. Lei n.º 53/2004, de 18/03]. O processo de insolvência rege-se pelo Código de Processo Civil em tudo o que não contrarie as disposições do presente Código (art.º 17º do CIRE). Prescreve o art. 3º, n.º 1, do CIRE que “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”. “A apresentação à insolvência ou o pedido de declaração desta faz-se por meio de petição escrita, na qual são expostos os factos que integram os pressupostos da declaração requerida e se conclui pela formulação do correspondente pedido” (art. 23º, n.º 1 do CIRE). “Quando o pedido não provenha do próprio devedor, o requerente da declaração de insolvência deve justificar na petição a origem, natureza e montante do seu crédito (...) e oferecer (...) os elementos que possua relativamente ao activo e passivo do devedor” (art. 25º, n.º 1 do CIRE).. “O requerente deve ainda oferecer todos os meios de prova de que disponha (...)” (art. 25º, n.º 2 do CIRE). “No próprio dia da distribuição, ou, não sendo viável, até ao 3º dia útil subsequente, o juiz: a) Indefere liminarmente o pedido de declaração de insolvência quando seja manifestamente improcedente, ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis de que deva conhecer oficiosamente; b) Concede ao requerente, sob pena de indeferimento, o prazo máximo de cinco dias para corrigir os vícios sanáveis da petição, designadamente quando esta careça de requisitos legais ou não venha acompanhada dos documentos que hajam de instruí-la, nos casos em que tal falta não seja devidamente justificada” (art.º 27º, n.º 1 do CIRE). Contrariamente ao que é hoje a solução geral do processo civil, o CIRE manteve a apreciação liminar do requerimento inicial, a qual, dependendo das circunstâncias concretas do caso, pode conduzir, entre o mais (2), ao indeferimento liminar do pedido (quando este for manifestamente improcedente ou ocorrer uma excepção dilatória insuprível de conhecimento oficioso), ou ao aperfeiçoamento da petição inicial, concedendo neste caso ao requerente um prazo adicional de cinco dias para corrigir os vícios sanáveis da petição. Considerando o caráter enunciativo da referência constante da alínea b) do n.º 1 do art. 27º do CIRE, é de admitir a prolação de despacho de aperfeiçoamento com vista ao “suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada”, sendo aqui aplicável o art. 590º, n.º 4 do CPC, por força do art. 17º do CIRE (3). A respeito dos efeitos decorrentes da falta de cumprimento do despacho de aperfeiçoamento a doutrina tem advertido para o facto de não ser possível avançar com uma resposta única para todas as situações. A inércia da parte terá a consequência que, a propósito de cada caso, as normas processuais dispersas determinarem, na ponderação da natureza dos vícios detetados e da sua maior ou menor gravidade (4). Assim, não aperfeiçoando o requerente a sua petição, nem justificando a omissão, o pedido deve ser indeferido pelo juiz, pelo menos nos casos em que os elementos em falta forem essenciais, isto é, se a permanência do vício for insuprível, impedindo o prosseguimento do processo por, para tal, faltarem as necessárias condições legais (5). Porém, estando em causa a falta de acatamento do convite respeitante à matéria de facto, por força da compatibilização do art. 590º com o art. 591º, n.º 1, al. c) do CPC [correspondentes aos antecedentes arts. 508º e 508º-A do CPC], pode defender-se o efeito preclusivo da possibilidade de correção dos articulados, no que concerne à matéria de facto, por essa solução parecer mais consentânea com a celeridade processual e a auto-responsabilidade das partes (6). Em sentido diverso pode, no entanto, invocar-se a norma do art. 591º, n.º 1, al. c) do CPC [correspondente ao anterior art. 508º-A, n.º 1, al. c) do CPC], que parece não rejeitar a possibilidade de serem corrigidas falhas ainda subsistentes, o que supõe, além do mais, a falta de cumprimento de anterior despacho. Particularizando o caso concreto objeto dos autos constata-se que, aquando da distribuição da petição inicial, o Mmº juiz a quo, entendendo não haver motivo para indeferimento liminar, ordenou a citação da ré nos termos do disposto no art. 29º do CIRE. Foi só na sequência da oposição por esta deduzida, na qual invocou, entre o mais, a ineptidão da petição inicial, que o julgador proferiu o despacho de aperfeiçoamento datado de 7/07/2017, nos termos do qual convidou a requerente a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada na petição inicial, por esta padecer de vícios de alegação factual suscetíveis de sanação. Ressalvando sempre o devido respeito por opinião contrária, ultrapassada que estava a fase liminar do processo, afigura-se-nos que, a não ser por referência a uma interpretação por analogia, não haveria que lançar mão do regime estabelecido no art. 27º, n.º 1, al. b) do CIRE, impondo-se, sim, o recurso ao regime consignado no art. 590º, n.º 2, al. b) e n.º 4 do CPC “ex vi” do art. 17º do CIRE. Certo é que o tribunal recorrido alicerçou o despacho de aperfeiçoamento no citado normativo adequado à apreciação liminar dos autos, pelo que será por referência a esse quadro legal que a questão submetida à nossa apreciação deverá ser dirimida. Em termos simplistas, dir-se-ia que, tendo sido facultado à requerente, um prazo de 5 (cinco) dias para suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, o não acatamento desse despacho de aperfeiçoamento no prazo concedido acarretaria o indeferimento do pedido de declaração de insolvência em conformidade com a cominação estabelecida naquele normativo legal. Constata-se, no entanto, que essa concreta cominação legal não foi expressamente aduzida no referido despacho convite. Mas mesmo que o tivesse sido, a verdade é que o não acatamento daquele despacho de aperfeiçoamento jamais seria idóneo ao indeferimento do pedido de declaração de insolvência. Com efeito, estando em causa a deficiente alegação de factos, dada a insuficiência ou a imprecisão na exposição ou concretização da matéria de facto articulada, essa situação é reconduzível a uma petição deficiente (art. 590º, n.º 4 do CPC) e não a uma petição irregular (art. 590º, n.º 3 do CPC) (7). Nesta última, a não serem supridas as irregularidades, não fará sentido que a ação prossiga os seus termos, visto não reunir as condições para continuar e daí que a doutrina viesse entendendo estarmos perante um despacho de aperfeiçoamento vinculado, que, como tal, o juiz tinha o dever de proferir. Diversamente, estando em causa uma petição deficiente, cuja causa de pedir carece de ser completada ou corrigida por os factos alegados serem insuficientes ou não se apresentarem suficientemente concretizados, embora a doutrina também considere que este convite corresponde hoje ao exercício dum poder vinculado (8), a verdade é que se a parte não corresponder ao convite ao aperfeiçoamento, a ação prosseguirá, correndo ela o risco de que a decisão de mérito lhe seja desfavorável, por inconcludência ou falta de concretização da causa de pedir, se for o autor (9). Em face das considerações anteriormente explicitadas, estamos agora habilitados a decidir o caso submetido à nossa apreciação. E, nessa medida, importa desde logo salientar que, ao contrário do propugnado pela recorrente, no caso de a parte decidir não aceder ao despacho convite que lhe foi dirigido pelo juiz, tal não acarreta o imediato indeferimento do pedido. Isto porque, não estando em causa uma petição irregular, mas sim deficiente, em termos imediatos nenhuma consequência desfavorável há-de resultar para a parte do não acatamento do despacho convite, sem embargo, naturalmente, da ulterior decisão da improcedência da ação, aquando do saneamento do processo, momento em que o juiz deverá determinar se as imperfeições fácticas em causa justificam (ou não) o julgamento antecipado do mérito da causa. Estaria, por conseguinte, vedado ao juiz a aplicação estrita da cominação estabelecida na al. b) do n.º 1 do art. 27º do CIRE, já que o não acatamento do despacho convite não tem como efeito determinativo, no caso concreto, a inviabilidade do prosseguimento da ação. Mas dir-se-ia que, não tendo a requerente apresentado o articulado corrigido no prazo de cinco dia facultado no despacho, estar-se-ia perante um prazo perentório, cuja não observância determinaria a preclusão ou extinção do direito de praticar o acto nos termos da cominação do n.º 3 do art. 139º do CPC, pelo que o despacho que, “ex officio”, prorrogou o prazo para aperfeiçoamento da petição inicial padece de ilegalidade. Isto porque, delimitado o período de tempo dentro do qual há-de realizar-se um determinado acto do processo, o decurso do prazo faz (automaticamente) extinguir o direito a praticar o acto respetivo. E, segundo o art. 141º, n.º 1 do CPC, o prazo processual marcado por lei é prorrogável nos casos nela previstos, sendo que no caso inexiste disposição legal que contemple o prolongamento do prazo estabelecido no art. 27º, n.º 1, al. b) do CIRE. Quer-nos, porém, parecer que a situação objeto dos autos não determina a ilegalidade do despacho datado de 3/08/2017, que renovou o prazo para a autora poder aperfeiçoar o articulado da petição. Com efeito, como supra explicitámos, respaldando-nos na corrente doutrinária que rejeita o efeito preclusivo da alegação da matéria de facto quando o articulado padece de insuficiências ou imprecisões como decorrência da falta de acatamento do convite, por referência ao regime estabelecido nos arts. 590º, nº 4 e 591º, n.º 1, al. c) do CPC “ex vi” do art. 17º do CIRE estaria cometido ao juiz a possibilidade de providenciar pela correção de falhas ainda subsistentes, pressupondo, além do mais, a falta de cumprimento de anterior despacho. Assim, por recurso a um argumento de identidade de razão, afigura-se-nos legítimo perspetivar o despacho recorrido como a materialização dessa faculdade de interpelação da parte com vista ao suprimento da alegação fáctica. Acresce que, não obstante a menção feita no primitivo despacho de aperfeiçoamento ao regime do art. 27º, n.º 1, al. b) do CIRE, a verdade é que não se encontrava o juiz vinculado pela cominação assinalada naquele preceito legal (10) (e que não foi expressamente exarada no despacho), além de que, como já vimos, a sua imediata aplicação comportaria uma decisão ilegal, pois que a não correção duma petição deficiente não determina o não prosseguimento da causa (11). Por último, não sufragamos a argumentação de que a renovação do convite ao aperfeiçoamento «fere as expectativas juridicamente criadas, pela recorrente e constitui uma grosseira violação a um dos princípios basilares do Estado de Direito, o princípio da Segurança e da Confiança Jurídica», na medida em que o despacho recorrido, não desrespeitando os assinalados limites legais dentro dos quais é admissível o aperfeiçoamento duma petição deficiente, se ajustou ao circunstancialismo de não se estar já perante uma apreciação liminar dos autos, mas sim numa fase ulterior à dedução da oposição pela ora recorrente – relativamente ao qual e por referência ao caso concreto o regime consagrado no art. 27º, n.º 1, al. b) do CIRE não se mostra adequado (12) –, pelo que se impunha uma derradeira tentativa no sentido da parte interessada providenciar pelo suprimento daquele articulado. Pelo exposto, não nos merecendo a decisão recorrida qualquer censura, forçoso será concluir pela sua confirmação, improcedendo as conclusões da apelante. * Sumário (ao abrigo do disposto no art. 667º, n.º 3 do CPC):I – Posteriormente à dedução da oposição é lícito ao juiz no âmbito de um processo de insolvência a prolação de despacho de aperfeiçoamento com vista ao “suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada”, nos termos do disposto no art. 590º, n.º 4, do CPC “ex vi” do art. 17º do CIRE. II – No caso de uma petição deficiente, cuja causa de pedir carece de ser completada ou corrigida por os factos alegados serem insuficientes ou não se apresentarem suficientemente concretizados, se o autor não corresponder ao convite ao aperfeiçoamento a ação prosseguirá, correndo ele o risco de que a decisão de mérito lhe seja desfavorável, por inconcludência ou falta de concretização da causa de pedir. III – Por referência ao regime estabelecido nos arts. 590º, n.º 4 e 591º, n.º 1, al. c) do CPC, uma corrente doutrinária rejeita o efeito preclusivo dos factos que poderiam (e deveriam) ter sido alegados pela parte em resposta ao convite do tribunal, cometendo ao juiz a possibilidade de providenciar pela correção de falhas ainda subsistentes, o que pressupõe, além do mais, a falta de cumprimento de anterior despacho. IV – O despacho que, “ex officio”, renova o prazo para a demandante aperfeiçoar o articulado da petição corporiza a materialização dessa faculdade de interpelação da parte com vista ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização do acervo factual oferecido por aquela parte. V – A estrita aplicação do regime consagrado no art. 27º, n.º 1, al. b) do CIRE conduziria a que a falta de suprimento tivesse como consequência o indeferimento do pedido de declaração de insolvência, o que é de rejeitar quando a petição é apenas deficiente e não irregular. * V. – DECISÃOPerante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação apresentado pela apelante, confirmando a decisão recorrida. Custas pela apelante. * Guimarães, 7 de dezembro de 2017 Alcides Rodrigues Espinheira Baltar Eva Almeida 1. Todas as transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo gralhas evidentes e a ortografia utilizada. 2. As demais hipóteses correspondem à declaração imediata de insolvência (art.º 28º do CIRE) ou à prolação do despacho de citação (art.º 29º, n.º 1 do CIRE). 3. Cfr., neste sentido, Carvalho Fernandes e João labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, 3ª ed., Quid Iuris, Lisboa, 2015, p. 228 e Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2017, 2ª ed, Almedina, p. 104. 4. Cfr. Paula Costa e Silva, Saneamento e Condensação no Novo Processo Civil: A Fase da Audiência Preliminar, in Aspectos do Novo Processo Civil, Lex, 1997, pp. 225/228 /233 e António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Vol., 2ª ed, Almedina, 1999, pp. 88/90. 5. Cfr. Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2013, Almedina, p. 103 e Ac. RG de 29/09/2011 (relatora Isabel Rocha), in www.dgsi.pt. 6. Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pp. 302/303. 7. A irregularidade do articulado radica “na falta de requisitos legais ou na falta de junção de documentos de que a lei faz depender o prosseguimento da causa, impondo imperativamente a sua junção logo na fase dos articulados…” - Lopes do Rego, In Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., 2004, Almedina, p. 430. 8. Onde se dizia (art. 508º, n.º 3 do CPC/1961) que “pode ainda o juiz convidar qualquer das partes” diz-se (art. 590º, n.º 4 do CPC) que “incumbe ainda ao juiz convidar as partes”. No sentido de o despacho convite ao aperfeiçoamento dos articulados não ser à luz do actual CPC uma mera faculdade do juiz, mas antes um poder funcional vinculado, Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., 2014, Almedina, p. 520/521, Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2ª ed., 2017, Almedina, pp. 249/252. José Henrique Delgado de Carvalho, Os Temas da prova, 2ª ed., Quid Iuris, 2015, p. 23/35; no âmbito do anterior regime do CPC, no sentido de estarmos perante um poder-dever de natureza essencialmente discricionário que o juiz da causa exercitaria ou não segundo o seu prudente arbítrio, daí que a omissão de um tal despacho, em situações em que se justificasse, não importava irregularidade que determinasse nulidade, nem era impugnável. - cfr. Pais de Sousa e Cardona Ferreira, in Processo Civil, Editora Rei dos Livros, 1997, p. 39, e Paula Costa e Silva, Saneamento e Condensação no Novo Processo Civil: A Fase da Audiência Preliminar, in Aspectos do Novo Processo Civil, Lex, 1997, págs. 224/225 e 228/233 e Ac. do STJ de 01/04/14 (Relator Gregório Silva Jesus), in www.dgsi.pt. 9. Cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª ed., Almedina, 2017, pp. 634/635. 10. Cfr., no sentido da ausência de vinculação a anterior cominação assinalada, Ac. RL de 21/03/2013 (relatora Ana de Azeredo Coelho), in www.dgsi.pt. 11. Uma breve nota para referir que o acórdão invocado pela recorrente no ponto 6ª das suas conclusões – que corresponde, efetivamente, ao Ac. RL de 1/03/2007, CJ, Ano XXXII, T. I, p.65, e não ao indicado Ac. RE de 1/03/2007, provindo o lapso da errónea menção feita na obra citada –, versa sobre uma situação que não é assimilável à verificada nestes autos, já que aí estava em causa, ainda na fase liminar do processo de insolvência, a não identificação pela requerente da deliberação tomada para a sua apresentação à insolvência, bem como a não junção dos documentos referidos nas als. b) e f) do n.º 1 do art. 24º do CIRE e a não identificação dos seus gerentes, ignorando a notificação do tribunal (realizada nos termos do arts. 27º, n.º 1, al. b) do mesmo diploma) para corrigir esses vícios da petição e juntar tais documentos, reconduzindo-se, pois, a uma situação de irregularidade da petição e não de deficiência. 12. Porque, como já vimos, a estrita aplicação do citado normativo conduziria a que a falta de suprimento tivesse como consequência o indeferimento puro e simples do pedido de declaração de insolvência, o que é de rejeitar. |