Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
8257/18.4T8VNF.G1
Relator: MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: INSOLVÊNCIA
ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO PAULIANA
RESOLUÇÃO DO ACTO PELO ADMINISTRADOR
EFEITOS NA ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDÊNCIA DA APELAÇÃO
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A lei insolvencial dá prevalência à resolução operada pelo administrador, por se tratar de acto que aproveita a todos os credores da massa insolvente, ao contrário da impugnação pauliana que, como vimos, só aproveita ao próprio impugnante e na exacta medida do seu crédito.

II- Ainda que a decisão proferida no âmbito do processo de impugnação pauliana tivesse transitado em julgado desde que, resolvido o acto pelo administrador de insolvência, os seus efeitos suspendiam-se, não podendo esta prosseguir a não ser que a resolução fosse declarada ineficaz por decisão definitiva.

III - O mesmo sucedendo relativamente à execução instaurada com base na sentença de impugnação pauliana pelas razões apontadas.

IV- E, caso a resolução seja julgada procedente, a impugnação e respectiva execução com base nesta, extinguem-se por inutilidade superveniente, regressando os bens em poder de terceiro, ao património do devedor insolvente.
Decisão Texto Integral:
- Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães –

I. RELATÓRIO

No processo executivo acima identificado em que figuram como exequentes Transporte X Lda. e como executados M. R. e M. M. foi com data de 29.05.2019 proferido o seguinte despacho:

O n.º 1 do art. 127º do CIRE prevê expressamente a preclusão do direito de o credor instaurar uma acção pauliana se o mesmo negócio foi declarado resolvido pelo administrador da insolvência (n.º 1).

Mais, decorre do n.º 2 que o destino das paulianas pendentes à data da resolução em benefício da massa - tenham sido instauradas antes da declaração de insolvência ou depois – será a suspensão. A suspensão da instância deverá manter-se pelo período mínimo de 3 meses, prazo findo o qual caducará o direito de impugnação da resolução (cf. art. 125º). A acção só prosseguirá se a resolução vier a ser procedentemente impugnada. Caso contrário, extinguir-se-á por inutilidade superveniente da lide, já que deixará de ser possível a execução do bem no património do terceiro em virtude da sua “viagem de regresso para a massa”.
O referido regime aplica-se à presente execução, movida pelo aqui exequente contra os executados na sequência do provimento da acção impugnação pauliana.
Assim, ao abrigo do disposto no artigo 127º, n.º 2 do CIRE, suspendo a presente execução.
Notifique.
Solicite à Srª AI que informe:
- Se a resolução foi impugnada ou já caducou o direito de impugnação da resolução (cf. art. 125º).
Informe o exequente se o crédito que detém sobre o executado/insolvente lhe foi reconhecido nos autos de insolvência.

Inconformada a exequente apresenta recurso que termina com as seguintes conclusões:

1. O presente recurso vem interposto na sequência do despacho com a ref. ª 163426925;
2. Uma vez que não pode a Recorrente não conformar-se com o teor do referido despacho, que afirma, desde logo, o seguinte: “Mais, decorre do n.º 2 que o destino das paulianas pendentes à data da resolução em benefício da massa – tenham sido instauradas antes da declaração de insolvência ou depois – será a suspensão. A suspensão da instância deverá manter-se pelo período mínimo de 3 meses, prazo findo o qual caducará o direito de impugnação da resolução (cf. art. 125º). (….) O referido regime aplica-se à presente execução, movida pelo aqui exequente contra os executados na sequência do provimento da ação impugnação pauliana. Assim, ao abrigo do disposto no artigo 127º, n.º 2 do CIRE, suspendo a presente execução.” (sublinhado nosso)
3. Ora, os presentes autos não são de impugnação pauliana, mas sim de execução da sentença proferida (no âmbito de uma ação de impugnação pauliana).
4. Sendo a decisão proferida procedente e podendo a recorrente executá-la, como está a fazer, não se encontra qualquer razão lógica para estes autos ficarem suspensos por aplicação do 127.º do CIRE, que se aplica a processos de impugnação pauliana que ainda não foram julgados.
5. E não a casos, como o dos presentes autos, em que já há uma decisão proferida e a ser executada, uma vez que, apesar de ter sido interposto recurso pelo impugnado, a execução da sentença corre os seus termos, em virtude de a apelação não ter efeitos suspensivos, nos termos previstos na lei, e os seus efeitos retroagem sempre à data em que foi instaurada a ação.
6. Pelo que, salvo melhor opinião, não existe qualquer razão para estes autos de execução serem suspensos, pois o artigo 127.º do CIRE aplica-se aos autos de impugnação pauliana e, os presentes autos, já se encontram numa fase posterior àquela que está prevista no artigo do CIRE, que se destina a ações relativamente às quais ainda não foi proferida uma sentença, e já não às execuções de sentença de ações que, pela sua natureza não são apensadas aos autos de insolvência e que,
consequentemente prosseguem os seus termos.
7. No entanto, e mesmo que assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se admite, não pode a Recorrente conformar-se com o restante teor do despacho recorrido;
8. Nomeadamente no que diz respeito ao seguinte: “A ação só prosseguirá se a resolução vier a ser procedentemente impugnada.

Caso contrário, extinguir-se-á por inutilidade superveniente da lide, já que deixará de ser possível a execução do bem no património do terceiro em virtude da sua “viagem de regresso para a massa”.” (sublinhado nosso)
9. Antes de mais, é certo que “mostra-se convertida na doutrina e na jurisprudência a questão da articulação dos meios de tutela dos credores relativamente a atos praticados pelo devedor em seu prejuízo no âmbito da insolvência (resolução em benefício da massa insolvente) e fora dela (impugnação pauliana), atendendo ao facto do atual CIRE ter deixado cair o recurso à chamada “impugnação pauliana coletiva” prevista no artigo 157.º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e da Falência (CPEREF)” – neste sentido, veja-se o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15.01.2019, relatora Graça Amaral (processo 3134/14.0TBBRG.G1. S1).
10. Com efeito, o CIRE passou apenas a regular a resolução em benefício da massa insolvente enquanto meio de tutela dos deveres do insolvente, sendo que ao regulamentar a articulação desta figura com o instituto da impugnação pauliana, aboliu a referência aos efeitos coletivos da impugnação pauliana.
11. Para além disso, o regime atual da impugnação pauliana, previsto no Código Civil, ao invés do que se passava com o Código de 1867, caracteriza-se quanto aos efeitos da procedência da respetiva ação, enquanto direito pessoal de restituição, porquanto o ato visado não é afetado na sua validade intrínseca, apenas deixa de produzir efeitos em relação ao credor impugnante na medida do seu interesse, ou seja, uma vez satisfeito o direito do credor o ato impugnado permanece integralmente válido.
12. O regime legal da ação de impugnação pauliana não se confunde com o da ação de nulidade ou de anulação pois que se caracteriza por não comportar o retorno dos bens ao património do alienante para ali serem executados, mantendo-se os mesmos no património do terceiro adquirente uma vez que os atos praticados permanecem válidos, tendo o credor direito apenas à restituição dos bens na medida do seu interesse – eficácia pessoal da impugnação pauliana – e nessa medida os presentes autos nunca serão inúteis.
13. Pelo que, os efeitos da impugnação pauliana aproveitam apenas ao credor que a tenha requerido e, como consequência lógica da inexistência de nulidade ou anulação do ato, isto é, atenta a preservação da validade “condicionada” do ato, não é possível falar de um “regresso” do bem alienado ao património do devedor, sendo que, igualmente, não deixa de existir o ónus que sobre esse bem entretanto se tiver constituído – é neste sentido que vai a jurisprudência mais recente, nomeadamente o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15.01.2019, relatora Graça Amaral (processo 3134/14.0TBBRG.G1.S1).
14. O referido Acórdão refere ainda que tendo presente o elemento literal de interpretação e, bem assim, a opção do legislador ao deixar de prever como efeitos da
impugnação pauliana a afetação dos bens para a massa falida, não nos é possível descortinar outra interpretação que não seja a de que, atenta a natureza da ação de
impugnação pauliana, não pode a procedência daquela assumir efeitos coletivos no sentido de beneficiar a massa insolvente e muito menos pode prejudicar o credor que
exerceu o seu direito através da ação de impugnação pauliana, já que este é um direito muito mais abrangente para o credor que usou mão dessa faculdade, e eficaz, e que foi declarado antes da insolvência e muito antes da resolução operada pela Sra. Administradora de Insolvência.
15. No caso em apreço nos presentes autos, existe uma ação de impugnação pauliana julgada procedente a favor da Requerente – anterior à declaração de insolvência – pelo que os seus efeitos não são (nem podem ser) coletivos, nem pode ser prejudicada pela insolvência posterior e pela muito posterior resolução, aproveitando apenas à Requerente e não havendo uma viagem de regresso dos bens para a massa (que a ocorrer deverá ser de aqueles remanescentes depois de pago, através da presente execução, o crédito do credor impugnante, que não pode ser prejudicado por uma resolução ocorrido em momento posterior a ter sido declarado o seu direito).
16. A jurisprudência mais recente vai no sentido de que os efeitos da impugnação pauliana aproveitam apenas o credor que a requereu, pelo que, neste caso, havendo uma decisão proferida no processo de impugnação pauliana que é anterior ao processo de insolvência, e a qualquer resolução, o credor impugnante terá sempre que ver assegurada a eficácia pessoal da sua impugnação, não podendo seu direito, já declarado judicialmente ser coartado.
17. Por fim, mesmo que a resolução seja julgada procedente, não se pode aceitar o afirmado no despacho recorrido, isto é, que nesse caso a presente ação “extinguir-se-á por inutilidade superveniente da lide, já que deixará de ser possível a execução do bem no património do terceiro em virtude da sua “viagem de regresso para a massa”.
18. Mesmo que se entendesse que neste momento não existe um direito judicialmente válido e eficaz, uma vez que a decisão proferida no âmbito da ação pauliana foi alvo de recurso, o qual ainda não obteve uma decisão por parte do Tribunal da Relação do Porto, é certo que caso o recurso venha a ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão proferida a favor da impugnante, ora recorrente, os efeitos da decisão terão que retroagir à data da decisão de 1.ª instancia.
19. O que significa que, caso o recurso seja improcedente, à data da declaração de insolvência e à data da resolução por parte da Administradora de Insolvência, já existia uma decisão procedente no âmbito da impugnação pauliana – pelo que qualquer decisão do processo de insolvência, nomeadamente a procedência da resolução, não pode afetar o direito já constituído do credor impugnante.
20. A douta sentença violou assim, por erro de interpretação, o preceituado nos artigos 127.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e ainda 616.º e 617.º do Código Civil.

Termos em que deve, na procedência do recurso, ser revogado o despacho recorrido, e assim fazendo V. Exias. a devida e esperada
JUSTIÇA!

A recorrida M. M. contra-alega apresentando os seguintes fundamentos:

DA ILEGITIMIDADE DA RECORRENTE

Vem a ... ENERGIA S.A. recorrer do despacho com a referência 163426925 proferido nestes autos.
Acontece que, a ... ENERGIA S.A. não é parte nestes autos, não tendo assim
legitimidade para interpor o presente recurso.
Pelo que, deve considerar-se desde logo parte ilegítima e, como tal, não ser
admitido o presente recurso, o que expressamente se requer.
Sem prescindir e por mera cautela de patrocínio
O despacho com a refª 163426925, proferido a fls., sob censura não merece
qualquer reparo.
Desde logo porque faz uma correcta aplicação e interpretação da lei.
Assim, sustentando-se tal despacho por si próprio, poderia a recorrente limitar-se a louvar-se nele.
Porém, tal como acima se referiu, por dever de ofício, sempre se irão tecer alguns, curtos, considerandos.
A Apelante insurge-se contra o despacho proferido nos autos por, no seu entender, não se encontrar qualquer razão lógica para os mesmos ficarem suspensos por aplicação do artigo 127 do CIRE, já que, não estamos perante uma acção de impugnação pauliana, mas sim de execução da sentença (proferida no âmbito de uma
ação pauliana), sendo que aquele artigo apenas se aplica a processos de impugnação
pauliana.
Ora não assiste qualquer razão à Apelante, desde logo, porque o artigo 127 º do CIRE se aplica a todos os processos de impugnação pauliana, pendentes à data da declaração de insolvência, o que se verifica in casu já que a decisão proferida no processo de impugnação pauliana não transitou e, por maioria de razão,
Não obstante o recurso interposto da decisão proferida no âmbito do processo de insolvência não ter efeito suspensivo e por isso, a recorrente ter prosseguido com a execução, cujo titulo é a sentença de impugnação, o certo é que a resolução operada
pela senhora administradora de insolvência suspende o processo de impugnação pauliana e como tal também suspende a execução à qual a decisão aí proferida serviu de titulo executivo.
Aliás, ainda que a decisão de impugnação pauliana tivesse já transitado em julgado, o que não é o caso, sempre o administrador de insolvência dispondo de fundamento legal e desde que dentro do prazo para o efeito, podia e devia resolver em beneficio da massa insolvente os actos que fossem prejudiciais àquela, praticados pelo devedor/ insolvente, como o fez, a tal não obstando o facto de dispor já um credor deste último de decisão judicial transitada, proferida em ação de impugnação pauliana, neste sentido Ac. do TR. De Guimarães, proferido no Proc. 89/14.5TJVNF-B G.1, relator António Santos.
E isto porque, a assim não se entender, e em desrespeito pela execução universal que a insolvência despoleta, estar-se-ia a conferir a um credor do insolvente uma vantagem em relação a todos os demais, sendo a mesma em absoluto contrária ao principal interesse que o direito concursal visa salvaguardar- o pagamento dos credores em condições de igualdade-
Assim, ainda que a decisão proferida no âmbito do processo de impugnação pauliana tivesse transitado o que não é o caso como se disse, desde que, resolvido o acto pelo administrador de insolvência, os seus efeitos suspendiam-se, não podendo esta prosseguir a não ser que a resolução fosse declarada ineficaz por decisão definitiva.
O mesmo sucedendo relativamente à execução instaurada com base na sentença de impugnação pauliana.
E, caso a resolução seja julgada procedente, a impugnação e respectiva execução com base nesta, extinguem-se por inutilidade superveniente, regressando os bens em poder de terceiro, ao património do devedor insolvente.
E isto porque “permitir a respectiva execução no património do terceiro suporia conferir uma posição de vantagem ao credor que está munido de uma decisão proferida na acção de impugnação: só ele tem título que lhe permite atingir o património de terceiro “.
Ora, sufragando este entendimento, muito recentemente, veio já o nosso mais
alto Tribunal decidir que é aquele que melhor “ se compagina com a execução universal que a insolvência é, sendo compaginável com a consideração do princípio par conditio creditorum, evitando que, malgrado a declaração de insolvência dos executados, estes, indirectamente, sejam beneficiados tal como o seu credor/exequente na execução singular, acobertados sob os ortodoxos efeitos da procedência da acção pauliana, o que vale por dizer, que não obstante a insolvência dos executados e Réus vencidos na acção pauliana, a execução prosseguiria, em relação ao bem penhorado e objecto da acção pauliana, apenas entre o credor exequente e os executados, ficando a salvo da execução universal com evidente tratamento discriminatório.”
“O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.”

Neste mesmo sentido se decidiu também no Ac. do Tr. do Porto de 08/07/2015 proferido no Proc nº 465/14.3 TBMAI-A P.1., relator Carlos Querido que diz:

“ O confronto dos artigos 126.º e 127.º do CIRE permite definir os contornos distintivos das duas figuras de garantia patrimonial dos credores do insolvente previstas no capítulo em que ambas as disposições legais se inserem: a resolução em benefício da massa insolvente “tem efeitos retroativos, devendo reconstituir-se a situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado ou omitido, consoante o caso” (art.º 126/1 do CIRE); na impugnação pauliana “o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição” (art.º 616.º do CC, por expressa remissão do art.º 127/3 do CIRE).
III- A apontada distinção justifica a prevalência da resolução em benefício da massa insolvente [consagrada nos n.º 1 e 2 do art.º 127.º do CIRE], a qual se concretiza nestes termos: o n.º 1 impede os credores da insolvência de instaurar ações de impugnação pauliana relativamente a atos praticados pelo devedor, cuja resolução haja sido declarada pelo Administrador de Insolvência; o n.º 2 (1.ª parte) determina que se a ação de impugnação pauliana se encontrar pendente no momento em que é emitida pelo Administrador da Insolvência a declaração resolutiva do ato impugnado, deve de imediato declarar-se a suspensão da instância; o n.º 2 (2.ª parte) determina que a ação de impugnação pauliana apenas prosseguirá os seus termos se a declaração de resolução vier a ser declarada ineficaz por decisão judicial definitiva; decorre dos mesmos normativos que se a resolução não for judicialmente impugnada, ou se tal impugnação for julgada improcedente, deve a ação de impugnação pauliana ser julgada extinta por inutilidade superveniente da lide.

Por outro lado, o Ac. TR de Guimarães de 10/12/2013 proferido no Proc. 214/12.0TBPVL.G1, relator Paulo Duarte Barreto refere o entendimento de Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pag. 445, em anotação ao art.º 127.º, do CIRE:

Na sua articulação com o n.º 1, deste n.º 2 resulta que a lei dá prevalência à actuação do administrador da insolvência na resolução de actos do insolvente sobre a impugnação dos credores; (…); esta prevalência da resolução operada pelo administrador se justifica, em face dos seus efeitos, quando confrontada com os da impugnação; na verdade, aquela aproveita a todos os credores, pois é feita em benefício da massa, enquanto a impugnação só aproveita ao impugnante”.

Pelo que, não assiste qualquer razão à recorrente.

Por outro lado, vem aquela fundamentar o seu recurso num Acórdão proferido
pelo STJ em 19/01/2019, alegando que aquele vem defender a existência de jurisprudência mais recente e que alegadamente se aplicaria ao caso dos autos.

Ora, nada mais falso, o que vem defendido naquele Acórdão, além de não ser
inovação jurisprudencial, versa sobre uma situação totalmente diversa da dos autos.

Isto é, o que aquele Acórdão vem decidir é que, no caso de existir uma impugnação Pauliana procedente, requerida apenas por um dos credores, os seus efeitos aproveitam apenas ao próprio e não á generalidade dos credores do insolvente.

E isto porque, naquele caso concreto, não houve resolução por parte do Administrador de Insolvência em benefício da massa insolvente, já tinha decorrido o prazo para a promover e o processo de insolvência estava até encerrado.
Mais, o próprio processo de impugnação pauliana tinha já transitado.
Ora, como facilmente se verifica, em nada se assemelha o caso decidido naquele acórdão com o que está em causa nestes autos.
Pelo contrário, nestes autos, atempadamente foi feita a resolução pela Administradora de insolvência, que não foi objecto de impugnação, pois o prazo terminou no dia 3 de Julho do corrente.
Além de que, o processo de impugnação pauliana que serviu de base à presente execução ainda não transitou, pois, não foi proferida qualquer decisão no recurso interposto da mesma.
Pelo que, bem andou o douto Tribunal ao suspender a execução.
Aliás, decorrido que está o prazo de impugnação da resolução, esta tornou-se definitiva e, como tal, o próprio processo de impugnação pauliana, terá de ser extinto,
por inutilidade superveniente da lide.
Extinto que seja aquele processo, igual destino terá de ter a execução nele baseada, atendendo a que os bens deixaram de estar no património de terceiro, a aqui
recorrida, em virtude da sua viagem de regresso para a massa.

Aliás o Ac. do Tr. de Évora de 14/09/2017 proferido no proc. 539/14.0TBVNO- A. E1, relator Paulo Amaral é claro quando decide que:

“Os efeitos da impugnação pauliana não se produzem se o bem sobre que incidia integra uma massa insolvente.”
E muito menos razão tem a recorrente quando refere que, caso o recurso interposto no processo de impugnação pauliana seja considerado improcedente mantendo-se a decisão a favor da recorrente, os seus efeitos retroagem á data da decisão proferida em primeira instância.
Será que a recorrente desconhece as regras processuais, a noção de transito em julgado e quando o mesmo ocorre?
Será que não sabe que o tribunal da relação pode alterar a decisão proferida em primeira instância??? Então qual é o sentido de recorrer, se a decisão que prevalece é a de primeira instância??’
Assim se verifica que a recorrente pretende com o presente recurso fazer crer
que à data da declaração de insolvência e da resolução feita pela Sra. Administradora
de insolvência, estava já munida de uma decisão definitiva, o que é manifestamente
impensável á luz do nosso ordenamento jurídico.
E mais sem sentido é esta afirmação, quando foi a transportes X que requereu a declaração de insolvência de M. R., não podendo assim desconhecer, os efeitos de tal iniciativa.
E, se tal como alega a recorrente pode executar a sentença ainda não transitada como fez, o que é certo é que, o nº 2 do artigo 704 do CPC refere” A execução iniciada na pendência de recurso extingue-se ou modifica-se em conformidade com a decisão definitiva, comprovada por certidão”.
Assim, nenhuma razão tem a recorrente para interpor o presente recurso, pois bem sabe que o CIRE e a jurisprudência são claros ao prever a resolução dos actos praticados pelo insolvente e a fazer prevalecer tal resolução sobre a impugnação pauliana instaurada por qualquer credor.
Aliás, bem sabendo que tinha que concorrer ao património do insolvente com os restantes credores, veio a Transporte X, reclamar o seu crédito na Insolvência e requerer privilégio sobre os restantes credores, direito que lhe foi reconhecido pela Srª Administradora de Insolvência.
Por tudo o exposto, se depreende que bem andou o Tribunal “a quo” ao decidir como decidiu e, como tal, nenhum reparo pode ser feito ao douto despacho proferido.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. Muito doutamente suprirão, deve o presente recurso ser rejeitado por ilegitimidade da recorrente.

Caso assim se não entenda deve o recurso ser improcedente, mantendo-se na íntegra o despacho proferido.

Assim se fazendo JUSTIÇA

O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos, com efeito devolutivo – artºs 629º, nº1; 644º, nº1, al. a); 638º; 645º, nº1, al. a) e 647º, nº1, do Código de Processo Civil.
Recebido o processo neste Tribunal foi a recorrente notificada para se pronunciar acerca da alegada ilegitimidade.
Respondeu dizendo que conforme certidão permanente da empresa alterou a sua designação comercial de “transportes X SA” para “... ENERGIAs SA”.
Juntou certidão permanente de onde resulta a invocada alteração.
Foram colhidos os vistos legais.

II. ÂMBITO DO RECURSO.

Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pela apelante ser a seguinte a questão a apreciar:

- Aferir se a decisão apelada deve ser revogada nos termos pedidos pela recorrente.
***
III. FUNDAMENTAÇÃO

De Facto:

Os factos a considerar para a economia da apelação são os constantes do relatório que antecede, impondo-se, porém, ainda atentar, porque pertinente para a decisão a proferir, na seguinte factualidade [que decorre do processado nos autos]:

1. M. R., foi declarado insolvente por sentença proferida em 22.01.2019, na sequência da ação instaurada pelo credor “Transportes X, S.A.”, em 02.08.2018;
2. Por sentença proferida em 14-10-2016, confirmada na íntegra por acórdão da Relação de Guimarães de 30-03-17, do qual foi interposto recurso de revista excecional, não admitido pelo Supremo Tribunal de Justiça por acórdão de 19-10-17, tendo sido interposto recurso para o Tribunal Constitucional, cujo objeto não foi conhecido por decisão de 02-02-2018, proferida no incidente de qualificação que correu por apenso ao processo de insolvência da sociedade “Y – Comércio de Combustíveis, Lda.”, que correu termos sob o n.º 473/14.4TBGMR, apenso C, do Juízo de Comércio de Guimarães, J3, foi a insolvência qualificada culposa e o aqui Devedor M. R. foi ali abrangido pela qualificação e foi condenado a indemnizar os credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respetivo património, a liquidar em execução de sentença devendo como critério para a sua quantificação atender-se ao montante dos créditos reclamados, aos quais deverá ser subtraída a quantia que em rateio final (se existindo) vier a ser apurada, para distribuição, após pagamento das custas processuais.
3. Por sentença transitada em julgado proferida no apenso de reclamação de créditos do processo de insolvência da sociedade “Y – Comércio de Combustíveis, Lda.”, acima identificado, foram reconhecidos e verificados créditos no montante global de 648 837,63 euros, sendo ao credor “Transportes X, S.A.” reconhecido um crédito no montante global de 507 992,06 euros.
4. O processo de insolvência da sociedade “Y – Comércio de Combustíveis, Lda.” foi encerrado por insuficiência da massa, por decisão transitada em julgado em 13.11.2018.
5. O credor “Transportes X, S.A.” apresentou, em 27.03.2018, Requerimento Executivo no Tribunal da Comarca de Braga, Juízo de Comércio, para execução da sentença condenatória proferida no apenso de qualificação, da sociedade “Y – Comércio de Combustíveis, Lda.”, acima identificada, contra o aqui Devedor, para pagamento coercivo da quantia global de 574 128,45 euros.
6. No âmbito da execução movida pelo credor “Transportes X, S.A.” contra o Devedor foi feita pesquiza à base de dados da Autoridade Tributária, em 28.03.2018, tendo resultado dessa pesquiza que o Devedor nessa data era titular de um prédio urbano sito na freguesia de ..., Lugar de ..., concelho de Penafiel, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo .., daquela freguesia, com o valor patrimonial de19 160,03 euros, e de um prédio rústico, sito na mesma freguesia e Lugar, inscrito na matriz rústica sob o artigo …, com o valor patrimonial de 4,15 euros, e de um veículo com a matrícula AL, da marca Citroen AX D, do ano de 1992, constando ainda como sócio de uma sociedade com o NIPC …, desde 02.06.2008 e como herdeiro das heranças abertas por óbito das pessoas com o NIF …, desde 13.07.2006, e 705857468, desde 09.12.1999.
7. Da consulta efetuada à base de dados da Segurança Social, efetuada no âmbito da mesma execução, em 28.03.2018, resultou que o requerido aufere uma pensão de velhice no montante mensal de 440,67 euros.
8. Da consulta efetuada, na mesma data, à base de dados do Registo Automóvel resultou que o Requerido é titular do veículo com matrícula AL.
9. Da consulta efetuada, em 28.03.2018, à base de dados do Registo Predial resultou que o Requerido é titular inscrito, com registo provisório por dúvidas, do prédio urbano sito na freguesia de ..., concelho de Penafiel, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, daquela freguesia e registado na Conservatória de Registo Predial de Penafiel sob o número …, da freguesia de ... e de um prédio rústico, sito na mesma freguesia e Lugar, inscrito na matriz rústica sob o artigo …, e registado na Conservatória de Registo Predial de Penafiel sob o número …, da freguesia de ....
10. Sobre o prédio rústico registado na Conservatória de Registo Predial de Penafiel sob o número …, da freguesia de ... mostra-se averbada uma penhora efetuada no processo executivo n.º 738/18.6TLOU, a correr termos pelo Juízo de Execução de Lousada, Tribunal da Comarca do Porto Este, para pagamento coercivo da quantia de 29 039,80 euros, devida a título de pagamento de tornas aos ali exequentes no Inventário judicial n.º 1625/09.4TBPNF, a que se procedeu por óbito de A. R., falecido a -.12.1987, de L. F., falecida em -.12.1999 e de J. G., falecido em -.07.2006.
11. Atualmente o devedor aufere uma pensão de velhice no montante mensal de 452,88 euros.
12. Por escritura de Partilha Por Divórcio realizada no Cartório do Notário R. T., em 10.08.2017, o Devedor acordou na partilha dos bens do seu dissolvido casal, ficando adjudicados à sua ex-esposa M. M., os seguintes bens: verba 1, Prédio rústico, composto por um terreno sito no Lugar do …, da freguesia de …, concelho de Penafiel, descrito na Conservatória do Registo Predial de Penafiel sob o número … e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, verba 2, Prédio urbano, composto por casa de habitação de cave e rés-do-chão, com logradouro, sito na Rua …, n.º .., Lugar de …, da freguesia de …, concelho de Vila Nova de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o número … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo .., verba 3, Prédio urbano, composto por estação de serviço automóvel, com posto de abastecimento, posto de lavagem e lubrificação e loja de conveniência, e pavimento em asfalto, com a área coberta de cento e vinte metros quadrados e descoberta de quatro mil quatrocentos e oitenta metros quadrados, sito na Rua …, Lugar de …, da freguesia de ..., concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o número …, e inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia de ... sob o artigo …, verba 4, Veículo automóvel ligeiro de passageiros com a marca “Mercedes-Benz” e a matrícula “SS”, verba 9, Estabelecimento comercial destinado a posto de lavagem e reparação automóvel, objeto de cessão de exploração a terceiro, o qual se encontra instalado no prédio supra identificado com a verba três, verba 10, Estabelecimento comercial destinado a reparação automóvel, objeto de cessão de exploração a terceiro, o qual se encontra instalado no prédio supra identificado como verba um, e verba 11, todo o recheio existente no prédio urbano identificado como verba dois, composto por diversos eletrodomésticos, mobiliário, artigos têxteis e de decoração, louças e utensílios de cozinha; e ficando adjudicados ao Devedor M. R. os bens: verba 5, Quota no valor nominal e atribuído de cinquenta mil euros, titulada em
nome do Devedor, no capital social da sociedade comercial “W – Representações Lda.”, NIPC …, verba 6, Quota no valor nominal e atribuído de cinquenta mil euros, titulada em nome da ex-cônjuge do Devedor, no capital social da referida sociedade comercial por quotas sob a firma “W – Representações Lda.”, verba 7, Direito de crédito, no montante de oitenta mil euros, correspondente às prestações suplementares efetuadas pelo Devedor à indicada sociedade comercial por quotas com a firma “W – Representações Lda.”, na sua qualidade de sócio da mesma, e de que é titular; verba 8, Direito de crédito, no montante, de oitenta mil euros, correspondente às prestações suplementares efetuadas pela segunda outorgante à indicada sociedade comercial por quotas com a firma “W – Representações, Lda.”, na sua qualidade de sócia da mesma, e de que é titular; e verba doze, saldo de conta à ordem, de que o primeiro outorgante é titular, com o número de identificação bancária (NIB) 0045 1342400353376…s, aberta junto da agência de … “Caixa …, CRL”, no montante de quatro mil setecentos e setenta e nove euros e sessenta e quatro cêntimos; tendo declarado que a ex-cônjuge do Devedor lhe pagava 20 000 euros de tornas no prazo de um mês contado a partir do dia 10-08-2018.
13. A Sr.ª Administradora de Insolvência remeteu ao Devedor e a M. M. cartas registadas com A/R, com data de 02.04.2019, recebida pelos destinatários, comunicando-lhes a resolução do ato jurídico consubstanciado na escritura de Partilha Por Divórcio realizada no Cartório do Notário R. T., em 10.08.2017.
14. Por sentença não transitada em julgado, proferida em 21.01.2019, na acção de impugnação pauliana interposta pelo credor “Transportes X, S.A.” contra M. R. e M. M., que corre termos sob o n.º 1786/18.1T8GMR, do Juízo central Cível de Guimarães, J2, foi declarado ineficaz em relação à Autora a escritura pública de partilha por divórcio, celebrada entre os Réus em 2 de agosto de 2017, no Cartório Notarial do Dr. R. S., na cidade e concelho de Vila Nova de Famalicão e reconhecido o direito da Autora à restituição dos bens objeto da referida partilha e nela melhor constantes, descritos no art.º 28.º da petição inicial, na medida do seu interesse e de modo a que a Autora se possa pagar à custa deles, ou seja, para pagamento do seu direito de crédito, até ao limite do mesmo, podendo executá-los e, ainda, praticar atos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei.
15.Não foi aberto o incidente de Qualificação de Insolvência, já que não foi requerido no prazo e pelo meio próprio previsto na Lei para esse efeito, isto é, pela apresentação do parecer
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De Direito:

●. Da ilegitimidade da recorrente

Alega a recorrida que a ... ENERGIA S.A. recorre do despacho com a referência 163426925 proferido nestes autos.
Acontece que, a ... ENERGIA S.A. não é parte nestes autos, não tendo assim legitimidade para interpor o presente recurso.
Pelo que, deve considerar-se desde logo parte ilegítima e, como tal, não ser admitido o presente recurso, o que expressamente se requer.
Notificada a recorrente para se pronunciar acerca da alegada ilegitimidade respondeu dizendo que: conforme certidão permanente da empresa alterou a sua designação comercial de “transportes X SA” para “T... ENERGIAs SA”.
Juntou certidão permanente de onde resulta a invocada alteração.
A ser assim improcede a invocada ilegitimidade.
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●. Da solução jurídica

Para um correcto enquadramento do “thema decidendum”, importa expor, sucintamente, algumas considerações jurídicas sobre o instituto da impugnação pauliana.
É regra consabida que o património do devedor é responsável pelo cumprimento das suas obrigações (art. 601º do CC).
Razão por que é dada ao credor a possibilidade de se precaver, com garantias reais ou pessoais, ou ambas, que exige do devedor, para assegurar a satisfação do seu crédito.
A lei prevê meios de conservação da garantia patrimonial.
Um desses meios é, precisamente, a impugnação pauliana.

Com efeito, a impugnação pauliana, configurada como um meio de conservação da garantia patrimonial, poderá ser definida como a faculdade que a lei confere ao credor de atacar judicialmente certos actos válidos – ou mesmo nulos (nº 1 do art. 615º do CC) – celebrados pelo devedor em seu prejuízo

Como é sabido, o recurso à Impugnação Pauliana pressupõe, qualquer que seja a natureza do acto a atacar – onerosa ou gratuita –, a verificação cumulativa de determinadas circunstâncias:

a) a existência de determinado crédito;
b) que esse crédito seja anterior ao acto a impugnar ou, sendo posterior, que o acto tenha sido realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;
c) que resulte do acto a impossibilidade ou o agravamento da impossibilidade da satisfação integral do crédito.

Vejamos, agora, os efeitos da impugnação pauliana:

“Julgada procedente a impugnação, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição “, aproveitando os efeitos da impugnação “apenas ao credor que a tenha requerido” (art. 616º, nºs 1 e 4 do CC).

Reafirma-se, assim, o carácter vincadamente pessoal da pauliana, o que equivale a dizer que os seus efeitos se medem pelo interesse do credor que a promove.

Não se trata de uma acção de nulidade que, uma vez procedente, destrua totalmente, o acto impugnado.

O direito atribuído ao credor impugnante à restituição dos bens alienados ao património do devedor, para colmatar a brecha aberta na sua garantia patrimonial significa, em primeiro lugar, que o credor impugnante pode executar os bens alienados como se eles não tivessem saído do património do devedor, (sublinhado nosso) mas sem a concorrência dos demais credores deste, uma vez que a procedência da pauliana só ao impugnante aproveita.

Mas, significa também que, executando os bens alienados, como se eles tivessem retornado ao património do devedor e não se mantivessem na titularidade do adquirente, o impugnante pode executá-los, na medida do necessário para satisfação do seu crédito, sem sofrer a competição dos credores do adquirente.

Finalmente, não estando o acto impugnado afectado por qualquer vício intrínseco, capaz de gerar a sua nulidade, a procedência da pauliana não envolve a sua destruição. De facto, na medida em que a pauliana visa apenas eliminar o prejuízo causado à garantia patrimonial do credor impugnante, compreende-se que, reparado esse prejuízo, nenhuma razão subsiste para não manter a validade da parte restante do acto, não atingida pela impugnação pauliana.

Logo, o acto impugnado mantém-se de pé, como acto válido, em tudo quanto exceda a medida do interesse do credor.

Como se viu, o nº 1 do art. 616º do CC confere ao credor impugnante não só o direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, mas também o direito de os executar no património do obrigado à restituição.

A restituição efectiva dos bens ao alienante não tem, pois, interesse, na generalidade dos casos, a menos que a execução ainda não seja possível ou haja falência.

Este é – para nós – o aspeto do regime legal deste instituto jurídico que condiciona e explica o actual regime legal insolvencial neste particular.

Tem relevo -nesta sede – apreciar o alcance do art. 127.º do CIRE, em especial dos seus n.º 2 e 3, do seguinte teor: “(…) 2 – As ações de impugnação pauliana pendentes à data da declaração da insolvência ou propostas ulteriormente não serão apensas ao processo de insolvência e, em caso de resolução do ato pelo administrador da insolvência, só prosseguirão os seus termos se tal resolução vier a ser declarada ineficaz por decisão definitiva, a qual terá força vinculativa no âmbito daquelas ações quanto às questões que tenha apreciado, desde que não ofenda caso julgado de formação anterior. 3 – Julgada procedente a ação de impugnação, o interesse do credor que a tenha instaurado é aferido, para efeitos do artigo 616.º do Código Civil, com abstração das modificações introduzidas ao seu crédito por um eventual plano de insolvência ou de pagamentos.”

Maria do Rosário Epifânio In Manual de Direito da Insolvência, 2016, 6ª Edição, Almedina, p. 219. discorre nos seguintes termos sobre esta estatuição legal, e na parte diretamente aplicável à situação em aqui em análise: “(…) se um ato não for objeto de resolução pode ser objeto de impugnação pauliana (intentada antes ou depois da declaração de insolvência e que não é apensa ao processo de insolvência) (art. 127.º, n.º 1, a contrario, e n.º 2). (…) finalmente, e agora no âmbito restrito da impugnação pauliana, se a ação for julgada procedente, o interesse do credor impugnante será aferido em função do crédito, tal qual foi reclamado, e é independente das alterações resultantes de um eventual plano de pagamentos ou de insolvência (n.º 3 do art. 127.º).”

De forma mais incisiva para a apreciação do caso em análise, explicam Carvalho Fernandes e João Labareda In
Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 3ª Edição, 2015, Quid Juris, p. 518. que a lei dá prevalência à resolução operada pelo administrador, em face dos seus efeitos quando confrontada com os da impugnação. Nas suas palavras “Na verdade, aquela aproveita a todos os credores, pois é feita em benefício da massa, enquanto a impugnação só aproveita ao impugnante.” E mais à frente “A nova lei afasta-se da anterior, a qual, no seguimento da nossa tradição, determinava que a procedência da impugnação aproveitaria à comunidade dos credores (vd. Art. 159.º, n.º 1, do CPEREF). Nesta base, o interesse do credor impugnante e aferido, segundo a estatuição do n.º 3 do artigo em anotação, sem atender às modificações introduzidas no seu crédito, por um plano de insolvência ou de pagamentos que tenha sido aprovado e homologado; isto significa que o seu crédito é considerado, quanto à medida do direito à restituição, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 1 do referido art. 616.º, tal como tenha sido reclamado e verificado no processo de insolvência.”

Sintetizando, diremos que é para nós claro que o atual regime insolvencial apenas impede a pendência e/ou interposição de ação de impugnação pauliana se e na medida em que esta possa contender com resolução do ato respetivo levada a cabo pelo Administrador da Insolvência.

Tal como referem os autores acima citados, a lei insolvencial dá prevalência à resolução operada pelo administrador, por se tratar de ato que aproveita a todos os credores da massa insolvente, ao contrário da impugnação pauliana que, como vimos, só aproveita ao próprio impugnante e na exata medida do seu crédito. - neste sentido ver acórdão da Relação de Guimarães datado de 26.01.2017 e proferido no processo nº 5918/13.8 TBBRG.G1 (relatora Dr.ª Lina Castro Baptista). Ver também acórdão da R. Guimarães datado de 30.05.2018 proferido no processo nº 3134/14.0TBBRG.G1. (relator Dr. Pedro Damião).

Na doutrina Maria Francisca Medina Loureiro in A Impugnação Pauliana no Processo de Insolvência, Universidade Católica Portuguesa 2017 e Ricardo Jorge Moura de Castro, Julho de 2015 in Dissertação conducente á obtenção do grau de Mestre em Direito na especialidade de Ciências Jurídicas- Privatísticas realizada na Faculdade de Direito, Universidade do Porto sob a orientação do professor Doutor Paulo társio de Domingues acessível nos sites (consultados no dia 28.10.2019): https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/23781/1/TESE%208%20MAIO%20.pdf e https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/90072/2/170307.pdf

Nesta conformidade, e porque concordamos inteiramente com esta fundamentação que atrás se explicitou, resta-nos, pois, concluir no sentido da improcedência da pretensão da Recorrente, já que se considera que, no caso concreto, estamos justamente perante uma circunstância excepcional que impõe que os efeitos normais da procedência da acção de impugnação pauliana não sejam aqui aplicáveis.

Na verdade, tendo a devedora/alienante sido declarada insolvente, na pendência da acção executiva e da acção de impugnação pauliana, justifica-se que, tendo em conta as razões explanadas, os bens alienados, objecto da acção de impugnação pauliana julgada procedente, devam, excepcionalmente, regressar ao património do devedor/insolvente, para, integrando a massa insolvente, responderem, nas condições descritas, perante os credores da insolvente.

Assim, ainda que a decisão proferida no âmbito do processo de impugnação pauliana tivesse transitado o que não é o caso como se disse, desde que, resolvido o acto pelo administrador de insolvência, os seus efeitos suspendiam-se, não podendo esta prosseguir a não ser que a resolução fosse declarada ineficaz por decisão definitiva.

O mesmo sucedendo relativamente à execução instaurada com base na sentença de impugnação pauliana pelas razões apontadas.

E, caso a resolução seja julgada procedente, a impugnação e respectiva execução com base nesta, extinguem-se por inutilidade superveniente, regressando os bens em poder de terceiro, ao património do devedor insolvente.

Por fim para fundamentar o seu recurso cita a recorrente o Acórdão proferido pelo STJ em 19/01/2019, alegando que aquele vem defender a existência de jurisprudência mais recente e que alegadamente se aplicaria ao caso dos autos.

Citando a recorrida pelo acerto do afirmado diremos:

Ora, nada mais falso, o que vem defendido naquele Acórdão, além de não ser
inovação jurisprudencial, versa sobre uma situação totalmente diversa da dos autos.

Isto é, o que aquele Acórdão vem decidir é que, no caso de existir uma impugnação Pauliana procedente, requerida apenas por um dos credores, os seus efeitos aproveitam apenas ao próprio e não á generalidade dos credores do insolvente.

E isto porque, naquele caso concreto, não houve resolução por parte do Administrador de Insolvência em benefício da massa insolvente, já tinha decorrido o prazo para a promover e o processo de insolvência estava até encerrado.

Mais, o próprio processo de impugnação pauliana tinha já transitado.
naquele acórdão com o que está em causa nestes autos.

Pelo contrário, nestes autos, atempadamente foi feita a resolução pela Administradora de insolvência, que não foi objecto de impugnação, pois o prazo terminou no dia 3 de Julho do corrente.

Além de que, o processo de impugnação pauliana que serviu de base à presente execução ainda não transitou, pois, não foi proferida qualquer decisão no recurso interposto da mesma.
Pelo que, bem andou o douto Tribunal ao suspender a execução.
Aliás, decorrido que está o prazo de impugnação da resolução, esta tornou-se definitiva e, como tal, o próprio processo de impugnação pauliana, terá de ser extinto,
por inutilidade superveniente da lide.
Extinto que seja aquele processo, igual destino terá de ter a execução nele baseada, atendendo a que os bens deixaram de estar no património de terceiro, a aqui
recorrida, em virtude da sua viagem de regresso para a massa.
E muito menos razão tem a recorrente quando refere que, caso o recurso interposto no processo de impugnação pauliana seja considerado improcedente mantendo-se a decisão a favor da recorrente, os seus efeitos retroagem á data da decisão proferida em primeira instância.
Será que a recorrente desconhece as regras processuais, a noção de transito em julgado e quando o mesmo ocorre?
Será que não sabe que o tribunal da relação pode alterar a decisão proferida em primeira instância??? Então qual é o sentido de recorrer, se a decisão que prevalece é a de primeira instância??’
Assim se verifica que a recorrente pretende com o presente recurso fazer crer
que à data da declaração de insolvência e da resolução feita pela Sra. Administradora
de insolvência, estava já munida de uma decisão definitiva, o que é manifestamente
impensável á luz do nosso ordenamento jurídico.
E mais sem sentido é esta afirmação, quando foi a transportes X que requereu a declaração de insolvência de M. R., não podendo assim desconhecer, os efeitos de tal iniciativa.
E, se tal como alega a recorrente pode executar a sentença ainda não transitada como fez, o que é certo é que, o nº 2 do artigo 704 do CPC refere” A execução iniciada na pendência de recurso extingue-se ou modifica-se em conformidade com a decisão definitiva, comprovada por certidão”.

Por tudo o exposto, se depreende que bem andou o Tribunal “a quo” ao decidir como decidiu e, como tal, nenhum reparo pode ser feito ao douto despacho proferido.
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●. Das custas

É critério para atribuição do encargo das custas o da sucumbência e na respectiva proporção (artigo 527º, nºs 1 e 2, do código de processo).

Na hipótese, o recurso de apelação é integralmente improcedente; o encargo das custas é, no total, vínculo da apelante que ficou vencida na sua pretensão de procedência do recurso.
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Podendo, deste modo, concluir-se, sumariando (art. 663º, nº7 CPC), que:

●. - A lei insolvencial dá prevalência à resolução operada pelo administrador, por se tratar de acto que aproveita a todos os credores da massa insolvente, ao contrário da impugnação pauliana que, como vimos, só aproveita ao próprio impugnante e na exacta medida do seu crédito.
●. - Ainda que a decisão proferida no âmbito do processo de impugnação pauliana tivesse transitado em julgado desde que, resolvido o acto pelo administrador de insolvência, os seus efeitos suspendiam-se, não podendo esta prosseguir a não ser que a resolução fosse declarada ineficaz por decisão definitiva.
●. - O mesmo sucedendo relativamente à execução instaurada com base na sentença de impugnação pauliana pelas razões apontadas.
●. - E, caso a resolução seja julgada procedente, a impugnação e respectiva execução com base nesta, extinguem-se por inutilidade superveniente, regressando os bens em poder de terceiro, ao património do devedor insolvente.
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IV. DECISÃO

Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes que integram esta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante
Notifique.
Guimarães, 14 de Novembro de 2019
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)

O presente acórdão é assinado eletronicamente pelos respectivos
Maria Purificação Carvalho (Relatora)
Maria dos Anjos Melo Nogueira (1ª adjunta)
José Cravo (2º adjunto)