Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1989/23.7T8GMR-B.G1
Relator: ROSÁLIA CUNHA
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
SUCUMBÊNCIA
INCONSTITUCIONALIDADE
HONORÁRIOS
APOIO JUDICIÁRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/01/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: RECLAMAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - À luz do art. 629º, nº 1, do CPC, para que seja admissível recurso de apelação é necessário que se verifiquem, cumulativamente, dois requisitos:
1) o valor da causa tem de ser superior a € 5 000,00, por ser esse o valor da alçada do tribunal recorrido;
2) o valor da sucumbência tem de ser superior a € 2 500,00, correspondente a metade do valor dessa alçada.
II - Com o requisito da sucumbência, que foi introduzido com a reforma processual de 1985, pretendeu-se filtrar as questões suscetíveis de serem submetidas à reapreciação dos tribunais superiores, impedindo a possibilidade de recurso em casos em que a parte ficasse vencida em escassa dimensão, com vista a que as energias se concentrem naquilo que é importante, como forma de erradicar instrumentos potenciadores de morosidade da resposta judiciária e levando ainda em linha de conta o interesse de dignificar a atividade dos tribunais superiores.
III - Não se encontra consagrado na Constituição da República Portuguesa o direito ao recurso em pelo menos um grau no âmbito do processo civil, cabendo ao legislador ordinário definir os casos e os termos em que o recurso é admissível.
IV - Conforme tem vindo a ser afirmado reiteradamente pelo Tribunal Constitucional, não ocorre qualquer situação de inconstitucionalidade pela circunstância de o direito ao recurso estar condicionado por pressupostos atinentes ao valor da sucumbência.
V - As normas que contêm os pressupostos legais atinentes aos recursos aplicam-se indistintamente a todos os recorrentes, ainda que os mesmos sejam terceiros ou partes acessórias cuja legitimidade para recorrer lhes é conferida pelos nºs 2 e 3 do art. 631º do CPC, inexistindo qualquer norma que os dispense da verificação dos requisitos de admissibilidade consagrados no art. 629º, nº 1 atinentes ao valor da causa e da sucumbência.
VI - Embora os honorários devidos no âmbito da proteção jurídica estejam fixados num valor pré-determinado, constante de uma tabela, tal não dispensa a verificação do valor da sucumbência.
VII - Assim, a decisão judicial que indefere o pedido de pagamento de honorários a patrono nomeado no valor de € 207,20, é irrecorrível, por não se verificar o requisito da sucumbência.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

RELATÓRIO

AA, na qualidade de patrona nomeada à insolvente BB, apresentou reclamação, nos termos do art. 157º, nº 5, do CPC, da decisão da secretaria que rejeitou o seu pedido de pagamento de honorários, no valor de € 207,20, nos termos do ponto 5 da Tabela Anexa à Portaria nº 1386/2004, de 10.11, referentes à sua intervenção na reclamação de créditos que constitui o apenso A (requerimento de 12.10.2023, ref. Citius ...40 proferido no apenso A).

Em 27.10.2023 foi proferido despacho (ref. Citius ...63, apenso A) que indeferiu a reclamação apresentada por considerar que o apenso de reclamação de créditos constitui um incidente que se deve considerar parte integrante da tramitação obrigatória do processo de insolvência e, nessa medida, os honorários fixados legalmente para esse processo já contemplam tal incidente.

A patrona nomeada interpôs recurso deste despacho no qual sustenta que, para além dos honorários devidos pela sua intervenção no processo de insolvência, ao abrigo do disposto no ponto 4.4. da tabela anexa à Portaria nº 1386/2004, de 10.11, tem ainda direito a receber honorários, ao abrigo do disposto no ponto 5 da mesma tabela, pela sua intervenção no apenso de reclamação de créditos, o qual constitui um incidente do processo de insolvência.
Caso assim não se entenda, considera que tem direito a receber honorários nos termos do ponto 13 da mesma tabela.
Em qualquer dos casos, é-lhe devido o pagamento de 8 UR, como previsto na tabela citada, pelo que peticiona que assim se decida no recurso, revogando-se a decisão recorrida.
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O recurso foi admitido na 1ª instância, como apelação com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo (despacho de 12.12.2023 ref. Citius ...07 proferido no apenso A).
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De acordo com a certidão junta aos presentes autos, foi fixado ao processo o valor de € 30 000,01.
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Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, por se ter entendido que se colocava a questão da inadmissibilidade do recurso por não se encontrar preenchido o requisito atinente ao valor da sucumbência, nos termos do art. 655º, nº 1, do CPC, concedeu-se o prazo de 10 dias para as partes, querendo, se pronunciarem sobre a questão da (in)admissibilidade do recurso.
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A recorrente pronunciou-se, nos termos do requerimento de 3.1.2024 (ref. Citius ...76), considerando que o recurso deve ser admitido.

Como fundamento da sua pretensão alegou, no essencial, que:
- o despacho recorrido que não confirma os honorários liquidados pela recorrente viola o disposto no art. 3º, nºs 2 e 3, da Lei 34/2004, de 29 (Regime de acesso do direito e aos tribunais), sendo o recurso o único meio ao alcance da recorrente para reagir a tal despacho;
- em situações análogas às dos presentes autos, em que estava em causa o pagamento de honorários de valor idêntico, foram apreciados os recursos interpostos independentemente do valor dos honorários reclamados e da sucumbência referida no art. 629º, nº 1, do CPC. Face à existência desses acórdãos, que identificou e juntou, a decisão de não admissão do recurso nestes autos criará divergências na jurisprudência e desigualdade no tratamento em situações análogas, proferidas no domínio da mesma legislação;
- à luz dos princípios jurídicos da igualdade e da proibição da discriminação consagrados no art. 13º da CRP, não é permitido o tratamento diferenciado de situações iguais, sem um fundamento válido que justifique tratamento desigual;
- o objeto direto do recurso é o valor imaterial de reconhecimento do direito ao pagamento da compensação justa e adequada ao advogado nomeado no âmbito do acesso ao direito e o valor dos honorários a fixar é apenas objeto secundário do recurso;
- se se atender apenas ao valor dos honorários nunca será possível recorrer da aplicação de honorários pelo Tribunal a quo, pois esse valor, de acordo com a tabela de honorários, nunca é superior a metade da alçada do tribunal de 1ª instância;
- a rejeição do recurso com base no valor da sucumbência viola o princípio da igualdade previsto no art. 13º, nº 3, e o princípio da tutela jurisdicional efetiva, previsto no art. 20º, ambos da CRP, e ainda o princípio fundamental do direito à retribuição do trabalho.
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Em 11.1.2024, foi proferido despacho pela relatora (ref. Citius ...31), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, o qual contém o seguinte teor decisório:

“Face ao exposto, em conformidade com o disposto no art. 629º, nº 1, do CPC, não se admite o recurso interposto pela recorrente em virtude de o valor da sucumbência (€ 207,20) não ser superior a metade da alçada do tribunal recorrido (€ 2 500,00).”
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Discordando deste despacho, a recorrente veio apresentar reclamação para a conferência defendendo que o recurso deve ser admitido pelas razões que aduziu em sede de contraditório, e já supra sintetizadas.
Como novos fundamentos, com vista a sustentar a sua pretensão de admissibilidade do recurso, invocou que:

- não sendo a recorrente parte no processo não se lhe aplicam as regras dos recursos mencionadas no despacho reclamado, designadamente o art. 629º, não lhe sendo aplicável a regra do valor da causa ou da sucumbência;
- não se pode falar em valor de sucumbência porque os honorários estão legalmente fixados num valor pré-determinado, pelo que o que está em causa no recurso é unicamente a necessidade de aplicação da própria lei e não qualquer utilidade económica, sustentando esta afirmação no decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 19.1.2017, P nº 4568/16.1T/VNF-B.G1;
- o pedido da recorrente traduz-se no valor imaterial que decorre do direito do causídico nomeado ao pagamento de honorários no montante legalmente fixado, pelo que o valor da causa sempre se cifrará em € 30 000,01.
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Foi determinada a submissão do caso à conferência, nos termos do art. 652º, nº 4, 2ª parte, do CPC, por se tratar de questão a impor decisão imediata, e foram colhidos os vistos legais.

OBJETO DA RECLAMAÇÃO

A questão a decidir consiste em saber se o recurso é ou não admissível face à não verificação do requisito relativo ao valor da sucumbência.

FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTOS DE FACTO

Os factos relevantes para a questão a decidir na presente reclamação são os que se encontram descritos no relatório, os quais resultam da consulta dos atos praticados no processo principal e apenso A.

FUNDAMENTOS DE DIREITO

A recorrente/reclamante defende que o recurso é admissível com base nos argumentos deduzidos no requerimento que apresentou em 3.1.2024, em sede de contraditório, e com base em novos argumentos apresentados no requerimento de 17.1.2024, em que pediu a intervenção da conferência.

No que respeita aos argumentos que a recorrente/reclamante deduziu quando se pronunciou sobre a não admissibilidade de recurso e que reitera no requerimento em que pede a intervenção da conferência, os mesmos foram apreciados na decisão singular com a seguinte fundamentação:

“Dispõe o art. 629º, nº 1, do CPC, aplicável ex vi art. 17º, nº 1, do CIRE, que o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.

Portanto, à luz desta norma, para que seja admissível o recurso interposto é necessário que se verifiquem, cumulativamente, dois requisitos:

1) o valor da causa tem de ser superior a € 5 000,00, por ser esse o valor da alçada do tribunal recorrido;
2) o valor da sucumbência tem de ser superior a € 2 500,00, correspondente a metade do valor dessa alçada.

Existindo uma fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, deverá, porém, atender-se somente ao valor da causa.

Como é sabido “a sucumbência (ou decaimento) é o prejuízo ou desvantagem que a decisão implica para a parte e que, por isso, se designa parte vencida; esta é, portanto, aquela a quem a decisão prejudica, que com ela sofreu gravame ou a quem ela foi desfavorável, em suma, quem perdeu…” (Acórdão do STJ, de 14.5.2015, Relator Fernando Bento, in www.dgsi.pt).
Com este requisito, que foi introduzido com a reforma processual de 1985, pretendeu-se filtrar as questões suscetíveis de serem submetidas à reapreciação dos tribunais superiores, impedindo a possibilidade de recurso em casos em que a parte ficasse vencida em escassa dimensão, com vista a que as energias se concentrem naquilo que é importante, como forma de erradicar instrumentos potenciadores de morosidade da resposta judiciária e levando ainda em linha de conta o interesse de dignificar a atividade dos tribunais superiores (neste sentido cf. Abrantes Geraldes in Recursos no Novo CPC, 5ª edição, págs. 44 e 45).

No presente recurso está em causa saber se a patrona nomeada tem direito a receber honorários nos termos do ponto 5 ou, subsidiariamente, do ponto 13, ambos da tabela de honorários para a proteção jurídica anexa à Portaria nº 1386/2004, de 10.11.

Em qualquer dos dois casos, os honorários equivalem a 8 unidades de referência (UR), sendo que cada UR equivale a ¼ de UC, o que significa que os honorários em questão têm o valor de € 204 (€ 102 : 4 x 8), acrescido da atualização do IPC, com exclusão de habitação.
A recorrente pediu o pagamento de honorários no valor de € 207,20, pretensão que foi indeferida pela secretaria e da qual a recorrente reclamou, tendo o tribunal recorrido indeferido a reclamação.

Tal valor não é superior a metade da alçada do tribunal de 1ª instância (€ 2 500,00), sendo certo que a decisão impugnada também não se enquadra em nenhuma das situações referidas nos nºs 2 e 3 do art. 629º do CPC em que é sempre admissível recurso independentemente do valor da causa ou da sucumbência.

Tal significa que não se verifica o requisito processual de admissibilidade do recurso atinente ao valor da sucumbência.

Com vista a que o recurso seja admitido, a recorrente invoca que o recurso é o único meio para reagir ao despacho que lhe negou o pagamento dos honorários. Desta alegação parece decorrer que a recorrente considera que tem sempre direito ao recurso.
Porém, ao contrário do propugnado, no âmbito do processo civil não existe sempre o direito ao recurso em pelo menos um grau, não se encontrando tal direito consagrado na Constituição da República Portuguesa. Pelo contrário, cabe ao legislador ordinário definir os casos e os termos em que o recurso em processo civil é admissível.

Sobre esta matéria, pronunciou-se, de forma exaustiva, o acórdão desta Relação de Guimarães, de 21.03.2019 (P 4954/18.2T8VNF-C.G1, in www.dgsi.pt), para o qual se remete, e do qual se destacam as seguintes afirmações essenciais:

 “A ratio do art. 629º, n.º 1 (...)  radica na consideração de que os limites à faculdade de recurso «derivam, em última análise, da própria ‘natureza das coisas’, da necessidade imposta por razões de serviço e pela própria estrutura da organização judiciária de não sobrecarregar os tribunais superiores com a eventual reapreciação de todas as decisões proferidas pelos tribunais inferiores - sob pena de o número daqueles ter de ser equivalente ao dos tribunais de 1ª instância e com a consequente dispersão das tendências jurisprudenciais» (Lopes do Rego, «Acesso ao Direito e aos Tribunais», Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, 1993, p. 83).

Assim, e como «sucede com a generalidade das opções no campo do direito processual civil e da orgânica judiciária, com a regulação da recorribilidade em função do valor ou da sucumbência o legislador visou compatibilizar o interesse da segurança jurídica potenciada por múltiplos graus de jurisdição, com outros ligados à celeridade processual, à racionalização dos meios humanos e materiais ou à dignificação e valorização da intervenção dos tribunais superiores. Se, em abstracto, a multiplicidade de graus de jurisdição é susceptível de conferir mais segurança às decisões judiciais, não deve servir para confrontar tribunais superiores de forma massificada» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 35).

Relativamente a esta limitação legal (por lei ordinária) do direito ao recurso em sede de processo civil, a jurisprudência vem entendendo (nomeadamente, a do Tribunal Constitucional) que a mesma se mostra conforme com a Constituição da República Portuguesa: esta, em processo civil - e ao contrário do que sucede no processo penal (art. 32º, nº 1) - não impõe o direito ao recurso, cabendo ao legislador ordinário definir os casos e os termos em que o recurso é admissível.

Assim, «a Constituição não exige a consagração de um sistema de recursos sem limites ou ad infinitum (Ac.nº125/98) A existência de limitações à recorribilidade funciona como mecanismo de racionalização do sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática, posto em causa pelo colapso do sistema, decorrente da chegada de todas (ou da esmagadora maioria) das acções aos diversos “patamares” de recurso (Acs. Nºs ...9, ...31/02 e 106/06)» (Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2ª edição, Coimbra Editora, p. 449-450. No mesmo sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreia, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª edição Revista, Coimbra Editora, p. 418).

(...) Mas a Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil; e, em processo penal, só após a revisão constante da Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, passou a incluir, no artigo 32.º, a menção expressa ao recurso, incluído nas garantias de defesa, assim consagrando, aliás, a jurisprudência constitucional anterior a esta revisão, e segundo a qual a Constituição consagra o duplo grau de jurisdição em matéria penal, na medida (mas só na medida) em que o direito ao recurso integra esse núcleo essencial das garantias de defesa previstas naquele artigo 32.º.

(...) Na verdade, este Tribunal tem entendido, e continua a entender, com Armindo Ribeiro Mendes (Recursos em Processo Civil, 2.ª edição, Lisboa, 1994, pp. 100104), que, prevendo a Constituição a existência de tribunais de recurso na ordem dos tribunais judiciais, admite implicitamente um sistema de recursos judiciais, pelo que se impõe, como conclusão, que “o legislador ordinário não pode suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos”, mas goza, neste domínio, de ampla liberdade de conformação, desde que não vá até ao ponto de limitar de tal modo o direito de recorrer que, na prática, se tivesse de concluir que os recursos tinham sido suprimidos. “Respeitados estes limites - conclui o autor citado (obra citada, p. 102) -, o legislador ordinário poderá ampliar ou restringir os recursos civis, quer através da alteração dos pressupostos de admissibilidade, quer através da mera actualização do valor das alçadas”» (Ac. nº 106/2006, de 07.02.2006, do TC, Processo 213/05, in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20060106.html).

 (...)
Logo, a ampla margem de discricionariedade na concreta conformação e delimitação dos pressupostos de admissibilidade, e do regime, dos recursos reconhecida ao legislador ordinário em processo civil, tem como limite a não consagração de regimes arbitrários, discriminatórios ou sem fundamento material bastante, em obediência ao princípio da igualdade (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 202/99, de 6 de Abril de 1999, Boletim do Ministério da Justiça n.º 486 - Maio de 1999, p. 49)”(sublinhados nossos).

Uma vez que, como explanado, no âmbito do processo civil não existe sempre o direito ao recurso em pelo menos um grau, improcede este fundamento invocado pela recorrente com vista a sustentar a admissibilidade do recurso que interpôs.

A recorrente alega também que, em situações análogas às dos presentes autos, em que estava em causa o pagamento de honorários de valor idêntico, foram apreciados os recursos interpostos independentemente do valor dos honorários reclamados e da sucumbência referida no art. 629º, nº 1, do CPC. Indica um conjunto de acórdãos em que foi apreciada essa matéria e refere que a decisão de não admissão do recurso nestes autos criará divergências na jurisprudência e desigualdade no tratamento em situações análogas, proferidas no domínio da mesma legislação.

Com o devido respeito por opinião diversa, a circunstância de os acórdãos indicados terem apreciado o mérito do recurso e não terem apreciado a sua admissibilidade em função da existência do valor da sucumbência não constitui fundamento juridicamente válido para que o recurso possa ser admitido pois o que releva para efeitos de admissibilidade dos recursos é unicamente a verificação dos pressupostos legalmente consagrados sobre essa matéria, designadamente os consagrados no art. 629º, do CPC.
Assim, se à face da lei não se verifica um dos pressupostos legais de que depende a admissibilidade do recurso, ele não pode passar a ser admitido com a argumentação de que isso criaria desigualdade relativamente a outro ou outros casos em que o recurso foi apreciado sem se ter atentado na verificação desse pressuposto. Da análise do preenchimento dos pressupostos legais de admissibilidade do recurso em termos divergentes daquela que foi efetuada noutros processos decorre apenas a existência de diferentes entendimentos jurídicos e não qualquer situação violadora dos princípios jurídicos da igualdade e da proibição da discriminação consagrados no art. 13º da CRP.

Por outro lado, discorda-se da alegação de que o objeto direto do recurso é o valor imaterial de reconhecimento do direito ao pagamento da compensação justa e adequada ao advogado nomeado no âmbito do acesso ao direito e que o valor dos honorários a fixar é apenas objeto secundário do recurso.
Desde logo, nos autos não está em causa nenhum valor imaterial, mas antes um direito ao pagamento de honorários com uma determinada expressão pecuniária devidamente concretizada e equivalente a 8 UR.
Também não está em causa o princípio fundamental do direito à retribuição do trabalho pois a patrona nomeada foi remunerada pela intervenção no âmbito do processo de insolvência. A controvérsia no recurso não versa sobre o direito a ser remunerada, o qual é inquestionável e foi satisfeito, mas antes em determinar se essa remuneração se cinge ao pagamento dos honorários no âmbito do processo de insolvência, que a mesma já recebeu, ou se, ao invés, a essa remuneração acresce o pagamento de 8 UR, ao abrigo do disposto no ponto 5 (5 — Incidentes processuais, procedimentos cautelares, meios processuais acessórios e pedidos de suspensão de eficácia do ato) ou no ponto 13 (13—Outras intervenções de patronos oficiosos) da tabela de honorários para a proteção jurídica anexa à Portaria nº 1386/2004, de 10.11.

Sendo esta a controvérsia e estando em causa o pagamento do valor € 207,20, em nosso entender, o prejuízo que decorre para a recorrente equivale a esse montante, sendo esse o valor da sua sucumbência, o qual é inferior a metade da alçada do tribunal de 1ª instância.

Relativamente à argumentação de que se se atender apenas ao valor dos honorários nunca será possível recorrer da aplicação de honorários pelo Tribunal a quo, pois esse valor, de acordo com a tabela de honorários, nunca é superior a metade da alçada do tribunal de 1ª instância, já acima explanámos que não existe, em processo civil, o direito ao recurso em pelo menos um grau.
E o facto de, em certos casos, não ser admissível o recurso por motivos atinentes ao valor da alçada e da sucumbência não implica qualquer inconstitucionalidade, por violação do art. 20º da CRP, o qual consagra o direito à tutela jurisdicional efetiva mediante um processo equitativo.
Com efeito, conforme se escreveu no acórdão do STJ, de 26.6.2021, Relatora Leonor Cruz Rodrigues (in www.dgsi.pt)como o Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar uniformemente, não resulta da Constituição nenhuma garantia genérica de direito ao recurso de decisões judiciais; nem tal direito faz parte integrante e necessária do princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, consagrado no citado artigo 20.° da Constituição, reconhecendo-se, nesse âmbito, ao legislador ordinário uma ampla margem de discricionariedade na concreta conformação e delimitação dos pressupostos de admissibilidade e do regime dos recursos, com o limite decorrente da própria previsão constitucional de tribunais superiores que lhe veda suprimir em blocos a recorribilidade ou fazê-la depender de circunstâncias que traduzam a violação do princípio da proporcionalidade.
Especificamente no que toca à limitação do recurso em função das alçadas, à irrecorribilidade em função da relação entre o valor da acção e a alçada dos tribunais, o Tribunal Constitucional, como se sublinha no acórdão nº 70/2021, e na jurisprudência nele citada, sempre entendeu que esse critério não ofende o princípio constitucional de acesso ao direito e aos tribunais consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa” (com bold apócrifo).

No mesmo alinhamento de ideias, refere Abrantes Geraldes (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., pág. 63) que “[n]a orgânica dos tribunais judiciais, em que existem três níveis hierárquicos, não se verificam obstáculos constitucionais à admissibilidade de alçadas que condicionem o direito de interposição de recursos”.

E, perfilhando idêntico entendimento, referem Abrandes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa (in CPC Anotado, Vol. I, 2ª ed., pág. 779), reportando-se quer ao valor da alçada, quer ao valor da sucumbência referidos no art. 629º, nº 1, do CPC, que “[é] uniforme o entendimento de que qualquer das referidas condições limitadoras do direito ao recurso não sofre de inconstitucionalidade material (STJ 19-5-16, 122702/13) suposto que seja o respeito pelo princípio da proporcionalidade”.

Também Lebre de Freitas, Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre (in CPC Anotado, Vol. 3º, 3ª ed., pág.24) manifestam idêntica posição, citando diversa jurisprudência e doutrina, e referindo que “[a]s regras da alçada e da sucumbência têm sido impugnadas no plano da sua constitucionalidade. Todavia, a jurisprudência constitucional tem reiteradamente sustentado que o legislador ordinário goza, no processo civil, de ampla possibilidade de conformação em matéria de recursos, cuja admissibilidade pode restringir de forma não arbitrária”.

Deste modo, não ocorre qualquer situação de inconstitucionalidade pela circunstância de o direito ao recurso estar condicionado por pressupostos atinentes ao valor da sucumbência.

Por conseguinte, falece a argumentação apresentada pela recorrente no sentido de não se dever atender ao valor dos honorários cujo pagamento é peticionado para efeitos de determinar o valor da sucumbência.”

Concordamos e perfilhamos esta fundamentação, pelo que aderimos à mesma no que toca à concreta argumentação apresentada pela recorrente/reclamante já analisada na aludida decisão singular.

Acrescentamos apenas que não é exata a afirmação feita pela recorrente/reclamante de que, atentos os valores de honorários fixados da tabela nunca seria possível recorrer, porque os mesmos não excedem metade do valor da alçada da 1ª instância. Pelo menos quanto ao valor de 126 UR fixado no ponto 1.1.1.6 da tabela o mesmo, equivalendo a € 3 213,00, excede metade da alçada da 1ª instância e permite recurso.
De todo o modo, mesmo que nunca fosse possível recorrer, tal seria irrelevante pois, como já analisado na decisão singular proferida, não existe direito ao recurso em processo civil.

Importa agora analisar a nova argumentação aduzida em sede de requerimento de intervenção da conferência.

A recorrente defende que, não sendo parte no processo não se lhe aplicam as regras dos recursos mencionadas no despacho reclamado, designadamente o art. 629º, não lhe sendo aplicável a regra do valor da causa ou da sucumbência.

Com o devido respeito por opinião diversa, não encontramos norma legal que permita sustentar este entendimento.
É verdade que a recorrente não é parte no processo, intervindo no mesmo na qualidade de patrona nomeada à insolvente.
Assim, a legitimidade para recorrer advém-lhe, não da qualidade de parte, que não possui, mas da qualidade de pessoa direta e efetivamente prejudicada pela decisão, sendo-lhe conferida a possibilidade de recorrer da decisão pelo disposto no art. 631º, nº 2, do CPC.
As normas que contêm os pressupostos legais atinentes aos recursos aplicam-se indistintamente a todos os recorrentes. Só assim não seria se houvesse alguma norma especial que consagrasse alguma exceção sobre essa matéria.
Ora, embora os nºs 2 e 3 do art. 631º do CPC confiram legitimidade para recorrer a quem não é parte na causa, nomeadamente a terceiros e partes acessórias, nem essas normas nem qualquer outra dispensam a aplicabilidade dos restantes requisitos processuais de admissibilidade de recurso quanto a esses recorrentes.
Por assim ser, e não existindo qualquer norma que dispense um terceiro que recorre de uma decisão ao abrigo da legitimidade conferida pelo nº 2 do art. 631º, do CPC, da verificação dos requisitos de admissibilidade consagrados no art. 629º, nº 1 atinentes ao valor da causa e da sucumbência, os mesmos são-lhe aplicáveis.

A recorrente/reclamante sustenta ainda que não se pode falar em valor de sucumbência porque os honorários estão legalmente fixados num valor pré-determinado, pelo que o que está em causa no recurso é unicamente a necessidade de aplicação da própria lei e não qualquer utilidade económica.
Invoca em sustentação desta afirmação o decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 19.1.2017, P nº 4568/16.1T/VNF-B.G1.
O acórdão citado abordou a questão da admissibilidade do recurso numa situação relativa ao pagamento de uma prestação da remuneração fixa do administrador da insolvência tendo entendido que o recurso era nesse caso admissível com a argumentação essencial de que “estando em causa a fixação do valor dos honorários devidos e a fixar ao administrador da insolvência, não poderá, como é óbvio, falar-se em sucumbência, uma vez que esses mesmos honorários são legalmente estipulados, num valor determinado e fixo, não estando, assim, e por decorrência, dependentes de qualquer pedido que possa ser formulado, e em que possa haver decaimento.”

Efetivamente existe uma situação de analogia entre a recorribilidade das decisões relativas à remuneração fixa do administrador da insolvência e as decisões relativas aos honorários no âmbito da proteção jurídica, porquanto em ambos os casos se trata de valores estipulados legalmente num montante fixo, sendo juridicamente pertinente a comparação.

A questão da admissibilidade de recurso da remuneração do administrador da insolvência legalmente fixada em € 2 000,00 e paga em duas prestações não tem obtido uma resposta uniforme da jurisprudência, existindo acórdãos, como o citado pela recorrente/reclamante, que admitem essa possibilidade, a par de outros que defendem exatamente a posição contrária, ou seja, a de que, pese embora se trate de um valor legalmente determinado, tal circunstância não dispensa a verificação do requisito da sucumbência enquanto pressuposto de admissibilidade do recurso.

O acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 21.4.2022, (P 4168/21.4T8GMR.G1 in www.dgis.pt) pronunciou-se sobre essa temática, de forma aprofundada e exaustiva, contendo uma extensa enumeração de acórdãos/decisões que sustentam as duas posições antagónicas, ou seja, dos que consideram que se aplica o requisito da sucumbência - nomeadamente Ac. da RP de 05/11/2018, Ac. da RG de 21/03/2019, Ac. da RG de 13/06/2019, reclamação da RG de 11/02/2021, reclamação da RG de 29/01/2021, Ac. da RE de 07/04/2016 - e dos que consideram que tal requisito não se aplica - designadamente Ac. da RL de 07/11/2017, Ac. da RG de 19/01/2019, reclamação da RG de 31/01/2018.
Após enunciação e resumo dessas decisões e dos argumentos invocados em abono de cada uma das duas posições jurisprudenciais divergentes, exposição para a qual aqui se remete, o acórdão citado aderiu à posição que exige a verificação do requisito de recorribilidade relativo à sucumbência.

Para além da jurisprudência citada, foi proferido acórdão, em 2.12.2021, no âmbito do processo nº 1316/21.8TVNF-A.G1, no qual a aqui relatora interveio como 1ª adjunta, que julgou improcedente a reclamação deduzida contra a decisão singular que confirmou o despacho proferido na 1ª instância de não admissão do recurso interposto pelo AI da decisão que lhe fixou os honorários em € 1 000,00.

Consta do sumário desse acórdão que:

“1- A decisão judicial que fixa os honorários devidos ao administrador de insolvência em mil euros, por aplicação analógica dos arts. 1º e 2º da Portaria n.º 51/2005, de 20/01, é irrecorrível, por claudicar o requisito da sucumbência do direito ao recurso.
2- Com exceção das decisões penais condenatórias ou das decisões judiciais (qualquer que seja a sua natureza), que restrinjam direitos, liberdades e garantias ou direitos de natureza análoga, a Constituição não garante o direito ao recurso, tendo o legislador infraconstitucional, na regulamentação desse direito, de compatibilizar o interesse da segurança jurídica, com o da celeridade e da eficácia das decisões judiciais, os quais exigem racionalização dos meios finitos ao dispor do sistema de justiça, podendo e tendo  nessa compatibilização o legislador amplos poderes de restrição do direito ao recurso, contanto que observe os princípios gerais da necessidade, adequação e proporcionalidade e, em particular, o princípio da igualdade.
3- Esses princípios encontram-se integralmente salvaguardados pela introdução do requisito adicional da sucumbência.
4- A desconsideração do requisito da sucumbência para se admitir o recurso interposto pelo administrador de insolvência da decisão que lhe fixa os honorários em mil euros, implica uma flagrante violação ao princípio da igualdade; desconsidera que o elemento literal da norma, por mais claro que seja, é apenas um dos elementos interpretativos a considerar na interpretação de toda e qualquer norma jurídica e que, nessa medida, não existem normas com um sentido interpretativo único e inequívoco; confunde requisitos de admissibilidade do recurso, que se encontram exclusivamente fixados no processo civil, com o mérito do recurso, quando apenas é possível entrar na apreciação do mérito do despacho de que se pretende recorrer após se ter concluído que este despacho é recorrível, de acordo com as normas processuais que regulam o direito ao recurso.”

A aqui relatora mantém a posição sufragada no citado acórdão em que interveio, com base na fundamentação aí aduzida, a qual coincide, no essencial, com o que consta do sumário transcrito e com o que já se disse em sede de decisão singular, também transcrita, à qual aderem os restantes membros do presente coletivo.

De referir ainda que a aqui 2ª adjunta interveio como relatora no acórdão de 23.11.2023, P nº 7977/22.3T8VNF-B.G1, o qual considerou irrecorrível uma decisão relativa ao pagamento da remuneração fixa do administrador da insolvência, por falta de valor de sucumbência, visto estar em discussão o pagamento de € 1 000,00, com base em argumentação no essencial coincidente com a aqui expendida e designadamente com invocação do acórdão de 2.12.2021, acima citado e proferido no processo nº 1316/21.8TVNF-A.G1.

Isto para dizer que, no que concerne à remuneração fixa do administrador da insolvência, cujo valor é de € 2 000,00, pese embora estejam em causa prestações legalmente estipuladas, tal não dispensa a verificação do requisito de sucumbência.

Idênticas razões e considerações valem para as situações relativas ao pagamento de honorários no âmbito da proteção jurídica, em que também estão em causa valores pré-definidos na tabela, não tendo tal pré-fixação qualquer influência na dispensa do requisito atinente ao valor da sucumbência.

De salientar que existem efetivamente muitas matérias, para além das atinentes aos honorários dos administradores da insolvência ou dos honorários no âmbito da proteção jurídica, que, dado o seu valor e a existência de requisitos relativos quer ao valor da ação, quer ao da sucumbência, nunca admitem recurso.
Assim, por exemplo, num qualquer contrato de compra e venda ou de prestação de serviços de valor não superior a 2.500,00 a decisão proferida em 1ª instância também nunca admite recurso.
Esta situação decorre da liberdade de conformação do legislador ordinário no que toca à formulação dos requisitos gerais de recorribilidade, a qual, como analisámos supra não é inconstitucional, não existindo consagração constitucional de direito ao recurso no âmbito do processo civil, existindo apenas direito de acesso ao tribunal, o qual, no caso, foi garantido porquanto a pretensão da recorrente/reclamante foi apreciada por um tribunal.

E, como se escreveu no acórdão do STJ, de 24.4.2018, P 3429/16.9T8STS-B.P1.S1 (in www.dgsi.pt),  “o problema do valor e da sucumbência obstativos de eventuais impugnações recursivas, é transversal a todos os processos judiciais onde se suscitem problemas idênticos, pois uns poderão ser objecto de recurso e outros não, nos termos do disposto no artigo 629º, nº1 do CPCivil, daí não resultando, nem podendo resultar, qualquer contradição gritante, nem tão pouco, qualquer inconstitucionalidade, uma vez que o legislador tem uma ampla liberdade de conformação no que toca à formulação dos requisitos gerais de recorribilidade, por um lado, e, por outro não existe qualquer imposição constitucional quanto a um direito ao recurso, mas antes e tão só a um direito de acesso ao direito e os Tribunais”.

Concluímos, assim, que, embora os honorários estejam fixados num valor pré-determinado, constante de uma tabela, tal não dispensa a verificação do valor da sucumbência, não procedendo a argumentação contrária sustentada pela recorrente/reclamante de que o que está em causa no recurso é unicamente a necessidade de aplicação da própria lei e não qualquer utilidade económica.

No que respeita à invocação de que o pedido da recorrente se traduz no valor imaterial que decorre do causídico nomeado ao pagamento de honorários no montante legalmente fixado, pelo que o valor da causa sempre se cifrará em € 30 000,01, com o devido respeito, não se compreende esta argumentação porquanto nunca foi minimamente questionado que o valor da causa é de € 30 000,01. Na verdade, é esse o valor fixado à ação, como supra está consignado, e a única questão que se suscitou enquanto óbice à admissibilidade do recurso respeita ao valor da sucumbência, não ao da causa.
Falece, por isso este argumento enquanto base de sustentação da pretensão da recorrente/reclamante de o recurso ser admitido.

De tudo quanto se acaba de expor resulta que, no caso, face ao disposto no art. 629º, nº 1, do CPC, o recurso não pode ser admitido por a decisão impugnada ser desfavorável à recorrente em € 207,20, valor que não é superior a metade da alçada do tribunal de 1ª instância (€ 2 500,00), sendo certo que a decisão impugnada também não se enquadra em nenhuma das situações referidas nos nºs 2 e 3 do art. 629º, do CPC, em que é sempre admissível recurso independentemente do valor da causa ou da sucumbência.
Por conseguinte, resta concluir pela inadmissibilidade do recurso interposto, sendo de manter a decisão reclamada de rejeição do recurso.
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Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º, do CPC, a decisão que julgue a ação, algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.
Tendo a reclamação sido julgada improcedente, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a disposição legal citada.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a reclamação para a conferência e, em consequência, mantêm a decisão de não admissão do recurso interposto pela recorrente/reclamante em virtude de o valor da sucumbência (€ 207,20) não ser superior a metade da alçada do tribunal recorrido (€ 2 500,00).
Custas pela recorrente/reclamante.

Notifique.
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Sumário (da responsabilidade da relatora, conforme art. 663º, nº 7, do CPC):

I - À luz do art. 629º, nº 1, do CPC, para que seja admissível recurso de apelação é necessário que se verifiquem, cumulativamente, dois requisitos:
1) o valor da causa tem de ser superior a € 5 000,00, por ser esse o valor da alçada do tribunal recorrido;
2) o valor da sucumbência tem de ser superior a € 2 500,00, correspondente a metade do valor dessa alçada.
II - Com o requisito da sucumbência, que foi introduzido com a reforma processual de 1985, pretendeu-se filtrar as questões suscetíveis de serem submetidas à reapreciação dos tribunais superiores, impedindo a possibilidade de recurso em casos em que a parte ficasse vencida em escassa dimensão, com vista a que as energias se concentrem naquilo que é importante, como forma de erradicar instrumentos potenciadores de morosidade da resposta judiciária e levando ainda em linha de conta o interesse de dignificar a atividade dos tribunais superiores.
III - Não se encontra consagrado na Constituição da República Portuguesa o direito ao recurso em pelo menos um grau no âmbito do processo civil, cabendo ao legislador ordinário definir os casos e os termos em que o recurso é admissível.
IV - Conforme tem vindo a ser afirmado reiteradamente pelo Tribunal Constitucional, não ocorre qualquer situação de inconstitucionalidade pela circunstância de o direito ao recurso estar condicionado por pressupostos atinentes ao valor da sucumbência.
V - As normas que contêm os pressupostos legais atinentes aos recursos aplicam-se indistintamente a todos os recorrentes, ainda que os mesmos sejam terceiros ou partes acessórias cuja legitimidade para recorrer lhes é conferida pelos nºs 2 e 3 do art. 631º do CPC, inexistindo qualquer norma que os dispense da verificação dos requisitos de admissibilidade consagrados no art. 629º, nº 1 atinentes ao valor da causa e da sucumbência.
VI - Embora os honorários devidos no âmbito da proteção jurídica estejam fixados num valor pré-determinado, constante de uma tabela, tal não dispensa a verificação do valor da sucumbência.
VII - Assim, a decisão judicial que indefere o pedido de pagamento de honorários a patrono nomeado no valor de € 207,20, é irrecorrível, por não se verificar o requisito da sucumbência.
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Guimarães, 1 de fevereiro de 2024

(Relatora) Rosália Cunha
(1º/ª Adjunto/a) José Carlos Pereira Duarte
(2º/ª Adjunto/a) Maria Gorete Morais