Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1930/19.1T8GMR-A.G1
Relator: EVA ALMEIDA
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
CASO JULGADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Na reclamação de créditos em processo executivo, o pedido formulado pelos credores concorrentes é duplo: conhecer da existência dos créditos (verificação) e fazer a sua graduação com o crédito do exequente, em razão das garantias reais que lhes sejam reconhecidas.
II- Proferida a sentença de verificação e graduação de créditos, o credor que deduza a sua reclamação posteriormente à sua prolação não pode impugnar os créditos já verificados. A nova sentença apenas conhece da existência do novo crédito reclamado e das suas garantias, refazendo a graduação da anterior.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

 P..., S.A., veio habilitar-se como cessionária e reclamar o crédito que lhe foi cedido por Banco 1..., relativo a um contrato de mútuo com hipoteca”, n.º ...00, sobre o imóvel penhorado.
Pediu o reconhecimento do seu crédito, no montante global, na data de 12 de Outubro de 2020, de € 89 372,50, acrescido de juros de mora até efectivo e integral pagamento e a sua graduação no lugar que, pela sua preferência, legalmente lhe cabe, para ser pago pelo produto da venda dos bens.
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A Executada, AA, veio impugnar tal habilitação/reclamação, alegando, em suma, não ter tido conhecimento da cessão de créditos, não ter prestações em falta e não ter ocorrido a resolução do contrato. Pugnou pela improcedência da reclamação.
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A reclamante P...– S.A., apresentou resposta.
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 Em 11-01-2021 realizou-se a audiência preliminar, na qual, gorando-se a perspectiva de acordo, se proferiu despacho saneador e, de seguida, identificou-se o objecto do litígio e enunciou-se os temas de prova.
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Em 25-1-2021, BB, advogado, veio também reclamar um crédito no valor de €35.670,00, referente a serviços jurídicos prestados à executada, titulado por Confissão de Dívida e Hipoteca Voluntária Unilateral, exaradas no Cartório Notarial ... em 27.03.2020, sobre o bem «prédio urbano, composto por casa de rés de chão, andar e logradouro, sito na Rua ..., ..., na freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... ... da extinta freguesia ..., com registo de "Aquisição" a seu favor pela Apresentação Quinze de dezanove de Fevereiro de dois mil e oito; e inscrito na matriz sob o artigo ...02”. Alega que o referido crédito se encontra vencido, nada tendo sido pago.
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Esta reclamação não foi objecto de impugnação.
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Realizou-se a audiência de julgamento e, em 23-8-2021 e proferiu-se sentença em que se decidiu:
«Nos termos acima expostos:
- Julga-se verificado o crédito de P..., no valor de € 89.372,50, acrescido de juros, à taxa de 4%, desde 12.10.2020, até integral pagamento.
- Julga-se verificado o crédito de BB, no valor de € 35.670,00; e
- graduam-se os créditos reclamados e exequendo para serem pagos pelo produto da venda dos imóveis penhorados nos autos executivos, da seguinte forma:
- Fracção autónoma designada pela letra ...", do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...04, inscrito na matriz sob o número ...50 e Fracção autónoma designada pela letra ...", do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...55, inscrito na matriz sob o número ...19.
1º - Custas da acção executiva e apensos;
2º - Crédito reconhecido a P..., no valor de € 89.372,50, acrescido de juros, à taxa de 4%, desde 12.10.2020, até integral pagamento, garantido pela hipoteca, até ao limite – inclusive temporal, da mesma e do disposto no artigo 693º, do Código Civil;
3º - Crédito exequendo garantido pela penhora.
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- Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...44, inscrito na matriz sob o número ...02.
1º - Custas da acção executiva e apensos;
2º - Crédito exequendo garantido pela penhora.
3º - Crédito reconhecido a BB no valor de € 35.670,00, garantido pela hipoteca, até ao limite – inclusive temporal, da mesma e do disposto no artigo 693º, do Código Civil.»
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Em 2-9-2021 e nos termos do art.º 222ºE do CIRE, foi proferido despacho suspendendo a instância em razão da executada ter dado entrada a um PEAP.
A instância dos presentes autos encontrou-se suspensa até 3-3-2022 (data do trânsito em julgado da sentença proferida no processo especial para acordo de pagamento (CIRE) – processo n.º 3361/21.... do Juízo do Comércio ... – Juiz ...).
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Em 17-2-2022, CC e DD, vieram, neste apenso, invocando o disposto no artigo 222º-D n.º 2 do CIRE, apresentar reclamação de créditos, alegando, em suma:

– Intentaram acção declarativa de condenação contra a aqui devedora peticionando o pagamento da quantia de €55.900,00, a título de tornas não pagas e devidas pela aqui devedora, em virtude da partilha do património dos seus progenitores. Ação declarativa que foi sujeita a registo a 26 de Abril de 2018.
– Embora na 1ª instância a ré tenha sido absolvida dos pedidos, recorreram para o Tribunal da Relação, que revogou a sentença da 1ª instância   e decidiu condenar a Ré a pagar a cada um dos co-Autores a quantia de capital de € 27.950,00, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal de 4% ao ano, contados desde 27 de Outubro de 2017 até integral pagamento.”
– Esta decisão da Relação transitou em julgado, pois, embora tenha sido interposto recurso para o STJ, foi negada a revista.
– Os Reclamantes intentaram ação executiva contra a aqui devedora, correspondente ao processo n.º 2047/20...., do Juízo de Execução ..., Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca .... Nesse processo foi penhorado o imóvel prédio urbano, casa de ..., andar e logradouro, com a área coberta de 263 m2 e descoberta de 387 m2, sito na Rua ..., ..., na freguesia ..., concelho ..., registado na conservatória do registo predial, comercial e automóveis ... sob o nº ...44-... e encontra-se inscrito na matriz sob o artigo ...02.  Em virtude do registo da acção e de molde a garantir a sua posição no imóvel, os Reclamantes inscreveram uma hipoteca judicial no mesmo, conforme documento ....
Concluem pedindo que a presente reclamação seja admitida e, em consequência, ser reconhecido o crédito dos Reclamantes no valor de €65.493,36 garantido por hipoteca legal.
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Os mesmos reclamantes vieram, em 2-3-2022, apresentar articulado de impugnação do crédito já verificado e graduado na sentença anterior, do credor BB, invocando que a sentença proferida nestes autos não faz caso julgado formal ou material relativamente aos impugnantes e alegando, em síntese, que o acto subjacente ao crédito impugnado é simulado, pois a executada, em conluio com o seu advogado, declarou-se dele devedora, por um valor avultado, pretendendo onerar o bem imóvel que bem sabia que os impugnantes pretendiam executar e executaram e sobre o qual pendia o registo de acção a favor destes desde 26.04.2018, através da AP ...21. Ou seja, a executada e o impugnado, de comum acordo e com o único propósito de dificultar e impedir a cobrança dos créditos dos impugnantes constituíram uma hipoteca voluntária de molde a inscrever um direito real de garantia no prédio onde pendia o registo da acção, visando garantir o crédito fictício de uma garantia que prevalecesse sobre o crédito dos impugnantes na graduação de créditos.
Concluem que a presente impugnação deverá ser admitida e julgada totalmente procedente, por provada, e, em consequência, que o crédito reclamado pelo credor BB não seja reconhecido e, como tal excluído da graduação de créditos, cancelando-se o registo da hipoteca voluntária registada a favor do credor impugnado BB apresentado pela AP. ...03 de 2020/03/27.
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Quer a executada, quer o credor BB, vieram responder a tal impugnação, sustentando que a mesma é inadmissível, uma vez que nos presentes autos já existe uma Sentença proferida a 23.08.2021, transitada em julgado, para além de que é consabido que o n.º 3 do art.º 789.º do CPC não se aplica in casu, pois não existe qualquer notificação para a impugnação (nem tinha de existir), uma vez que estes credores não gozam de qualquer direito real de garantia. Não obstante e por mero dever de patrocínio, impugnam a alegada simulação.
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Os credores reclamantes CC, e DD vieram exercer o contraditório.
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Realizou-se a audiência prévia, na qual não foi possível a composição consensual do litígio. Em consequência exarou-se o seguinte despacho:

– «Compulsados os autos, o Tribunal considera que se mostra importante para a boa decisão da causa os seguintes elementos, que ainda se encontram em falta:
1- Informação a prestar pela secção relativamente à data de trânsito em julgado da sentença proferida no presente apenso, tendo em consideração a data em que a mesma foi proferida, a data em que o presente apenso foi declarado suspenso e a data em que foi encerrado o processo especial para acordo de pagamento (CIRE) - processo n.º 3361/21.... do Juízo do Comércio ... – Juiz ..., tendo em conta a informação junta aos presentes autos a fls. 541/542, ou seja, que a sentença proferida no referido processo especial para acordo de pagamento transitou em julgado em 03-03-2022;
2- Solicite a remessa para consulta do processo executivo n.º 2047/20.... do Juízo de Execução ... – Juiz ..., solicitando ainda certidão em que seja certificada a data da entrada em juízo do requerimento executivo, a data em que a executada foi citada no âmbito de tais autos, a data em que foi concretizada a penhora, bem como a data em que o Sr. Agente de Execução procedeu à sustação da execução, com cópia da notificação da mesma às partes;
3- Solicite ao processo especial para acordo de pagamento supra identificado, que informe se os credores reclamantes CC, DD e BB reclamaram os seus créditos, a data em que tal ocorreu, o respetivo montante e se os mesmos foram reconhecidos.
Após a junção de tais documentos, notifique as partes para no prazo de 10 dias, querendo, se pronunciarem quanto aos mesmos.»
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A secretaria do Tribunal exarou nos autos, em 07-06-2022, lavrando cota (Referência: ...14), o seguinte:
– «A sentença proferida em 23-08-2021, no âmbito dos presentes autos, foi notificada às partes em 24-08-2021 pelo que se considera notificada em 01-09-2021.
Em 02-09-2021 foi proferido despacho a ordenar a suspensão dos presentes autos, nos termos do disposto no artigo 222º-C, n.º 4 do CIRE. Desta forma, os presentes autos encontraram-se suspensos desde 02-09-2021 até 03-03-2022, data do trânsito em julgado da sentença proferida no processo especial para acordo de pagamento (CIRE) – processo n.º 3361/21.... do Juízo do Comércio ... - Juiz ....
Assim sendo e face ao supra exposto, consigna-se que a data do trânsito em julgado da sentença proferida nos presentes autos é 04-04-2022»
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As partes foram notificadas do teor da informação junta aos autos.
Proferiu-se sentença em que se decidiu:

«Nos termos acima expostos:
- Julga-se verificado o crédito de CC e DD, no valor de € 27.950,00, para cada um, acrescido de juros de mora, contados desde 27.10.2017, à taxa legal de 4%, até efectivo e integral pagamento.
Custas pelo credor reclamante BB e reclamada.
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- Graduam-se os créditos reclamados e exequendo para serem pagos pelo produto da venda do imóvel penhorado nos autos executivos, da seguinte forma:
- Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...04, inscrito na matriz sob o número ...02.
1º - Custas da acção executiva e apensos;
2º - Crédito exequendo garantido pela penhora.
3º - Crédito reconhecido a BB no valor de €35.670,00, garantido pela hipoteca, até ao limite – inclusive temporal, da mesma e do disposto no artigo 693º, do Código Civil;
4º - Crédito reconhecido a CC e DD, no valor de € 27.950,00, para cada um, acrescido de juros de mora, contados desde 27.10.2017, à taxa legal de 4%, até efectivo e integral pagamento, garantido por penhora e hipoteca.»
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 Inconformados, CC e DD, credores reclamantes (e impugnantes), interpuseram o presente recurso, que instruíram com as pertinentes alegações, em que formulam as seguintes conclusões:

«I. Os recorrentes apresentaram a reclamação espontânea de créditos e, sucessivamente apresentaram impugnação de um dos créditos anteriormente reclamados.
II. Apesar da impugnação apresentada anteriormente, o Tribunal recorrido profere o despacho que “Requerimentos de 2022-02-17, 2022.02.21 e 2022-03-02: Antes de mais, dê cumprimento ao estatuído no artigo 789º, do CPC. Notifique”.
III. A 20 de Fevereiro de 2022, os recorrentes, à cautela apresentam a mesma impugnação ao crédito reclamado pelo Sr. Dr. BB.
IV. Com a notificação operada nos termos do artigo 789º, do CPC, recorrentes formaram a convicção e confiança de que, caso impugnassem os créditos que visavam impugnar no concedido e legal prazo de 15 dias, a impugnação seria considerada tempestiva e, sobretudo, admissível.
V. Em qualquer dos actos praticados pelos recorrentes, seja ao nível da apresentação da reclamação de créditos seja ao nível de qualquer uma das impugnações apresentadas, a sentença originária que graduou os créditos não havia transitado em julgado, já que segundo se refere na decisão recorrida, tal apenas ocorreria no dia 4 de Abril de 2022.
VI. Por isso, não tendo a sentença originária de graduação de créditos transito em julgado, como não transitou, à data da impugnação, os recorrentes entendem que o Tribunal teria obrigatoriamente conhecer da impugnação, por comando do disposto no n.º6 do artigo 791.º do Código de Processo Civil que refere: “ A graduação é refeita se vier a ser verificado algum crédito que, depois dela, seja reclamado nos termos do n.º 3 do artigo 788.º”
VII. Acresce ainda que em face da notificação do Tribunal de 18 de Março de 2022, e segundo as regras de contagem dos prazos, os recorrentes teriam até ao dia 5 de Abril de 2022 para, tempestivamente e à luz da notificação operada, impugnar os créditos até então reclamados.
VIII. E assim sendo, poderia dar-se até o paradoxal caso de os recorrentes impugnarem tempestivamente o crédito e, segundo o entendimento do Tribunal a quo, ter transitado em julgado a decisão que reconhece e gradua os créditos.
IX. Salvo o devido respeito, tal posição do Tribunal recorrido não faz sentido e encontra-se ferida de insanável incoerência e incorrecção, na medida em que, existindo, como existiu, a notificação dos credores para impugnarem os créditos, haverá, ante as mais elementares regras de boa-fé e cooperação processual, que considerar o prazo de trânsito em julgado como irremediavelmente interrompido em face da tempestiva intervenção dos aqui recorrentes e do exercício do direito para o qual foram regular e legalmente notificados.
X. Qualquer outro entendimento viola de forma intolerável o principio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, uma vez que os recorrentes acreditaram na notificação que lhes foi endereçada e exerceram o seu direito a partir desse pressuposto processual.
XI. Analogicamente poderá mesmo entender-se que a presente situação viola o disposto no n.º 6 do artigo 157.º do Código de Processo Civil.
XII. Por outro lado, os recorrentes não tinham qualquer possibilidade processual ou material de apresentar recurso da sentença em face da sua participação superveniente no processo através da reclamação espontânea de créditos.
XIII. Por isso, os recorrentes não tiveram qualquer alegação que lhes permitisse exprimir a sua posição nos autos na fase instrutória do processo, ou seja, mediante articulados onde se vertem as razoes de facto e de direito que sustentariam a sua posição.
XIV. Os recorrentes não poderiam sindicar uma decisão- a sentença de verificação e graduação de créditos- quando sequer eram partes na causa, sem embargo da sua tempestiva intervenção- sendo que tudo quanto pudessem alegar nesse eventual recurso revestira a qualidade de “questão nova” porque não apreciada pelo Tribunal recorrido!
XV. Além da patente legitimidade dos recorrentes para sindicar uma decisão quando não eram parte no processo, não tendo sido parte vencida ou vencedora.
XVI. Como tal, e com o devido respeito, o argumento exposto na douta sentença recorrida não é minimamente válido no sentido de visar a oposição do caso julgado da sentença originária aos recorrentes, uma vez que não só a sua intervenção processual ocorre antes de tal cristalização, o que sempre deveria implicar uma nova graduação e verificação de créditos com base na reclamação e impugnação supervenientemente deduzidos notoriamente antes do trânsito em julgado da primeira sentença de verificação e graduação.
XVII. Mal andou o Tribunal recorrido que verdadeiramente pela actuação processual dá a entender aos aqui recorrentes que pela notificação acima referida se reabriria a discussão da verificação e graduação de créditos, sendo conhecida, admitida e julgada a sua impugnação que ocorre dentro do prazo legal e antes da data em que supostamente, no entendimento do Tribunal recorrido.
XVIII. Como tal, uma verdadeira surpresa o entendimento do Tribunal recorrido que, apesar de ordenar a notificação dos recorrentes para impugnar os créditos vem posteriormente entender que a primeira sentença de verificação e graduação vem a transitar em julgado em data posterior à notificação dos credores e impugnantes.
XIX. A sentença recorrida viola os artigos 789.º, 791.º, n.º 6, 157.º, n.º 6, interpretado analogicamente e ainda o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO, Se requer muito respeitosamente a V/ Exa. que julguem a apelação procedente por provada, revogando a sentença proferida e ordenando o conhecimento da impugnação de créditos realizada pelo Recorrente
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O credor BB apresentou contra-alegações.
*
Foi proferido despacho a admitir o recurso, como apelação a subir de imediato, no apenso de embargos e com efeito devolutivo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal.
Nada obstando ao seu recebimento, o processo foi aos vistos e o recurso inscrito em tabela.

Cumpre decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.

 O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos apelantes, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº2 do CPC). 
As questões a resolver são as que constam das conclusões da apelação, acima reproduzidas e que assim se resumem:
– Admissibilidade da impugnação de crédito já julgado verificado por sentença anterior à impugnação.

III - FUNDAMENTOS DE FACTO

Factos julgados provados na 2ª sentença:

«1) Nos autos de execução apensos que EE move contra AA, melhor identificadas nos autos, foi penhorado, em 2019.04.08, entre outros:
- Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...04, inscrito na matriz sob o número ...02.
2) Tal penhora encontra-se registada a favor da exequente com a data de 2019.04.08, conforme certidão de fls. 836/838, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
3) Os credores reclamantes CC e DD intentaram ação declarativa de condenação contra AA, peticionando o pagamento da quantia de €55.900,00 (cinquenta e cinco mil e novecentos euros), a título de tornas não pagas e devidas pela Devedora em virtude da partilha do património dos seus progenitores.
4) Acção declarativa que foi sujeita a registo a 26 de Abril de 2018.
5) Por acórdão transitado em julgado foi decidido, entre o mais, “condenar a Ré a pagar a cada um dos co-Autores a quantia de capital de € 27.950,00 (vinte e sete mil, novecentos e cinquenta euros, e zero cêntimos), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal de 4% ao ano, contados desde 27 de Outubro de 2017 até integral pagamento.”
6) Os credores reclamantes intentaram acção executiva contra a reclamada - processo n.º 2047/20...., do Juízo de Execução ..., Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ....
7) No processo identificado em 6) foi penhorado o imóvel identificado em 1) em 2021/04/23.
8) Em 2021/09/09, foi registada a constituição de uma hipoteca judicial, com o montante máximo assegurado de € 62.608,00 a favor dos credores reclamantes, para assegurar o pagamento a que o sujeito passivo foi condenado a pagar € 27.950,00, a cada um dos sujeitos activos.»

IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO

Na sentença recorrida, após análise e interpretação das normas relativas ao concurso de credores em processo executivo, a Mm.ª Sra. Juiz “a quo”, apoiada na doutrina, mormente em Lebre de Freitas [[1]], vastamente citado,  concluiu:
«Deste modo, uma vez que a sentença proferida neste apenso transitou em julgado, ficando reconhecido um direito de crédito através de sentença de verificação e graduação de créditos, já transitada em julgado (na acepção do Prof. Lebre de Freitas, os direitos reais de garantia dos credores) não podem os credores reclamantes CC e DD, impugnar a existência ou o âmbito desse direito de crédito.
Pelo exposto, julgo inadmissível a impugnação de créditos apresentada por CC e DD.»

Por seu turno, os apelantes sustentam:
«Com a notificação operada nos termos do artigo 789º, do CPC, os recorrentes formaram a convicção e confiança de que, caso impugnassem os créditos que visavam impugnar no concedido e legal prazo de 15 dias, a impugnação seria considerada tempestiva e, sobretudo, admissível. (…) não tendo a sentença originária de graduação de créditos transito em julgado, como não transitou, à data da impugnação, os recorrentes entendem que o Tribunal teria obrigatoriamente conhecer da impugnação, por comando do disposto no n.º6 do artigo 791.º do Código de Processo Civil que refere: “ A graduação é refeita se vier a ser verificado algum crédito que, depois dela, seja reclamado nos termos do n.º 3 do artigo 788.ª. (…) a notificação dos credores para impugnarem os créditos, haverá, ante as mais elementares regras de boa-fé e cooperação processual, que considerar o prazo de trânsito em julgado como irremediavelmente interrompido em face da tempestiva intervenção dos aqui recorrentes e do exercício do direito para o qual foram regular e legalmente notificados. Qualquer outro entendimento viola de forma intolerável o principio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, uma vez que os recorrentes acreditaram na notificação que lhes foi endereçada e exerceram o seu direito a partir desse pressuposto processual. Analogicamente poderá mesmo entender-se que a presente situação viola o disposto no n.º 6 do artigo 157.º do Código de Processo Civil. Por outro lado, os recorrentes não tinham qualquer possibilidade processual ou material de apresentar recurso da sentença em face da sua participação superveniente no processo através da reclamação espontânea de créditos.»
Apreciando.
Estabelece o art.º 619º do CPC, que, proferida sentença, esgota-se o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.
Significa isto que a sentença só pode ser alterada por via recursiva, ou, quando a causa não admita recurso, suscitando-se a sua nulidade ou pedindo-se a sua reforma perante o Tribunal que a proferiu.
O processo especial executivo e no que tange à sentença de verificação e graduação de créditos, contém uma excepção a este princípio, mas restrita à graduação dos créditos (art.º 791º nº 6 do CPC).
Assim, proferida sentença que julgue verificado determinado crédito e proceda à sua graduação com o do exequente, a fim de ser pago pelo produto da venda de determinados bens penhorados (sobre os quais tenha garantia real), é admissível, até à transmissão dos bens penhorados, que outro credor que detenha garantia real sobre os bens penhorados (ou algum deles) e que não haja sido oportunamente citado, venha reclamar o seu crédito (cfr. art.º 788º nº 3 do CPC).
Com base nesta “nova” reclamação, que pode ser impugnada (daí a notificação dos credores operada no apenso), produzida prova (se for necessário), profere-se sentença de verificação ou reconhecimento deste crédito posteriormente reclamado (verificação restrita ao crédito posteriormente reclamado) e refaz-se a graduação que constava da anterior sentença, consoante a prioridade da respectiva garantia ou privilégio.
Ou seja, como escrevia Castro Mendes, a sentença de verificação e graduação dos créditos faz caso julgado material quando reconheça os créditos[[2]]. Para outros, nessa parte e pelo menos, faz caso julgado formal (dentro do processo)[3].
Assim, o credor interventor vai apenas poder praticar os actos processuais que não se mostrem já precludidos, seja na execução, seja no apenso da reclamação de créditos. Por outro lado, a reclamação espontânea suspenderá os efeitos da graduação de créditos já fixada e, se for atendida, provocará nova sentença de graduação, na qual se inclua o crédito do reclamante.
Efectivamente, o pedido na reclamação é duplo: conhecer da existência dos créditos (verificação) e fazer a sua graduação com o crédito do exequente, em razão das garantias reais que lhes sejam reconhecidas (cf. artigo 791 nº2). [[4]].
Por isso, o reconhecimento ou verificação já efectuados em anterior sentença é intangível pela posterior reclamação e impugnação apresentada posteriormente à sentença (tal como o é na reclamação ulterior de créditos em processo de insolvência).

A este propósito Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, referem:
- «(…) Esta reclamação, sendo procedente, leva a que tenha de ser refeita a graduação anteriormente efectuada, levando em consideração o direito deste novo credor. Como inculca o n.º 6, trata-se e uma graduação a “refazer”, pelo que deve levar-se em conta a nova reclamação sem bulir com o direito de crédito dos outros credores, salvo no que respeita à possibilidade de alteração da graduação. Ou seja, a actividade jurisdicional a levar a cabo deverá, após o respectivo reconhecimento, graduar o crédito “tardiamente” reclamado em concurso com os créditos anteriores, mas sem colocar em causa a subsistência destes. Haverá apenas que atentar nas regras legais da graduação de créditos para se concluir qual o lugar relativo que este último crédito reclamado deverá ocupar em conjunto com os demais»[5]. (sublinhado nosso)
Aquele que apresenta reclamação espontânea posterior à prolação da sentença, poderá, se estiver em tempo, interpor recurso, ao abrigo do disposto no art.º 631º nº 2 do CPC[[6]] – e, a considerar a cota lavrada em 7-6-2022, no presente apenso (Ref. ...14), os ora recorrentes ainda estariam em tempo para dela interpor recurso – ver relatório supra onde os actos são descritos por ordem cronológica.
Pelo exposto, entendemos, que, proferida a sentença de verificação e graduação de créditos, o credor que deduza a sua reclamação posteriormente à sua prolação não pode deduzir impugnação aos créditos já verificados.
Restava-lhe e porque estava em tempo, interpor recurso da sentença previamente proferida. E salvaguardando sempre a hipótese, mesmo transitada em julgado a primeira sentença, do recurso extraordinário de revisão (art.º 696º al. g) do CPC, antigo recurso de oposição de terceiro).
Relativamente à demais argumentação aduzida pelos apelantes, oferece-nos dizer, que, se porventura, após os recorrentes apresentarem a respectiva reclamação e, cessada a suspensão da instância, tendo sido ordenada a notificação prevista no art.º 789º do CPC, o funcionário, por lapso ou ignorância, notificou para esse efeito os próprios reclamantes, tal não lhes confere o direito à impugnação dos créditos já verificados por sentença.
O sentido do nº 6 do art.º 157º do CPC é impedir que as partes sejam prejudicadas por “erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial” e não de que sejam beneficiadas por tais erros ou lapsos.
Não há, no caso, que salvaguardar qualquer princípio da confiança ou convicção erroneamente formada, não só porque nenhum acto judicial foi praticado que fosse susceptível de criar tal expectativa, como, mesmo quando tal ocorre, as decisões podem sempre ser alteradas por meio de reforma ou recurso, sem que tal constitua negação “à tutela jurisdicional efectiva do direito” de quem vê um requerimento rejeitado ou uma decisão revogada.
Por tudo o que acima se expôs, não acolhemos as conclusões dos apelantes, impondo-se confirmar a sentença recorrida

V - DELIBERAÇÃO

Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Guimarães, 10-07-2023

Eva Almeida
Maria dos Anjos Melo Nogueira
Paulo Reis                                       


[1] A Ação Executiva - À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª edição, Coimbra Editora, 2014, págs. 370 a 373
[2] Cfr. Rui Pinto, Acção Executiva, AAFDL, 2018, pág. 832, onde vem citado, neste sentido, não só Castro Mendes, in Direito Processual Civi, III, pág.451, mas também Teixeira de Sousa, in A Acção Executiva, Singular, Comum e Especial, pág.350)
[3] Parece-nos ser esse o sentido do Ac. do STJ de 15-12-2020 (100/13.7TBVCD-B.P1.S1) in dgsi.pt.
[4] Rui Pinto, in Acção Executiva, AAFDL, 2018, apesar de dissonante do entendimento que aqui defendemos – ver pág. 820, parte final – a pág. 832 refere:
– «Pensamos que importa, antes de mais, recordar que o pedido na reclamação é duplo: conhecer da existência dos créditos e fazer a sua graduação com o crédito do exequente, em razão das garantias reais (cf. artigo 791º nº 2). Portanto, o reconhecimento da garantia real não integra o efeito jurídico pedido pelo reclamante.
Por outras palavras, não estamos perante uma graduação de garantias, como parece entender Lebre de Freitas, mas perante uma graduação de créditos – segundo as garantias, naturalmente.
Não se forma caso julgado material quanto às garantias, pois elas, sim, é que são o fundamento da decisão.
Tão pouco se forma caso julgado material quanto à graduação em si mesma – i.e., as relações de prevalência – porque se é verdade que ela está suportada sobre a decisão prejudicial sobre o crédito, porém, também está suportada por garantias reais que não foram reconhecidas, salvo enquanto fundamento decisório.
Portanto, forma-se caso julgado material quanto aos créditos, sendo certo que os seus títulares não podem, sequer, ser citados editalmente (cf. artigo 786º nº 7). (sublinhado nosso)
[5] A Ação Executiva Anotada e Comentada, 2ª ed. 2017, pág. 431.
[6] “2 - As pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias.”