Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | PEDRO DAMIÃO E CUNHA | ||
| Descritores: | CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO CONTRATO DE EMPRÉSTIMO BANCÁRIO FASES DO CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO ÓNUS DA PROVA DA UTILIZAÇÃO DOS FUNDOS DISPONIBILIZADOS | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 11/02/2017 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | TOTALMENTE IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 1.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | “I. A abertura de crédito é um contrato meramente consensual, no sentido em que a sua validade e perfeição não se encontra dependente de qualquer acto de entrega do montante pecuniário; ao invés do empréstimo bancário, a abertura de crédito fica perfeita com o mero acordo tendente à disponibilização daquele montante, o qual de resto poderá nem sequer vir a ser movimentado pelo cliente creditado. II. Este contrato de abertura de crédito pode desdobrar-se em duas fases distintas, sendo que a segunda é eventual: uma primeira, é a fase da disponibilidade dos fundos por parte do creditante (Banco); e, uma segunda, é a fase da disposição efectiva dos fundos, que só surge, se e na medida em que o creditado (o cliente do Banco) exerça o verdeiro direito potestativo de solicitar a disponibilização dos fundos constituídos a seu favor no âmbito do contrato celebrado. III. Incumbe ao creditante (Banco) o ónus da prova (art. 342º, nº1 do CC) de que o montante disponibilizado naquela primeira fase foi efectivamente entregue e utilizado pelos creditados naquela segunda fase do contrato. IV. Não constitui prova suficiente dessa factualidade, a mera celebração do contrato de abertura de crédito, pois que este não representa a constituição e/ou o reconhecimento de qualquer dívida por parte dos creditados (RR.), porquanto neste contrato não há inicialmente efectiva entrega de capital, só surgindo o direito de crédito do Banco naquela segunda fase. V. Tal prova também não pode ser efectuada pela demonstração de que, contemporaneamente àquele contrato, foi celebrado um contrato de empréstimo bancário, uma vez que tal realidade não encontra acolhimento na configuração jurídico-bancária que o contrato de abertura de crédito assume (ao invés do que sucede no empréstimo, não existe aqui entrega de dinheiro, mas apenas a disponibilização de uma linha de crédito), e resultaria incompreensível que assim se considerasse, tendo em conta que os dois tipos de contrato são completamente diferentes, tanto quanto ao seu conteúdo, como às finalidades e vantagens que da sua celebração os creditados (RR.) poderiam obter. VI. Para que as declarações produzidas pelos interessados no âmbito do inventário tivessem o valor de prova plena nos termos do artigo 358º, nº 2, do Código Civil, seria necessário que a pessoa a quem aquelas declarações aproveitam, tivesse intervindo ou chamado a intervir nos autos de inventário.” | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães. I. RELATÓRIO. Recorrente(s):- Banco A, Crl.”; * - Recorrida: M. R.;* Banco A, Crl. intentou contra M. R. e A. C. a presente acção declarativa comum pedindo a condenação dos Réus a: a) pagarem à Autora a importância de € 59.689,89 (cinquenta e nove mil seiscentos e oitenta e nove euros e oitenta e nove cêntimos); b) pagarem à Autora juros vincendos sobre € 24.939,89 à taxa contratual de € 18,25 ao ano, elevável em mais 4%, como cláusula penal; c) reconhecerem que, para garantia do pagamento da dívida até ao montante de € 43.707,17, está constituída hipoteca sobre os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Cabeceiras de Basto sob os nºs .. e .. da freguesia do … cuja identificação actual é a referida nos arts. 66º e 67º da petição. Para tanto e em suma invocou a celebração de contrato de abertura de crédito (em conta corrente) celebrado pela Autora e Réus, mediante o qual foi disponibilizada aos mesmos a quantia que estes gastaram em proveito próprio, sem que contudo tivessem liquidado as prestações a que se obrigaram. Mais descreveu as alterações registais ocorridas nos imóveis hipotecados. * Citados os Réus, contestou a Ré M. R., invocando a ilegitimidade activa da Autora por não ter outorgado na escritura que serve de fundamento à acção. Mais impugnou, por desconhecimento, os factos em que Autora assenta a transmissão do crédito. Invocou também a excepção de prescrição dos juros peticionados e bem assim da dívida, que de resto impugnou. Mais invocou o abuso de direito da Autora, por pretender cobrar juros que não são já praticáveis, pugnando ainda pela falta de correspondência entre os prédios actualmente existentes e os prédios dados em garantia. O Réu, por seu turno, invocou, também a prescrição da dívida e a preclusão do direito a exigir o pagamento da dívida, uma vez que o mesmo foi declarado insolvente sem que a Autora tenha ido reclamar quaisquer créditos ao processo de insolvência. Houve resposta às excepções deduzidas, invocando a Autora a interrupção da prescrição, que vale também para os juros, pugnando também pela improcedência da excepção de ilegitimidade. * Foi proferido o despacho a que alude o art. 496º do CPC, tendo sido julgada improcedente a excepção de ilegitimidade, e relegado para final o conhecimento da excepção de prescrição. * Procedeu-se a julgamento de acordo com o legal formalismo.* Na sequência foi proferida a seguinte sentença:“Dispositivo: Pelo exposto, vai a presente acção julgada improcedente, com a consequente absolvição dos réus do pedido.” * É justamente desta decisão que a Autora/Recorrente veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:“VI) CONCLUSÕES 1) A documentação junta aos autos é sobejamente suficiente para se considerarem como demostrados os dois factos considerados como não provados pela douta sentença recorrida: a) Que a quantia de 5.000 contos “haja sido entregue parcial ou integralmente aos réus, uma vez só, na data da celebração da escritura”; b) Que os réus utilizaram esta quantia em proveito próprio. 2) Com a assinatura da PROPOSTA DE CRÉDITO de 16/09/1994, os réus pediram à autora lhes concedesse crédito, consubstanciado num empréstimo de cinco mil contos, a utilizar por uma vez só, em 21/09/1994 e a amortizar em seis prestações trimestrais e iguais de seiscentos e vinte e cinco contos cada, vencidas a primeira em 21/12/1994 e a última em 21/09/1996; 3) Em 19/09/1994 – três dias depois da proposta – ela foi “deferida”, ou seja, aceite pela autora, que a subscreveu através da assinatura de dois seus directores. 4) Com a assinatura deste documento, as partes vincularam-se reciprocamente: a autora a transferir para a conta dos réus dois dias após, em 21/09/1994, o montante do empréstimo – 5000 contos – e os réus a pagarem pontualmente as amortizações trimestrais Como garantia desse empréstimo ficou estipulada a hipoteca. 5) Da acta da sessão de 19/09/1994 da Direcção da CCAM e sob a epígrafe “EMPRÉSTIMOS” consta a deliberação de resposta à proposta nº 7866 “referente ao sócio nº 1454, A. C.” e que está na base da aceitação do pedido de financiamento formulado pelos réus, através da concessão de um empréstimo de 5000 contos. 6) No seguimento destes actos foram celebrados dois outros, ambos datados de 21/09/1994: 7) Um deles é a escritura de abertura de crédito, até ao montante de cinco mil contos, que será utilizado por meio de letras, livranças ou quaisquer outros escritos particulares. 8) O outro documento é o “Escrito particular para empréstimo garantido por hipoteca” datado de 21/09/1994, através do qual os réus declararam necessitar da quantia de cinco milhões de escudos “para os fins e nos termos da proposta de crédito” acima referida “e que o Banco A aceitou”; 9) Destes quatro documentos conclui-se que: - os réus, pediram emprestados à autora 5.000 contos e a autora deliberou conceder-lhe esse empréstimo, cujo montante seria creditado na conta dos réus, de uma vez só, em 21/09/1994; - essa data serviu de ponto de partida, quer para a fixação das datas das amortizações (trimestrais) do empréstimo quer para a primeira contagem dos juros; - a hipoteca foi constituída no âmbito da escritura de abertura de crédito do montante de 5.000 contos, utilizado através de escritos particulares “representativos dos créditos utilizados”; - na mesma data da escritura de crédito foi celebrado por documento particular, um contrato de empréstimo também de 5.000 contos, do qual consta uma expressa confissão de dívida por parte dos réus que a autora aceitou. 10) A análise conjunta destes quatro documentos é, por si só, suficiente para se concluir que, em 21/09/1994, foi celebrado um contrato de empréstimo de 5.000 contos que a autora entregou aos réus (através de crédito na sua conta). 11) Na reclamação de créditos apresentada em 02/05/1996 no processo nº 8534/94 a aqui autora alegou que “No dia da assinatura do escrito, 21/09/1994, a exequente entregou aos executados a referida quantia de 5.000.000$00” e que “Os executados não pagaram as seis primeiras prestações” – juntando para o demonstrar o contrato de empréstimo e a proposta. 12) As declarações prestadas por ambos os réus no processo de inventário nº 162-A/2000, subsequente ao divórcio entre eles, são inequívocas no reconhecimento por eles da dívida à autora e na obrigação do seu pagamento. 13) Na verdade eles, no decurso de um acto particularmente solene – a conferência de interessados – reconheceram a sua dívida perante a autora em termos inequívocos; e, por causa disso, ela consta do mapa de partilha, homologado por sentença transitada. 14) Assim, esta confissão considera-se “provada nos termos aplicáveis a esses documentos” - cfr artº 358 nº 2 do CC; 15) Deve, pois, dar-se como provado que os réus reconheceram ser devedores da autora no montante de 5.000 contos (24.939,89 €) e que essa dívida era “decorrente do contrato de abertura de crédito (...) para cuja garantia foram constituídas hipotecas (...)”. 16) A prova verbal produzida em audiência de julgamento não contrariou – nem legalmente poderia contrariar – esta conclusão. 17) Ao decidir em sentido contrário, a douta sentença recorrida interpretou erradamente e violou os arts. 355º, nº 2, 3 e 4, 357 nº 1 e 378º, nº 2 do CC. Mas ainda que assim se não viesse a entender: 18) A matéria de facto subjacente ao pedido da alínea c) foi considerada como provada nos pontos 7 e 8 da douta sentença e, por isso, este pedido não pode deixar de ser julgado procedente independentemente da decisão relativa aos outros pedidos. Deve, pois, ser revogada a douta sentença recorrida e: - o presente recurso ser julgado totalmente procedente e proferida decisão que julgue a acção totalmente procedente e condene os réus nos pedidos contra eles formulados; subsidiariamente e por mera cautela: - o presente recurso ser julgado parcialmente procedente e proferida decisão que os réus no pedido formulado na alínea c)...”. * Foram apresentadas contra-alegações, onde a Recorrida pugna pela improcedência do Recurso.* Corridos os vistos legais, cumpre decidir.* II- FUNDAMENTOSO objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC. * No seguimento desta orientação, a Recorrente coloca as seguintes questões que importa apreciar:1.- Determinar se o tribunal a quo incorreu num erro de julgamento, e, consequentemente, se, reponderado esse julgamento, devem: -considerar-se provados os factos que a sentença de primeira Instância considerou como não provados nos pontos a) e b) da matéria de facto não provada; * 2. saber se, sendo modificada a matéria de facto no sentido propugnado pela Recorrente, a presente acção tem de proceder quanto a todos os pedidos.3- saber, se independentemente dessa modificação, sempre o presente recurso deverá ser julgado parcialmente procedente, na medida em que deve ser proferida decisão que condene os Réus no pedido formulado na alínea c) * A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOA sentença proferida em 1ª instância julgou provados os seguintes factos: “Para o efeito, com pertinência para o mérito da causa relevam os seguintes factos provados: 1) Por escritura celebrada no dia 24 de Janeiro de 2003 e exarada a fls. 90 do Livro … H do 1º Cartório Notarial de Braga, o Banco A foi incorporado por fusão oa Banco A do Minho, NIPC … com sede na Rua …, Braga. 2) Posteriormente, por escritura de 03.09.2010, lavrada de fls. 2 a fls. 4 do Livro …-E do Cartório Notarial de Braga (Notário A. P.) o Banco A Minho, foi incorporada por fusão na Banco A, que se encontra devidamente registada cujo código de acesso é 4… 3) A Autora é uma instituição de crédito, sob a forma de cooperativa, cujo objecto é o exercício de funções de crédito em favor dos seus associados, bem como a prática de demais actos inerentes à actividade bancária. 4) Por escritura de 21 de Setembro de 1994, lavrada de fls. 36 v. a fls. 39 do Livro nº …-B do Cartório Notarial de Cabeceiras de Basto o então Banco A e os Réus acordaram em que a primeira “abre a favor dos segundos outorgantes um crédito até ao montante de cinco milhões de escudos (…) [correspondente a € 24.939,89]. O crédito aberto será utilizado por meio de letras, livranças ou quaisquer outros escritos particulares (…). Os créditos utilizados vencerão juros à taxa que vigorar no Banco A para operações de natureza e prazo semelhantes, nesta data de dezassete vírgula setenta e cinco por cento ao ano (…)”. 5) As partes acordaram também constituir hipoteca a favor dos seguintes prédios: a. Prédio rústico denominado “Campo …”, abaixo do rego, sito no lugar da …, da freguesia de …, do concelho de Cabeceiras de Basto, com a área de 9.000 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº … e inscrito na competente matriz urbana no art. .., com o valor patrimonial de Esc. 198.000$00, correspondente a € 987,62, onde foram edificados três armazéns com cobertura metálica, com as superfícies cobertas de 800, 200 e 250 m2, os quais ainda se encontra omissos à matriz. b. Prédio rústico, denominado “Campo X”, sito no lugar da …, da freguesia de …, do concelho de Cabeceiras de Basto, com a área de 3.000 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº … e inscrito na competente matriz urbana no art. .., com o valor patrimonial de Esc. 15.800$00, equivalente a € 78,81. 6) Os Réus divorciaram-se em 11.05.2001, por sentença proferida no âmbito do processo nº 162/00 do tribunal da extinta comarca de Cabeceiras de Basto. 7) Os prédios referidos em 4) têm hoje a seguinte identificação: a) prédio misto, composto por dois pavilhões com a superfície coberta total de 1160 m2 e parque anexo com a área de 5579 m2, sito no lugar da …, a confrontar do norte com a auto-estrada, do nascente com estrada nacional 210, do sul com caminho de servidão (Sr. L. D.) e do poente com herdeiros de A. A.; está descrito na Conservatória do Registo Predial de Basto sob o nº … – freguesia do … e inscrito na matriz urbana no artº … e na matriz rústica no art. …; b) prédio rústico, uma parcela de terreno com a área de 1195 m2, sito no lugar da …, a confrontar do norte com VM Lda. e dos mais lados com caminho público; está descrito na Conservatória do Registo Predial de Basto sob o nº … – freguesia do … e inscrito na matriz no art. ... 8) Os prédios referidos em 7) estão também descritos na mesma Conservatória sob o nº … – freguesia do …, havendo duplicação de descrições. * Factos não provados: Com pertinência para o mérito da causa não se provaram os demais factos, designadamente que: a) A quantia referida em 4) haja sido entregue parcial ou integralmente aos réus, por uma vez só, na data da celebração da escritura. b) Que os réus hajam utilizado a quantia referida em 4) em proveito próprio. * B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITOJá se referiram em cima as questões que importa apreciar e decidir. * -Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto:Nesta sede, e antes do próprio objecto da impugnação de facto, cumpre tecer algumas considerações prévias, em ordem a evitar quaisquer equívocos quanto à impugnação da decisão de facto em sede de recurso e quanto à actividade jurisdicional que é suposto ser levada a cabo por este tribunal superior. Explicitando. Nesta matéria, consigna, como é consabido, o art. 640º, n.º 1 do CPC que, «quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a)- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c)- a decisão que, no seu entender, dever ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.» Por outro lado, ainda, dispõe o n.º 2 do mesmo art. 640º que : a)- quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. À luz do regime exposto, e seguindo a lição de Abrantes Geraldes(1), “quando o recurso verse a impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras: -em quaisquer circunstâncias, o recorrente tem de indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; -quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles meios de prova que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos impugnados; -relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; - o recorrente deve ainda deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos; Com efeito, tendo por referência a comparação entre a primitiva redacção do art. 712º do anterior CPC e o actual art. 662º, a possibilidade de alteração da matéria de facto, que era antes excepcional, acabou por ser assumida, como função normal da Relação, verificados os requisitos que a lei consagra. Todavia, ao impor ao recorrente o cumprimento dos aludidos ónus, nesta sede, visou o legislador afastar «soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente.» Destarte, importa referir que em sede de impugnação da decisão da matéria de facto pelo tribunal superior, não está (nem pode estar) em causa a repetição do julgamento e a reapreciação de todos os pontos de facto (e a respectiva motivação), mas apenas e só a reapreciação pelo tribunal superior (e a formação da sua própria convicção - à luz das mesmas regras de direito probatório a que está sujeito o tribunal recorrido) dos concretos pontos de facto julgados provados e/ou não provados pelo tribunal recorrido. De facto, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida, impondo-se, por isso, ao impugnante, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, a observância dos citados ónus. Concluindo, deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, sendo que, como refere Abrantes Geraldes (2), esta última exigência (plasmada na transcrita alínea c) do nº 1 do art. 640º) “ … vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente ”, devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.» Mais, ainda, é também relevante salientar que quanto ao recurso da decisão da matéria de facto não existe a possibilidade de despacho de convite ao seu esclarecimento ou aperfeiçoamento, sendo este tipo de despacho reservado apenas e só para os recursos em matéria de direito (3). * Aqui chegados, pode-se concluir que, como resulta do corpo das alegações e das respectivas conclusões, a Autora/ Recorrente impugna a decisão da matéria de facto, tendo dado cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1 als. a), b) e c) do CPC, pois que, faz referência aos concretos pontos da matéria de facto que consideram incorrectamente julgados, indica os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por ela propugnada, a decisão que no seu entender deveria sobre eles ter sido proferida (nº 2 al. a) do citado normativo) - já não indica as passagens da gravação porque o Recurso não se funda nos depoimentos prestados em sede de Audiência Final, mas sim apenas na análise conjugada da prova documental (já que, na tese da Recorrente, “ a prova verbal produzida em audiência de julgamento não contrariou – nem legalmente poderia contrariar – esta conclusão).Cumpridos aqueles ónus e, portanto, nada obstando ao conhecimento do objecto de recurso nesse segmento, a Autora/ apelante não concorda com a decisão sobre a fundamentação factual relativa aos factos dados como não provados pelo Tribunal de Primeira Instância constantes do ponto A) e B) da matéria de facto considerada não provada pelo Tribunal de Primeira Instância. Quid iuris? Importa, antes de entrar directamente na apreciação das discordâncias alegadas pelos Recorrentes, reforçar o que ficou dito quanto ao âmbito de apreciação da matéria de facto que incumbe ao Tribunal da Relação em sede de Recurso. Como se referiu, o âmbito dessa apreciação não contende com a ideia de que o Tribunal da Relação deve realizar, em sede de recurso, um novo julgamento na 2ª Instância, prescrevendo-se tão só “ … a reapreciação dos concretos meios probatórios relativamente a determinados pontos de facto impugnados… “ (4). Assim, o legislador, no art. 662º, nº1 do CPC, “ … ao afirmar que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios… pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise… “ (5). Destas considerações, resulta, de uma forma clara, que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros: a) o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente; b) sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento; c) nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes) (6). Dentro destes parâmetros, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição (7), está em posição de proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que neste âmbito a sua actuação é praticamente idêntica à do Tribunal de primeira Instância, apenas cedendo nos factores da imediação e da oralidade. Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade. Efectivamente, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do CPC) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição (8). Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo. “O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” (9). De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPC). Todavia, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância (10). Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada” (11). Importa, porém, não esquecer porque, como atrás se referiu, se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança (12), no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância. * Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão à Autora apelante neste segmento de recurso que tem por objecto a impugnação da matéria de facto nos termos por ela pretendidos.Conforme já se referiu, importa que o Tribunal se pronuncie sobre a impugnação da matéria de facto, fundada no alegado erro na apreciação da prova, entendendo a Recorrente/ Autora que, em face da prova produzida, e no que concerne aos factos constantes dos pontos A) e B) da matéria de facto não provada, devem esses factos considerar-se integralmente provados. Aí ficaram mencionados como matéria de facto não provada os seguintes factos: “a) A quantia referida em 4) haja sido entregue parcial ou integralmente aos réus, por uma vez só, na data da celebração da escritura. b) Que os réus hajam utilizado a quantia referida em 4) em proveito próprio. “ * A Recorrente não concorda com estes pontos da matéria de facto, alegando o seguinte:“…1) A documentação junta aos autos é sobejamente suficiente para se considerarem como demostrados os dois factos considerados como não provados pela douta sentença recorrida: a) Que a quantia de 5.000 contos “haja sido entregue parcial ou integralmente aos réus, uma vez só, na data da celebração da escritura”; b) Que os réus utilizaram esta quantia em proveito próprio. 2) Com a assinatura da PROPOSTA DE CRÉDITO de 16/09/1994, os réus pediram à autora lhes concedesse crédito, consubstanciado num empréstimo de cinco mil contos, a utilizar por uma vez só, em 21/09/1994 e a amortizar em seis prestações trimestrais e iguais de seiscentos e vinte e cinco contos cada, vencidas a primeira em 21/12/1994 e a última em 21/09/1996; 3) Em 19/09/1994 – três dias depois da proposta – ela foi “deferida”, ou seja, aceite pela autora, que a subscreveu através da assinatura de dois seus directores. 4) Com a assinatura deste documento, as partes vincularam-se reciprocamente: a autora a transferir para a conta dos réus dois dias após, em 21/09/1994, o montante do empréstimo – 5000 contos – e os réus a pagarem pontualmente as amortizações trimestrais Como garantia desse empréstimo ficou estipulada a hipoteca. 5) Da acta da sessão de 19/09/1994 da Direcção da CCAM e sob a epígrafe “EMPRÉSTIMOS” consta a deliberação de resposta à proposta nº 7866 “referente ao sócio nº …, A. C.” e que está na base da aceitação do pedido de financiamento formulado pelos réus, através da concessão de um empréstimo de 5000 contos. 6) No seguimento destes actos foram celebrados dois outros, ambos datados de 21/09/1994: 7) Um deles é a escritura de abertura de crédito, até ao montante de cinco mil contos, que será utilizado por meio de letras, livranças ou quaisquer outros escritos particulares. 8) O outro documento é o “Escrito particular para empréstimo garantido por hipoteca” datado de 21/09/1994, através do qual os réus declararam necessitar da quantia de cinco milhões de escudos “para os fins e nos termos da proposta de crédito” acima referida “e que o Banco A aceitou”; 9) Destes quatro documentos conclui-se que: - os réus, pediram emprestados à autora 5.000 contos e a autora deliberou conceder-lhe esse empréstimo, cujo montante seria creditado na conta dos réus, de uma vez só, em 21/09/1994; - essa data serviu de ponto de partida, quer para a fixação das datas das amortizações (trimestrais) do empréstimo quer para a primeira contagem dos juros; - a hipoteca foi constituída no âmbito da escritura de abertura de crédito do montante de 5.000 contos, utilizado através de escritos particulares “representativos dos créditos utilizados”; - na mesma data da escritura de crédito foi celebrado por documento particular, um contrato de empréstimo também de 5.000 contos, do qual consta uma expressa confissão de dívida por parte dos réus que a autora aceitou. 10) A análise conjunta destes quatro documentos é, por si só, suficiente para se concluir que, em 21/09/1994, foi celebrado um contrato de empréstimo de 5.000 contos que a autora entregou aos réus (através de crédito na sua conta). 11) Na reclamação de créditos apresentada em 02/05/1996 no processo nº … a aqui autora alegou que “No dia da assinatura do escrito, 21/09/1994, a exequente entregou aos executados a referida quantia de 5.000.000$00” e que “Os executados não pagaram as seis primeiras prestações” – juntando para o demonstrar o contrato de empréstimo e a proposta. 12) As declarações prestadas por ambos os réus no processo de inventário nº 162-A/2000, subsequente ao divórcio entre eles, são inequívocas no reconhecimento por eles da dívida à autora e na obrigação do seu pagamento. 13) Na verdade eles, no decurso de um ato particularmente solene – a conferência de interessados – reconheceram a sua dívida perante a autora em termos inequívocos; e, por causa disso, ela consta do mapa de partilha, homologado por sentença transitada. 14) Assim, esta confissão considera-se “provada nos termos aplicáveis a esses documentos” - cfr artº 358 nº 2 do CC; 15) Deve, pois, dar-se como provado que os réus reconheceram ser devedores da autora no montante de 5.000 contos (24.939,89 €) e que essa dívida era “decorrente do contrato de abertura de crédito (...) para cuja garantia foram constituídas hipotecas (...)”. 16) A prova verbal produzida em audiência de julgamento não contrariou – nem legalmente poderia contrariar – esta conclusão. 17) Ao decidir em sentido contrário, a douta sentença recorrida interpretou erradamente e violou os arts. 355º, nº 2, 3 e 4, 357 nº 1 e 378º, nº 2 do CC.”. * Quanto a esta matéria de facto, o Tribunal fundamentou a sua decisão da seguinte forma:(incluindo-se a fundamentação geral com pertinência para a matéria de facto aqui em discussão) “Motivação: Na formação da sua convicção foi considerada a documentação junta, tida por suficiente para a prova da celebração do acordo de vontades referido em 4) e 5) mas insuficiente para a prova da efectiva disponibilização da verba aí mencionada. Efectivamente, do documento de fls. 56 ss. resulta que em 19.09.1994 a direcção do Banco A reuniu, sendo que, da acta respectiva, consta ter sido deliberada a concessão de um empréstimo de 5.000.000$00 (cinco mil contos) ao sócio …, A. C.. Do documento junto a fls. 412 extrai-se que em 21.09.1994, através de escrito particular, o Banco A declarou que nos termos da proposta de crédito junta a fls. 413, entregaria aos ora réus, em caso de necessidade, as verbas solicitadas até ao valor máximo de cinco milhões de escudos, sendo que estes desde logo se confessaram devedores de todas as quantias que “de acordo e nos termos daquele contrato [referido em 4)] viessem a ser devidas à Banco A”. Ou seja, o que essa documentação nos diz é que a ora autora disponibilizou aquela verba, que os ora réus usariam se entendessem, através da conta bancária nº .., designadamente através de cheque – vd. fls. 393 a 396. A efectiva utilização das verbas não está, contudo, documentada, designadamente por cheques ou extractos microfilmados. J. M., representante legal da autora desde 2010 (embora trabalhe com a CCA desde 1993), em declarações referiu que a autora não conseguiu obter os extractos porquanto os mesmos se encontram integrados num sistema informático próprio (que era o utilizado pelo Banco A antes da incorporação), a cujo conteúdo não consegue aceder por não haver quem saiba as passwords, associadas a um relógio que impõe a respectiva actualização. Ora, actualmente, apenas a empresa de manutenção poderá aceder aos ficheiros pretendidos, desconhecendo contudo se a empresa que a fazia antes da incorporação (CIL), ainda existe. Não houve da parte da ora autora qualquer tentativa de contactar a dita CIL, pelo que não acedeu a tal informação. Ora, esses elementos eram importantes, particularmente porque os réus alegaram que não houve transferência de qualquer quantia e do contrato em questão não resulta ter havido entrega de dinheiro. E se é certo que o referido representante legal da autora mencionou que houve entrega de verbas, não tendo estado em causa uma abertura de crédito mas antes um mútuo, não se compreende por que razão, a assim ser, a escritura que formalizou a abertura de crédito, e que tem data posterior à da proposta de crédito junta a fls. 413, bem como o escrito particular de “empréstimo”, também de data posterior, não se referem a verbas concedidas mas sim a conceder, sendo que o mesmo também não o conseguiu explicar. F. M., funcionário do Banco A desde 1984 e na recuperação de crédito desde 1994, também não o soube explicar. Acresce que a justificação apresentada pelo referido representante legal para o facto de alguém que pretende um mútuo efectuar antes uma abertura de crédito, apesar de verosímil, foi considerada insuficiente [o declarante admitiu que pudesse ter sido para que, saldado o valor despendido/entregue, o cliente do Banco pudesse sempre ver disponibilizada verba até àquele limite, sem ser necessário constituir nova(s) hipoteca(s)], já que desacompanhada de elementos concretos que permitissem concluir que os ora réus iriam recorrer novamente a quantias disponibilizadas pela ora autora. Daí que apesar de da documentação junta a fls. 67 ss. relativa ao processo de inventário, resultar que nessa sede o ora réu A. C. efectivamente relacionou um passivo a favor da ora autora com base no contrato de abertura de crédito em causa nestes autos, considerou-se que, não sendo essa declaração dirigida à ora autora, ela não basta para dissipar as dúvidas criadas quanto à efectiva utilização de verbas pelos réus (nº 3 do art. 355º e 352º do CC). A Ré M. R. prestou declarações onde afirmou não ter recordação de assinar os documentos juntos a esses autos, afirmando que o que assinava era muitas vezes sob ameaça de agressão pelo marido. Ficou a convicção de que os documentos terão sido efectivamente assinados pela Ré, atento o facto de a mesma não rejeitar que as assinaturas possam ser suas, parecendo efectivamente sê-lo, quando comparadas com as assinaturas de fls. 132 e 134, admitindo-se embora que a mesma possa não ter tido grande noção do que estava a assinar, porquanto é o que acaba por resultar dos depoimentos de P. P., que trabalhou para o réu Albino durante cinco ou seis anos, nunca tendo visto a Ré M. R. na firma, já que esta ficava em casa a cuidar dos filhos. Isto mesmo foi confirmado por M. M. e E. M., amigas da ora ré, sendo que a última referiu também que enquanto durou o casamento o marido não lhe permitia qualquer interferência nos negócios, agredindo-a algumas vezes. Para a convicção formada quanto à identificação dos prédios hipotecados foi fundamentalmente considerada a perícia, que alude à construção dos pavilhões no prédio sobre o qual havia sido constituída a hipoteca e acaba por concluir pela correspondência dos prédios – vd. fls. 349. Considerou-se também a documentação junta a fls. 88 ss.” * Cumpre apreciar a Impugnação da matéria de facto, tendo em conta o que em cima já se referiu quanto à tarefa que é imposta ao Julgador neste âmbito.A impugnação da matéria de facto deduzida pela Recorrente atinge apenas dois pontos da matéria de facto. Dizem eles respeito ao objecto do contrato de abertura de crédito celebrado entre as partes (crédito aberto até ao montante de cinco milhões de escudos (…) [correspondente a € 24.939,89] (…) e que será utilizado por meio de letras, livranças ou quaisquer outros escritos particulares (…) (vencendo) juros à taxa que vigorar no Banco A para operações de natureza e prazo semelhantes, nesta data de dezassete vírgula setenta e cinco por cento ao ano) - documento nº3 junto com a petição inicial. Ora, as questões fácticas que se colocam são apenas duas: - saber se aquela quantia foi entregue parcial ou integralmente aos Réus, por uma vez só, na data da celebração da escritura; - saber se os Réus utilizaram a referida quantia em proveito próprio. O Tribunal Recorrido respondeu negativamente a ambas as questões, com a fundamentação que já se mencionou. Insiste a Recorrente na sua argumentação derivada de um outro contrato de empréstimo celebrado na mesma data- e cuja celebração e termos resultam dos documentos nºs 4 a 6 juntos com a petição inicial. Entende a Autora que a prova dos factos aqui em discussão decorre de tal prova documental junta aos autos. Cumpre decidir. Antes de entrarmos na Impugnação da matéria de facto (e na análise crítica da prova documental junta aos autos – e da tese defendida pela Recorrente), importa aqui efectuar algumas distinções que só por si evidenciam que os argumentos apresentados pela Recorrente não têm qualquer fundamento- e que o Tribunal Recorrido tem plena razão quando respondeu negativamente aos referidos pontos da matéria de facto. Em primeiro lugar, importa aqui definir de uma forma precisa qual é a causa de pedir da presente acção, pois que, salvo o devido respeito, a Recorrente parece não ter entendido o fundamento que invocou para a sua própria pretensão (ou então pretenderá lançar a confusão sobre qual seja essa causa de pedir, no sentido de se prevalecer da garantia de hipoteca que se mostraria constituída a seu favor, caso se viesse a demonstrar a existência do direito de crédito que pretende fundar no contrato de abertura de crédito). Na verdade, é incontornável ter o nosso legislador optado pela denominada teoria da substanciação (13), segundo a qual “… a afirmação da situação jurídica tem de ser fundada em factos que, ao mesmo tempo que integram, tal como os outros factos alegados pelas partes, a matéria fáctica da causa, exercem a função de individualizar a pretensão para o efeito da conformação do objecto do processo” (14). Tal opção impõe ao autor que alegue os factos de onde deriva a sua pretensão. A causa de pedir é assim “… integrada pelo facto ou factos produtores do efeito jurídico pretendido, e não deve confundir-se com a valoração jurídica atribuída pelo autor a qual, de todo o modo, não é vinculativa para o tribunal, devido ao princípio, consignado no art. 664º (do anterior CPC), segundo o qual o tribunal conhece oficiosamente do direito aplicável” (15). Nesse sentido, aponta, de uma forma decisiva, a definição constante do nº 4 do art. 581º do CPC, que, fazendo referência às normas de direito material que estatuem o efeito pretendido, exige que se aleguem os factos concretos contidos na respectiva previsão. Ora, no caso concreto, tendo em conta a pretensão deduzida, e a factualidade que consubstancia essa pretensão, não há dúvidas que a Autora invoca como causa de pedir, a celebração de um contrato de abertura de crédito, e o seu alegado incumprimento, com a consequente operatividade da garantia de hipoteca constituída a seu favor no âmbito desse contrato. Aqui chegados, estando perfeitamente delineada a causa de pedir que fundamentava os pedidos formulados pela Autora, importa ainda, neste âmbito, esclarecer as diferenças entre o contrato aqui invocado e o contrato de empréstimo bancário (também alegado), já que dessa distinção também resultarão relevantes conclusões para a matéria de facto que aqui se discute. Senão vejamos. O contrato de abertura de crédito é uma das operações bancárias previstas no artigo 362º do Código Comercial (16), tratando-se dum “…contrato pelo qual um banco se obriga a colocar à disposição do cliente uma determinada quantia pecuniária (acreditamento ou “linha de crédito), por tempo determinado ou não, ficando este obrigado ao reembolso das somas utilizadas e ao pagamento dos respectivos juros e comissões…” (17), não representando, assim, a mera celebração do mesmo a constituição e/ou o reconhecimento de qualquer dívida por parte dos subscritores do contrato, porquanto não há efectiva entrega de capital. Na verdade, o contrato de abertura de crédito apenas fixa os termos e condições em que os creditados podem utilizar o crédito concedido pelo creditante, sem que exista efectiva entrega de dinheiro àqueles primeiros. Assim, como se conclui no Ac. da RG de 17.12.2015 (18) “(…) no seu núcleo essencial, o contrato de abertura de crédito é, tal como o mútuo ou o desconto bancário, um contrato de concessão de crédito; ou seja, um convénio mediante o qual uma entidade, que, por regra, é bancária, coloca à disposição de outra, temporariamente, determinada quantia em dinheiro. Mas, ao contrário do mútuo, em que a entrega do dinheiro (ou outra coisa fungível) é seu elemento constitutivo (artigo 1142.º do Código Civil), no contrato de abertura de crédito essa entrega de dinheiro necessariamente pode, ou não, ocorrer…”. Nesta conformidade, “ sublinhe-se que a abertura de crédito é um contrato meramente consensual no sentido em que a sua validade e perfeição não se encontra dependente de qualquer acto de entrega do montante pecuniário; ao invés do empréstimo bancário (em que se pode estipular a efectiva entrega do dinheiro pelo banco ao cliente), a abertura de crédito fica perfeita com o mero acordo tendente à disponibilização daquele montante, o qual de resto poderá nem sequer vir a ser movimentado pelo cliente creditado…” (19). Neste âmbito, compete, assim, “ao creditado decidir se e em que termos vai utilizar os fundos colocados à sua disposição…” (20). Trata-se, pois, de um contrato “…através do qual um banco, creditante, constitui a favor do seu cliente, creditado, por um período de tempo, determinado ou não, uma disponibilidade de fundos que este poderá utilizar se, quando e como entender conveniente…” (21). “Assim, é concebível uma abertura de crédito em que o creditante constitui uma disponibilidade a favor do creditado mas que este nunca vem efectivamente a utilizar…” (22).- como iremos ver à frente, trata-se de uma situação em que o contrato não entra na segunda fase (da disponibilização dos fundos). Aqui chegados, importa referir que, “a abertura de crédito, gerando para o Banco a obrigação de manter à disposição do cliente, por um certo período de tempo, uma determinada quantia em dinheiro, para que este o utilize se quiser, quando quiser e nas quantidades que quiser até ao montante do limite de crédito (acordado), apresenta uma específica função económica face ao mútuo tradicional, uma vez que proporciona uma rigorosa adequação do crédito às especificas necessidades do cliente, pela exacta correspondência temporal entre o momento da efectiva atribuição do crédito e da sua utilização, sendo os juros devidos limitados ao período de utilização efectiva do crédito e apenas sobre a quantia efectivamente utilizada, não obstante o montante ou limite de crédito poder ser muito superior ao valor de que o cliente vem realmente a dispor…” (23). Assim, “este contrato desempenha uma importante função prática, servindo os interesses de ambas as partes. Para o creditado, ele assegura de antemão a disponibilização dos fundos necessários para concretizar um determinado negócio em vista em condições financeira e operacionais mais vantajosas do que num caso de empréstimo bancário (que implicaria o pagamento imediato de juros, além de lhe permitir mobilizar o montante disponibilizado na estrita medida das suas necessidades). Para o creditante, ele assegura o encaixe de um remuneração sem risco, consistente na comissão de abertura de crédito (também designada de comissão de comissão de imobilização.” (24) Não há, pois, que confundir o contrato de abertura de crédito – que como se referiu aqui constitui a causa de pedir -, com o contrato de empréstimo bancário documentalmente demonstrado a fls. 54 e ss. dos autos (25). Na verdade, no contrato de abertura de crédito a aqui Autora declarou “abrir, a favor dos RR., um crédito até ao montante 5.000.000$00, utilizável, nos termos da cláusula 2ª, por meio de letras, livranças ou quaisquer outros escritos particulares representativos dos créditos utilizados.”. Já no contrato de empréstimo bancário a aqui Autora declarou que aceitava a proposta de crédito apresentada pelos RR., e, nessa medida, emprestava a estes últimos a quantia de “cinco milhões de escudos”, quantia que deveria ser reembolsada através de um plano de prestações trimestrais, com juros à taxa de 18,25% (tudo realidades fácticas incompatíveis com a natureza jurídica do contrato de abertura de crédito que fundamenta o pedido da Autora- até tendo em conta a diferente taxa de juro prevista neste último contrato (17,75 %- v. fls. 49 dos autos) - veja-se, aliás, o que já se referiu quanto ás condições mais vantajosas da abertura de crédito. Como se vê, o facto de ter sido alegadamente entregue dinheiro no âmbito do contrato de empréstimo bancário celebrado (e se ter fixado um plano em prestações de restituição desse dinheiro emprestado com aplicação de determinada taxa de juro) é realidade que não contende com a linha de crédito aberta, ao mesmo tempo, a favor dos RR., por força da celebração de um outro contrato de natureza jurídica diferente. Na verdade, a referida alegada entrega de dinheiro seria efectuada no âmbito do contrato de empréstimo bancário- salientando-se, de qualquer forma, que, mesmo quanto a esse contrato, não existe nos autos qualquer prova documental (por ex. extracto bancário) de que esse dinheiro tenha sido efectivamente disponibilizado aos aqui RR.. Quanto ao contrato de abertura de crédito, decorre da sua própria natureza que a entrega de qualquer quantia só ocorreria se os RR. (creditados) tivessem efectivamente utilizado a linha de crédito acordada com a Autora, sendo que (também) não existe nos autos qualquer prova documental (ou de outra índole) que aqueles o tivessem efectuado (segundo o estabelecido no contrato, tal utilização seria efectuada “por meio de letras, livranças ou quaisquer outros escritos particulares representativos dos créditos utilizados”, movimentos bancários de que não existe notícia nos autos terem ocorrido …). É que, como se referiu, não se pode retirar da simples celebração do contrato de abertura de crédito que ocorreu a entrega (e a subsequente) utilização do dinheiro que consubstanciava a linha de crédito aberta a favor dos RR.. Na verdade, a mera celebração do contrato de abertura de crédito não representa a constituição e/ou o reconhecimento de qualquer dívida por parte dos creditados (aqui RR.), porquanto neste contrato não há efectiva entrega de capital. Neste âmbito, tornar-se-ia, pois, necessário a prova por meios complementares (26) de ter sido efectivamente entregue e utilizado o montante cujo reconhecimento se visa obter pela presente acção. Ora, tendo em conta que a Recorrente fundamenta a sua pretensão na celebração do contrato de abertura de crédito (e não, como poderia ter efeito, no contrato de empréstimo/ mútuo) (27), exigia-se, pois, à Autora que, por qualquer meio de prova, demonstrasse que o montante que consubstanciava o contrato de abertura de crédito tinha sido efectivamente entregue e utilizado pelos aqui RR.. No fundo, o que a Autora tinha aqui que demonstrar é que, na sequência de pedido formulado pelos RR., tinha cumprido a sua obrigação de disponibilizar a soma pecuniária que havia antecipadamente disponibilizado em termos “de linha de crédito” “utilizável” pelos RR., obrigação essa que, regra geral, “… pode ser cumprida através de prestações de tipo diverso (v. g. entrega directa de dinheiro, descontos bancários, pagamentos de cheques sacados pelo creditado) …” (28). É que na “abertura de crédito visa-se a disponibilidade do dinheiro… o que não equivale a um crédito. Posto isto: o crédito (só) surge, efectivamente, mas por via potestativa e em simples execução do contrato…” (29). Há que distinguir aqui duas fases distintas no contrato de abertura de crédito (30). Uma primeira, é a fase da disponibilidade. E, uma segunda, que, como se disse, é eventual, é a fase da disposição efectiva dos fundos. Naquela primeira fase, o Banco assume a posição de devedor pois que se obriga a constituir em nome do creditado (do seu cliente) uma disponibilidade de fundos até ao limite convencionado. Na segunda fase, a posição do Banco passa a ser de credor dos fundos efectivamente utilizados pelo creditado (e dos juros correspondentes). No entanto, tal direito de crédito só surge na esfera jurídica do Banco, quando e na medida em que o creditado exerça o verdeiro direito potestativo de solicitar a disponibilização dos fundos constituídos a seu favor no âmbito do contrato celebrado. Nesta conformidade, para que esse direito de crédito (aqui peticionado) possa surgir na titularidade da aqui Autora, teria a mesma que alegar e provar que os RR. chegaram “a actuar” naquela segunda fase do contrato (provando, nomeadamente, que os mesmos solicitaram a disponibilização dos fundos considerados “utilizáveis” pelo contrato celebrado, e que os mesmos foram efectivamente utilizados pelos RR.). Ora, para esse efeito, a Recorrente/Autora, apesar de ter sido expressamente notificada (v. despacho de constante da Acta da Audiência Final de fls. 383), não logrou juntar qualquer prova documental demonstrativa de que: - a quantia que constituía o objecto do contrato de abertura de crédito tivesse sido pedida e entregue aos RR.. - (e que a ter sido entregue essa quantia) os RR. utilizaram essa quantia (total ou parcialmente) “… por meio de letras, livranças ou quaisquer outros escritos particulares”- conforme exemplificava o próprio teor do contrato. Ou seja, a Autora /Recorrente não apresentou qualquer meio de prova demonstrativo de que, no âmbito do contrato de abertura de crédito (causa de pedir da presente acção), a referida quantia (ou parte da referida quantia) tenha sido efectivamente entregue, nem que os RR. tenham procedido a qualquer movimentação bancária respeitante a esse mesmo contrato que consubstanciasse a utilização da linha de crédito concedida (“utilizável”- dizia o contrato). Na verdade, apesar de ter sido expressamente notificada para o efeito, a Autora não juntou aos autos qualquer prova documental de onde resultasse qualquer movimentação bancária, que se mostre reflectida num qualquer extracto bancário ou em qualquer outro documento bancário ou cambiário- o que, caso tivesse ocorrido, necessariamente tinha que ter na sua posse. Assim, a Recorrente, como meio de prova, apenas apresenta a prova documental respeitante à celebração de um outro contrato de empréstimo celebrado contemporaneamente ao que aqui se discute, e do qual pretende retirar a conclusão que o dinheiro emprestado nesse contrato seria o mesmo que teria sido disponibilizado e utilizado pelos RR. no âmbito do contrato de abertura de crédito. Sucede que, como resulta do exposto, tal prova documental não tem a virtualidade probatória pretendida pela Autora, pois que não encontra acolhimento na configuração jurídico-bancária que o contrato de abertura de crédito assume (não existe entrega de dinheiro neste contrato, mas apenas a disponibilização de uma linha de crédito), e, por outro lado, da referida prova documental não resulta a efectiva utilização do dinheiro mutuado (mesmo por referência ao contrato de empréstimo). Além disso, resultaria incompreensível que assim tivesse sucedido, tendo em conta as distinções atrás efectuadas, de onde decorre, além do mais, que os dois tipos de contrato são completamente diferentes, tanto quanto ao seu conteúdo, como às finalidades e vantagens que, de cada um, os RR. (e a Autora) poderiam obter. Como se julga ter demonstrado, quanto ao conteúdo, cada um dos contratos é fonte de diferentes direitos e obrigações para cada um das partes. E o mesmo sucede quanto às finalidades e vantagens que cada um dos contratos permite atingir. Improcede, pois, a argumentação da Recorrente. Finalmente, uma última nota, quanto aos elementos documentais extraídos do inventário subsequente ao divórcio dos RR. para dizer que nada mais há a referir do que aquilo que já ficou dito no ac. da RG de 16.4.2015 já citado. Na verdade, como aí ficou esclarecido (quanto a esses elementos documentais): “Para além de não haver a segurança e certeza bastantes de que a dívida relacionada se reporta ao contrato de abertura de crédito celebrado em 21 de Setembro de 1994 – não obstante se conceder que permitem estabelecer a presunção judicial dessa correspondência –, nada garante que a aprovação do passivo reportado no mapa de partilha reflecte a efectiva posição dos interessados … e se em função do tempo decorrido a exequente (a aqui Autora) não dispõe da documentação atinente ao movimento da conta bancária, sibi imputat- e ademais, para que as declarações produzidas pelos interessados no âmbito do inventário tivessem o valor de prova plena nos termos do artigo 358º, nº2, do Código Civil, seria necessário que a exequente (a aqui Autora), pessoa a quem aquelas declarações aproveitam, tivesse intervindo ou chamado a intervir nos autos de inventário (cfr. Lebre de Freitas, in A Confissão No Direito Probatório, pág. 322-323). Como referem Pires de Lima e A. Varela, «a limitação da força probatória especial de que goza a confissão judicial à instância em que foi produzida, ou seja, ao processo em que foi feita, explica-se porque a parte pode ter confessado (renunciado a discutir ou a contestar a realidade de facto) tendo apenas em vista os interesses que estão em jogo naquele processo» (in Código Civil Anotado, 1982-pág. 314).” Foi este também o entendimento do Tribunal Recorrido que aqui se subscreve integralmente. Aqui chegados, importa, pois, concluir que bem andou o Tribunal Recorrido em responder negativamente à matéria de facto aqui impugnada, face à ausência de elementos probatórios que apontassem em sentido contrário. Assim, de toda a prova produzida aqui reponderada e analisada, de uma forma crítica e conjugada, só nos resta concluir, com o Tribunal Recorrido, que os elementos probatórios produzidos não lograram convencer-nos que o montante que constituía o objecto do contrato de abertura de crédito tenha sido efectivamente entregue e utilizado pelos RR. - que era, como já se explicitou, a factualidade que a A. tinha que provar para o efeito de conseguir lograr o reconhecimento do seu direito de crédito Assim, face ao soçobrar da prova dessa factualidade, não pode tal pretensão deixar de improceder, por não ter ficado demonstrado que a Autora efectivamente entregou o montante em causa aos RR. e que estes o tenham, na sequência, utilizado. Na verdade, tal prova que, em primeira linha, poderia ser – facilmente- efectuada através da junção da documentação atinente ao movimento da conta bancária adstrita ao contrato de abertura de crédito que aqui constitui a causa de pedir, não logrou ser efectuada pela Autora- conforme lhe incumbia (art. 342º, nº1 do CC). Por outro lado, como se explicitou a junção da prova documental atinente à celebração do contrato de empréstimo bancário não tem essa virtualidade probatória. Aqui chegados, e tendo-se procedido à ponderação dos elementos probatórios pertinentes à averiguação da matéria de facto aqui questionada, ou seja, tendo em consideração a prova documental junta aos autos, e a sua análise crítica e conjugada, a conclusão a que se tem chegar é justamente aquela a que chegou o Tribunal de Primeira Instância. Improcede esta parte do Recurso. * Aqui chegados, importa verificar se, independentemente de não se ter procedido à alteração da matéria de facto no sentido propugnado pela Recorrente, deve manter-se a apreciação de mérito efectuada pela Decisão Recorrida, em face da matéria de facto dada como provada.* Ora, ponderando essa questão, é evidente que, não existindo qualquer modificação na matéria de facto considerada provada, nenhuma crítica pode ser apontada à decisão de mérito proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, já que aí bem se ponderou o ónus de prova que recaía sobre a Autora e que a mesma manifestamente não lograram cumprir (art. 342º, nº 1 do CC). Na verdade, pode-se aqui manter na íntegra a fundamentação de direito que o Tribunal de Primeira Instância desenvolveu na sentença que proferiu. Para tanto, basta atentar que a matéria de facto julgada como não provada consubstanciava a factualidade que se encontrava subjacente à pretensão da Autora para considerar que teria um direito de crédito sobre os aqui RR. garantido pela hipoteca que no contrato de abertura de crédito havia sido constituída. Assim, como concluiu, o Tribunal Recorrido: “… a efectiva entrega do dinheiro não se extrai do contrato de abertura de crédito, sendo necessário … a comprovação de os creditados utilizaram o crédito concedido pelo creditante. No caso dos autos não se provou a efectiva utilização, pelos réus, das verbas disponibilizadas pela autora, impondo-se assim a improcedência da acção.”. Trata-se de conclusão que, conforme decorre do exposto, se subscreve integralmente, e que conduz necessariamente à improcedência do Recurso. * Entende a Recorrente que mesmo assim dever-se-ia julgar procedente o pedido formulado sob a al. c) do petitório, tendo em conta que a matéria de facto dada como provada nos pontos 4, 7 e 8.Julga-se, no entanto, também aqui a Recorrente não tem razão. O que se pede na referida alínea é que os RR. sejam condenados a reconhecerem que, para garantia do pagamento da dívida até ao montante de € 43.707,17 está constituída hipoteca sobre os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Cabeceiras de Basto sob os nºs .. e … da freguesia do … cuja identificação actual é a referida nos arts. 66º e 67º da petição. Ora, não se reconhecendo a existência de qualquer dívida que os RR. se encontrassem obrigados perante a Autora, resultante do contrato de abertura de crédito, essa parte do pedido necessariamente tem que ser julgada improcedente, pois que aquele pedido dirigia-se àquele reconhecimento da dívida, e não ao reconhecimento de que existia identidade quanto aos prédios sobre os quais foi constituída a hipoteca. Nesta conformidade, e sem necessidade de mais alongadas considerações, porque se concorda com a fundamentação de direito aduzida pelo Tribunal de Primeira Instância, decide-se manter integralmente a decisão proferida. Improcede, também, nesta parte o Recurso interposto. * III- DECISÃO* Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar: -o Recurso interposto pela Autora/Recorrente totalmente improcedente; * Custas pela Recorrente (artigo 527.º nº 1 do CPC);* Guimarães, 2 de Novembro de 2017 (Dr. Pedro Alexandre Damião e Cunha) (Dra. Maria João Marques Pinto de Matos) (Dr. José Alberto Moreira Dias) 1. In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 139-140; 2. In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 133; 3. Vide, neste sentido, por todos, A. Geraldes, págs. 141. 4. Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 133; 5. v. Ac. do Stj de 24.9.2013 (relator: Azevedo Ramos) publicado na DGSI e comentado por Teixeira de Sousa, in “Cadernos de Direito Privado”, nº 44, págs. 29 e ss.; 6. Pode inclusivamente, verificados determinados requisitos, ordenar a renovação da prova (art. 662º, nº2, al a) do CPC) e ordenar a produção de novos meios de prova (al b)); 7. Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 266 “ A Relação actua como Tribunal de substituição quando o recurso se funda na errada apreciação dos meios de prova produzidos, caso em que se substitui ao tribunal de primeira Instância e procede à valoração autónoma dos meios de prova. Confrontada com os mesmos elementos com que o Tribunal a quo se defrontou, ainda que em circunstâncias não totalmente coincidentes, está em posição de formular sobre os mesmos um juízo valorativo de confirmação ou alteração da decisão recorrida… “; 8. De facto, “é sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc.”- Abrantes Geraldes in “Temas de Processo Civil”, II Vol. cit., p. 201) “E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância” (ibidem). “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” (Abrantes Geraldes in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 273). 9. Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, p. 348. 10. Cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, disponível em www.dgsi.pt. 11. Cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, disponível em www.dgsi.pt. 12. Segundo Ana Luísa Geraldes, in “ Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto” (nos Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas) Vol. I, pág. 609 “ Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte… “ ; no mesmo sentido, v. Miguel Teixeira de Sousa, in “Blog IPPC” (jurisprudência 623- anotação ao ac. da RC de 7/2/2017) onde refere: “É verdade que os elementos de que a Relação dispõe não coincidem -- nomeadamente, em termos de imediação -- com aqueles que a 1.ª instância tinha ao dispor para formar a convicção sobre a prova do facto. No entanto, isso não significa que, como, aliás, o STJ tem unanimemente entendido, nem que a Relação esteja dispensada de formar uma convicção própria sobre a prova do facto, nem que funcione uma presunção de correcção da decisão recorrida. Importa, pois, verificar quais os elementos que devem ser considerados pela Relação para a formação da sua convicção sobre a prova produzida. Quanto a estes elementos, há uma diferença entre a 1.ª instância e a Relação: a 1.ª instância apenas dispõe dos meios de prova; a Relação dispõe daqueles meios e ainda da decisão da 1.ª instância. Como é claro, esta decisão, cuja correcção incumbe à Relação controlar, não pode ser ignorada por esta 2.ª instância. É neste sentido que se pode afirmar que, no juízo sobre a confirmação ou a revogação da decisão da 1.ª instância, a Relação pode utilizar um critério de razoabilidade ou de aceitabilidade dessa decisão. Este critério conduz a confirmar a decisão recorrida, não apenas quando for indiscutível que a mesma é correcta, mas também quando aquela se situar numa margem de razoabilidade ou de aceitabilidade reconhecida pela Relação. Correspondentemente, a decisão deve ser revogada se a mesma se situar fora desta margem.”; 13. Por oposição à teoria da individuação, segundo a qual bastaria ao autor indicar o pedido, cabendo ao juiz esgotar na sentença todas as possíveis causas de pedir da situação jurídica enunciada pelo autor 14. Lebre de Freitas, in “Introdução ao processo civil”, pág. 57. 15. Abrantes Geraldes, in “Temas da reforma do processo civil”, Vol. I, pág. 194. 16. Trata-se, além do mais, de um contrato atípico (sem regime legal próprio), embora nominado (art. 362º do CCom), socialmente típico, sedimentado na praxis comercial e bancária. 17. José A. Engrácia Antunes, in “Direito dos Contratos Comerciais”, pág. 501. No mesmo sentido, Calvão da Silva, in” Direito Bancário”, pág. 365. 18. (relator: João Rodrigues), in Dgsi.pt 19. José A. Engrácia Antunes, in “Direito dos Contratos Comerciais”, pág. 503, nota 961. Cfr., também, ac. do Stj de 13.12.2000 (relator: Sousa Dinis), in Cj, t. III págs. 174 a 176; Sofia Gouveia Pereira, in “O contrato de abertura de crédito bancário”, págs. 43 e 44 estabelece esta distinção em função de dois critérios: a abertura de crédito é um contrato consensual; o mútuo é um contrato real (uma vez que exige a entrega do dinheiro ou da coisa fungível mutuada); aquele primeiro contrato é, em regra, bilateral ou sinalagmático; o mútuo é um contrato unilateral ou não sinalagmático (pois gera obrigações apenas para uma das partes, uma vez que a entrega da coisa pelo mutuante integra o próprio contrato, nasce apenas uma obrigação para o mutuário de restituição). 20. Almeno de Sá, in “Direito Bancário”, pág. 107, nota 78. 21. Sofia Gouveia Pereira, in “O contrato de abertura de crédito bancário”, pág. 7. 22. Sofia Gouveia Pereira, in “O contrato de abertura de crédito bancário”, pág. 14. 23. Paulo Olavo da Cunha, in “Lições de Direito comercial”, pág. 249. No mesmo sentido, v. Simões Patrício, in “Direito Bancário privado”, pág. 310: “Movimentando a conta mediante levantamentos efectuados por cheque ou outro meio adequado, o cliente dispõe da vantagem de só se endividar (e pagar os respectivos encargos) à medida exacta das suas necessidades de financiamento; por exemplo, à medida em que evoluir a execução de determinado projecto de investimento”. De uma forma mais aprofundada, v. Sofia Gouveia Pereira, in “O contrato de abertura de crédito bancário”, págs. 16 a 19. 24. José A. Engrácia Antunes, in “Direito dos Contratos Comerciais”, pág. 502. 25. Sofia Gouveia Pereira, in “O contrato de abertura de crédito bancário”, pág. 8 esclarece que o contrato de abertura de crédito “nasceu do contrato de mútuo, como uma das suas modalidades, do qual se autonomizou, atendendo à sua causa-função própria…”. 26. Como se esclareceu já no ac. da RG de 16.4.2015 (relator: Heitor Gonçalves), in Dgsi.pt no caso de se pretender utilizar o contrato de abertura de crédito como titulo executivo, essa prova tem que ser realizada nos termos do art.º 707 do CPC, segundo o qual «os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestindo força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes»- Acórdão que, como é sabido, se pronunciou já sobre a inexequibilidade do contrato aqui em discussão, justamente por causa da falta de prova pelo aludido meio de que que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes. 27. Como se refere no ac. do Stj de 14.2.1995 (relator: Cardona Ferreira), in Cj, t. I, pág. 84 “A escolha da causa de pedir cabe ao Autor”. 28. José A. Engrácia Antunes, in “Direito dos Contratos Comerciais”, pág. 503; 29. V. Simões Patrício, in “Direito Bancário privado”, pág. 311. 30. V. Sofia Gouveia Pereira, in “O contrato de abertura de crédito bancário”, págs. 60 a 62. Mais à frente, esta Autora esclarece, de uma forma coerente, a sua posição quanto à natureza jurídica do contrato de abertura de crédito (após explanar todas as doutrinas defendidas): “A caracterização do contrato de abertura de crédito como contrato unitário, que pode comportar uma ou duas fases (tratando-se, neste último caso, de um contrato de eficácia sucessiva) constitui em nossa opinião o enquadramento mais conforme à realidade da operação bancária em causa”.- pág. 95/6. |