Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5588/19.0T8VNF-B.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: REPRESENTAÇÃO EM JUÍZO
PROCURAÇÃO COM PODERES ESPECIAIS
DESISTÊNCIA DO PEDIDO
SITUAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/19/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Sendo as partes pessoas singulares ou sociedades, no processo de insolvência é sempre admitida a sua representação por mandatário que deve então, na expressão do nº 1, do artigo 35, do CIRE, estar dotado de poderes para transigir.

II- Todavia, esta expressão, conquanto seja muitas vezes utilizada em sentido técnico estrito, como simples sinónimo de convencionar ou acordar, deve aqui ser entendida em termos mais amplos, envolvendo necessariamente a possibilidade de confessar ou desistir, pois que, é através do exercício de tais faculdades que será possível obviar à realização da audiência, que constitui a principal motivação da comparência pessoal ou equivalente.

III- E assim sendo, para haver uma legítima representação do requerente ou devedor bastará que a respectiva procuração confira poderes para confessar ou desistir, que são os poderes suficientes para poder obviar à realização da audiência, que, como se deixou dito, é a principal motivação da comparência pessoal ou equivalente.

IV- A situação de insolvência a que alude o n.º 1 do art.º 3.º do CIRE depende da verificação da impossibilidade de o devedor cumprir a generalidade das suas obrigações vencidas.

V- Os factos-índice elencados no n.º 1 do art.º 20, do CIRE, que constituem condição necessária para legitimar a iniciativa processual dos sujeitos aí mencionados, não são, necessariamente, e em todas as situações, suficientes para que se declare a insolvência, revelando-se de igual modo, como pressuposto imprescindível - com excepção da situação prevista na alínea g) -, que o incumprimento, em razão do seu montante ou pelas circunstâncias em que ocorre, revele a impossibilidade de cumprimento do devedor resultante da sua incapacidade patrimonial generalizada.

VI- Assim, para que possa ser decretada a insolvência têm de resultar demonstrados os factos ou circunstâncias em que o incumprimento ocorreu, em termos de permitir suportar a conclusão de que se está perante uma impossibilidade de cumprimento do devedor resultante da sua “penúria ou incapacidade patrimonial generalizada”, pois que, o devedor apenas será insolvente logo que se torne incapaz de pagar as suas dívidas no momento em que estas se vencem.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: requerido M. B..
Recorrido: Banco ..., SA.

Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão, J1.

Banco ..., SA, veio requerer, por via da presente acção especial, a declaração de insolvência do requerido M. B., com todas as legais consequências.
Para tanto alegou, em suma, que o requerido é lhe devedor da quantia de 157.896,64 euros. Tal dívida resulta de contrato de mútuo concedido pelo requerente, e não cumprido pelo requerido.
O requerido foi regular e pessoalmente citado, deduzindo oposição, nos termos constantes de fls. 26 e ss. Juntou documentos e rol de testemunhas a ouvir.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença em que, respondendo à matéria de facto controvertida, se decidiu nos seguintes termos:
Face a todo o exposto, julgando procedente a presente acção:

1 – Declaro a insolvência de M. B., residentes na Rua …, Esposende.
2 - Fixo a sua residência na morada supra referida;
3 - Como Administrador da Insolvência nomeio o Sr. Dr. N. S., constante da lista oficial;
4 – Ordeno a imediata apreensão de todos os bens do insolvente, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos (art. 36º, a. g);
5 - Fixo em 30 dias o prazo para a reclamação de créditos (art. 36º, al. j);
6 – Designo, para realização da Assembleia de Apreciação do Relatório a que alude o art. 156º do CIRE, o próximo dia 5-3-20, pelas 10 h. (art. 36º, al. n);
7 - Dê publicidade à sentença nos termos previstos no artºs 37º e 38º. NF
8 - Notifique a presente sentença:
a) Ao insolvente (art. 37º, n.º 1);
b) Ao Ministério Público (art. 37º, n.º 2);
9 – Cite os credores identificados no processo, nos termos do art. 37º, n.º 3 e 5 e os demais credores e outros interessados, nos termos do art. 37º, n.º 7;
10 – Remeta certidão à Conservatória do Registo Civil, no prazo de 5 dias, nos termos e para os efeitos previstos no art. 38º, n.º 2, a. a) e n.º 5 do CIRE;
11 – Cumpra o disposto no art. 38º, n.º 3 e 5;

Inconformado com tal decisão, apela o Insolvente e, pugnando pela respectiva revogação, formula nas suas alegações as seguintes conclusões:

19. Vem o presente Recurso interposto de douta sentença proferida em 06-01-2020 que declarou a insolvência do ora Requerente.
20. Na verdade e salvaguardado o devido respeito, o Recorrente não se pode conformar com tal decisão.

Ora vejamos,

21. Nos Termos do nº 1 do artigo 35º do Código da Insolvência e da Recuperação de empresas, “tendo havido oposição do devedor, ou tendo a audiência deste sido dispensada, é logo marcada audiência de discussão e julgamento para um dos cinco dias subsequentes, notificando-se o Requerente, o devedor e todos os administradores de direito ou de facto identificados na petição inicial para comparecerem pessoalmente ou para se fazerem representar por quem tenha poderes para transigir”. (Negrito e sublinhado nosso).
22. Os nºs 2 e 3 do mesmo preceito legal, cominam a não comparência das partes em audiência de julgamento nos termos supra dispostos com a confissão dos factos, no caso de a ausência se reportar ao devedor e com a desistência do pedido se a mesma se imputar ao Requerente.
23. Nos presentes autos foram as partes notificadas atempada e devidamente, tendo estado presentes em audiência de julgamento, em conformidade com ata a fls., na data devidamente agendada. Contudo o Requerente, pese embora tenha sido representado por Mandatário forense, não se poderá afirmar que tenha estado presente tendo em conta a ausência de conferir ao Mandatário Forense poderes especiais para transigir, em conformidade com procuração forense junto com o Requerimento inicial a fls.
24. Pelo exposto, deveria o julgador a quo, em sede de sentença final ter homologado a desistência do pedido, nos termos legais supra referenciados e ter declarado a extinção da instância.
25. O que não fez, tendo prosseguido com a Audiência de Julgamento e, em consequência, decretado a Insolvência do Requerido embora e s.m.o. sem a legal requerida fundamentação para o efeito, como adiante nos propomos a expor.
26. Assim e da leitura atenta da sentença de declaração de Insolvência, resulta o facto da existência de património na esfera jurídica do devedor apto e suficiente para fazer face à dívida reclamada pelo Requerente nos presentes autos,
27. Tendo, inclusive, o tribunal a quo julgado provados, através de prova documental, os factos descritos nos pontos 16 e 17 que, em seguida, transcrevemos,
28. Ora, dispõe o nº1 do artigo 3º do CIRE, o facto de ser considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas o que pressupõe uma situação económica precária e difícil para justificar a intervenção abrupta e imperativa na esfera patrimonial do indivíduo através da respectiva declaração de insolvência,
29. Não podendo a mesma ser declarada com base em factos pressupostos e alheios de pontos concretos como se poderá concretizar, in casu, na prova factual de existência de activo superior ao passivo, o que se confirma na decisão ora recorrida, fundamentando a decisão que contraria tais factos por considerar que não serão líquidos.
30. Assim de acordo com o texto da decisão, “ Mesmo aceitando a invocada superioridade do activo sobre o passivo (apenas em tese), não se consegue ultrapassar o facto de que se trata de um activo não líquido, não tendo sido apresentada pelo devedor perspectivas concretas, de concretização de liquidez necessária e suficiente das obrigações vencidas”.
31. Ora em verdade a liquidez do património do Requerido está provada nos próprios autos através de prova bastante carreada pelo próprio Requerente e que se consubstancia na tramitação actual de processo executivo para satisfação de dívida que o mesmo alega em sede de Requerimento inicial,
32. Contrapondo deste modo, o requisito aposto na al. e) do artigo 20º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que dispõe ser a “Insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do Crédito do Exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor” uma das condições de declaração de insolvência.
33. Tendo o julgador a quo se abstido de se pronunciar acerca de tal prova e de tal requisito quando, a tal estava vinculado em sede de fundamentação, salvo melhor opinião em contrário.
34. Nestes termos e pelo exposto deve a decisão ora recorrida ser substituída por outra que declare a improcedência da acção e subsequente absolvição do requerido, nos termos legalmente cominados, na certeza de que V. Exas. farão a mais lídima Justiça!
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O Apelado apresentou contra-alegações concluindo pela improcedência da apelação.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes:

- Analisar se houve ou não falta de comparência do Requerente na audiência de julgamento e se por decorrência deveria ter sido declarada a desistência do pedido.
- Analisar se deverá ou não ser decretada a insolvência do Recorrente.
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III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

FACTOS PROVADOS:

Discutida a causa, resultaram apurados os seguintes factos:
Factos provados:

1. O Requerido não cumpre as suas obrigações perante a Requerente, titular de um crédito sobre aquela no montante de € 157.896,64 e infra melhor especificado.
2. I. Do crédito da Requerente - Contrato de Mútuo n.º 113158963 garantido por hipoteca.
Por escritura pública outorgada em 26/09/2006 e no exercício da sua actividade bancária, a Requerente mutuou ao aqui Requerido e a M. G. a quantia de €200.000,00, tendo sido entregue, naquela data, uma primeira parcela de €50.000, sendo o valor NF remanescente entregue de acordo com a evolução das obras – Conforme escritura pública e respectivo documento complementar juntos a fls. 8.
3. O empréstimo em causa foi concedido pelo prazo de 340 (trezentos e quarenta meses) e deveria ser amortizado em igual número de prestações mensais e sucessivas, de capital e juros à taxa convencionada e que se fixa, na presente data, em 0,492%, acrescida da sobretaxa legal, em caso de mora, a título de cláusula penal.
4. Para garantia do referido mútuo, respectivos juros e demais despesas, constituiu o aqui requerido e M. G., a favor da Requerente, hipoteca sobre o prédio rústico denominado “X”, com a área de 6.000m2, sito no lugar de ..., concelho de ..., descrito na 1ª CPR ... sob o n.º ... e inscrito na matriz predial rústica sob a parte do artigo 52, da secção A.
5. A hipoteca encontra-se devidamente registada a favor da Requerente na respectiva Conservatória do Registo Predial e a propriedade sobre o imóvel está inscrita a favor do aqui Requerido e M. G. – conforme certidão de registo predial que ora se junta a fls. 14 v. a 16.
6. A referida hipoteca garante, assim, o bom pagamento da quantia mutuada, acrescida dos juros que foram devidos e, ainda, das despesas judiciais e extrajudiciais, fixadas para efeitos de registo em €8.000,00.
7. Os mutuários não procederam ao pagamento das prestações vencidas em 25/11/2009, nem das subsequentes.
8. O que motivou a Requerente a intentar, em 01/06/2010, acção executiva contra a aqui requerida, encontrando-se a respectiva acção a correr os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – Juízo de Execuções – J3, sob o número de processo 2730/10.0TBVFX – Conforme Requerimento Executivo de fls. 17.
9. No âmbito da acção executiva em apreço, foi, em cumprimento do disposto no artigo 752.º do Código de Processo Civil (doravante CPC), nomeado à penhora imóvel referido em 5.º supra – Conforme requerimento executivo junto a fls. 18.
10. Os executados efectuaram pagamentos parciais, por conta da dívida exequenda, até 25/08/2011.
11. A partir de tal data (25/08/2011) não foi efectuado qualquer outro pagamento por conta da dívida existente, pelo que, permanece em dívida: Capital: €115.120,87; Juros de mora calculados à taxa indicada desde a data do incumprimento25/08/2011 até efectivo e integral pagamento e que na presente data se cifram em €34.775,77; Despesas judiciais e extrajudiciais: €8.000 Total: € 157.896,64
12. O Requerido é igualmente executado no âmbito dos seguintes processos judiciais: a) Processo executivo n.º 2729/10.6TBVFX, cujos termos correm junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte - Loures, juízo de execuções, J3, em que é exequente o Banco ..., ascendendo a quantia exequenda a €23.770,10 (cfr. documento de fls. 19).
13. Apenas foi apurado o seguinte bem registado a favor do aqui Requerido: prédio rústico denominado “X”, com a área de 6.000m2, sito no lugar de ..., concelho de ..., descrito na 1ª CPR ... sob o n.º ... e inscrito na matriz predial rústica sob a parte do artigo 52, da secção A (cfr. documento 14 v.).
14. Para além do bem identificado no artigo antecedente, não foi possível apurar qualquer outro bem com valor comercial relevante que permita o ressarcimento das dívidas existentes (cfr. documentos de fls.22 e 23).
15. De acordo com a avaliação efectuada pelo Banco requerente o imóvel melhor identificado no artigo 20º supra possui apenas o valor de venda imediata de €106.800, cfr. documento de fls. 23 v).
16. O imóvel supra referenciado, para efeitos de financiamento e celebração de contrato de Mútuo com Hipoteca e Fiança foi avaliado no valor de €200.000,00 (duzentos mil euros), tendo sido posteriormente, e para efeitos de contrato de mútuo com Hipoteca celebrado com o Banco ..., S.A., o mesmo prédio avaliado em €390,000,00 (trezentos e noventa mil euros), cfr. documento junto a fls. 33 v.
17. O Requerido detém crédito que persiste na sua esfera jurídica no valor de €340,000,00 (trezentos e quarenta mil euros) contra H. G. – Sociedade de Construções Turísticas, Lda, homologado por sentença nos autos de processo nº 2088/061TBPTM que correu termos no 1º Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Portimão cuja fotocópia simples ora se junta e se reproduz sob doc. nº 3.
18. O requerido é sócio-gerente da empresa M. B., Lda com o objecto social de Actividades de acabamentos de construção em edifícios, Demolição e preparação de locais de construção, Serviços de canalizações, instalações eléctricas, revestimento de paredes e pintura. Serviços de construção e reparação de cobertura e telhados, com capital social de €1.000,00 (mil euros), Cfr. certidão permanente … consultável em www.portaldaempresa.pt.
19. Tem como principais credores o Banco ..., SA (em incumprimento desde 2011); H., SA (em incumprimento desde 2101) e P., SA (em incumprimento desse 2010) – cfr. mapa individual da central de responsabilidade de crédito do Banco de Portugal junto a fls. 41 e ss.

Fundamentação de direito.

Como fundamento da sua pretensão recursória começa o Recorrente por alegar, em síntese, que nos presentes autos foram as partes notificadas atempada e devidamente, tendo estado presentes em audiência de julgamento, em conformidade com o que consta ata, na data devidamente agendada.

Contudo o Requerente, pese embora tenha sido representado por Mandatário forense, não se poderá afirmar que tenha estado presente tendo em conta a ausência de conferir ao Mandatário Forense poderes especiais para transigir, em conformidade com procuração forense junto com o Requerimento inicial.

E assim sendo, deveria o julgador a quo, em sede de sentença final ter homologado a desistência do pedido, nos termos legais supra referenciados e ter declarado a extinção da instância, o que, no entanto, não fez, tendo prosseguido com a Audiência de Julgamento e, em consequência, decretado a Insolvência do Requerido.

De harmonia com o disposto no artigo 35, do CIRE, (nº 1) “tendo havido oposição do devedor, ou tendo a audiência deste sido dispensada, é logo marcada audiência de discussão e julgamento para um dos cinco dias subsequentes, notificando-se o requerente, o devedor e todos os administradores de direito ou de facto identificados na petição inicial para comparecerem pessoalmente ou para se fazerem representar por quem tenha poderes para transigir” sendo que, (nº 2) “não comparecendo o devedor nem um seu representante, têm-se por confessados os factos alegados na petição inicial, se a audiência do devedor não tiver sido dispensada nos termos do artigo 12.º”, e, apenas (nº 3) “não se verificando a situação prevista no número anterior, a não comparência do requerente, por si ou através de um representante, vale como desistência do pedido”.

Ora, como referem L.A. Carvalho Fernandes e João Labareda, “a obrigação de comparência é determinada pelo nº 1. Se as partes são pessoas singulares, são elas mesmas quem deve estar presente. Quando assim não seja, a presença é assegurada pelos respectivos administradores, na acepção do artigo 6º, devendo comparecer aqueles que, segundo a lei ou o estatuto do devedor, possam vinculá-lo. Em qualquer dos casos, porém, admite-se a representação por mandatário que deve então, na expressão do nº 1, estar dotado de poderes para transigir.
Esta expressão, conquanto seja muitas vezes utilizada em sentido técnico estrito, como simples sinónimo de convencionar ou acordar, deve aqui ser entendida em termos mais amplos, envolvendo necessariamente a possibilidade de confessar ou desistir. Realmente, é através do exercício de tais faculdades que será possível obviar à realização da audiência, que, se bem entendemos, será a principal motivação da comparência pessoal ou equivalente” (1).
(…)

Ora na situação vertente, pese embora a procuração forense junta com o Requerimento inicial não confira poderes especiais para transigir, o certo é que confere poderes especiais para desistir da instância, e tanto basta para que se possa e deva considerar devidamente representado requerente, pois que, se não tem poderes para transigir ou confessar, tem poderes para desistir do processo, poderes esses suficientes para poder obviar à realização da audiência, que, como se deixou dito, “será a principal motivação da comparência pessoal ou equivalente”.

Improcede, assim, nesta parte a presente apelação.

Mais alega o Recorrente que da sentença de declaração de Insolvência resulta o facto da existência de património na esfera jurídica do devedor apto e suficiente para fazer face à dívida reclamada pelo Requerente nos presentes autos, tendo, inclusive, o tribunal a quo julgado provados, através de prova documental, os factos descritos nos pontos 16 e 17.

Assim sendo, inexistindo uma situação económica precária e difícil para justificar a intervenção abrupta e imperativa na esfera patrimonial do indivíduo através da respectiva declaração de insolvência, não deveria a mesma ter sido declarada.

Vejamos então se, efectivamente, a materialidade tida como demonstrada permite ou não concluir pela insolvência da Requerido.

Em conformidade com o que se dispõe no artigo 3º, do CIRE, que define os contornos da situação de insolvência, é considerado nesta situação “o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”, sendo que, tem sido pacificamente aceite que, para caracterizar a insolvência, a impossibilidade de cumprimento “não tem de abranger todas das obrigações assumidas pelo insolvente e vencidas”, (…) revelando-se decisivo para este aspecto a “insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.
Com efeito, pode até suceder que a não satisfação de um pequeno número de obrigações ou até de uma única indicie, só por si, a penúria do devedor, característica da sua insolvência, do mesmo modo que o facto de continuar a honrar um número quantitativamente significativo pode não ser suficiente para fundar saúde financeira bastante”. (2)

Preceitua o art 20º, n.º 1, do CIRE que “A declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por quem for legalmente responsável pelas suas dívidas, por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, ou ainda pelo Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados, verificando-se algum dos seguintes factos, designadamente, os seguintes:

a) Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas;
b) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade do devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações;
(…)
g) Incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas de algum dos seguintes tipos:
(…)

Estes factos ou situações objectivas consubstanciam aquilo que, correntemente, se designa por factos-índices ou presuntivos da insolvência, tendo precisamente em conta a circunstância de, pela experiência da vida, manifestarem a insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações, que é a pedra de toque do instituto (3).

O estabelecimento de tais factos - meramente presuntivos - que, como é sabido, constituem meros índices da situação de insolvência, teve o objectivo de possibilitar que o credor e demais legitimados, fundando-se neles, desencadeiem o processo de insolvência, sem que lhes seja exigido que façam a prova cabal da efectiva situação de impossibilidade de cumprimento.

E, uma vez que sejam invocados, sobre o devedor impenderá o ónus da alegação de factos e adução de meios probatórios tendentes a demonstrar que se não encontra insolvente, de molde a ilidir a presunção decorrente de tais factos-índice, como, de facto, resulta do disposto no n.ºs 3, do art.º 30.º, do mencionado diploma, onde expressamente se prescreve que “a oposição do devedor à declaração de insolvência pretendida pode basear-se na inexistência do facto em que se fundamente o pedido formulado ou na inexistência da situação de insolvência”.

Todavia, sendo evidente que a verificação de um ou mais factos-índice, constitui condição necessária para legitimar a iniciativa processual dos sujeitos mencionados naquele normativo, daí não decorre, necessariamente, que tais factos sejam suficientes para que se declare a insolvência.

Tem, assim, constituído entendimento generalizado na jurisprudência, o que vai no sentido de que “o que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.
Com efeito, pode até suceder que a não satisfação de um pequeno número de obrigações ou até de uma única indicie, só por si, a penúria do devedor, característica da sua insolvência, do mesmo modo que o facto de continuar a honrar um número quantitativamente significativo pode não ser suficiente para demonstrar saúde financeira bastante”. (4)

Importa, portanto, averiguar se a factualidade alegada e tida como demonstrada, é de molde a permitir legitima e fundadamente inferir pelo preenchimentos dos pressupostos ou requisitos indiciadores da insolvência mencionados no artº 20º CIRE, ou mais concretamente, e na presente situação, o previsto nas respectivas alíneas b) e g) - que são as que estão em discussão no presente recurso, já que foram as que se consideraram verificadas -, ou dito de outro modo, e mais precisamente, se de tais factos se pode concluir de forma indiciária, pela verificação de uma impossibilidade do requerido “de cumprir as suas obrigações vencidas”.

Prescreve-se nestas alíneas que a insolvência pode ser requerida se se verificar a “falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade do devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações”, ou um “Incumprimento generalizado, nos últimos seis meses”.

O facto indiciador da insolvência, contudo, não se basta com o mero incumprimento de uma ou de algumas das obrigações vencidas, revelando-se de igual modo, como pressuposto imprescindível, que o incumprimento de apenas uma ou mais obrigações, em razão do seu montante ou pelas circunstâncias em que ocorre, revele “a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações”, como se estipula na aludida al. b), do n.º 1, do citado art. 20.º.

E como decorrência disto, com linear clareza resulta que o requerente, além do incumprimento de obrigações vencidas, terá também de alegar todas as demais circunstâncias envolventes desse incumprimento, de modo a poder concluir que se trata de uma impossibilidade de cumprimento do devedor resultante da sua penúria ou incapacidade patrimonial generalizada.

Aqui chegados, cumpre agora proceder à análise do substrato factual demonstrado em ordem a esclarecer se tal materialidade, ao contrário do alegado pelo Recorrente, se afigura adequada e suficiente para caracterizar factualmente a existência de um incumprimento de uma ou de algumas das obrigações vencidas que, em razão do seu montante ou pelas circunstâncias em que ocorre, revele “a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações” ou um “Incumprimento generalizado, nos últimos seis meses”, como se estipula nas aludidas als. b) e g), do n.º 1, do citado art. 20.º.

Ora, como resulta do supra exposto, a decisão recorrida, tendo considerado claramente preenchidas as previsões da alínea b) e g), do nº1, do art. 20º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, ou seja, e mais concretamente, considerou verificado uma situação de incumprimento de diversas obrigações vencidas e de valor elevado, em incumprimento há mais seis anos, de forma que se pode presumir que os Recorrentes não dispõe de activo disponível para proceder ao pagamento integral e imediato dos débitos em causa, demonstrando que não estão em condições de satisfazer o seu passivo.

Na verdade, e pese embora tudo quanto é alegado, o certo é que, como nessa mesma decisão se refere, “(…) apesar de reconhecer o passivo, pugna o requerido pela existência de activo suficiente para que lhe fazer face, assim como um crédito, datado de 2008 e não executado até hoje.
Porém, a verdade é que inexiste liquidez por parte do devedor para fazer face às suas obrigações vencidas.

E assim sendo, como, aí igualmente se menciona, “de toda a matéria fáctica coligida conclui-se que o requerido não possui liquidez imediata e disponível para satisfazer as obrigações vencidas, nem demonstra perspectivas de alteração desta situação, solidificada”, sendo que, “a isto acresce a pendência de outro processo executivo id. no ponto 12 dos factos provados, e a confissão da existência de dois outros incumprimentos com mais de 6 meses (ponto 19 dos factos provados)”.

Com efeito, incontroverso resulta que, mesmo aceitando a invocada superioridade do activo sobre o passivo, não se consegue ultrapassar o facto de que se trata de um activo não líquido, não tendo sido apresentadas pelos Devedores perspectivas concretas, de concretização de liquidez necessária e suficiente à satisfação das obrigações vencidas.

E esta á, de facto, a posição da jurisprudência maioritária, como o refere o acórdão recorrido, mencionando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24.01.2006, Processo n.º 05A3958 – onde se ensina “não é pela insuficiência do activo disponível face ao passivo exigível que, em rigor, se caracteriza a insolvência; é sim insuficiência do activo líquido, o que é coisa bem diferente! É que devedor pode ser titular de bens livres e alienáveis disponíveis, portanto! - de valor superior ao passivo e, mesmo assim, estar insolvente, exactamente porque esse activo não é líquido e o devedor não consegue, com ele, cumprir pontualmente as suas obrigações.”

Improcede, assim, a presente apelação, com a consequente manutenção da decisão recorrida.

Improcede, assim, a presente apelação, com a consequente manutenção da decisão recorrida.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar totalmente improcedente o presente recurso, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida.

Custas pelo Apelante.
Guimarães, 19/ 03/ 2020.

Relator: Jorge Alberto Martins Teixeira.
Adjuntos: Desembargador José Fernando Cardoso Amaral.
Desembargadora Helena Gomes de Melo.

Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.


1. Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, reimpressão de 2009, pg. 185.
2. Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob cit., pgs. 70 a 72.
3. Cfr. Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 133.
4. Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. Cit., pg. 72.