Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1712/20.8T8GMR.G1
Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
RELEVÂNCIA JURÍDICA DA IMPUGNAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL
DEVER DE VIGILÂNCIA
PRESUNÇÃO DE CULPA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Tendo-se provado que a ré tinha a obrigação de vigiar o parque de estacionamento onde a autora, ao sair do veículo automóvel, colocou o pé dentro de uma sarjeta, por nela não estar colocada a respetiva grelha, sofrendo por essa via lesões no seu corpo, nos termos do disposto no artigo 493.º n.º 1 do Código Civil, esta beneficia da presunção de culpa daquela, emergindo a ilicitude da conduta da omissão do dever de vigilância.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I

A. L. instaurou a presente ação declarativa, que corre termos no Juízo Central Cível de Guimarães, contra R. R. Imobiliária S.A., Companhia de Seguros X - Seguradoras … S.A. e I. & L. Supermercados Lda., pedindo para se condenar:

"a) a 1.ª ré e/ou a 2.ª ré, consoante as condições/coberturas do seguro a pagar à autora a quantia de 145.098,24 € ( cento e quarenta e cinco mil, noventa e oito euros e vinte e quatro cêntimos), conforme valores parcelados supra mencionados, para onde se remete e aqui se dá por reproduzido brevitatis causae, acrescida dos juros que sobre esse montante recaiam à taxa legal desde a data da citação desta ação até ao trânsito em julgado da sentença, acrescidos de 5% desde o trânsito até integral pagamento;
b) a 1.ª ré e/ou a 2.ª ré, consoante as condições/coberturas do seguro a pagar à autora custos com medicamentos e transporte para as consultas e tratamentos/fisioterapia acima referidos, bem como quaisquer outras despesas que venham a ser necessárias no futuro na sequência do acidente supra descrito, em montante que atualmente se desconhece, mas que deve ser liquidado posteriormente nos termos do art. 609.º CPC, sem prejuízo da condenação na parte em que venha a ser líquida aquando da prolação da sentença.
Para o caso de se vir a demonstrar que o dever de vigilância e consequentemente a culpa pela produção dos danos, pertence, afinal, à 3.ª ré, deve esta ser condenada a responder pelo pagamento dos valores exatamente reclamados, nas anteriores alíneas, a) e b) nesta ação."
Alegou, em síntese, que a 8 de abril de 2017 dirigiu-se ao Supermercado P., explorado pela ré I. & L. Supermercados Lda. e pertencente à ré R. R. Imobiliária S.A., e estacionou o veículo automóvel no parque de estacionamento destinado aos clientes. Ao sair da viatura colocou o membro inferior esquerdo numa sarjeta, não sinalizada e sem qualquer proteção, tendo assim sofrido lesões que lhe causaram diversos danos que quer ver indemnizados.
A ré I. & L. Supermercados Lda. contestou dizendo, em suma, que "desconhece a situação concreta ou os concretos detalhes em que ocorreu o acidente relatado".
A ré R. R. Imobiliária S.A. contestou alegando, essencialmente, que "mesmo que os factos relatados pela Autora tivessem ocorrido, que obviamente a Ré desconhece, o estacionamento que alegadamente fez foi no parque pertencente ao estabelecimento contiguo denominado Centro ... e não no parque do prédio propriedade da Ré".
A ré X contestou afirmando, fundamentalmente, que "não alegando a A que o contrato de seguro preveja a possibilidade de a seguradora ser demandada diretamente pelo lesado, não existindo estipulação nesse sentido no aludido negócio e não tendo sido encetadas negociações diretas entre a seguradora e a A, é evidente que não se verifica a previsão do artigo 140.º n.º 2 e 3 da LCS. E, como tal, verifica-se a exceção perentória de inexistência do direito da A acionar diretamente a Ré, o que implica a absolvição desta do pedido."
No despacho saneador a ré X foi absolvida da instância.

Realizou-se julgamento e foi proferida sentença em que se decidiu:
"Julga-se a ação parcialmente procedente, condenando-se a 3.ª Ré I. e L., Supermercados, Lda., a pagar à A. a quantia total de €: 29.282,28 (vinte e nove mil duzentos e oitenta e dois euros e vinte e oito cêntimos) acrescida de juros vencidos desde a citação e vincendos até efetivo e integral pagamento, acrescida de juros moratórios, às taxas legais sucessivamente emergentes do disposto no art.º. 559.º/1 do Código Civil, contados desde a data da presente sentença e até integral pagamento.
Condena-se ainda a ré a pagar os custos dos tratamentos futuros que venham a ser necessários para retirar o material de osteossíntese do joelho da autora e todas as despesas que esse tratamento venha a originar a liquidar ulteriormente (caso venham a existir).
Absolve-se a ré R. R. Imobiliária, SA., de todos os pedidos contra si formulados."

Inconformada com esta decisão, a ré I. & L. Supermercados Lda. dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo, findando a respetiva motivação, com as seguintes conclusões:

1. Não pode o ora apelante concordar com a decisão do Meritíssimo Juiz "a quo",
2. Errou o Meritíssimo juiz "a quo" na apreciação da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, dando como não provados factos que por força da prova produzida deveriam ter sido dados e considerados como provados;
3. Perante a prova produzida na audiência de julgamento através dos depoimentos da legal representante da primeira ré e das testemunhas, registados em ata e gravados digitalmente nas duas sessões realizadas, supra e detalhadamente referidos nestas alegações, o Meritíssimo juiz " a quo" deveria ter dado como provado que:
a) A grade ou grelha da sarjeta onde caiu a autora era amovível e não se encontrava fixa ao solo.
b) O local onde a autora refere ter ocorrido o acidente, além de se situar imediatamente do lado esquerdo da saída do estabelecimento, junto ao sitio onde se encontra o depósito dos carrinhos de compras, era e é habitual e constantemente frequentado e vistoriado pelos serviços e colaboradores da ora contestante, nomeadamente, pelo funcionário encarregue de recolher os carrinhos de compras deixados no parque pelos clientes e pela funcionária de limpeza, que diariamente, antes de estabelecimento abrir procede à limpeza do parque de estacionamento do estabelecimento;
c) Sendo que quer o colaborador que procede à recolha dos carrinhos de compras ao final do dia aquando do encerramento do estabelecimento, quer a funcionária da limpeza que procedeu à limpeza do local no dia do acidente, antes de o estabelecimento abrir, encarregues de vistoriar o local e de anotarem e comunicarem qualquer falha ou anomalia existente no estabelecimento, lhe referiram/comunicaram que a grelha da sarjeta onde a autora diz ter ocorrido o acidente, no momento em que passaram no local, tal como todas as outras existentes no parque, se encontrava devidamente colocada, nada de anormal tendo verificado e ou reportado;
d) A ré ora contestante através dos seus serviços/colaboradores, no referido dia, como já referido no presente articulado, vistoriou o local antes de o acidente ter ocorrido, nada de anormal tendo verificado ou registado que impedisse a circulação de pessoas e veículos, constatando que a grelha da sarjeta onde a autora refere ter ocorrido o acidente estava devidamente colocada;
e) Tendo destes factos dado conhecimento à primeira ré, na pessoa da D. M. H., alertando-a para o facto de as grelhas das sarjetas existentes no prédio não estarem fixas ao solo e poderem ser removidas por terceiros;
f) Sendo que esta até à data, à semelhança do que acontece com outras obras de conservação do edifício, apesar de denunciadas e reclamadas pela ré ora contestante, não obstante a peritagem realizada ao prédio, a primeira ré nada fez para suprir esse defeito de construção.
4. Sobre a matéria de facto versada na alínea a) supra, prestou depoimento a legal representante da primeira ré M. H. e foram ouvidas/inquiridas as testemunhas R. R., N. R. e J. J., cujos depoimentos foram registados em ata e gravados através do sistema de gravação digital – H@bilus Media Studio, na sessão de julgamento de 27 de Abril de 2021, no CD n.º 1., respetivamente das 10:04:35 às 11:00:39 (00:00:00 a 00:56:04), das 15:00:34 às 15:31:10 (00:00:00 a 00:30:38), das 15:35:47 às 15:57:43 (00:00:00 a 00:21:58) e das 16:37:07 às 16:59:59 (00:00:00 a 00:26:54);
5. Sendo que relativamente a esta matéria de facto, o próprio Meritíssimo Juiz "a quo", na Sentença proferida e ora impugnada, na parte da motivação de facto, quando aborda e analisa o depoimento da testemunha R. R., diretor comercial da primeira ré, refere/conclui "Quanto à grelha em questão, a testemunha referiu que a grade era amovível.";
6. Dos elementos de prova supra referidos, nomeadamente da confissão expressa no depoimento de parte da legal representante da primeira ré M. H. (registada de 00:50:44 a 00:51:01 do seu depoimento), e do depoimento das testemunhas R. R. (de 00:24:36 a 26:00:00 do seu depoimento), N. R. (de 00:04:38 a 00:04:43) e J. J. (de 00:09:04 a 00:13:14) supra identificadas e transcritos detalhadamente nas presentes alegações, que de forma espontânea e perentória afirmaram que a grade ou grelha da sarjeta onde caiu a autora era amovível e não se encontrava fixa ao solo sendo a mesma por esse facto fácil de retirar e/ou remover do local.
7. O Meritíssimo Juiz "a quo", na sentença proferida, não podia nem devia ter ignorado tão relevante facto, resultante da matéria de facto alegada, devendo em virtude da prova produzida tê-lo dado e considerado provado, como se impunha;
8. Deverá a matéria de facto constante da alínea a) do ponto 3 supra destas conclusões ser dada como provada ou demonstrada, alterando-se, em consequência, no que aos mesmos diz respeito a decisão ou resposta à matéria de facto proferida pela Meritíssimo Juiz "a quo", sendo a mesma aditada à matéria de facto provada.
9. A matéria de facto constante nas alíneas b), c) e d), do ponto 3 supra destas conclusões, relativa ao local onde se deu ou ocorreu o acidente e à vigilância do mesmo, atenta a prova produzida na audiência de julgamento, deveria ter sido dada como provada pelo Meritíssimo juiz " a quo";
10. Sobre a matéria de facto constante das referidas alíneas, foram ouvidas/inquiridas as testemunhas, N. R., A. F., S. D. e J. J., cujos depoimentos foram gravados através do sistema de gravação digital – H@bilus Media Studio, na sessão de julgamento de 27 de Abril de 2021, no CD n.º 1, respetivamente das 15:35:47 às 15:57:43 (00:00:00 a 00:21:58), das 16:00:12 às 16:17:44 (00:00:00 a 00:17:32), das 16:19:49 às 16:32:34 (00:00:00 a 00:12:46) e das 16:37:07 às 16:59:59 (00:00:00 a 00:26:54 );
11. Do teor dos depoimentos das testemunhas N. R. (de 00:11:56 a 00:12:39), A. F. (de 00:03:54 a 00:08:04), S. D. (de 00.01:56 a 00:06:09) e J. J. (de 00:01:18 a 00:12:24) supra identificados e transcritos nas presentes alegações, resulta de forma clara e evidente que:
- O local onde ocorreu o acidente que vitimou a autora e se encontra a sarjeta se situa junto do estabelecimento de supermercado explorado pela ré (a cinco seis metros), imediatamente do lado esquerdo da saída do mesmo.
- O local é habitual e constantemente frequentado e vistoriado pelos serviços e colaboradores da ré ora apelante, nomeadamente, pelo funcionário encarregue de fechar o estabelecimento e de recolher os carrinhos de compras deixados no parque pelos clientes e pela funcionária de limpeza, que diariamente, antes de estabelecimento abrir procede à limpeza do parque de estacionamento do estabelecimento, em especial desse local.
- Quer o colaborador que procede à recolha dos carrinhos de compras ao final do dia aquando do encerramento do estabelecimento, quer a funcionária da limpeza que procedeu à limpeza do local no dia do acidente, antes de o estabelecimento abrir, encarregues de vistoriar o local e de anotarem e comunicarem qualquer falha ou anomalia existente no estabelecimento, constataram que a grelha da sarjeta onde a autora diz ter ocorrido o acidente, no momento em que passaram no local, nada de anormal tendo verificado e ou reportado.
- A ré ora contestante através dos seus serviços/colaboradores, no referido dia, vistoriou o local antes de o acidente ter ocorrido, nada de anormal tendo verificado ou registado que impedisse a circulação de pessoas e veículos, constatando que a grelha da sarjeta onde ocorreu o acidente estava devidamente colocada;
12. Em face de tais e tão abundantes e evidentes factos, é manifesto que a matéria de facto constante nas alíneas b), c) e d) do ponto 3 supra destas conclusões, terá obrigatoriamente de ser dada como provada, alterando-se, em consequência, no que aos mesmos diz respeito a decisão ou a resposta à matéria de facto proferida pela Meritíssimo Juiz "a quo", sendo a mesma aditada à matéria de facto provada.
13. Já no que concerne à matéria de facto constante das alíneas e) e f) do ponto 3 supra destas conclusões, resulta de forma clara e evidente do depoimento da testemunha N. R. (de 00:02:13 a 00:06:02 e de 00:018:22 a 00:20:03), que:
- As grelhas das sarjetas existentes no prédio não estavam fixas ao solo e podiam ser removidas por terceiros, sendo que a primeira ré nada fez na sequência de tal comunicação;
14. Assim a matéria de facto supra referida e constante das alíneas a) a f) do ponto do ponto 3 supra destas conclusões, respetivamente correspondentes pontos 19 a 23 da matéria de facto dada como não provada, deverá obrigatoriamente ser dada como provada, alterando-se, em consequência e nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 661.º do Código de Processo Civil, no que aos mesmos diz respeito a decisão ou resposta à matéria de facto proferida pelo Meritíssimo Juiz "a quo".
15. Acresce que tendo em conta a prova produzida nos presentes autos, não pode a ré ora apelante concordar, de forma alguma, com a decisão de direito do Meritíssimo Juiz "a quo";
16. Em primeiro lugar errou a Meritíssimo Juiz "a quo", quando considerou e utilizou o dever de vigilância da ora recorrente enquanto arrendatária do imóvel, como condição suficiente da existência da ilicitude;
17. Da matéria de facto dada como provada pelo Meritíssimo Juiz "a quo" na sentença, não resulta evidência da qual se extraia a razão pela qual a grade da sarjeta não se encontrava no local e desapareceu, se por falta de vigilância, conservação ou manutenção do edifício/parque, ou antes até, se por qualquer caso fortuito, nomeadamente se foi furtada por um terceiro qualquer, visto que a mesma era amovível e não mais apareceu;
18. Sobre o motivo da ausência e/ou desaparecimento da grade da sarjeta nada se apurou nos autos;
19. Para que se conclua pela existência de ilicitude, não basta que se reconheça a existência de um dever de vigilância;
20. É necessário, para além disso, que ocorra a violação deste dever, o que manifestamente não ocorreu nos autos;
21. Da matéria de facto dada como provada na sentença não resulta qualquer facto que permita afirmar ou concluir a violação do referido dever de vigilância por parte da ré ora alegante;
22.Com efeito, nada resultou provado quanto ao cumprimento do dever de vigilância por parte da ré ora apelante ou resultou provado que esse dever foi incumprido nos termos exigidos;
23. Nada ficou provado quanto ao motivo de desaparecimento da grelha da sarjeta onde a autora caiu;
24. Apenas se sabendo e constando da sentença que a grelha da mesma era amovível e não se encontrava presa ao solo;
25. Da matéria de facto dada como provada, não resultou qualquer prova que demonstre que foi uma qualquer conduta da ré ora apelante ou de alguém por instruções suas que causou o sinistro;
26. Não se provou qualquer facto que permitisse concluir ter a ré ora apelante agido ilicitamente e com culpa, nos termos e para os efeitos do art. 483.º do CC.
27. Sem a prova da existência de conduta ilícita, não é admissível que se coloque a questão da culpa in vigilando.
28. Neste sentido AC do STA de 26.03.2009 [processo n.º 01094/08] onde se pode ler: "Por outro lado, conforme ponderou o acórdão deste STA de 09.05.2002, no processo n.º 48301: o facto ilícito assume-se como o elemento desencadeador da operacionalidade da presunção da culpa; por outras palavras, só é admissível colocar a questão da presunção da culpa in vigilando depois de estar demonstrado que o agente, por ação ou omissão, praticou um ato ilícito, isto é, um ato violador de direitos de terceiro, em que o objeto cuja vigilância lhe coubesse tenha tido uma intervenção ilícita relevante; a este cabe demonstrar que nenhuma culpa teve no desencadear do sinistro, ilidindo a presunção contra si estabelecida, mas àquele cabe, previamente, demonstrar a prática de tal ato. Não ficou demonstrada a base da presunção da culpa da ora recorrente, que se traduziria na violação, por ação ou omissão, do respetivo dever de vigilâncias e conservação/manutenção."
29. Não se verificam, pois, no caso dos autos dois dos pressupostos (ilicitude e culpa) da responsabilidade civil extracontratual por ato ilícito.
30. Razão pela qual, sendo tais pressupostos de verificação cumulativa, a ação proposta deveria ter sido julgada improcedente, ao invés do que decidiu a sentença proferida pelo Meritíssimo juiz "a quo", ora impugnada/recorrida.
31. A qual, por isso, deverá ser revogada.

Sem prescindir,
32. Errou o Meritíssimo juiz "a quo" quando na sentença conclui que a terceira ré ora apelante não ilidiu a presunção que sobre ela impedia, resultante e constante do n.º 1 do artigo 493.º do Código Civil, imputando-lhe a responsabilidade pela produção dos danos sofridos pele autora;
33. Do depoimento de parte da legal representante da primeira ré e proprietária do imóvel e dos depoimentos das testemunhas supra transcritos nestas alegações, em sede de impugnação da matéria de facto, resultam claros e evidentes os seguintes factos:
• A grade ou grelha da sarjeta onde caiu a autora era amovível e não se encontrava fixa ao solo.
• O local onde ocorreu o acidente que vitimou a autora e se encontra a sarjeta situa-se junto do estabelecimento de supermercado explorado pela ré (a cinco seis metros), imediatamente do lado esquerdo da saída do mesmo.
• O local é habitual e constantemente frequentado e vistoriado pelos serviços e colaboradores da ré ora apelante, nomeadamente, pelo funcionário encarregue de fechar o estabelecimento e de recolher os carrinhos de compras deixados no parque pelos clientes e pela funcionária de limpeza, que diariamente, antes de estabelecimento abrir procede à limpeza do parque de estacionamento do estabelecimento, em especial desse local.
• Quer o colaborador que procede à recolha dos carrinhos de compras ao final do dia aquando do encerramento do estabelecimento, quer a funcionária da limpeza que procedeu à limpeza do local no dia do acidente, antes de o estabelecimento abrir, encarregues de vistoriar o local e de anotarem e comunicarem qualquer falha ou anomalia existente no estabelecimento, constataram que a grelha da sarjeta onde a autora diz ter ocorrido o acidente, no momento em que passaram no local, nada de anormal tendo verificado e ou reportado.
• A ré ora contestante através dos seus serviços/colaboradores, no referido dia, vistoriou o local antes de o acidente ter ocorrido, nada de anormal tendo verificado ou registado que impedisse a circulação de pessoas e veículos, constatando que a grelha da sarjeta onde ocorreu o acidente estava devidamente colocada.
34. Para efeitos de ilisão da presunção de culpa prevista no n.º 1, do artigo 493.º do Código Civil, incumbe ao lesante demonstrar que nenhuma culpa lhe pode ser assacada ao nível da vigilância, ou seja, que a sua conduta é aquela que teria sido adoptada por um «bónus pater familias», ou seja, de um cidadão medianamente previdente, cuidadoso e diligente, sem se exigir, pois, uma atuação humana excecional ou anormal, em face das circunstâncias concretas do caso;
35. A ré ora apelante, demonstrou que como exploradora do supermercado, vistoria constantemente o local, através dos seus funcionários, quer quando o estabelecimento é encerrado, quer aquando da abertura do mesmo, sendo certo que nem na hora do fecho, nem aquando da abertura, foi verificada a falta da grelha da sarjeta, tendo a mesma desaparecido de forma surpreendente e inesperada por um qualquer ato de terceiro, de forma e modo que não foi possível apurar.
36. Não resultou provado conforme foi alegado pela autora que:
- "o piso do estacionamento estava perigoso à circulação de pessoas,
- e o parque de estacionamento, com aquelas condições, é propiciador e fomentador de quedas…"
37. Acresce que está demonstrado que a grade ou grelha da sarjeta onde caiu a autora era amovível e não se encontrava fixa ao solo;
38. Tal facto além de confessado pela legal representante da primeira ré, proprietária do imóvel, foi admitido e reiterado pelo seu diretor comercial, ambos referindo que a referida grelha estava solta e era amovível por imposição administrativa;
39. A grelha da sarjeta onde caiu pode ser retirada facilmente por qualquer pessoa;
40. Perante tais factos não se vê que outra conduta a ré ora apelante podia e devia ter adotado para evitar o desaparecimento da grelha da sarjeta onde caiu a autora;
41. À ré ora apelante não pode ser assacada qualquer responsabilidade pelo facto de a grelha da sarjeta se encontrar solta e poder ser retirada por qualquer pessoa;
42. À ré não pode ser exigível, em cumprimento do seu dever de vigilância, a colocação de um funcionário ou guarda em cima de cada uma das grades das sarjetas do prédio, de forma a não serem retiradas ou para guardas as mesmas de forma física e permanente.
43. A prisão ou fixação das grelhas ou solo está relacionada com as regras de projeto e construção do edifício, da responsabilidade do proprietário do imóvel;
44. Dispõe o artigo 128.º do RGEU que: "As edificações, serão delineadas e construídas de forma a ficar sempre assegurada a sua solidez e serão permanentemente mantidas em estado de não poderem constituir perigo para a segurança pública e dos seus ocupantes ou para a dos prédios vizinhos".
45. Como é sabido e pacificamente aceite, a culpa, seja ela sob a forma de dolo ou de negligência, exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente, o qual, em face das circunstâncias concretas do caso, podia e devia agir de outro modo, evitando, assim, através dessa conduta que lhe era exigível, a produção do dano em causa.
46. Na verdade e como refere AC STJ de 10.03.2016, relatado A. ABRANTES GERALDES, disponível in www.dgsi.pt., e que se nos afigura ter pleno cabimento no caso dos autos, em face do circunstancialismo que emerge da factualidade que entendemos que deve ser dada como provada - "as circunstâncias relevantes para se considerar ilidida a presunção de culpa não podem ser de tal ordem que, na prática, transformem a responsabilidade subjetiva que impende sobre o proprietário em responsabilidade objetiva ou pelo risco."
47. A ré ora apelante, ao contrário do concluído pelo Meritíssimo Juiz "a quo", afastou a presunção de ilicitude e culpa emergente do n.º 1, do artigo 493.º do Código Civil;
48. Demonstrou a ré ora apelante que não agiu com negligência ou imprevidência ao nível do cumprimento do seu dever de vigilância sobre a grade da sarjeta, cuja falta, cuja falta, remoção e desaparecimento motivou a queda da autora.
49. Mais demonstrou a ré ora apelante que nenhuma culpa lhe pode ser assacada pelo desaparecimento da grade da sarjeta onde caiu a autora;
50. Pois mesmo cumprindo o seu dever de vigilância e guarda sobre o parque, não podia evitar a remoção por terceiros e desaparecimento da grade da sarjeta por se encontrar solta e não fixa ao solo, assim como a queda da autora.
51. A douta Sentença recorrida carece de ser revogada, porquanto errou na apreciação e análise da prova produzida e gravada na audiência de discussão e julgamento, assim como, no enquadramento jurídico e/ou de direito em que baseia.
52. Ao julgar ação parcialmente procedente nos termos modos e fundamentos que o fez, a Sentença ora impugnada, violou o disposto nos artigos 350.º, n.º 2, 483.º, 487.º e 493.º, n.º 1 todos do Código Civil e o artigo 5.º do Código de Processo Civil.
A autora e a ré R. R. Imobiliária S.A. contra-alegaram sustentando a improcedência do recurso.

As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635.º n.º 3 e 639.º n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil (1), delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir consistem em saber se:

a) se devia julgar provados os seis factos mencionados na conclusão 3.ª;
b) "da matéria de facto dada como provada na sentença não resulta qualquer facto que permita afirmar ou concluir a violação do (…) dever de vigilância por parte da ré ora alegante" (2);
c) "não se provou qualquer facto que permitisse concluir ter a ré ora apelante agido ilicitamente e com culpa, nos termos e para os efeitos do art. 483.º do CC" (3);
d) "errou o Meritíssimo juiz "a quo" quando na sentença conclui que a terceira ré ora apelante não ilidiu a presunção que sobre ela impedia, resultante e constante do n.º 1 do artigo 493.º do Código Civil, imputando-lhe a responsabilidade pela produção dos danos sofridos pele autora" (4).
II
1.º
Foram julgados provados os seguintes factos:
1. A 1.ª ré é uma sociedade comercial por quotas, que se dedica ao ramo imobiliário, sendo dona e legitima proprietária de um prédio urbano, sito no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Guimarães, descrito na CRP sob o n.º .../19961202 freguesia ... (...) e inscrito na matriz sob o artigo ...-P urbano, onde a 3.ª ré exerce a sua atividade.
2. A 3.ª ré é igualmente uma sociedade por quotas, que se dedica à venda de produtos alimentares, concretamente à exploração de um hipermercado, denominado comercialmente de "Supermercado P.", sito no prédio.
3. No dia, 08 de abril de 2017, cerca das 10 horas, a autora dirigiu-se até ao estabelecimento comercial acima referido, e estacionou o veículo no parque estacionamento (também) destinado aos clientes do dito supermercado, explorado pela 3.ª ré, propriedade da 1.ª.
4. Ao sair da viatura, a autora colocou o membro inferior esquerdo numa sarjeta, não sinalizada e sem qualquer proteção.
5. Dada a aparatosa queda que sofreu, e dado o facto da autora se encontrar num quadro de dor intensa e de impotência funcional, foram acionados os meios de emergência médica pré-hospitalar, que a transportaram para o Hospital da ... e que posteriormente a reencaminharam para o serviço de ortopedia.
6. Em consequência, direta, necessária e suficiente dessa queda, a autora sofreu fratura dos pratos tibiais à esquerda, Schatzker tipo V (vulga fratura do joelho).
7. Por essa razão, a autora ficou internada nesse mesmo hospital e, a 13 de abril de 2017, foi sujeita a uma cirurgia, devido à referida fratura, concretamente foi submetida a osteossíntese com duas placas LCP da tíbia proximal (postero-medial e antero-lateral) – Striker AxSOS de liga de titânio.
8. No dia 21 de abril de 2017, a autora recebeu alta hospitalar, embora estivesse imobilizada com uma tala de extensão do joelho amovível e com indicações para iniciar tratamento fisiátrico.
9. Para além disso, a autora continuou a ser seguida em consulta externa de Ortopedia e Fisiatria.
10. Por essa razão, a autora realizou diversas consultas de ortopedia, 6 de fisiatria e 90 tratamentos de fisioterapia durante cerca de um ano e administrou inúmera medicação.
11. A autora recebeu alta de ortopedia em 11 de junho de 2018.
12. A autora contactou as três rés e até mesmo a Câmara Municipal, no sentido de ser ressarcida de todos os danos que sofreu, porém nenhuma delas reconheceu qualquer responsabilidade.
13. A autora teve que suportar decorrente da medicação que tomou, o valor de 47,60 €, visto que o custo da cirurgia, tratamentos e consultas foram suportados pelo serviço nacional de saúde.
14. A autora deslocava-se de automóvel para as consultas, sendo que de sua casa até à Santa Casa da Misericórdia de ... distam 8 Km, o que a fez despender quantia nunca inferior a (0,36 €/km x 16 km = 5,76 € por cada deslocação (ida e vinda), o que perfaz um total de (5,79 € x 96 €) 552,92 €.
15. À data dos factos a autora auferia o SMN (557 €) acrescido do subsidio de alimentação (2,40 €/52,80 € mensais) e prémio de desempenho (21,36 €), o que perfaz um total ilíquido de 631,16 €.
16. A autora tinha 52 anos à data da alta clinica (21/04/17).
17. A autora sentiu dores com a intervenção cirúrgica com anestesia geral.
18. A autora teve que ser ajudada por terceira pessoa e sentiu angústias e ansiedades com o esforço despendido na sua recuperação com diversas consultas de ortopedia e fisiatria e ainda 90 sessões de tratamentos/fisioterapia, e com o desgosto de manter durante a vida duas cicatrizes de grande dimensão notórias na perna fraturada, numa zona habitualmente visível numa senhora e a que estas dão muita importância, causando-lhe por isso incómodo com o seu corpo.
19. A aqui Ré (1.ª ré), é proprietária do edifício destinado ao comércio, com logradouro, uma estação de serviço e posto de abastecimento de combustíveis, sito em ..., freguesia de ... (...), em Guimarães, e deu o mesmo, na sua totalidade, de arrendamento, cessão de exploração e cessão de posição contratual com fiança, a uma sociedade comercial por quotas designada por "M. L. & Filhos, Lda.", em 1 de janeiro de 2013.
20. Conforme resulta do preâmbulo do contrato referido, o logradouro é composto de um parque de estacionamento, fazendo o mesmo, parte integrante do arrendamento.
21. Ficou contratualizado na cláusula décima, que a então inquilina se obrigava a efetuar seguro que cobrisse os riscos de incêndios e explosões, tendo por objeto o edifício do prédio arrendado, e figurando como beneficiária do mesmo a senhoria, aqui primeira Ré.
22. Em 1 de Janeiro de 2015 a inquilina do contrato em vigor, cedeu a posição que detinha no contrato referido 10, assim como aditamento outorgado em 28 de fevereiro de 2014, à sociedade comercial por quotas "I. & L., Lda.", aqui 3.ª Ré.
23. Nesse contrato de cessão da posição contratual, a sociedade cessionária passou a deter a posição da sociedade cedente no contrato inicial, ou seja, todos os direitos e obrigações deste constantes e do respetivo aditamento.
24. A terceira Ré, possui um contrato de seguro com a segunda Ré (seguradora), contrato esse com o número de apólice .......01, referente a "Multirriscos de estabelecimento".
25. A 3.ª ré, por força de contrato de cessão de posição contratual, outorgado, no dia 01 de janeiro de 2015, assumiu a posição de arrendatária do imóvel identificado no artigo 1.º da douta p.i. e a exploração da estação de serviço aí estabelecida.
26. Pagando à 1.ª ré, a renda mensal de € 15 000,00, valor a que acresce IVA à taxa legal, no valor global de € 18 450,00 (dezoito mil quatrocentos e cinquenta euros).
27. A 3.ª ré, em inícios de 2015, celebrou, com a 2.ª ré, o contrato de seguro –"LINHA DE NEGÓCIO: MULTIRISCOS ESTABELECIMENTO", titulado pela apólice .......01, através do qual, de acordo com as condições particulares da apólice, transferiu para aquela ré – Companhia de Seguros X, a responsabilidade civil inerente à exploração do estabelecimento.
28. Depois de ocorrido o acidente e após constatar que a grelha daquela sarjeta em concreto, não estava no local a 3.ª ré procedeu à colocação de uma outra grelha no local.
Factos dados como provados ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Civil e oportunamente comunicados às partes:
29. O lugar de estacionamento onde o marido da autora estacionou a viatura, assinalado nas fotografias de fls. 123 verso, encontra-se numa zona que é de livre acesso aos clientes do supermercado e do Bazar chinês existente no local.
30. Para acederem a essa zona do estacionamento os clientes entram pela entrada principal localizada do lado esquerdo do supermercado na fotografia aérea de fls. 126 verso dos autos.
31. Existe outra entrada localizada na parte lateral do terreno onde o supermercado e o bazar chinês se encontram implementados mas que é menos usada pelos clientes que se dirigem ao bazar chinês e ao supermercado.
32. O buraco onde a autora caiu, existente no pavimento, é destinado a esgotos e águas pluviais e encontra-se localizado no interior do prédio pertencente à 1.ª ré, descrito no artigo 1.º da petição inicial.
33. Em setembro de 2017 a autora celebrou com a sua entidade patronal (Y) um acordo para cessação do contrato de trabalho tendo recebido uma quantia não concretamente apurada.
34. A partir dessa data e até à sua reforma a autora ficou a receber subsídio de desemprego.

Factos provados tendo em consideração a perícia médico legal realizada nos autos:
A examinanda apresenta as seguintes sequelas:
"Membro inferior esquerdo: joelho com ligeira dismorfia; duas cicatrizes lineares do tipo cirúrgico, normocrómicas, com ligeira formação de quelóide, na face medial do joelho com 10 cm e na face lateral com 18 cm; dor à palpação da região anterior; amiotrofia de 1 cm em relação com o membro contralateral; força muscular dos diferentes segmentos de grau 4+ em 5; ligeiro derrame articular; sem instabilidades articulares; mobilidade passiva do joelho com limitação para a flexão (0-110.º), sem défice da extensão; ROTs presentes mas ligeiramente diminuídos relativamente ao membro contralateral; sensibilidades preservadas."
"1. Os elementos disponíveis permitem admitir a existência de nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano atendendo a que se confirmam os critérios necessários para o seu estabelecimento: existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumática, o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões, se exclui a existência de uma causa estranha relativamente ao traumatismo e se exclui a pré-existência do dano corporal.
2. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 11/06/2018, tendo em conta os seguintes aspetos: a data da alta clínica, o tipo de lesões resultantes e o tipo de tratamentos efetuados.
3. No âmbito do período de danos temporários são valorizáveis, entre os diversos parâmetros do dano, os seguintes:
- Défice Funcional Temporário (corresponde ao período durante o qual a vítima, em virtude do processo evolutivo das lesões no sentido da cura ou da consolidação, viu condicionada a sua autonomia na realização dos atos correntes da vida diária, familiar e social). Considerou-se o:
Défice Funcional Temporário Total (correspondendo com os períodos de internamento e/ou de repouso absoluto), que se terá situado entre 08/04/2017 e 21/04/2017, sendo assim fixável num período de 14 dias.
Défice Funcional Temporário Parcial (correspondendo ao período que se iniciou logo que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização desses atos, ainda que com limitações), que se terá situado entre 22/04/2017 e 11/06/2018, sendo assim fixável num período 416 dias.
- Repercussão Temporária na Atividade Profissional (correspondendo ao período durante o qual a vítima, em virtude do processo evolutivo das lesões no sentido da cura ou da consolidação, viu condicionada a sua autonomia na realização dos atos inerentes à sua atividade profissional habitual). Considerou-se a:
Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total (correspondendo aos períodos de internamento e/ou de repouso absoluto, entre outros), que se terá situado entre 08/04/2017 e 11/06/2018, sendo assim fixável num período total de 430 dias.
- Quantum doloris (corresponde à valoração do sofrimento físico e psíquico vivenciado pela vítima durante o período de danos temporários, isto é, entre a data do evento e a cura ou consolidação das lesões); fixável no grau 4 numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta as lesões resultantes, o período de recuperação funcional, o tipo de traumatismo e os tratamentos efetuados.
4. No âmbito do período de danos permanentes são valorizáveis, entre os diversos parâmetros de dano, os seguintes:
Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica. Nesta conformidade, atendendo à avaliação baseada na Tabela Nacional de Incapacidades e considerando o valor global da perda funcional decorrente das sequelas e o facto destas não afetarem a examinada em termos de autonomia e independência, sendo causa de sofrimento físico e limitando-a em termos funcionais, atribui-se um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 5 pontos.
- Repercussão Permanente na Atividade Profissional (corresponde ao rebate das sequelas no exercício da atividade profissional habitual da vítima - atividade à data do evento, isto é, na sua vida laboral, para utilizar a expressão usada na Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio, 1 tratando-se do parâmetro de dano anteriormente designado por Rebate profissional). Neste caso, as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
Dano Estético Permanente (corresponde à repercussão das sequelas, numa perspetiva estática e dinâmica, envolvendo uma avaliação personalizada da afetação da imagem da vítima quer em relação a si próprio, quer perante os outros). É fixável no grau 3, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta os seguintes aspetos: a(s) cicatriz(es).
Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer (corresponde à impossibilidade estrita e específica para a vítima de se dedicar a certas atividades lúdicas, de lazer e de convívio social, que exercia de forma regular e que para ela representavam um amplo e manifesto espaço de realização e gratificação pessoal). É fixável no grau 3, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta os seguintes aspetos: o abandono da prática de caminhadas.
Tratamentos médicos futuros: neste caso a possibilidade de intervenção cirúrgica futura para extração de material de osteossíntese do joelho esquerdo.
A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 11/06/2018.
Período de Défice Funcional Temporário Total sendo assim fixável num período de 14 dias.
Período de Défice Funcional Temporário Parcial sendo assim fixável num período 416 dias.
Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total sendo assim fixável num período total de 430 dias.
Quantum Doloris fixável no grau 4/7.
Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 5 pontos.
As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
Dano Estético Permanente fixável no grau 3 /7.
Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 3 /7.
Tratamentos médicos futuros: possibilidade de ter de retirar material de osteossíntese do joelho esquerdo."
2.º
Foram julgados não provados os seguintes factos:
O piso do estacionamento, no dia do acidente, encontrava-se perigoso à circulação das pessoas que, tal como a autora, visitavam o estabelecimento.
Um parque de estacionamento, com aquelas condições, é propiciador e fomentador de quedas dessa natureza.
As queixas acima referidas persistem até ao dia de hoje e a autora necessitará, por certo, no futuro, de continuar a tomar medicamentos, efetuar tratamentos, consultas a médicos, sessões de fisioterapia etc., bem como de realizar as viagens necessárias para esse efeito.
A autora deixou de trabalhar desde a data do acidente até à sua reforma, reforma essa que se deveu ao facto de a autora não conseguir exercer as suas funções e como tal se ter visto forçada a cessar o seu contrato de trabalho e a solicitar a reforma por invalidez, que lhe foi concedida, o que por si só demonstra a gravidade dos danos.
A autora tem apenas a escolaridade mínima, não se mostrando viável para ela encontrar um emprego compatível.
Acontece que mesmo que os factos relatados pela Autora tivessem ocorrido, que obviamente a Ré desconhece, o estacionamento que alegadamente fez foi no parque pertencente ao estabelecimento contiguo denominado Centro ... e não no parque do prédio propriedade da Ré.
Como se pode verificar da planta junta ao processo de licenciamento na Câmara Municipal de … os lugares de estacionamento da propriedade da aqui Ré, não incluem os lugares onde a Autora alega ter estacionado.
Desconhece igualmente, a Ré, se o alegado lugar indicado pela Autora de estacionamento está licenciado, mas sabe e comprova documentalmente que nesse local nunca teve lugares de estacionamento, tendo somente uma faixa encostada ao seu edifício para entrada de camiões fornecedores de mercadoria e recolha de lixo.
Aliás na zona referida era fisicamente impossível colocar lugares de estacionamento, por força dos existentes na propriedade contigua.
O piso referido como de estacionamento, onde alegadamente o Autora terá estacionado "o veículo" não é propriedade da aqui Ré,
No local onde a Autora alegadamente estacionou "o veículo" não é propriedade da primeira Ré e a faixa de terreno contigua àquele, essa sim, propriedade da aqui Ré mas sem qualquer destino de aparcamento, mas somente de circulação de veículos pesados para cargas e descargas de mercadorias e para recolha de lixo.
No local indicado pela Autora, Ré não existem lugares de estacionamento propriedade da primeira Ré, sendo sua propriedade uma zona de circulação de veículos pesados e nunca destinado a clientes do espaço comercial.
A sarjeta referida pela autora, com existência identificada na propriedade da aqui Ré, tem todos os elementos para que o seu funcionamento obedeça a todos os requisitos e fins para que foi aprovada pela Câmara Municipal de …, no âmbito do projeto apresentado para o funcionamento do estabelecimento comercial.
Certo também é que esse local não é suscetível de integrar uma zona de estacionamento automóvel do prédio contiguo, e previsivelmente não licenciado.
Facilmente se entende que o local indicado pela Autora como local do alegado sinistro, não é um local de passagem pedonal de forma necessária para acesso ao estabelecimento, uma vez que essa zona não tem parque de estacionamento dentro dos limites da propriedade da aqui Ré.
Os veículos estacionados no local que a Autora refere ter estacionado "o veículo" pertencerá ao estabelecimento denominado "Centro ...", que terá o seu parque de estacionamento, mas que se encontra fora da área da propriedade da aqui Ré.
A zona sem veículos ou lugares de estacionamento junto ao edifício propriedade da primeira Ré, destina-se a circulação de veículos para cargas e descargas e recolha de lixo.
No parque de estacionamento da propriedade da primeira Ré não existe a sarjeta a que a autora pretende referir-se, identificando uma valeta ou boeiro na zona de circulação para cargas, descargas e recolha de lixo, defronte dos lugares sinalizados para estacionamento fora da propriedade da aqui ré.
Não é possível, na versão da autora, que ao sair do veículo que alegadamente estacionou, colocasse o membro inferior esquerdo numa sarjeta que se situa na frente ou na traseira de "o veículo", dependendo da forma com procedeu ao estacionamento, se com a frente virada para a propriedade da aqui Ré ou se com a traseira,
Para que tal ocorresse, a autora teria sempre que sair pela bagageira do tal veículo ou pelo capot, dependendo da forma com alegadamente estacionou, tendo como referência a foto junta aos autos.
A Autora sabia e não podia desconhecer que a primeira Ré é proprietária edifício e parque de estacionamento onde se encontra a laborar o estabelecimento designado por "supermercados P." como arrendatário.
A Autora intentou ação contra as Rés sabendo que a primeira Ré é parte ilegítima na mesma, não se coibindo de peticionar um valor de € 145.098,24 (cento e quarenta e cinco mil e noventa e oito euros e vinte e quatro cêntimos), chegando a este valor com fundamentação contraditória e descuidada, sempre na convicção de que auferia de apoio judiciário e por isso salvaguardada de qualquer pagamento de taxa e/ou custas.
Ao contrário do alegado no artigo 4.º da douta p.i., o parque de estacionamento onde a autora diz ter parqueado o automóvel no dia do acidente, não pertence ao prédio onde se localiza o estabelecimento de supermercado explorado pela ré ora contestante.
O parque de estacionamento em causa, pertence ao estabelecimento comercial denominado "Centro ...", situado imediatamente ao lado (norte) do estabelecimento explorado pela 3.ª ré, destinando-se a clientes daquele estabelecimento.
Já a sarjeta referida no artigo 5.º da douta p.i., situa-se, de acordo com as informações que lhe foram transmitidas pela primeira ré, no limite do prédio identificado no artigo 1.º do petitório, dado de arrendamento à ré ora contestante.
Ao contrário do aí referido, o mesmo terá ocorrido à saída do estabelecimento, quando a autora e o marido se dirigiam, com o carrinho de compras ao veículo automóvel, estacionado anteriormente no parque do estabelecimento contiguo.
Que o local onde a autora referia ter ocorrido o acidente, além de se situar imediatamente do lado esquerdo da saída do estabelecimento, junto ao sitio onde se encontra o depósito dos carrinhos de compras, era e é habitual e constantemente frequentado e vistoriado pelos serviços e colaboradores da ora contestante, nomeadamente, pelo funcionário encarregue de recolher os carrinhos de compras deixados no parque pelos clientes e pela funcionária de limpeza, que diariamente, antes de estabelecimento abrir procede à limpeza do parque de estacionamento do estabelecimento,
Sendo que quer o colaborador que procede à recolha dos carrinhos de compras ao final do dia aquando do encerramento do estabelecimento, quer a funcionária da limpeza que procedeu à limpeza do local no dia do acidente, antes de o estabelecimento abrir, encarregues de vistoriar o local e de anotarem e comunicarem qualquer falha ou anomalia existente no estabelecimento, lhe referiram/comunicaram que a grelha da sarjeta onde a autora diz ter ocorrido o acidente, no momento em que passaram no local, tal como todas as outras existentes no parque, se encontrava devidamente colocada, nada de anormal tendo verificado e ou reportado.
Sendo certo, que a ré ora contestante através dos seus serviços/colaboradores, no referido dia, como já referido no presente articulado, vistoriou o local antes de o acidente ter ocorrido, nada de anormal tendo verificado ou registado que impedisse a circulação de pessoas e veículos, constatando que a grelha da sarjeta onde a autora refere ter ocorrido o acidente estava devidamente colocada.
Tendo destes factos dado conhecimento à primeira ré, na pessoa da D. M. H., alertando-a para o facto de as grelhas das sarjetas existentes no prédio não estarem fixas ao solo e poderem ser removidas por terceiros.
Sendo que está até à data, à semelhança do que acontece com outras obras de conservação do edifício, apesar de denunciadas e reclamadas pela ré ora contestante, não obstante a peritagem realizada ao prédio, a primeira ré nada fez para suprir esse defeito de construção.
3.º
Segundo a ré I. & L. Supermercados Lda. deviam ser julgados provados os seguintes factos (5):

a) A grade ou grelha da sarjeta onde caiu a autora era amovível e não se encontrava fixa ao solo.
b) O local onde a autora refere ter ocorrido o acidente, além de se situar imediatamente do lado esquerdo da saída do estabelecimento, junto ao sitio onde se encontra o depósito dos carrinhos de compras, era e é habitual e constantemente frequentado e vistoriado pelos serviços e colaboradores da ora contestante, nomeadamente, pelo funcionário encarregue de recolher os carrinhos de compras deixados no parque pelos clientes e pela funcionária de limpeza, que diariamente, antes de estabelecimento abrir procede à limpeza do parque de estacionamento do estabelecimento;
c) Sendo que quer o colaborador que procede à recolha dos carrinhos de compras ao final do dia aquando do encerramento do estabelecimento, quer a funcionária da limpeza que procedeu à limpeza do local no dia do acidente, antes de o estabelecimento abrir, encarregues de vistoriar o local e de anotarem e comunicarem qualquer falha ou anomalia existente no estabelecimento, lhe referiram/comunicaram que a grelha da sarjeta onde a autora diz ter ocorrido o acidente, no momento em que passaram no local, tal como todas as outras existentes no parque, se encontrava devidamente colocada, nada de anormal tendo verificado e ou reportado;
d) A ré ora contestante através dos seus serviços/colaboradores, no referido dia, como já referido no presente articulado, vistoriou o local antes de o acidente ter ocorrido, nada de anormal tendo verificado ou registado que impedisse a circulação de pessoas e veículos, constatando que a grelha da sarjeta onde a autora refere ter ocorrido o acidente estava devidamente colocada;
e) Tendo destes factos dado conhecimento à primeira ré, na pessoa da D. M. H., alertando-a para o facto de as grelhas das sarjetas existentes no prédio não estarem fixas ao solo e poderem ser removidas por terceiros;
f) Sendo que esta até à data, à semelhança do que acontece com outras obras de conservação do edifício, apesar de denunciadas e reclamadas pela ré ora contestante, não obstante a peritagem realizada ao prédio, a primeira ré nada fez para suprir esse defeito de construção.
Examinada a prova produzida verifica-se que quanto ao facto a), temos que M. H. (6) e as testemunhas R. R. (7), N. R. (8) e J. J. (9) dão conta de a grelha da sarjeta, onde caiu a autora, não estar fixada ao solo. Não obstante estas duas últimas testemunhas serem trabalhadoras da ré I. & L. Supermercados Lda., afigura-se que face a este conjunto de depoimentos, à circunstância de se tratar de um facto objetivo e de não ter havido depoimentos em sentido contrário, se deve julgar provado que a grelha da sarjeta não estava fixada ao solo.
Relativamente aos factos c), d) e e) a ré I. & L. Supermercados Lda. invoca os depoimentos das testemunhas N. R., A. F. (10), S. D. (11) e J. J..
N. R. pouco diz no que toca a estes factos. Alude a uma empregada que "faz a limpeza diária" e que comunica se vir "alguma coisa". E S. D. acaba por só dizer que no dia do acidente A. F. "não me reportou nada", donde extrai a conclusão de que "estava tudo normal". Estes depoimentos não têm substância quanto a estes pontos da matéria de facto; não relatam factos relevantes.
A. F. afirma que "às nove da manhã a grade estava lá". À pergunta se limpa "todos os dias" o espaço onde está a sarjeta responde "sim, sim". Afirma que não havia outras grelhas iguais, mas reconhece que logo após o acidente foi aí colocada uma grelha, que diz ser diferente daquela que lá se encontrava antes. Entrou contradição quanto às instruções que tem (ou não) para limpar o espaço do estacionamento "para lá do risco", na parte dos "chineses". Este depoimento, que é prestado por uma trabalhadora da ré I. & L. Supermercados Lda., suscita reservas, pois não se mostra seguro e convincente. Parece um pouco voluntarioso para defender a sua entidade patronal.
J. J. diz que todos os dias, aquando do encerramento do estabelecimento, dá "a volta ao parque e ao edifício para ver se tem alguma coisa, algumas vezes aparecem carrinhos fora do lugar e nós á noite fechamos os carrinhos todos". Afirma que na véspera do acidente não viu que faltasse a grelha; "a grelha estava no lugar". A ideia que fica é a de que a testemunha quando faz a vistoria está essencialmente preocupada com eventuais "carrinhos fora do lugar". Ora, a averiguação desse facto pode ser feita a alguma distância. Não é crível que nessa ocasião, todos os dias, a testemunha verifique se as grelhas das sarjetas estão no lugar; a sua atenção está, sim, focada nos carrinhos. Aliás, foi só a estes que se referiu de forma espontânea. A alusão à grelha surge na sequência de uma pergunta que lhe foi colocada.
Estes depoimentos, a que a ré I. & L. Supermercados Lda. apela para se considerar provados os factos c), d) e e), pelas suas insuficiências e pouca credibilidade, não nos permitem, de modo algum, atingir um patamar mínimo de certeza. E não há uma terceira pessoa, que não trabalhe para esta ré, que corrobore esta versão. Já no que se reporta à localização da sarjeta em que ocorreu o acidente, temos o que resulta dos factos 29 e 32, que não foi questionado pela ré I. & L. Supermercados Lda..
Por sua vez, o facto e), que se refere a uma comunicação ocorrida após o acidente, é, para a situação sub iudice, juridicamente neutro. A responsabilidade civil da ré I. & L. Supermercados Lda., nem emerge de uma eventual ausência de comunicação a posteriori do ocorrido, nem se extingue por ela ter sido efetuada.
O mesmo se passa com o facto f). Abstraindo das expressões conclusivas que contém, a existência de outros problemas que tenham sido denunciados à ré R. R. Imobiliária S.A. e que esta não terá resolvido, não interfere juridicamente na responsabilidade civil que as duas rés têm ou não no acidente em que foi interveniente a autora. A decisão a proferir será a mesma, quer tenham existido essas denúncias, quer elas não tenham ocorrido.
Como é sabido, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 640.º, visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram "incorretamente julgados". Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada ou não provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa então concluir que, afinal, existe um direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a uma decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efetivo objetivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante.
Se, por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito" (12), de todo irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.
Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica (13), sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente e que, por isso mesmo, colide com os princípios da celeridade, da limitação dos atos e da economia processual (14) consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 130.º e 131.º.
Portanto, não se procede à reapreciação da decisão da matéria de facto dos factos e) e f).
4.º
Estão provados os seguintes factos:
1. A 1.ª ré é uma sociedade comercial por quotas, que se dedica ao ramo imobiliário, sendo dona e legitima proprietária de um prédio urbano, sito no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Guimarães, descrito na CRP sob o n.º .../19961202 freguesia ... (...) e inscrito na matriz sob o artigo ...-P urbano, onde a 3.ª ré exerce a sua atividade.
2. A 3.ª ré é igualmente uma sociedade por quotas, que se dedica à venda de produtos alimentares, concretamente à exploração de um hipermercado, denominado comercialmente de "Supermercado P.", sito no prédio.
3. No dia, 08 de abril de 2017, cerca das 10 horas, a autora dirigiu-se até ao estabelecimento comercial acima referido, e estacionou o veículo no parque estacionamento (também) destinado aos clientes do dito supermercado, explorado pela 3.ª ré, propriedade da 1.ª.
4. Ao sair da viatura, a autora colocou o membro inferior esquerdo numa sarjeta, não sinalizada e sem qualquer proteção.
5. Dada a aparatosa queda que sofreu, e dado o facto da autora se encontrar num quadro de dor intensa e de impotência funcional, foram acionados os meios de emergência médica pré-hospitalar, que a transportaram para o Hospital da ... e que posteriormente a reencaminharam para o serviço de ortopedia.
6. Em consequência, direta, necessária e suficiente dessa queda, a autora sofreu fratura dos pratos tibiais à esquerda, Schatzker tipo V (vulga fratura do joelho).
7. Por essa razão, a autora ficou internada nesse mesmo hospital e, a 13 de abril de 2017, foi sujeita a uma cirurgia, devido à referida fratura, concretamente foi submetida a osteossíntese com duas placas LCP da tíbia proximal (postero-medial e antero-lateral) – Striker AxSOS de liga de titânio.
8. No dia 21 de abril de 2017, a autora recebeu alta hospitalar, embora estivesse imobilizada com uma tala de extensão do joelho amovível e com indicações para iniciar tratamento fisiátrico.
9. Para além disso, a autora continuou a ser seguida em consulta externa de Ortopedia e Fisiatria.
10. Por essa razão, a autora realizou diversas consultas de ortopedia, 6 de fisiatria e 90 tratamentos de fisioterapia durante cerca de um ano e administrou inúmera medicação.
11. A autora recebeu alta de ortopedia em 11 de junho de 2018.
12. A autora contactou as três rés e até mesmo a Câmara Municipal, no sentido de ser ressarcida de todos os danos que sofreu, porém nenhuma delas reconheceu qualquer responsabilidade.
13. A autora teve que suportar decorrente da medicação que tomou, o valor de 47,60€, visto que o custo da cirurgia, tratamentos e consultas foram suportados pelo serviço nacional de saúde.
14. A autora deslocava-se de automóvel para as consultas, sendo que de sua casa até à Santa Casa da Misericórdia de ... distam 8 Km, o que a fez despender quantia nunca inferior a (0,36 €/km x 16 km = 5,76 € por cada deslocação (ida e vinda), o que perfaz um total de (5,79 € x 96 €) 552,92 €.
15. À data dos factos a autora auferia o SMN (557 €) acrescido do subsidio de alimentação (2,40 €/52,80 € mensais) e prémio de desempenho (21,36 €), o que perfaz um total ilíquido de 631,16€.
16. A autora tinha 52 anos à data da alta clinica (21/04/17).
17. A autora sentiu dores com a intervenção cirúrgica com anestesia geral.
18. A autora teve que ser ajudada por terceira pessoa e sentiu angústias e ansiedades com o esforço despendido na sua recuperação com diversas consultas de ortopedia e fisiatria e ainda 90 sessões de tratamentos/fisioterapia, e com o desgosto de manter durante a vida duas cicatrizes de grande dimensão notórias na perna fraturada, numa zona habitualmente visível numa senhora e a que estas dão muita importância, causando-lhe por isso incómodo com o seu corpo.
19. A aqui Ré (1.ª ré), é proprietária do edifício destinado ao comércio, com logradouro, uma estação de serviço e posto de abastecimento de combustíveis, sito em ..., freguesia de ... (...), em Guimarães, e deu o mesmo, na sua totalidade, de arrendamento, cessão de exploração e cessão de posição contratual com fiança, a uma sociedade comercial por quotas designada por "M. L. & Filhos, Lda.", em 1 de janeiro de 2013.
20. Conforme resulta do preâmbulo do contrato referido, o logradouro é composto de um parque de estacionamento, fazendo o mesmo, parte integrante do arrendamento.
21. Ficou contratualizado na cláusula décima, que a então inquilina se obrigava a efetuar seguro que cobrisse os riscos de incêndios e explosões, tendo por objeto o edifício do prédio arrendado, e figurando como beneficiária do mesmo a senhoria, aqui primeira Ré.
22. Em 1 de Janeiro de 2015 a inquilina do contrato em vigor, cedeu a posição que detinha no contrato referido 10, assim como aditamento outorgado em 28 de fevereiro de 2014, à sociedade comercial por quotas "I. & L., Lda.", aqui 3.ª Ré.
23. Nesse contrato de cessão da posição contratual, a sociedade cessionária passou a deter a posição da sociedade cedente no contrato inicial, ou seja, todos os direitos e obrigações deste constantes e do respetivo aditamento.
24. A terceira Ré, possui um contrato de seguro com a segunda Ré (seguradora), contrato esse com o número de apólice .......01, referente a "Multirriscos de estabelecimento".
25. A 3.ª ré, por força de contrato de cessão de posição contratual, outorgado, no dia 01 de janeiro de 2015, assumiu a posição de arrendatária do imóvel identificado no artigo 1.º da douta p.i. e a exploração da estação de serviço aí estabelecida.
26. Pagando à 1.ª ré, a renda mensal de € 15 000,00, valor a que acresce IVA à taxa legal, no valor global de € 18 450,00 (dezoito mil quatrocentos e cinquenta euros).
27. A 3.ª ré, em inícios de 2015, celebrou, com a 2.ª ré, o contrato de seguro –"LINHA DE NEGÓCIO: MULTIRISCOS ESTABELECIMENTO", titulado pela apólice .......01, através do qual, de acordo com as condições particulares da apólice, transferiu para aquela ré – Companhia de Seguros X, a responsabilidade civil inerente à exploração do estabelecimento.
28. Depois de ocorrido o acidente e após constatar que a grelha daquela sarjeta em concreto, não estava no local a 3.ª ré procedeu à colocação de uma outra grelha no local.
29. O lugar de estacionamento onde o marido da autora estacionou a viatura, assinalado nas fotografias de fls. 123 verso, encontra-se numa zona que é de livre acesso aos clientes do supermercado e do Bazar chinês existente no local.
30. Para acederem a essa zona do estacionamento os clientes entram pela entrada principal localizada do lado esquerdo do supermercado na fotografia aérea de fls. 126 verso dos autos.
31. Existe outra entrada localizada na parte lateral do terreno onde o supermercado e o bazar chinês se encontram implementados mas que é menos usada pelos clientes que se dirigem ao bazar chinês e ao supermercado.
32. O buraco onde a autora caiu, existente no pavimento, é destinado a esgotos e águas pluviais e encontra-se localizado no interior do prédio pertencente à 1.ª ré, descrito no artigo 1.º da petição inicial.
33. Em setembro de 2017 a autora celebrou com a sua entidade patronal (Y) um acordo para cessação do contrato de trabalho tendo recebido uma quantia não concretamente apurada.
34. A partir dessa data e até à sua reforma a autora ficou a receber subsídio de desemprego.
35. A autora, aquando da realização da perícia médico legal, apresentava as seguintes sequelas:
"Membro inferior esquerdo: joelho com ligeira dismorfia; duas cicatrizes lineares do tipo cirúrgico, normocrómicas, com ligeira formação de quelóide, na face medial do joelho com 10 cm e na face lateral com 18 cm; dor à palpação da região anterior; amiotrofia de 1 cm em relação com o membro contralateral; força muscular dos diferentes segmentos de grau 4+ em 5; ligeiro derrame articular; sem instabilidades articulares; mobilidade passiva do joelho com limitação para a flexão (0-110.º), sem défice da extensão; ROTs presentes mas ligeiramente diminuídos relativamente ao membro contralateral; sensibilidades preservadas."
"1. Os elementos disponíveis permitem admitir a existência de nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano atendendo a que se confirmam os critérios necessários para o seu estabelecimento: existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumática, o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões, se exclui a existência de uma causa estranha relativamente ao traumatismo e se exclui a pré-existência do dano corporal.
2. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 11/06/2018, tendo em conta os seguintes aspetos: a data da alta clínica, o tipo de lesões resultantes e o tipo de tratamentos efetuados.
3. No âmbito do período de danos temporários são valorizáveis, entre os diversos parâmetros do dano, os seguintes:
- Défice Funcional Temporário (corresponde ao período durante o qual a vítima, em virtude do processo evolutivo das lesões no sentido da cura ou da consolidação, viu condicionada a sua autonomia na realização dos atos correntes da vida diária, familiar e social). Considerou-se o:
Défice Funcional Temporário Total (correspondendo com os períodos de internamento e/ou de repouso absoluto), que se terá situado entre 08/04/2017 e 21/04/2017, sendo assim fixável num período de 14 dias.
Défice Funcional Temporário Parcial (correspondendo ao período que se iniciou logo que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização desses atos, ainda que com limitações), que se terá situado entre 22/04/2017 e 11/06/2018, sendo assim fixável num período 416 dias.
- Repercussão Temporária na Atividade Profissional (correspondendo ao período durante o qual a vítima, em virtude do processo evolutivo das lesões no sentido da cura ou da consolidação, viu condicionada a sua autonomia na realização dos atos inerentes à sua atividade profissional habitual). Considerou-se a:
Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total (correspondendo aos períodos de internamento e/ou de repouso absoluto, entre outros), que se terá situado entre 08/04/2017 e 11/06/2018, sendo assim fixável num período total de 430 dias.
- Quantum doloris (corresponde à valoração do sofrimento físico e psíquico vivenciado pela vítima durante o período de danos temporários, isto é, entre a data do evento e a cura ou consolidação das lesões); fixável no grau 4 numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta as lesões resultantes, o período de recuperação funcional, o tipo de traumatismo e os tratamentos efetuados.
4. No âmbito do período de danos permanentes são valorizáveis, entre os diversos parâmetros de dano, os seguintes:
Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica. Nesta conformidade, atendendo à avaliação baseada na Tabela Nacional de Incapacidades e considerando o valor global da perda funcional decorrente das sequelas e o facto destas não afetarem a examinada em termos de autonomia e independência, sendo causa de sofrimento físico e limitando-a em termos funcionais, atribui-se um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 5 pontos.
- Repercussão Permanente na Atividade Profissional (corresponde ao rebate das sequelas no exercício da atividade profissional habitual da vítima - atividade à data do evento, isto é, na sua vida laboral, para utilizar a expressão usada na Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio, 1 tratando-se do parâmetro de dano anteriormente designado por Rebate profissional). Neste caso, as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
Dano Estético Permanente (corresponde à repercussão das sequelas, numa perspetiva estática e dinâmica, envolvendo uma avaliação personalizada da afetação da imagem da vítima quer em relação a si próprio, quer perante os outros). É fixável no grau 3, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta os seguintes aspetos: a(s) cicatriz(es).
Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer (corresponde à impossibilidade estrita e específica para a vítima de se dedicar a certas atividades lúdicas, de lazer e de convívio social, que exercia de forma regular e que para ela representavam um amplo e manifesto espaço de realização e gratificação pessoal). É fixável no grau 3, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta os seguintes aspetos: o abandono da prática de caminhadas.
Tratamentos médicos futuros: neste caso a possibilidade de intervenção cirúrgica futura para extração de material de osteossíntese do joelho esquerdo.
A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 11/06/2018.
Período de Défice Funcional Temporário Total sendo assim fixável num período de 14 dias.
Período de Défice Funcional Temporário Parcial sendo assim fixável num período 416 dias.
Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total sendo assim fixável num período total de 430 dias.
Quantum Doloris fixável no grau 4/7.
Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 5 pontos.
As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
Dano Estético Permanente fixável no grau 3 /7.
Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 3 /7.
Tratamentos médicos futuros: possibilidade de ter de retirar material de osteossíntese do joelho esquerdo."
36. A grelha da sarjeta referida em 4 não estava fixada ao solo.
5.º
A ré I. & L. Supermercados Lda. defende que "da matéria de facto dada como provada na sentença não resulta qualquer facto que permita afirmar ou concluir a violação do (…) dever de vigilância por parte da ré ora alegante" (15) e que não agiu "ilicitamente e com culpa" (16);

Nesta parte o tribunal a quo considerou que:
"No âmbito da responsabilidade civil extracontratual, delitual ou por factos ilícitos dispõe o n.º 1 do art. 483.º do Código Civil que "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".
Nestes termos, a responsabilidade civil, geradora da obrigação de indemnizar assenta nos pressupostos que resultam da interpretação conjugada dos arts. 483.º, 562.º e 563.º do Cód. Civil, impondo, assim, a existência de um facto voluntário; que tal facto seja ilícito; que exista um nexo de imputação do facto ao lesante, indicador da existência e intensidade da culpa; que existam danos e que entre estes e o facto ilícito exista um nexo de causalidade.
O facto voluntário, entendido como algo controlável pela vontade, pode consistir numa ação que importe a violação do dever jurídico de não ingerência na esfera de ação do titular do direito, ou numa omissão quando exista o dever jurídico de praticar um ato que seguramente impediria a consumação do dano (art. 486.º do Cód. Civil).
Exige, ainda o art. 483.º do Cód. Civil que o facto ilícito seja caracterizado pela culpa do lesante, sendo que só pode dizer-se que alguém agiu com culpa quando é imputável e, em face das circunstâncias concretas do caso, podia e devia ter agido de outro modo. Este juízo de censura pode revestir as modalidades de dolo ou negligência, sendo que na sua modalidade de negligência existe culpa quando o agente atua sem o cuidado devido a que, segundo as circunstâncias do caso concreto, está obrigado a observar e é capaz de observar.
A culpa, face ao artigo 487.º, n.º 2 do Cód. Civil, é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias do caso concreto, sendo que, e em virtude de a mesma constituir um elemento constitutivo do direito à indemnização (art. 342.º, n.º 1 do Cód. Civil), cabe, ao lesado fazer prova da culpa do lesante, sem prejuízo das presunções que a lei estabeleça.
(…)
Ora, segundo as regras gerais, caberia à A. alegar e provar factos donde se extraísse a culpa dos réus, uma vez que esta é um dos elementos constitutivos do seu direito, nos termos conjugados dos arts. 342.º, n.º 1, e 487.º, n.º 1, ambos do Cód. Civil. No entanto, a parte final deste dispositivo ressalva os casos em que se verifica a existência de uma presunção legal de culpa.
Efetivamente, nesta situação concreta, a tarefa da A. é facilitada pelo disposto no art. 493.º, n.º 1, do Cód. Civil, que prevê precisamente uma presunção de culpa. Postula este normativo que "Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar (…) responde pelos danos que a coisa (…) causar, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou de que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua".
Provou-se que era a [ré I. & L. Supermercados Lda.] (…), ao abrigo do contrato de arrendamento e do contrato de cessão da exploração do supermercado quem tinha a obrigação de cuidar e zelar pelo espaço em causa. Ou seja, para além do supermercado propriamente dito, a [ré I. & L. Supermercados Lda.] (…) tinha ainda que cuidar do espaço exterior situado nas imediações desse supermercado, nomeadamente, do parque de estacionamento que serve os clientes desse estabelecimento.
Provou-se ainda que a sarjeta onde a autora caiu encontra-se dentro do terreno que a ré controla e zela. De resto, passam certamente por aquele parque milhares de pessoas [veja-se a dimensão do mesmo que resulta das fotografias juntas aos autos], entre as quais certamente pessoas com capacidade reduzida de mobilidade (crianças e idosos, além do mais), pelo que era à mesma que cabia zelar pelas condições do pavimento e acessos do mesmo, de forma a garantir a adequada circulação dos utentes do parque.
Nos termos conjugados dos arts. 350.º, n.º 1 e 493.º, n.º 1, ambos do Cód. Civil, a A. estava, pois, dispensada de provar a culpa da ré.
Esta, por sua vez, poderia ilidir a presunção resultante do acima transcrito art. 493.º, n.º 1 quer mediante prova em contrário (ou seja, provando que nenhuma culpa houve da sua parte) ou através da invocação da chamada "relevância negativa da causa virtual do dano" (provando que, ainda que não existisse culpa da sua parte, os danos se teriam igualmente produzido).
Como vemos, tal não sucedeu, pois que tendo alegado os cuidados com a manutenção e tendo lançado dúvidas sobre a não ocorrência da queda no interior do parque, não o logrou demonstrar.
Resultou outrossim demonstrado que na data do acidente, o buraco de escoamento de águas pluviais, (vulgo "esgoto" ou "sarjeta") encontrava-se sem a grelha de proteção colocada.
Assim, forçoso é concluir que a [ré I. & L. Supermercados Lda.] (…) atuou com culpa, ainda que presumida nos termos supra referidos, afirmando-se, sem necessidade de mais considerações, o nexo de imputação entre o agente e o facto lesivo."
Acompanha-se inteiramente esta fundamentação do tribunal a quo.
Os factos aqui sublinhados, vistos à luz do disposto nos artigos 350.º n.º 1 e 493.º n.º 1 do Código Civil, fazem com que a autora esteja dispensada de provar a culpa da ré I. & L. Supermercados Lda.. Era a esta que cabia ilidir a presunção de que neste campo aquela beneficia.
E daqui também resulta que, ao contrário do que esta ré nos diz na conclusão 26.ª, ela atuou "ilicitamente", pois omitiu a vigilância a que estava adstrita. "A norma do art. 493.º, n.º 1, do CC estabelece uma presunção de culpa que, em bom rigor, é, simultaneamente, uma presunção de ilicitude, de tal modo que, face à ocorrência de danos, se presume ter existido, por parte da pessoa que detém a coisa, incumprimento do dever de vigiar." (17)
E a circunstância de, no âmbito da reapreciação da decisão da matéria de facto, se ter julgado provado que a grelha da sarjeta não estava fixada ao solo em nada afeta o que se acaba de dizer. Com efeito, a mera suscetibilidade de desse modo ser mais fácil que alguém, de alguma forma, retire a grelha da sarjeta não isenta a ré I. & L. Supermercados Lda. do seu dever de vigilância. Apenas faz com que a observância desta obrigação possa implicar a adoção de uma postura diferente para reduzir, tanto quanto é possível, a concretização do risco (acrescido) que daí advém. Note-se que neste cenário a ré I. & L. Supermercados Lda., tendo a seu cargo esse espaço, naturalmente que sabia que a grelha padecia dessa vulnerabilidade, pelo que para si não há aqui qualquer surpresa. A vigilância que lhe competia levar a cabo tinha presente essa parte da realidade.
Portanto, a ré I. & L. Supermercados Lda. agiu ilícita e culposamente.
6.º
Finalmente a ré I. & L. Supermercados Lda. sustenta que "errou o Meritíssimo juiz "a quo" quando na sentença conclui que a terceira ré ora apelante não ilidiu a presunção que sobre ela impedia, resultante e constante do n.º 1 do artigo 493.º do Código Civil, imputando-lhe a responsabilidade pela produção dos danos sofridos pele autora" (18).
Se bem se interpreta o raciocínio da ré I. & L. Supermercados Lda., esta sua afirmação pressupõe que se tivesse operado a modificação na matéria de facto que pretendia, pelo menos quanto aos factos b), c) e d) mencionados na conclusão 3.ª. Todavia, isso não aconteceu.
À luz dos factos provados, pelo que acima já se disse, não se pode concluir que foi ilidida a presunção de culpa que figura no n.º 1 do artigo 493.º do Código Civil.
III
Com fundamento no atrás exposto julga-se improcedente o recurso, pelo que se mantém a decisão recorrida.

Custas pela ré I. & L. Supermercados Lda..
27 de janeiro de 2022

António Beça Pereira
Ana Cristina Duarte
Alexandra Rolim Mendes


1. São deste código todos os artigos adiante mencionados sem qualquer outra referência.
2. Cfr. conclusão 21.ª.
3. Cfr. conclusão 26.ª.
4. Cfr. conclusão 32.ª.
5. Cfr. conclusão 3.ª.
6. É administradora da ré R. R. Imobiliária S.A..
7. É diretor comercial na ré R. R. Imobiliária S.A..
8. Exerce as funções de secretária na ré I. & L. Supermercados Lda..
9. É chefe de loja na ré I. & L. Supermercados Lda..
10. Trabalha para a ré I. & L. Supermercados Lda. na limpeza.
11. Trabalha na caixa do supermercado da ré I. & L. Supermercados Lda..
12. Cfr. artigo 511.º n.º 1 do anterior CPC. Não obstante no n.º 1 do atual artigo 596.º se dizer apenas que o juiz profere despacho "a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova", a verdade é que "o equilíbrio entre o dever de condensação e a proibição de antecipar a decisão final, impõe, necessariamente, que a identificação do objeto do litígio seja feita segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, 2014, pág. 374.
13. Neste sentido veja-se os Ac. STJ de 19-5-2021 no Proc. 1429/18.3T8VLG.P1.S1, Ac. STJ de 17-5-2017 no Proc. 4111/13.4TBBRG.G1.S1, Ac. Rel. Coimbra de 6-3-2012 no Proc. 2372/10.0TJCBR.C1 e de 24-4-2012 no Proc. 219/10.6T2VGS.C1, Ac. Rel. Lisboa de 14-3-2013 no Proc. 933/11.9TVLSB-A.L1-2, Ac. Rel. Porto de 17-3-2014 no Proc. 7037/11.2TBMTS-A.P1 e Ac. Rel. Guimarães 15-9-2014 no Proc. 2183/12.8TBGMR.G1, www.gde.mj.pt.
14. Conforme o primeiro destes princípios o processo deve ser "organizado em termos de se chegar rapidamente à sua natural conclusão" e o segundo determina que "deve procurar-se o máximo resultado processual com o mínimo emprego de atividade; o máximo rendimento com o mínimo custo", Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 387 e 388.
15. Cfr. conclusão 21.ª.
16. Cfr. conclusão 26.ª.
17. Ac. STJ de 10-12-2013 no Proc. 68/10.1TBFAG.C1.S1, www.gde.mj.pt.
18. Cfr. conclusão 32.ª.