Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2224/17.2T8GMR.G1
Relator: ANIZABEL SOUSA PEREIRA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA ANULADA
DECISÃO DEFINITIVA
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/15/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO DOS EXEQUENTES IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Se tiver sido instaurada execução na pendência de um recurso com efeito meramente devolutivo, essa execução, por natureza provisória, sofrerá as consequências da decisão que a causa venha a ter nas instâncias superiores.
II- A decisão definitiva a que se refere o artigo 704.º, n.º 2, do CPC é aquela que conheça do recurso interposto da sentença dada à execução como título executivo, e que não seja já suscetível de recurso ordinário ou de reclamação – cfr. artigo 628.º do CPC.
III- As decisões intermédias aludidas no mesmo preceito legal são aquelas que, tendo recaído sobre o recurso interposto da decisão dada à execução, foram elas próprias objeto de recurso, ou seja, são as decisões que não são definitivas, decisões que não transitaram em julgado.
IV- A execução prosseguirá na parte alterada se a sentença, parcialmente revogada, mantiver um qualquer segmento condenatório, e extinguir-se-á não só quando a sentença exequenda haja sido totalmente revogada, mas também no caso de ter sido anulada por ter ocorrido anulação de atos anteriores e ordenada a prática dos atos subsequentes, entre os quais se evidencia o da prolação de nova sentença de mérito em conformidade, pelo que nesse caso é manifesto que deixou de subsistir o título executivo que suportava a execução, intentada ao abrigo do disposto nos artigos 676º, nº 1, 649º, nº 1 e 704º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
*
I- Relatório:

Os exequentes AA e BB instauraram a presente execução para pagamento de quantia certa contra a executada EMP01..., S.A,.

Ofereceram como título executivo a sentença condenatória, que ainda não tinha transitado em julgado e proferida no âmbito do Incidente de Liquidação da Sentença proferida, que correu termos na Comarca ... – Inst. Central ..., ... Secção Cível – J..., sob o processo n.º 1148/04...., tendo visto os Exequentes ser julgado parcialmente procedente o pedido de liquidação da indemnização pela Executada, por sentença com data de 3-2-2017, tendo sido a Executada condenada a pagar aos Exequentes a quantia de € 283.824,93 (Duzentos e oitenta e três mil oitocentos e vinte e quatro euros e noventa e três cêntimos), acrescida de juros de mora, contados à taxa legal desde a citação até integral pagamento.
*
Por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 16 de novembro de 2017, transitado em julgado no dia 09-06-2023, foi decidido:

julgar procedente o recurso de apelação, interposto pelos Autores ( AA
e mulher, BB ) do despacho interlocutório proferido a fls. 215 dos autos
( anulando o prévio despacho de fls. 200 dos mesmos, que julgara validamente notificada à Ré
a petição inicial e, face à sua inércia, ordenara o cumprimento do art. 567º, nº 2 do C.P.C.) e,
consequência, em anular os subsequentes termos do processado, que deverá prosseguir com a
imediata prolação de sentença;
…declarar prejudicado o conhecimento do remanescente objeto do recurso de apelação do autor e r…»

Pela executada foi junta aos autos certidão, com nota de trânsito, dessa decisão do Tribunal da Relação que anulou a sentença dada à execução, requerendo a mesma, com fundamento nesse trânsito, a extinção da execução.—

Os exequentes pugnaram pelo indeferimento da pretensão, alegando que irá ser proferida nova sentença, a qual sempre condenará os executados no pagamento de quantia ainda que possa não ser a mesma aqui exequenda.

Nesta sequência foi proferida a seguinte decisão:
“ …
Segundo prescreve o art. 10º do Cód. Proc. Civil “5. Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva. 6. O fim da execução, para o efeito do processo aplicável, pode consistir no pagamento de quantia certa, na entrega de coisa certa ou na prestação de um facto, quer positivo, quer negativo”.-- 
No que respeita às sentenças, estatui o art. 704º, nº1, do Cód. Proc. Civil que são as mesmas título executivo apenas após o trânsito em julgado, “salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo.” - —
Vertendo ao caso que nos ocupa, a sentença dada à execução era exequível.—
Sucede, contudo, que, nos termos do Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da  Relação, a sentença em causa foi anulada, o que determina, nos termos previstos no art. 704º, nº 2, do Cód. Proc. Civil, a extinção da execução.—
Com efeito, não discordamos dos executados quando referem que não foi anulada a condenação dos executados. Porém, por ora, tal condenação é em quantia ilíquida, o que impede a sua exequibilidade – cfr. art. 704º, nº 6, do Cód. Proc. Civil.—
O que não podemos aceitar é que a nova sentença (já proferida mas não transitada) se insira no âmbito de previsão da norma vinda de citar – o art. 704º, nº 2, do Cód. Proc. Civil – pois que o que ali o legislador quis acautelar foi a revogação parcial da decisão (ou a sua modificação), mas nunca a sua anulação como aqui sucede.—
Assim, nos termos do disposto no art. 704º, nº 2, do Cód. Proc. Civil, decide-se:--
-  julgar extinta a execução;--
- determinar o imediato levantamento das penhoras e cancelamento dos eventuais registos que hajam sido efectuados das mesmas.—
Custas a cargo dos exequentes - art.   527º, nºs 1 e 2, do Cód. Proc. Civil – fixandose à causa o valor dado à execução.--- 
Registe e notifique, nomeadamente ao SE.”
*
Inconformados com esta decisão judicial, vieram os exequentes dela interpor recurso, e a terminar as respetivas alegações, formularam as seguintes conclusões (que se transcrevem):

1. 
A Decisão a quo não pode ser aceite, porquanto, esbarra com a axiologia e a teleológica imanente ao art. 704.º, n.º 2 do CPC.
 
Veja-se que, 
2. 
Os Exequentes, aqui Apelantes, intentaram contra a Executada EMP01..., S.A, em vinte e cinco de Novembro de dois mil e quatro, Ação Declaração de Condenação que correu termos na então ... Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial ..., sob o processo n.º ...4.... 
 
3. 
Após longos anos de demanda, os Apelantes viram a sua pretensão ser julgada procedente quanto ao pedido de condenação da aqui Executada EMP01..., S. A.  a indemnizar os Exequentes, a título de interesse contratual negativo, no pagamento:
I - Do valor despendido pelos Autores na realização das obras de alteração do centro comercial;
II - Das indemnizações cujo pagamento lhes advém na ausência de licenças de utilização  das fracções que deu de arrendamento (havendo já uma sua condenação, com trânsito em julgado na quantia de € 132.692,44, acrescida de juros).
 
4. 
Concretamente, foi a referida demanda julgada procedente quando ao pedido de condenação da ré a indemnizar os autores, com base em responsabilidade pré-contratual e, consequentemente, condenar a ré a pagar aos autores: 
a) a quantia que vier a apurar-se em incidente de liquidação;
b) juros de mora sobre esta quantia, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento vide doc. n.º ..., junto com o requerimentos dos apelados de 05.09.2023, com a ref.ª ...94.
 
5. 
Os Apelantes deduziram, a dezanove de Dezembro de dois mil e catorze, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 358.º e seguintes do Código do Processo Civil, Incidente de Liquidação da Sentença proferida, que correu termos na Comarca ... – Inst. Central ..., ... Secção Cível – J..., sob o processo n.º 1148/04...., no qual peticionaram fosse liquidado o seu crédito sobre a Executada na cifra de € 1.961.028,30 (um milhão, novecentos e sessenta e um mil, vinte
e oito euros e trinta cêntimos); vide doc. n.º ... junto com o requerimentos dos apelados de 05.09.2023, com a ref.ª ...94.
 
6. 
Na sequência do incidente de liquidação que correu seus termos sob processo n.º 1148/04...., por sentença proferida em 03 de Fevereiro de 2017, foi o pedido de incidente de liquidação julgado parcialmente procedente e, nessa sequência, foi a Executada condenada a pagar aos Exequentes a quantia de € 283.824,93 (Duzentos e oitenta e três mil oitocentos e vinte e quatro euros e noventa e três cêntimos), acrescida de juros de mora, contados à taxa legal desde a citação até integral pagamento.  Tudo como
melhor ressuma da sentença dada em execução nos presentes autos.
 
7. 
Não obstante a acima enunciada decisão judicial não ter, à data, ainda transitado em julgado, os Apelantes deram em execução, nos presentes autos, esta sentença, correndo assim os seus normais termos os presentes autos executivos, através dos quais, peticionam o pagamento da dita quantia de € 283.824,93 (Duzentos e oitenta e três mil oitocentos e vinte e quatro euros e noventa e três cêntimos), acrescido dos juros de mora calculados à taxa legal aplicável, no valor de € 139 284,17 (Cento e trinta e nove mil duzentos e oitenta e quatro euros e dezassete cêntimos).
 
8. 
E, ainda, a quantia € 174 105,21 (Cento e setenta e quatro mil cento e cinco euros e vinte e um cêntimos), a título de sanação pecuniária compulsória, em virtude da dívida ser proveniente de sentença judicial, nos termos do art. 829.º-A, n.º 4 do Código Civil.
 
9. 
Pelo que, a quantia exequenda peticionada nos presentes autos perfaz a quantia de € 597.214,31 (Quinhentos e noventa e sete mil duzentos e catorze euros e trinta e um cêntimos). Vide requerimento inicial, para o qual se remete, mas aqui e agora se dá por integralmente reproduzido.
 
10. 
Entrementes, no decurso do Apenso dos Embargos do Executado/Oposição à Penhora, que correu seus termos sob apenso A do processo n.º 2224/17...., foi proferido douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 10.07.2018, já transitado em julgado, que reduziu a quantia exequenda liquidada para a cifra de € 423.109,10 (quatrocentos e vinte e três mil, cento e nove euros e dez cêntimos); Tudo como
melhor ressuma do referido Acórdão, para o qual se remete, mas aqui e agora se dá por integralmente reproduzido. 
11. 
Através do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17 de Novembro de 2017, foi decidido julgar…procedente o recurso de apelação interposto pelos Autores (AA e  mulher, BB) do despacho interlocutório proferido a fls. 215 dos autos (anulando o prévio despacho de fls. 200 dos mesmos, que  julgara validamente notificada à Ré a petição inicial e, face à sua inércia, ordenara o cumprimento do art. 567º, n.º 2 do C.P.C.) e, em consequência, anular os subsequentes termos do processado, que deverá prosseguir com a imediata prolação de sentença;
vide certidão judicial junta, pela Apelada, no seu requerimento de 24.07.2023, com a ref.ª ...46.
 
12. 
Não obstante o determinado nesta decisão, certo é que a mesma mantém o segmento condenatório da aqui Apelada, não colocando em causa o direito dos Apelantes em serem indemnizados.
 
13. 
Todo o silogismo desenvolvido no dito Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, vai no sentido de reconhecer e declarar a confissão integral dos factos articulados no Incidente de Liquidação, mormente na quantificação concreta do seu direito de crédito dos Exequentes. 
 
14. 
Como tal, não podem subsistir quaisquer dúvidas de que, o referido Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, que incidiu sobre a sentença aqui dada em execução, manteve em toda a sua fundamentação o segmento condenatório da Apelada no Direito de Crédito/Indemnizatório devido aos Apelantes. 
 
15. 
Não modificou ou extinguiu o direito dos Apelantes em serem indemnizados, pelo contrário, ordenou que fossem anulados os subsequentes termos do processado ao despacho interlocutório proferido a fls. 215 dos autos (…), que deverá prosseguir com a imediata prolação de sentença 
 
16. 
Daí que, em obediência ao determinado pelo Acórdão do  Tribunal da Relação de  Guimarães, no decurso do processo n.º 1148/04...., foi já proferido a 27.08.2023, sentença, com a Ref.ª ...57, que Julgo(u) procedente o presente incidente, liquidando a indemnização cujo montante se relegou para incidente de liquidação de sentença na quantia de € 1.398.545,00 (um milhão, trezentos e noventa e oito mil, quinhentos e quarenta e cinco euros), acrescida de juros de mora, contados à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento. vide doc. n.º ..., junto com o requerimentos dos apelados de 05.09.2023, com a ref.ª ...94.
 
17. 
Em todas as suprarreferido decisões há uma linha condutora comum que visa única e exclusivamente determinar o quantitativo indemnizatório concreto devido aos Exequentes, aqui Apelantes.
 
18.  
O Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17 de Novembro de 2017, não modifica ou extingue o direito dos Apelantes em serem indemnizados, antes ordena sejam anulados os subsequentes termos do processado ao despacho interlocutório proferido a fls. 215 dos autos (…), que deverá prosseguir com a imediata prolação de sentença (atendendo à confissão dos factos alegados pelos Exequentes da PI do Incidente de Liquidação);
 
19. 
Esse direito (em serem indemnizados) está já reconhecido, assente, alicerçado e imutável por douta sentença transitada em julgado e, por conseguinte, na nossa ordem jurídica. 
 
 
20. 
 Partindo desta realidade jurídico-processual, não se pode aceitar a interpretação jurídica expressa pela decisão a quo ao disposto no n.º 2 do art. 704.º do CPC e, muito menos, se pode aceitar a extinção dos presentes autos executivos naqueles termos.
 
21. 
Não se olvide que, a Lei ao permitir a instauração de execução com base numa sentença condenatória pendente de recurso com efeito meramente devolutivo, abriu uma exceção ao princípio estruturante de que só as decisões transitadas em julgado poderem ser executadas.
 
22. 
O Legislador procurou, assim, estabelecer um equilíbrio entre estes dois vetores conflituantes, com o regime vertido no citado art. 704º.
 
23. 
Uma vez aberta legalmente a possibilidade de dar à execução uma sentença ainda não transitada em julgado, era essencial criar um regime jurídico coerente para o acompanhamento das vicissitudes que advenham à sentença exequenda até ao seu definitivo trânsito em julgado.
 
24. 
E, foi precisamente isso o que o legislador procurou fazer no nº 2 do citado art. 704º, nomeadamente estabelecendo as cautelas enunciadas nos nºs 3, 4 e 5, ao consagra, v.g., que enquanto a sentença estiver pendente de recurso, não pode o exequente ou qualquer credor ser pago sem prestar caução.
 
25. 
A regra é, então, esta: a execução iniciada na pendência de recurso extingue-se ou modifica-se em conformidade com a decisão definitiva comprovada por certidão.
 
26. 
Acontece que, uma correta interpretação desta norma, à luz dos valores e finalidades previstas pela norma e, pelos princípios orientadores do nosso ordenamento jurídico, tem de partir da distinção entre decisões dos Tribunais superiores que decidem  do mérito definitivo da causa, seja confirmando a sentença recorrida, seja absolvendo o réu do pedido, seja condenando em valores diversos,
 
27. 
E as decisões que não decidem do mérito, antes anulem a sentença recorrida, determinando a repetição (total ou parcial) do julgamento ou determinam a realização de qualquer diligência ou produção de meio de prova.
 
28. 
Assim, se estivermos perante uma decisão que se pronuncie sobre o mérito da causa (a título de exemplo, que não reconheça a existência do direito substantivo invocado), que seja definitiva, ou seja, que tenha transitado em julgado, dúvidas não há de ter-se-á de verificar a extinção da execução. 
 
29. 
Se, pelo contrário, estivermos perante uma decisão proferida em recurso que se limite a anular a decisão recorrida, no todo ou em parte, mandando, por exemplo, reabrir a audiência (para produção de prova) ou proferir nova sentença, com vista à  quantificação do valor indemnizatório, como sucede in casu, isso significa que o sistema jurídico/judicial, visto na sua globalidade, ainda não emitiu uma decisão definitiva sobre aquele litígio, 
 
30. 
Porquanto, o acórdão do Tribunal Superior pode até ter transitado em julgado, e pode até ser definitivo, mas a solução que as partes pretendem obter, definitiva e estável, ainda não foi emitida; 
 
31. 
Por outras palavras, o processo ainda não terminou, visto que, será elaborada nova sentença (como sucedeu in casu), da qual será possível recorrer, nos termos gerais (o que a Apelado já fez), e o Tribunal superior poderá então vir a emitir uma outra decisão, que desta vez conheça do mérito do caso, e então, e só então, é que, com o seu trânsito em  julgado, as partes terão alcançado a decisão definitiva.
 
32. 
Assim, dúvidas não podem subsistir de que, a melhor interpretação do art. 704.º, n.º 2 do CPC, vai no sentido de se considerar que a decisão não é definitiva enquanto não conhecer do mérito da causa, com trânsito em julgado, ou, então, enquanto não puser fim ao processo por decisão de mera forma (vg, julgando procedente uma excepção dilatória).
 
33. 
Neste contexto, a decisão que não conheça do mérito, mas que, a título exemplificativo mande reabrir a audiência para produção de mais meios de prova ou, como sucede in casu, julgue procedente o recurso de apelação interposto pelos Autores do despacho interlocutório proferido a fls. 215 dos autos (…) e, em consequência, anular os subsequentes termos do processado, que deverá prosseguir com a imediata prolação de sentença, por definição nunca pode ser definitiva, porque o processo vai continuar pendente, e vai ser proferida novamente sentença. 
 
34. 
E é esse justamente o caso dos presentes autos, na medida em que, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que anulou a sentença dada à execução transitou em julgado, transitou em julgado, sem dúvida, mas o litígio, melhor dizendo, o concreto quantitativo que a Apelada tem de ser condenada a pagar aos Apelantes continuava por quantificar, só o sendo, com a sentença agora proferida a 27.08.2023, mas que ainda não transitou em julgado.
 
35. 
Assim, numa situação em que a sentença exequenda foi anulada, e determinada a reabertura da audiência de julgamento ou, como sucede in casu, determinando a prolação de sentença declarando o quantitativo pecuniário liquidado pelos Apelantes no Incidente de Liquidação, não por haver dúvidas sobre a existência do crédito em si, mas apenas sobre o seu montante, dúvidas não subsistem de que, aquilo que o Legislador pretendeu e consagrou no nº 2 do art. 704.º do CPC foi assim a modificação da execução e o posterior prosseguimento da mesma com a decisão definitiva, assim se evitando a destruição de  todo o trabalho realizado e assim se respeitando o Princípio do Aproveitamento dos Actos Processuais.
 
36. 
Aliás, é essa a interpretação que deve ser dada ao n.º 2 do art. 704.º do CPC, pois é apenas esse sentido interpretativo que se compagina com a possibilidade legalmente prevista de uma demanda executiva poder ser espoletada na pendência de um recurso. 
 
37. 
Caso contrário, estaria a Lei a permitir a prática de atos potencialmente inúteis,
 
38. 
O que, como se sabe, é proibido, nos termos do art. 130.º do CPC.   
 
39. 
Por outras palavras, a sistema jurídico no seu todo, jamais poderia aceitar, conceber ou permitir que, nas execuções iniciadas na pendência de recurso, toda a máquina judiciária estivesse a laborar, com a realização de citações, notificações, produção de prova, audiência de julgamento, penhoras e demais actos processuais, se não permitisse a manutenção e prosseguimento da demanda executiva nos termos sobreditos, 
 
40. 
Já que, se assim fosse, estaria a derramar por terra toda essa labuta, não obstante não haver decisão judicial superior que deixe de reconhecer o direito subjetivo invocado, em execução.
 
41. 
Ou seja, estaria a promover ele próprio a realização de atos potencialmente inúteis, o que a Lei proíbe.
 
 42. 
Mas mais, os Apelantes que, instauram ação declarativa primeiro e executiva depois, para cobrar o seu crédito, atuam legitimamente, e não devem suportar eles próprios os custos decorrentes de o sistema judicial ter tido necessidade de anular e repetir atos processuais.
 
43. 
Razão pela qual, este concreto litígio será dirimido com o prosseguimento da execução, atualizando/aumentando o montante da quantia exequenda para o valor constante da nova sentença, proferida em 27.08.2023, Ref.ª ...57, já junta aos autos.
 
44. 
 
Termos em que, em prol da Verdade, da Justiça e do Direito deve a decisão a quo ser revogada e substituída que ordene a manutenção e o prosseguimento dos presentes autos, mais se atualizando/modificando o valor da quantia exequenda peticionada nos presentes autos, em obediência à sentença proferida a 27/08/2023, com a Ref.ª ...57, prosseguindo-se os ulteriores tramites processuais, com todos os legais efeitos. 
 
45. 
Tanto mais que, as presentes alegações de recurso encontram conforto legal nos artigo 704.º do CPC e ainda em todas as demais disposições legais que V/Exas. considerem aplicáveis in casu..
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão essencial a decidir consiste em saber se a sentença dada à execução(provisória) e que tinha sido alvo de recurso com efeito devolutivo e após a prolação do acórdão do tribunal da relação de Guimarães e transitado em julgado constitui, atualmente, título executivo contra a ora recorrida, questão que passa por decidir saber se na sequência do acórdão do Tribunal da Relação, transitado em julgado, que anulou a sentença proferida em primeira instância por ter “ anulado os subsequentes termos do processado ao despacho interlocutório proferido a fls. 215 dos autos (…), que deverá prosseguir com a imediata prolação de sentença (atendendo à confissão dos factos alegados pelos Exequentes da PI do Incidente de Liquidação”), a execução provisória (da sentença) iniciada na pendência do recurso deve ser extinta ou, antes, suspensa, nos termos do disposto no art. 704º, n.º 2 do C.P.C.
Por sua vez, a resolução desta questão passa por saber e com referência ao nº2 do art. 704º do CPC, se a decisão é definitiva se toma conhecimento do mérito da causa, e intermédia se não decide do mérito da causa ( e antes anula a sentença recorrida, determinando a repetição (total ou parcial) do julgamento com prolação de nova sentença), como defendem os apelantes ou se a lei se refere a tais decisões ( intermédias e definitivas) apenas com referência às decisões proferidas pelos tribunais superiores que alterem a decisão recorrida “tout court”.
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III. Fundamentação de facto.

Releva o que se descreveu supra no relatório.
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IV. Fundamentação de direito.

Prima facie, importa relembrar, que o título executivo constitui um pressuposto processual específico da execução. É ele que determina o fim e os limites da ação executiva.
Na hipótese, precisamente, do que a lei designa no art. 703º, nº1,  al. a) do CPC de “sentença condenatória”, os seus contornos é que vão permitir circunscrever aqueles exatos limites, a consistência exata da obrigação exequenda.
Por outro lado, para que a sentença seja exequível é necessário que tenha transitado em julgado, isto é que seja insuscetível de recurso ordinário ou de reclamação ( art. 628º CPC), salvo de contra ela tiver sido interposto recurso com efeito meramente devolutivo ( art. 704º,nº1 CPC).
Assim, é possível executar a decisão recorrida na pendência de um recurso, desde que tenha efeito meramente devolutivo.
Nesse caso, se tiver sido instaurada execução na pendência de um recurso com efeito meramente devolutivo, essa execução, por natureza provisória, sofrerá as consequências da decisão que a causa venha a ter nas instâncias superiores.
Nos termos do disposto no artigo 704.º, n.º 2, do CPC, a execução iniciada na pendência de recurso extingue-se ou modifica-se em conformidade com a decisão definitiva comprovada por certidão; as decisões intermédias podem igualmente suspender ou modificar a execução, consoante o efeito atribuído ao recurso que contra elas se interpuser.
Se pelo tribunal de recurso vier a ser proferida decisão que, por sua vez, seja objeto de recurso para o tribunal superior, a execução:
- suspender-se-á, ou modificar-se-á, consoante a decisão da 2ª instância for total ou parcialmente revogatória da anterior, se ao novo recurso for também atribuído efeito meramente devolutivo;
- prosseguirá tal como foi instaurada e só poderá ser extinta ou modificada com a decisão definitiva, se, pelo contrário, for atribuído ao recurso efeito suspensivo, o qual se traduz em suspender as execução da decisão intermédia proferida ( art. 704º,nº2 2ª parte[1].
Assim, quando a causa vier a ser definitivamente julgada, a decisão proferida terá o efeito:
. de extinguir a execução, se for totalmente revogatória da decisão exequenda, absolvendo o réu ( executado);
- de a modificar, se apenas em parte revogar a decisão exequenda, mantendo uma condenação parcial do réu ( art. 704º,nº2 1ª parte[2]
Em suma: a decisão definitiva a que se refere o artigo 704.º, n.º 2, do CPC é aquela que conheça do recurso interposto da sentença dada à execução como título executivo, e que não seja já suscetível de recurso ordinário ou de reclamação – cfr. artigo 628.º do CPC; as decisões intermédias são aquelas que, tendo recaído sobre o recurso interposto da decisão dada à execução, foram elas próprias objeto de recurso – daí que o efeito das mesmas sobre a execução dependa do efeito atribuído ao recurso que contra elas tenha sido interposto; é por via do efeito que seja atribuído ao recurso contra elas interposto que a decisão intermédia poderá implicar na suspensão ou na modificação da execução; por conseguinte, para efeitos do preceito legal em análise, a decisão intermédia constitui decisão que não é definitiva, decisão que não transitou em julgado.[3][4]
Em anotação ao art. 704º do CPC, Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo[5] dizem que, “(…) de acordo com o n.º 2, a execução (provisória) modifica-se ou extingue-se em conformidade com o teor da decisão final proferida em sede de recurso. Neste contexto, a execução prosseguirá na parte alterada se a sentença, parcialmente revogada, mantiver um qualquer segmento condenatório, e extinguir-se-á, não só quando a sentença exequenda haja sido totalmente revogada, mas também no caso de ter sido anulada, ainda que para a realização de novo julgamento, designadamente para ampliação da matéria de facto. Extinta a execução, deverá ser determinado o levantamento de todas as penhoras efectuadas, ficando sem efeito as vendas realizadas, nos termos do artigo 839.º, n.º 1, alínea b), restituindo-se ao executado a totalidade dos bens apreendidos, sem qualquer custo para o mesmo”.
Esta posição merece-nos inteira adesão, dado fazer uma abordagem que reputamos como adequada do regime especial estabelecido no art. 704º, n.º 2 do CPC respeitante às decisões exequendas não transitadas em julgado.
Pelo exposto, pois, não nos merece acolhimento a alegação dos Recorrentes no sentido de que a decisão é definitiva se toma conhecimento do mérito da causa, e intermédia se não decide do mérito da causa.
Salvo o devido respeito, cremos que não há que trazer à colação a figura da decisão intermédia, tal como ocorreu no AC da RL de 5-06-2008 ( relatora Maria do Rosário barbosa) e no voto vencido constante do AC da RG de 30.05.2019 e já citado, tese que os recorrentes entendem aplicar no caso vertente fazendo uma interpretação do art. 704º nº2 do CPC que entendemos não ser a mais adequada ao regime previsto naquela disposição legal.
Com efeito, no caso sub judicio, a sentença que foi dada à execução como título executivo foi anulada por acórdão do TRE, acórdão esse transitado em julgado.
Trata-se, assim, de uma decisão definitiva.
Atento o respetivo teor (recorde-se que anulou a sentença da 1.ª Instância por terem sido anulados atos anteriores e determinou que o tribunal a quo proferisse nova decisão agora com nova realidade factual assumida-confissão dos factos alegados e consequente prolação de nova sentença), é manifesto que, ao abrigo do disposto no artigo 704.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC, implica na extinção da execução: a sentença que constituía título executivo não subsiste em qualquer um dos respetivos segmentos.
Pelo exposto e ao contrário do que sustentam os apelantes não corresponde à realidade a afirmação de que parte da decisão recorrida ainda subsiste e pode, por isso, ser executada (provisoriamente), porquanto apenas falta fixar o quantitativo do valor indemnizatório.
Mas não é esse precisamente o objeto do processo de incidente de liquidação em causa?
É incontornável que o sentido do acórdão do Tribunal da Relação em referência, obrigando a ter em conta realidade factual que anteriormente não teve, implicará a prolação pelo tribunal de 1ª instância de uma nova sentença, cujo conteúdo, por absolutamente imprevisível, naturalmente se desconhece, aquando da baixa e remessa do processo com a decisão definitiva pelo tribunal superior.
Há assim, notoriamente, necessidade de reponderação da fundamentação do decidido e de refazer a parte dispositiva da decisão de primeira instância – a qual já não existe na sua totalidade -, o que faz toda a diferença relativamente aos direitos que poderiam ser efetivados, ainda que provisoriamente, em sede executiva.
No caso vertente, os exequentes pretendiam que prosseguisse a execução com uma nova sentença e que insolitamente ainda nem sequer está transitada, pelo que continuávamos com uma execução provisória, com outro título, outra sentença.
Não foi este o espírito do legislador, nem é essa a teleologia imanente àquele preceito legal, como vimos.
Por outro lado, não faz qualquer sentido fazer apelo à proibição da prática de atos inúteis, procurando na prática suprir o documento essencial que suportava o pedido exequendo: o título executivo sentença judicial, não transitada em julgado, que foi totalmente invalidado, nos seus fundamentos e em toda a sua parte dispositiva, por decisão do Tribunal  Superior (transitada em julgado) e que assim, nesta ocasião, não existe em termos jurídicos.
E não se diga, conforme sustentam os apelantes, que “ instauraram ação declarativa primeiro e executiva depois, para cobrar o seu crédito, atuam legitimamente, e não devem suportar eles próprios os custos decorrentes de o sistema judicial ter tido necessidade de anular e repetir atos processuais.”.
Na verdade, a presente execução foi deduzida com base numa sentença pendente de recurso e com efeito meramente devolutivo, entretanto definitivamente anulada, pelo que os exequentes deixaram de deter título executivo para alicerçar a pendência dessa execução, ainda que suspensa, com os efeitos pretendidos, nomeadamente a manutenção das penhoras já decretadas e das taxas e encargos já pagos. Ao optar por instaurar de imediato a execução e revestindo esta natureza provisória, os autores/exequentes terão de arcar com as consequências derivadas da inutilização do processo executivo decorrentes da anulação da sentença condenatória.
Já assim preconizava o Prof. A. Reis quando dizia que se “o credor promove a execução com base numa sentença pendente de recurso com efeito meramente devolutivo corre o risco de ver inutilizado o processo executivo e de ter, consequentemente, de pagar as custas deste processo e restituir o que já tenha recebido, se o recurso tiver provimento.
É de toda a evidência que não pode subsistir uma execução baseada numa sentença que posteriormente é revogada ou anulada. Nesta hipótese, o título executivo cai e com ele tem de cair a execução que no título se apoiava”[6]
Por tudo o exposto, não nos revemos na tese dos apelantes e que tem suporte na jurisprudência supra citada ( Ac. da RL de 05-06-2008 e voto vencido do AC. da RG de 30-05-2019), a qual tem necessariamente que recorrer à figura da decisão intermédia para ancorar a solução por si preconizada e, como já tivemos oportunidade de assinalar, no caso em discussão nestes autos julgamos estar antes em causa uma decisão definitiva, e não uma decisão intermédia.
Em resumo: considerando a decisão anulatória (total), transitada em julgado, que foi proferida por este Tribunal da Relação sobre o único segmento condenatório da sentença que serviu de título executivo, tal determina a extinção total da execução provisória, em conformidade com a 1ª parte do n.º 2 do art. 704º do CPC.
A decisão recorrida merece, assim, plena confirmação, improcedendo as conclusões da apelante.
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As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade dos recorrentes, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).
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V- DECISÃO:

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente a presente apelação, confirmando na íntegra a douta sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
Guimarães, 15-02-2024

Anizabel Sousa Pereira
Paula Ribas e
José Flores



[1] In Lebre de Freitas, Ação Executiva à luz do CPC de 2013”, 7ª ed, p. 53.
[2] In ob cit, p. 52
[3] Vide neste sentido, Ac. TRG de 03/05/2018 (Pedro Damião e Cunha); os acórdãos da Relação de Guimarães de 10 de Maio de 2018 e de 30 de Maio de 2019 (relator Alcides Rodrigues, em ambas as decisões); Ac. da RL de 22-10-219 ( relator Luís Espírito Santo); AC RE de 24-03-2022 ( relatora: Isabel Imaginário).
[4] Lopes do Rego dá-nos o seguinte exemplo da situação prevista no antigo nº2 do art. 47º ( atual 704º do CPC): “ da sentença exequenda foi interposta apelação com efeito só devolutivo. A Relação revogou ou alterou essa sentença mas foi interposto novo recurso para o Supremo. A decisão da Relação não foi, portanto, definitiva. Ora bem. Se o recurso para o Supremo não tiver efeito suspensivo, a execução poderá suspender-se ou modificar-se em harmonia com o acórdão da Relação até que o Supremo decida em definitivo”- CPC Anotado, 1962, nota ao artigo.
[5] A Acção Executiva Anotada e Comentada, Almedina, 2015, p.169.
[6] Processo de Execução, Vol. 1º, 3ª ed. Reimpressão, Coimbra Editora, 1985, p. 130.