Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2305/17.2T8VNF-A.G1
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: ERRO NO MEIO PROCESSUAL
CONVOLAÇÃO OFICIOSA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

1- Ocorrendo erro no meio processual utilizado pela parte impõe-se a convolação, oficiosa, para os termos processuais adequados - cf. nº3, do art. 193º, do CPC.

2- Tal convolação, com os limites naturais - pois que não pode operar caso existam obstáculos intransponíveis, como é o caso de ter já decorrido o prazo previsto para o ato convolado -, visa evitar que, por meras razões de índole formal, deixe de ser apreciada uma pretensão deduzida em juízo, em prejuízo da justa composição dos litígios.

3- Arguida na oposição à execução por embargos de executado a nulidade da citação efetuada na execução, o tribunal, oficiosamente, convola os embargos de executado em reclamação de nulidade (a tramitar na execução, onde foi praticado o ato), meio processual próprio.

4- E cabe ao Tribunal a quo apreciar e decidir a reclamação, fazendo as adequações formais que repute necessárias, nunca podendo, contudo, julgar “por erro no meio processual adequado, sem efeito o pedido de declaração de nulidade da citação para a execução”, não constituindo razões meramente formais limites naturais intransponíveis;

5- Arguida a nulidade da citação num verdadeiro e próprio articulado de oposição à execução, por embargos de executado, com invocação de fundamentos para tal, a arguição da nulidade não pode ser apagada e esquecida, a pretexto da existência destes, sempre tendo de ser apreciada, para o que, na parte respetiva e na medida do necessário à correção do erro no meio processual empregue, se opera a referida convolação;

6- Não se revelaria legítimo nem equitativo deixar de apreciar a reclamação, sempre podendo o Tribunal ultrapassar entraves formais e, para a tramitar, efetuar as necessárias adequações formais (como seja ordenar a extração de cópias do articulado em causa para serem juntas à execução e aí ser, tão só, apreciada a reclamação da nulidade da citação).
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães (1)

I. RELATÓRIO

Apelante: Clara (…)
Apelada: (…), S.A.

A executada Clara (…) veio, por apenso à execução para pagamento de quantia certa, em que é exequente (…) S.A., e são executados a embargante e outro, deduzir embargos de executado, invocando:

- A nulidade da citação para a execução, uma vez que o contrato de cessão de créditos que lhe foi remetido com a citação tinha uma parte substancial de páginas com o conteúdo cortado;
- A ilegitimidade ativa da exequente, uma vez que dos documentos enviados à executada não resulta comprovada a cessão de qualquer crédito;
- A prescrição do crédito exequendo, uma vez que, apesar de a data de vencimento da livrança ser de 2017, o incumprimento da relação contratual subjacente ocorreu há mais de três anos;
- O preenchimento da data de vencimento da livrança para além do limite temporalmente admissível consubstancia preenchimento abusivo;
- Abuso de direito por parte do credor, por ter preenchido a livrança passados mais de seis anos da sua emissão, o que é contrário aos limites da boa-fé;
- O preenchimento abusivo da livrança por o credor não ter comunicado à executada todas as cláusulas do contrato subjacente à livrança a que a executada se limitou a aderir;
- Não se encontrando junto aos autos o contrato subjacente à emissão da livrança e não tendo o mesmo sido entregue à executada, a nulidade, caso se trate de um contrato de crédito ao consumo.
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A exequente/embargada contestou, impugnando os factos alegados pela embargante, designadamente os referentes à nulidade da citação, por o contrato de cessão de créditos remetido à executada com a citação ter páginas com o conteúdo cortado.
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Foi realizada audiência prévia, onde foi suscitada pela embargante a questão da inexistência de endosso da livrança, mas mera cessão de créditos.
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Foi proferido saneador-sentença, com a seguinte parte dispositiva:

Nestes termos, vistos os princípios expostos e as indicadas normas jurídicas:

a) Julgo, por erro no meio processual adequado, sem efeito o pedido de declaração de nulidade da citação para a execução;
b) Julgo os presentes embargos de executado totalmente improcedentes.
Custas pela embargante”.
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A Embargante apresentou recurso de apelação pugnando pela revogação da decisão recorrida e por que a mesma seja declarada nula ou os embargos procedentes.

Formula, para tanto, as seguintes CONCLUSÕES:

I - Por um lado, a sentença consagra “o estado do processo permite, sem necessidade de mais provas ou exercício do contraditório, a apreciação total do mérito dos presentes embargos”, por outro lado no ponto II, relativo à fundamentação (especificamente no ponto “Dos factos e do Direito”) consagra o Meritíssimo Juiz a quo relativamente a várias matérias a necessidade de prova que considera impender sobre a embargante/recorrente;
II - Não é de admitir que não haja necessidade de produção de prova em audiência de julgamento e ao mesmo tempo se considere que sobre a embargante/recorrente impendia o ónus de provar determinados factos, nomeadamente, sem sede de audiência de julgamento através de prova testemunhal; sendo, por isso, manifesta a violação dos artºs 591º e 596º do C.P.C.
III - Na decisão sobre a matéria de facto tinha o Tribunal a quo de estabelecer esse facto como assente para extrair as conclusões que acabou por proclamar, não podendo ser suficiente que refira, apenas, que «por acordo escrito intitulado “Contrato de Cessão de Carteira de Créditos não garantidos”, datado de 11.12.2015, o Banco ..., S. A., na qualidade de cedente, e a A. G. Limited na qualidade de cessionária, declararam o que consta desse acordo junto a fls. 4 a 25 dos autos executivos e cujo teor aqui se dá por reproduzido», para depois poder concluir nos termos em que o fez ao nível do Direito.
IV - Em nenhum dos pontos relativos aos factos dados por assentes consta que a exequente é titular de qualquer crédito sobre a executada/recorrente e que resulte de documento de que esta tivesse sido notificada nos presentes autos; salvo o devido respeito, tal facto não pode ser “criado” no momento da aplicação do Direito, quando não consta dos factos dados como assentes.
V - Pelo que, a sentença deve ser considerada nula, nos termos e para os efeitos do art.º 615º, n.º 1, al. c) do C.P.C.
VI - O Tribunal a quo não se pronunciou sobre a questão suscitada pela executada/recorrente quanto à nulidade da citação por falta de envio dos hipotéticos documentos onde constariam as cessões de crédito; a executada/recorrente tinha de ser notificada desses documentos e não o foi (!)
VII - O tribunal pronuncia-se sobre uma questão diferente e que está prevista no art.º 851º do C.P.C, isto é, ter a execução corrido à revelia da executada.
VIII - O que a executada/recorrente alegou (e juntou documentos que o comprovam) foi que, estabelecendo o art.º 219º, n.º 3 do C.P.C. que a citação é “sempre acompanhada[ ] de todos os elementos e de cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objeto” e não lhe tendo sido enviados todos os documentos juntos pela exequente com o seu requerimento executivo, não foram, na realização da citação, “observadas as formalidades prescritas na lei” (art.º 191º, n.º 1 do C.P.C.);
IX - E, assim sendo “o juiz deix[ou] de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar [e] conhe[ceu] de questões de que não podia tomar conhecimento”, nos termos e para os efeitos do art.º 615º, n.º 1, al. d) do C.P.C., sendo a respetiva sentença nula;
X - Não podia o Tribunal a quo ter dado como assentes os factos constantes do ponto II da sentença, especificamente os pontos 1. a 5. “Dos factos Relevantes”, sem observância do princípio do contraditório;
XI - Na ata da audiência prévia a executada/recorrente manifestou “Sem prescindir quanto à falta de entrega dos documentos na sua globalidade juntos com o requerimento executivo” e, por isso, violou o Tribunal a quo o referido princípio, assim como o art.º 373º do Código Civil, porque não foi dada a oportunidade da executada se pronunciar sobre os mesmos (que nuna lhe foram entregues na integra);
XII - O Tribunal a quo não deu por assente um facto essencial que consta da livrança junta aos autos, ou seja, que da mesma consta a menção “não à ordem”, quando o deveria ter dado porque resulta da livrança (único documento de que a executada/recorrente teve integral conhecimento por via da citação);
XIII - O Tribunal omite esse facto, fazendo constar apenas que “Para caução…Mutuário(S) subscreve(m) uma livrança em brancoa qual desde já autorizam o preenchimento pelo Banco pelo valor que estiver em dívida à data do seu preenchimento...” (ponto 4.c. “Dos factos relevantes”);
XIV - Pelo que, a própria livrança impunha uma decisão diferente quanto à matéria de facto, nos termos e para os efeitos do art.º 640º, n.º 1, al. b) do C.P.C., tendo, em consequência, ficado inquinada toda a fundamentação explanada ao nível do Direito constante da sentença;
XV - O Tribunal a quo deveria ter dado como assente que o “Acordo de Regularização de Responsabilidades” (referido no ponto 4. “Dos Factos Relevantes” da sentença) consagra o seguinte na sua cláusula 12ª, n.º 2:

1. “Para caução do integral pagamento de todas as responsabilidades emergentes do presente acordo, designadamente reembolso de capital, pagamento de juros e outros encargos a liquidar nos termos deste contrato, MUTUÁRIO(S) subscreve(m) uma livrança em branco contendo a expressão “não à ordem”, a qual desde já autorizam o preenchimento pelo BANCO pelo valor que estiver em dívida à data do seu preenchimento e a sua imediata apresentação a pagamento, se na data de vencimento de qualquer das prestações convencionadas, as mesmas não forem integralmente pagas.”
XVI - Assim o impunha o referido documento, nos termos e para os efeitos do art.º 640º, n.º 1, al. b) do C.P.C.; e, com base nestes factos, toda a decisão teria de seguir um iter diferente;
XVII - Quanto à nulidade da citação, a executada/recorrente utilizou o meio processual adequado ao alegar “quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração”, nos termos e para os efeitos do art.º 731º do C.P.C.; no caso não poderia ter sido aplicado o art.º 851º do C.P.C. porque a execução não correu à revelia;
XVIII - Em vez do art.º 851º do C.PC., o Tribunal a quo deveria ter aplicado o art.º 219º, n.º 3 do C.P.C. o qual estabelece que a citação é “sempre acompanhada[ ] de todos os elementos e de cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objeto” e, não tendo sido enviados à executada/recorrente todos os documentos juntos pela exequente com o seu requerimento executivo, não foram, na realização da citação , “observadas as formalidades prescritas na lei” (art.º 191º, n.º 1 do C.P.C.);
XIX - Nos termos e para os efeitos do art.º 639º, n.º 2, al. c) do C.P.C., o Tribunal a quo errou na determinação da norma aplicável; se aplicasse os referidos art.ºs 731º, 219º, n.º 3 e 191º, n.º 1 do C.P.C. teria, necessariamente, de considerar nula a citação e repeti-la.
XX - Não está demonstrada nos autos uma série ininterrupta de cessões de crédito que pudesse levar o tribunal a considerar que a exequente sucedeu ao hipotético credor originário (o Banco) porque o que consta dos autos (e não foi notificado à executada) é uma grelha que poderia ter sido elaborada em um qualquer programa de excel pelo punho da exequente, apenas e só com o fito de intentar a presente ação executiva; tal documento não está assinado nem pelo Banco ..., nem pela A. G. (hipotéticos cedentes);
XXI - Inexistindo prova nos autos sobre tais factos e não constando os mesmos dos factos dados como assentes, deveria ter sido declarada a ilegitimidade ativa da exequente nos termos e para os efeitos do art.º 54º, n.º 1 do C.P.C;
XXII - O que a executada/recorrente disse na audiência prévia foi que a cessão de créditos não lhe foi notificada, nem foi pela mesma aceite (conforme art.º 583º do CC);
XXIII - O que a executada/recorrente alegou e suscitou perante o Tribunal a quo foi que tratando-se de livrança em banco e “não à ordem” deixou de constituir garantia suscetível de valer com a literalidade que lhe é habitualmente reconhecida;
XXIV - Para que do pacto de preenchimento faça parte a exequente era necessário que houvesse cessão da posição contratual, não sendo suficiente a existência de cessão de crédito (diga-se: não notificada nem aceite pela executada/recorrente); sem cessão da posição contratual a exequente não é parte no pacto de preenchimento que consta dos autos, facto que tinha de ser dado como assente face à inexistência de prova dessa cessão de posição;
XXV - Pelo que, nos presentes autos foi, erradamente, aplicada a norma do art.º 582º do CC;
XXVI - A exequente ao preencher o campo “data de vencimento” da livrança mais de três anos após o incumprimento do contrato celebrado, no ano de 2011, entre executada/recorrente e o Banco cometeu, atento o facto de não ser parte no pacto de preenchimento, “uma falta grave”, nos termos e para os efeitos da parte final do art.º 10º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, norma que o Tribunal a quo deveria ter aplicado em vez do referido art.º 582º do CC;
XXVII - Tendo a executada/recorrente alegado a prescrição, incumbia à exequente alegar e provar os factos suscetíveis de se verificar a sua suspensão ou interrupção (art.º 342º, n.º 2 do CC);
XXVIII - Incumbindo à exequente a prova de que o prazo de prescrição não havia decorrido e não resultando dos factos dados como assentes a data de incumprimento do contrato/resolução do contrato fundamental ou a data de encerramento da conta corrente com apuramento do saldo devedor, deveria a exceção de prescrição invocada ter sido declarada procedente7.
XXIX - O Tribunal a quo procedeu a uma incorreta aplicação das normas constantes dos art.ºs 70º e 10º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças; não tendo sido apresentada a letra a pagamento a exequente agiu com manifesta má fé ao preencher a livrança (mormente o campo “data de vencimento”) após terem decorrido mais de três anos sobre o incumprimento contratual que bem conhecia; ao mesmo resultado tinha de ter chegado o Tribunal a quo se considerasse que a exequente era parte e, por isso, tinha de cumprir o pacto de preenchimento constante da cláusula 12ª, n.º 2 do “Acordo de Regularização de Responsabilidades”;
XXX - Pelo que, dos art.ºs 70º e 10º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, conjugado com o art.º 342º, n.º 2 do CC deveria o Tribunal a quo ter concluído pela decorrência do prazo de prescrição;
XXXI - No ponto da sentença “preenchimento abusivo da data de vencimento da livrança”, o Tribunal a quo refere que “esta alegação foi apresentada desta forma totalmente conclusiva, sem qualquer explicitação da razão de ser e fundamentação”, mas a executada/recorrente, na qualidade de destinatária de cláusulas pré-elaboradas pelo Banco alegou que nunca teve consciência de ter subscrito uma livrança em toda a sua vida e essa alegação resulta claramente dos embargos de executada deduzidos, ou seja, que o contrato foi celebrado com recurso a cláusulas pré-elaboradas pelo credor originário (o Banco) e, por isso, quer o referido “Acordo de Regularização de Responsabilidades”, quer os negócios jurídicos cambiários inerentes à livrança, quer o acordo de preenchimento estão sujeitos ao regime jurídico aplicável às clausulas contratuais gerais;
XXXII - Este regime jurídico (aprovado pelo D. L. n.º 446/85, de 25 de outubro, com as atualizações do D.L. n.º 323/2001, de 17 de dezembro) estabelece no seu art.º 1º, n.º 2 que “O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar.”;
XXXIII - “O ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo”, conforme art.º 1º, n.º 3 do referido D. L. n.º 446/85;
XXXIV - Não tendo sido feita prova da comunicação e informação das respetivas cláusulas, consideram-se excluídas dos respetivos contratos (art.º 8º, al. a) e b) do D. L. n.º 446/85, de 25 de outubro, com as atualizações do D.L. n.º 323/2001, de 17 de dezembro); e não há qualquer facto dado como assente a consagrar a verificação das referidas “comunicação” e “informação”.
XXXV - O Tribunal a quo não se pronunciou sobre a questão suscitada pela executada/recorrente quanto à inexistência de demonstração nos autos da obrigação que constitui uma verdadeira conditio sine qua non para o exercício do direito cambiário, a que está adstrita a exequente, ou seja, que demonstre “a tentativa infrutífera de cobrar a importância inserta na livrança (não só, mas também, através de protesto)”.
XXXVI - A executada/recorrente suscitou que a apresentação a pagamento não se verificou e o Banco e/ou a exequente estão legalmente obrigados a essa apresentação (art.º 38º da LULL);
XXXVII - Se o Tribunal a quo considerou que o acordo de preenchimento da letra em branco não está excluído por falta de cumprimento dos deveres de comunicação e informação previstos nos art.ºs 5º e 6º do D.L. 446/85, sempre consta do mencionado “Acordo de Regularização de Responsabilidades” que deve ser feita “a sua imediata apresentação a pagamento”, isto é, da livrança (cláusula 12ª, n.º 2 desse Acordo);
XXXVIII- Se essa comprovação da apresentação se pode basear em protesto ou em outra forma…está na disponibilidade do Banco e/ou exequente a escolha, o que não pode é deixar de o comprovar;
XXXIX - Pelo que, não se tendo pronunciado o Tribunal a quo sobre uma questão suscitada pela executada/recorrente, nos termos do art.º 615º, n.º 1, al. d) do C.P.C. a sentença é nula.
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A Embargada não apresentou resposta.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

- OBJETO DO RECURSO

Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Assim, as questões a decidir, são as seguintes:

- Da nulidade da decisão proferida nos embargos de executado, por omissão de pronúncia sobre a arguida nulidade da citação - art. 615º, nº 1, al. d), do CPC;
– Da convolação oficiosa da arguição da referida nulidade processual efetuada pela executada na oposição à execução por embargos de executado para o meio próprio - reclamação (na execução) – e dever da sua apreciação.
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II. A - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Foram os seguintes os factos considerados provados pelo Tribunal de 1ª instância (transcrição):

1. Na execução a que os presentes autos estão apensos foi apresentada à execução a livrança junta com o requerimento executivo e cujo original se mostra a fls. 47 da execução, cujo teor aqui se dá por reproduzido, tendo inscrito, em algarismos e por extenso, a importância de € 15.777,35, donde consta: no local da data de emissão, 2011-01-28; no local da data de vencimento, 2017-03-20, no local do subscritor, Joaquim (…) e Clara (..), com assinaturas desenhando estes nomes.
2. Por acordo escrito intitulado “Contrato de Cessão de Carteira de Créditos não garantidos”, datado de 11.12.2015, o “Banco ..., S.A.”, na qualidade de cedente, e a “A. G. Limited” na qualidade de cessionária, declararam o que consta desse acordo junto a fls. 4 a 25 dos autos executivos e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
3. Por acordo escrito intitulado “Contrato de Cessão de Créditos”, datado de 27.04.2016, a “A. G. Limited”, na qualidade de cedente, e a “X, S.A.” na qualidade de cessionária, declararam o que consta desse acordo junto a fls. 26 a 42 dos autos executivos e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
4. A livrança referida em 1 havia sido entregue ao Banco ..., S.A., em branco, apenas com as assinaturas dos subscritores, como garantia de responsabilidades contratuais assumidas pelos executados no acordo escrito junto a fls. 23 a 29, intitulado “Acordo de Regularização de Responsabilidades”, assinado pelos executados na qualidade de mutuários e pelo Santander na qualidade de mutuante, cujo teor aqui se dá por reproduzido, constando do mesmo, além do mais:
a. “A dívida a regularizar...é consolidada (com efeitos a 28/01/2011) em 12.964,00€”;
b. “A dívida consolidada será amortizada em 84 meses...”;
c. “Para caução...MUTUÁRIO(S) subscreve(m) uma livrança em branco...a qual desde já autorizam o preenchimento pelo Banco pelo valor que estiver em dívida à data do seu preenchimento...”
5. A exequente preencheu posteriormente a livrança referida em 1, nomeadamente com o valor e a data de vencimento que dela consta.
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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1. Da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia sobre a arguida nulidade da citação

Sustenta a Apelante verificar-se nulidade da decisão, por omissão de pronúncia, nos termos da al. d), do nº1, do art. 615º, do CPC, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência, por o Tribunal a quo não ter conhecido da nulidade da citação por si deduzida.

Ora, verifica-se que o Tribunal a quo decidiu “Julgo, por erro no meio processual adequado, sem efeito o pedido de declaração de nulidade da citação para a execução” fundamentando:

1º - Da nulidade da citação para a execução

A embargante alega a nulidade da citação para a execução, por alegadamente o contrato de cessão de créditos remetido à executada com a citação ter uma parte substancial de páginas com o conteúdo cortado.

Ora, como ponto de partida, importa desde logo frisar que a nulidade da citação para a execução não configura fundamento para a oposição à execução, nos termos dos artºs. 729.º e 731.º do NCPC, mas, quanto muito, de reclamação a deduzir na própria execução, de acordo com art. 851.º do NCPC – neste sentido, cf. Ac RP de 16.03.2010, proc.819/09.7TBLSD, em www.dgsi.pt.

Assim sendo, nunca a eventual nulidade da citação na execução implicaria a procedência dos presentes embargos.

É verdade que, se a embargante se tivesse limitado a apresentar o pedido de declaração de nulidade da citação para a execução usando erroneamente o meio processual de embargos de executado, seria possível, se tempestivo, convolar o articulado, fazendo seguir o meio correto.

No entanto, no caso, uma vez que a embargante, para além da declaração de nulidade da citação, apresentou fundamentos e pedidos relativos a verdadeiro articulado de oposição à execução, já não é possível efetuar tal convolação. E, no fundo, face ao alegado e ao conjunto de pedidos apresentados pela embargante, verifica-se uma situação de “cumulação de pedidos e ocorrendo erro na forma de processo quanto a um deles, a solução é considerar sem efeito o pedido para o qual o processo não é adequado, como se infere da solução dada a uma questão paralela no n.º 4 do art. 193.º do C.P.C. [atual art. 186.º, n.º 4, do NCPC]. Na verdade, refere-se nesta norma, para o caso de cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis que «a nulidade subsiste, ainda que um dos pedidos fique sem efeito, por incompetência do tribunal ou por erro na forma de processo». Não se estará, decerto, perante um caso aqui diretamente enquadrável, pois não haverá cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis. No entanto, nesta norma pressupõe-se que a solução legal para a apresentação de um pedido para o qual o processo é inadequado é a de que ele «fique sem efeito, prosseguindo o processo para a apresentação do pedido para o qual o processo é adequado»” – Ac. STA, de 27.02.2013, proc. 01460/12, em www.dgsi.pt; sobre esta questão e pugnando pelo mesmo resultado, Ac. STJ de 14.05.1996, proc. 96ª044, em www.dgsi.pt.

Assim sendo, no caso em apreço, tendo a embargante deduzido pedidos adequados à oposição à execução mediante embargos de executado, o processo deve prosseguir para a apreciação dos fundamentos dos embargos, ficando sem efeito o pedido e declaração de nulidade da citação, por erro no meio processual adequado”.
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Cumpre decidir se se verifica a arguida nulidade da sentença, por omissão de pronúncia quanto à invocada nulidade da citação.

Analisemos o que dispõe a lei em matéria de nulidades da sentença.

O nº1, do art.º 615º, do Código de Processo Civil, sendo deste diploma todos os preceitos citados sem outra referência, que consagra as “Causas de nulidade da sentença”, estabelece que é nula a sentença quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido (negrito nosso).

As nulidades de decisão são vícios intrínsecos (quanto à estrutura, limites e inteligibilidade) da peça processual que é a própria decisão (trata-se, pois, de um error in procedendo). São vícios formais, intrínsecos de tal peça processual, taxativamente consagrados no nº1, do art. 615º, sendo tipificados vícios do silogismo judiciário, inerentes à sua formação e à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento (error in judicando) de facto ou de direito (2). Assim, as nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento, estes, a sindicar noutro âmbito.

Os referidos vícios respeitam “à estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação), c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum)” (3).

Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” (4).

Efetivamente as causas de nulidade da decisão, taxativamente enumeradas nesse artigo 615º, conforme se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/10/2017, “visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável, nada tendo a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar a pretensão formulada: não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei. Como tal, a nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608º e 609º, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada”.

Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto. Esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, mas o mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in judicando atacáveis em via de recurso (5).

Analisando o apontado vício da sentença, consagrado na 1ª parte, da al. d): omissão de pronúncia, cumpre referir que “devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado” (6).

Considerou-se no Acórdão desta Relação e secção, em que a ora relatora foi adjunta, proferido na apelação Nº 1799/13.0TBGMR-B, “Devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas (art. 608º, n.º 2 do CPC), isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção (desde que suscitada/arguida pelas partes) cuja conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade por omissão de pronúncia, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC) (7).

Acresce que, como já referia Alberto dos Reis (8), impõe-se distinguir, por um lado entre “questões” e, por outro, “razões ou argumentos”. “…uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”.

Apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas determina a nulidade da sentença, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.

Acresce que a jurisprudência é uniforme no sentido de que a nulidade por omissão de pronúncia supõe o silenciar, em absoluto, por parte do tribunal sobre qualquer questão de cognição obrigatória, isto é, que a questão tenha passado despercebida ao tribunal, já não preenchendo esta concreta nulidade a decisão sintética e escassamente fundamentada a propósito dessa questão (9).

Significa isto, que caso o tribunal se pronuncie quanto às questões que lhe foram submetidas, isto é, sobre todos os pedidos, causas de pedir e exceções que foram suscitadas, ainda que o faça genericamente, não ocorre o vício da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, mas o que poderá existir é um mero erro de julgamento, atacável em via de recurso, onde caso assista razão ao recorrente, se impõe alterar o decidido, tornando-o conforme ao direito aplicável”.

A nulidade da sentença (por omissão ou excesso de pronuncia) há de, assim, resultar da violação do dever prescrito no n.º 2 do referido artigo 608º do Código de Processo Civil do qual resulta que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Mas, a resolução das questões suscitadas pelas partes não pode confundir-se com os factos alegados, os argumentos suscitados ou as considerações tecidas.

A questão a decidir está diretamente ligada ao pedido e à respetiva causa de pedir, não estando o juiz obrigado a apreciar e a rebater cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a procedência da sua pretensão, ou a pronunciar-se sobre todas as considerações tecidas para esse efeito. O que o juiz deve fazer é pronunciar-se sobre a questão que se suscita apreciando-a e decidindo-a segundo a solução de direito que julga correta.

Se eventualmente não faz referência a todos os argumentos invocados pela parte tal não determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, sendo certo que a decisão por si tomada quanto à resolução da questão poderá muitas vezes tornar inútil o conhecimento dos mesmos, designadamente por opostos à solução adotada.

Face ao que dispõe o nº2, do art. 608º, do CPC, “O juiz resolve todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” (10).

E, na verdade, não se verifica omissão de pronúncia quando o não conhecimento de questões fique prejudicado pela solução dada a outras (11) e o dever de pronúncia obrigatória é delimitado pelo pedido e causa de pedir e pela matéria de exceção (12).

O dever imposto no nº2, do artigo 608º diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e da causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam. Só estas questões é que são essenciais à solução do pleito e já não os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos. Para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir e a questão resolvida pelo juiz (13).

A sentença deve, pois, “começar pelo conhecimento das questões processuais que podem conduzir à absolvição da instância, devendo nela ser consideradas todas as que as partes tenham deduzido, a menos que prejudicadas pela solução dada a questão anterior de que a absolvição tenha já resultado. Se, porém, puder ter lugar uma decisão de mérito inteiramente favorável à parte cujo interesse a exceção dilatória vise tutelar, o juiz deve proferi-la em vez de absolver o Réu da instância (nº5, do art. 278).

Não havendo lugar à absolvição da instância, segue-se a apreciação do mérito da causa.

O juiz vai agora respondendo aos pedidos deduzidos pelo autor e pelo réu reconvinte, a todos devendo sucessivamente considerar, a menos que, dependendo algum deles da solução dada a outro, a sua apreciação esteja prejudicada pela decisão deste, assim acontecendo quando procede o pedido principal, não havendo lugar à apreciação do pedido subsidiário (ver o nº2, do art. 554), quando, ao invés, não é atendido um pedido prejudicial relativamente a outro cumulativamente deduzido (ver o nº3 do art. 555) e quando identicamente, a procedência ou, ao invés, a improcedência do pedido principal acarreta a não apreciação do pedido reconvencional(…) O mesmo fará relativamente às várias causas de pedir invocadas, se mais do que uma subsidiariamente fundar o pedido, bem como quanto às exceções perentórias que tenham sido deduzidas pelo Réu ou pelo autor reconvindo e àquelas de que deva tomar conhecimento oficioso. (…)“Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação” não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5-3) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas (Alberto dos Réis. CPC anotado cit., V. p. 143)” (14), até porque a sentença não é uma “obra doutrinária: o juiz tem de resolver um litígio concreto e não deve perder de vista que o deve fazer com economia processual” (15).

Vejamos o caso, em que a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, é arguida pela embargante, por falta de apreciação da questão da reclamação da arguida nulidade, suscitada na própria oposição à execução.

A apelante conclui pela não pronúncia do Tribunal a quo sobre uma questão de que lhe cabia conhecer e pela consequente nulidade da sentença, pois que se não pronunciou sobre a questão suscitada pela executada/recorrente quanto à nulidade da citação por falta de envio dos hipotéticos documentos onde constariam as cessões de crédito; a executada/recorrente tinha de ser notificada desses documentos e não o foi”, tendo-se o tribunal pronunciado sobre uma questão diferente e que está prevista no art.º 851º do C.P.C, isto é, ter a execução corrido à revelia da executada. Refere que o que alegou foi que, estabelecendo o art.º 219º, n.º 3 do C.P.C. que a citação é “sempre acompanhada[ ] de todos os elementos e de cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objeto” não lhe tendo sido enviados todos os documentos juntos pela exequente com o seu requerimento executivo, não foram, na realização da citação, “observadas as formalidades prescritas na lei” (art.º 191º, n.º 1 do C.P.C) e, em vez disso, o Tribunal conheceu do art.º 851º do C.PC.

Sustenta o Tribunal a quo (cfr. fls 70) ter-se pronunciado sobre a arguida nulidade, sucedendo, apenas que a recorrente discorda da argumentação do tribunal, o que se não confunde com nulidade da decisão.

E na verdade assim acontece. O Tribunal a quo pronunciou-se, fazendo o enquadramento jurídico da questão, que apreciou e decidiu, não se verificando, por isso a arguida nulidade da decisão.

Questão diversa é a de saber se foi, adequadamente, decidida, sendo que, por de questão essencial a analisar e que condiciona todas as demais (já que, procedendo a arguida nulidade da citação suscitada, é de anular todo o processado posterior, prejudicado ficando o conhecimento das restantes questões) tem de se apreciar de imediato.

Com efeito, não resulta o silenciar do Tribunal a quo sobre a questão, de cognição obrigatória, isto é, não resulta que a questão lhe passou despercebida e não foi decidida.

Antes, conhecendo da referida questão julgou, “por erro no meio processual adequado, sem efeito o pedido de declaração de nulidade da citação para a execução”.

Não foi omitida a pronúncia obrigatória sobre a questão, antes decidida, não padecendo, por isso, a sentença da apontada nulidade de omissão de pronúncia quanto ao pedido de declaração de nulidade da citação, improcedendo a arguida nulidade com esse fundamento.
*
2. Da convolação oficiosa da arguição da referida nulidade processual efetuada pela executada na oposição à execução por embargos de executado para o meio próprio - reclamação (na execução) - e dever da sua apreciação.

Pretende a apelante ver apreciada a questão, por si suscitada, da nulidade da citação por falta de envio dos documentos, legíveis, referentes às invocadas cessões de crédito, sendo que o que pretende é obter a anulação de todo o processado desde o requerimento executivo, isto é, o reconhecimento de uma nulidade, que prejudicou o exercício, por si, do contraditório e que inquina todo o processo, à exceção daquele requerimento, defendendo não existir impedimento de exercer o seu direito de arguir a nulidade em causa no próprio articulado de oposição à execução que apresentou.

O Tribunal a quo considerou que a nulidade da citação para a execução não configurando fundamento para a oposição à execução, nos termos dos arts. 729.º e 731.º do CPC, devia ter sido arguida através de reclamação a deduzir na própria execução, de acordo com art. 851.º do CPC, afirmando que seria possível convolar o articulado apresentado se a embargante se tivesse limitado a apresentar o pedido de declaração de nulidade da citação para a execução usando, erroneamente, o meio processual de embargos de executado, fazendo-se seguir o meio correto, mas que, no caso, uma vez que a embargante, para além da declaração de nulidade da citação, apresentou fundamentos e pedidos relativos a verdadeiro articulado de oposição à execução, não é possível efetuar tal convolação. Entende que, face aos pedidos apresentados pela embargante, se verifica uma situação de “cumulação de pedidos e ocorrendo erro na forma de processo quanto a um deles, a solução é considerar sem efeito o pedido para o qual o processo não é adequado, como se infere da solução dada a uma questão paralela no n.º 4, do art. 186.º, do C.P.C., onde, para o caso de cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis se estabelece que «a nulidade subsiste, ainda que um dos pedidos fique sem efeito, por incompetência do tribunal ou por erro na forma de processo». Reconhecendo, contudo, não se estar perante um caso de pedidos substancialmente incompatíveis, ainda assim, aplica aquela regra e determina o prosseguimento do processo para a apreciação dos fundamentos dos embargos, dando sem efeito o pedido e declaração de nulidade da citação, por erro no meio processual.

Vejamos o que expressamente estabelece a lei quanto à questão, o que a doutrina e a jurisprudência vêm entendendo sobre a mesma, a orientação a seguir no caso concreto e se a arguição da nulidade deve deixar de ser apreciada só pelo facto de ter sido incorporada no articulado de oposição à execução, em vez de seguir num requerimento, separado, de reclamação.

Na verdade, para o processo executivo, sendo o que temos em mãos, estatui, expressamente, o artigo 851.º, com a epígrafe “Anulação da execução, por falta ou nulidade de citação do executado” que:

“ 1 - Se a execução correr à revelia do executado e este não tiver sido citado, quando o deva ser, ou houver fundamento para declarar nula a citação, pode o executado invocar a nulidade da citação a todo o tempo.
2 - Sustados todos os termos da execução, conhece-se logo da reclamação e, caso seja julgada procedente, anula-se tudo o que na execução se tenha praticado.
3 - A reclamação pode ser feita mesmo depois de finda a execução.
4 - Se, após a venda, tiver decorrido o tempo necessário para a usucapião, o executado fica apenas com o direito de exigir do exequente, no caso de dolo ou de má-fé deste, a indemnização do prejuízo sofrido, se esse direito não tiver prescrito entretanto”.

A citação pode padecer de irregularidades a comprometer a sua função, distinguindo a lei as que originam falta de citação das que acarretam nulidade da citação.

A falta de citação do executado ocorre nas circunstâncias do art. 188º, “quando o ato não é praticado na direção do seu destinatário (16)”, é de conhecimento oficioso pelo tribunal, nos termos do art. 196º e pode ser arguida pelo executado a todo o tempo, por força dos arts 198º, nº2 e 851º, nº1, em caso de revelia, sanando-se se o executado intervier na causa sem arguir logo, no ato, a falta de citação, nos termos do art. 188º.

A nulidade da citação verifica-se, nos termos do art. 191º, “quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei” (nº1). “Por formalidade deve entender-se qualquer elemento, de conteúdo ou de forma, exigido pelo art. 227 ou específico da modalidade de citação utilizada” (17). Abrange “os elementos gerais, de conteúdo e de forma, exigidos pelo art. 227 e os específicos de cada modalidade de citação (art. 228, 229, nº3 a 5 e 239-2, para a citação postal; arts 231, nºs 1 a 5, 7 e 9, 232, nºs 1 a 4, 233, 237 e 238-1, para citação por contacto pessoal; arts 236, 240, 241 e 243, para a citação edital; art. 239, nºs 1 e 3, no caso de réu residente em país estrangeiro)” (18). Ora, noato da citação o executado recebe o duplicado do requerimento executivo e cópias do título executivo e documentos que o acompanhem – cf. artigo 227º, nº1 – com a informação de que está a ser citado para pagar ou opor-se à execução (…). Mas há mais informações que são obrigatoriamente transmitidas em todas as citações e, bem assim, informações que são transmitidas em algumas citações. A sua omissão pode ser causa de nulidade da citação, nos termos gerais do artigo 191º, nº1(19). Assim, pode constituir nulidade da citação por exemplo a falta de entrega, no ato, do duplicado da petição inicial ou dos documentos que a tenham acompanhado (20).

O prazo para arguição da nulidade da citação é, conforme o nº2, do art. 191º, o prazo da oposição à execução (cf. artigos 728º, nº1 e 856º, nº1) (21).

“Arguida por reclamação a falta ou nulidade da citação, são sustados os termos da execução, conforme o artigo 851º, nº2.

O juiz não pode concluir que a citação ocorreu, apenas com base em presunção judicial, mas deve ter presente prova documental do efetivo ato de citação (22).

E, ao contrário da falta de citação, a arguição da nulidade de citação só é atendida se a falta/irregularidade cometida puder prejudicar a defesa do citado (art, 191-4). Esta norma, conforme o preceito geral do art. 195-1, visa evitar a utilização da nulidade como manobra dilatória, circunscrevendo os casos em que é atendida àqueles em que o direito de defesa seria ou poderia ser, restringido ou praticamente suprimido em consequência da irregularidade verificada (23).

“A exigência de que a falta seja suscetível de prejudicar a defesa do citado constitui a garantia de o regime instituído ser utilizado para realizar o seu escopo (evitar a restrição ou supressão prática do direito de defesa) e não para finalidades puramente formais ou dilatórias” (24).

Se a arguição de falta ou nulidade de citação for julgada procedente, anula-se tudo o que no processo tenha sido praticado depois do momento do vício, por força dos artigos 187º corpo in fine e 195º, nº2 primeira parte e 851º, nº2 in fine (25), havendo que repetir o ato, com observância das formalidades prescritas na lei (26).

No caso, a nulidade da citação foi arguida na própria oposição à execução, tempestivamente apresentada, sendo, por isso, também tempestiva tal arguição – nº2, do art. 191º.

Vejamos, agora, se, adjetivamente, a reclamação da nulidade da citação podia ser efetuada nos embargos de executado, integrando, até, um fundamento dos mesmos, como pretende a apelante, ou, não o devendo ser, sendo esse o meio processual errado para o pedido de declaração de nulidade da citação, se, ainda assim, não podia, uma vez apresentada tempestivamente, deixar de ser apreciada (com produção da prova oferecida) e decidida.

Na verdade, suscitou a executada a pertinente questão, para decisão pelo Tribunal a quo, após apreciar da verificação dos factos a ela relativos, que a demonstrarem-se poderão, na verdade, contender com o pleno exercício do contraditório.

As questões que se levantam são a de saber se os embargos de executado são o meio processual próprio para reclamar a nulidade da citação e, não o sendo, por haver meio especificamente consagrado, se, ainda assim, a arguição da nulidade da citação efetuada no próprio articulado de oposição, devia ter sido apreciada, como solicitado, e se dela pode conhecer este Tribunal.

Quanto a esta última questão, cumpre referir que, consagrando o art. 665º, a “Regra da substituição ao tribunal recorrido” ao estabelecer:

1- Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação.
2 - Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.
3 - O relator, antes de ser proferida decisão, ouve cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias”, no caso de o Tribunal da Relação anular a decisão, nos termos do nº 1 e 2, do art. 665º, deve conhecer do mérito da apelação, analisando e decidindo as questões suscitadas, exercendo-se a regra da substituição ao Tribunal recorrido. Apenas se deve abster de conhecer e reenviar o processo ao Tribunal a quo, nos termos do referido preceito, quando não disponha de todos os elementos necessários para o efeito, vindo, contudo, a ser entendido que tal regra não deve ser interpretada e aplicada em termos absolutos, considerando-se que:

“. A regra da substituição do Tribunal de recurso ao tribunal recorrido não pode ser entendida como tendo aplicação nos casos em que o tribunal recorrido simplesmente não se pronuncia sobre nenhuma das questões suscitadas e de que devia conhecer.
. Pretendeu-se que o tribunal de recurso supra alguma nulidade pontual que possa ter ocorrido, mas não que seja ele a proferir totalmente a decisão, deste modo suprimindo totalmente um grau de jurisdição.
. A intenção subjacente à regra da substituição que tem como fundamento a celeridade não se aplica aos casos de total ausência de pronúncia, devendo, nesses casos, a decisão ser anulada” (27).

Ora, refere a executada/embargante/apelante que estabelecendo o art.º 219º, n.º 3, do CPC, que a citação é sempre acompanhada de todos os elementos e de cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objeto e não lhe tendo sido enviados todos os documentos juntos pela exequente com o seu requerimento executivo, não foram, na realização da citação, “observadas as formalidades prescritas na lei” (art.º 191º, n.º 1, do CPC) e que não podia o Tribunal a quo ter dado como assentes os factos constantes do ponto II da sentença, especificamente os pontos 1. a 5., sem observância do princípio do contraditório, porque não foi dada oportunidade á executada de se pronunciar sobre os mesmos (que nunca lhe foram entregues na integra).

Ora, como vimos, a resolução da questão envolve matéria de facto, podendo, para a sua decisão, ter de ser produzida a prova oferecida, não cabendo, assim, a este Tribunal dela conhecer, mas ao Tribunal a quo, suspendendo a execução nos termos de nº2, do artigo 851º, como supra referido.

E sustenta a executada/embargante que, quanto à reclamação da nulidade da citação utilizou o meio processual adequado ao alegar outro fundamento de oposição dos “que possam ser invocados como defesa no processo de declaração”, nos termos e para os efeitos do art.º 731º do C.P.C..

Apesar de não se poder considerar a arguição de nulidade da citação um fundamento de embargos de executado, pois que nenhuma defesa relativamente à execução está em causa, sequer questão prévia daqueles, pois consagrado está meio próprio para o exercício do direito de arguir a nulidade da citação - a reclamação -, a deduzir no processo onde foi praticado a ato - a execução -, entendemos que sempre o Tribunal a quo tinha de conhecer da arguida nulidade, nenhum sentido fazendo distinguir os casos em que, não obstante a existência de prejuízo para o exercício da contraditório, apenas é arguida a nulidade da citação daqueles em que, para além disso, é invocado fundamento de oposição à execução. Seria tratar de modo diferente o que é igual.

Com efeito, mesmo suscitada a questão nos embargos, meio processual errado, sempre o Tribunal poderia ordenar a junção de cópia do articulado em que foi arguida à execução por ser aí que devia ser tramitada a reclamação da arguida nulidade e apreciá-la.

O que não podia era passar por cima do pedido formulado, com o fundamento invocado, e dá-lo sem efeito, sem nada apreciar, afirmando dar tratamento diferente ao que é, essencialmente, igual, por razões meramente procedimentais, estando, até, o processo onde foi arguida a nulidade na dependência da execução, constituindo um apenso seu e, por isso, facilmente acessível ao julgador, para o que for necessário.

Tal decorre do que dispõe o nº3, do artigo 193º, do CPC, que consagra “O erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados”, podendo estabelecer-se relações entre este artigo e a adequação formal (art. 547º, do CPC) pois, “podendo o juiz adotar uma forma divergente da legal, é-lhe também possível limitar a adequação à forma legal preterida no âmbito do que, tidas em conta as especificidades do caso, lhe parecer razoável (28)”.

O referido nº3, trata do erro no meio processual utilizado pela parte no âmbito dum processo, sendo que as partes “têm ao seu alcance, ao longo do processo, meio de atuação que a lei processual lhes disponibiliza para veicularem e fazerem vingar as suas pretensões ou oposições, quer no plano do mérito, quer no das questões processuais (articulados, requerimentos, respostas, reclamações, recursos, embargos). O nº3 cuida do erro da parte no ato de utilização de um desses meios, determinando o aproveitamento daquele que a parte haja inadequadamente qualificado, mas cujo conteúdo – subentende-se – se adeque ao meio que devia ter sido utilizado; o juiz, oficiosamente, observado o princípio do contraditório, corrige o erro e manda proceder à tramitação própria deste último” (29).

Tal preceito foi “introduzido pelo CPC de 2013, já não respeita ao erro na forma de processo, antes ao relacionado com o meio processual utilizado pela parte para a prática de determinado ato. Em tais circunstâncias, em lugar do decretamento puro e simples da nulidade do ato, impõe-se ao juiz o dever de proceder à sua correção oficiosa, determinando que sejam seguidos os termos processuais adequados. O sentido desta previsão é claro: evitar que, por meras razões de índole formal, deixe de ser apreciada uma pretensão deduzida em juízo” (30) (31).

E, como decidiu o Tribunal da Relação do Porto de 5/3/2015 “Se o executado deduz embargos de executado, mas o que invoca é uma nulidade processual – falta de citação – os embargos devem ser convolados numa reclamação por nulidade (art. 193.º, nº. 3, do CPC), se os embargos tiverem sido intentados no prazo da reclamação” (32).

Cita o referido Acórdão Miguel Teixeira de Sousa, em comentário a um Ac. do TRE, na entrada de 08/02/2015 no blog do IPPC sob nulidade da citação; convolação de meio processual, que diz “atendendo a que o objecto do recurso era a nulidade da citação do requerido e que, segundo parece, a RE entende que o requerido, em vez de ter interposto o recurso, devia ter arguido a nulidade da citação depois de ter sido notificado da sentença que decretou a providência cautelar, verifica-se um erro no meio processual utilizado pelo requerido. O meio processual escolhido pelo requerido para invocar a nulidade da sua citação não é o adequado: devia ter sido a reclamação contra a nulidade, não a apelação interposta. Mas se assim é, então o que a RE deveria ter feito era analisar a aplicação ao caso sub iudice do (novo) art. 193/3 do CPC” (33) (negrito nosso).

Ora, na situação em que a executada deduz embargos de executado, com determinados fundamentos, e aí invoca, também, nulidade da citação, não se mostra legítimo, nem proporcional e equitativo, deixar de apreciar a nulidade, sempre podendo o Tribunal ultrapassar entraves formais e tramitar a reclamação deduzida, efetuar as necessárias adequações formais, como ordenar a extração de cópias do articulado em causa para serem juntas à execução e aí ser, tão só, apreciada a arguição da nulidade da citação, considerando convolado tal pedido de declaração de nulidade da citação em reclamação.

Assim, mesmo sendo invocados nos embargos de executado fundamentos de oposição à execução, nunca a arguida nulidade processual podia ser dada sem efeito e ficar por apreciar, como conclui a apelante na conclusão VI, que procede.

Destarte, tem a decisão recorrida de ser revogada para os autos prosseguirem seus termos, com a apreciação da arguida nulidade da citação, que, oficiosamente, se convola para reclamação da nulidade da citação.
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III. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida e, convolando, oficiosamente, a arguida nulidade da citação em reclamação de tal nulidade, determinam o prosseguimento dos autos para a tramitação e o conhecimento da mesma.
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Sem custas.
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Guimarães, 7 de fevereiro de 2019
Assinado digitalmente pelos Senhores Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha, José Flores e Sandra Melo



1. Relatora: Eugénia Cunha 1º Adjunto: José Flores 2ª Adjunta: Sandra Melo
2. Cfr., entre muitos, Ac. do STJ de 1/4/2014, Processo 360/09: Sumários, Abril /2014, p1 e Ac. da RE de 3/11/2016, Processo 1070/13:dgsi.Net.
3. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, pág 735
4. Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734.
5. Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI.
6. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 737
7. Neste sentido Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado, 5º vol., págs. 142 e 143, onde pondera: “Esta nulidade está em correspondência direta com o 1º período da 2ª alínea do art. 660º. Impõe-se aí ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” e onde aponta como exemplo de nulidade por omissão de pronúncia, o seguinte caso retirado da prática judiciária: “Deduzidos embargos a posse judicial com o fundamente de posse baseada em usufruto, se o embargado alegar que este não podia produzir efeitos em relação a ele por não estar registado à data em que adquiriu o prédio e a sentença ou acórdão deixar de conhecer desta questão, verifica-se a nulidade (…). O embargado baseara a sua defesa na falta de registo do usufruto; pusera, portanto, ao tribunal esta questão de direito: se a falta de registo do usufruto tinha como consequência a ineficácia, quanto a ele, da posse do usufrutuário, o tribunal estava obrigado, pelo art. 660º, a apreciar e decidir esta questão; desde que a não decidiu, a sentença era nula”. Ac. RC. de 22/07/2010, Proc. 202/08.1TBACN-B.C1, in base de dados da DGSI: “…O juiz deve, antes de tudo, tomar em consideração as conclusões expressas nos articulados, já que a função específica destes é a de fornecer a delimitação nítida da controvérsia. Mas não só; é necessário atender, também aos fundamentos em que essas conclusões assentam, ou, dito de outro modo, às razões e causas de pedir invocadas (…). Em última análise, questão será, pois, tudo o que respeite ao litígio existente entre as partes, no quadro, tanto do pedido e da causa de pedir, como no da defesa por exceção”.
8. Alberto dos Reis, in ob. cit., 5º vol., págs. 55 e 143.
9. Acs. STJ. de 01/03/2007. Proc. 07A091; 14/11/2006, Proc. 06A1986; 20/06/2006, Proc. 06A1443,in base de dados da DGSI.
10. Cfr. Ac. do STJ de 24/6/2014, Processo 125/10: Sumários, Junho de 2014, pag 38, em que se decidiu Não há nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia, se o tribunal se limitou a cumprir o preceituado no art. 608º, nº2, do NCPC (2013), considerando prejudicado apreciar o argumento do valor das indemnizações arbitradas por ter decidido não existir fundamento legal para responsabilizar as Rés…
11. Ac. do STJ, de 30/9/2014, Processo 2868/03:Sumários, Setembro 2014,pag 39
12. Ac. da Relação de Lisboa de 17/3/2016, Processo 218/10:dgsi.net
13. Ac. do STJ, de 20/10/2015, Processo 372/10: Sumários, 2015, p.555
14. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 712-713
15. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 714
16. José Lebre de Freitas, A ação declarativa comum à luz do código de Processo Civil de 2013, 4ª Edição, Gestlegal, pág 92
17. Ibidem, pág 93
18. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 3ª Edição Coimbra Editora, pág 372
19. Rui Pinto, A ação executiva, 2018, AAFDL Editora, pág 360
20. José Lebre de Freitas, idem, 4ª Edição, Gestlegal, pág 94
21. Rui Pinto, A ação executiva, 2018, AAFDL Editora, pág 363 e seg
22. STJ 26/1/1994/084775 (Sampaio da Silva)
23. José Lebre de Freitas, idem, pág 96
24. Rui Pinto, idem, pág 373
25. Rui Pinto, idem, pág 364
26. José Lebre de Freitas, idem, pág 96
27. Acórdão da RG de 18/12/2017, processo 1099/17.6T8VNF.G1, in dgsi.net
28. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 3ª Edição Coimbra Editora, pág 372
29. Ibidem, pág 377 – v. exemplos aí citados de erro no meio processual.
30. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, Almedina, pág 233 - v. exemplos aí citados de erro no meio processual e de limites naturais à convolação imposta pelo referido preceito.
31. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2ª Edição, 2017, Almedina, pág 277 – v. exemplos aí citados de erro no meio processual.
32. Ac. de 5/3/2015, processo 3788/13.5YYPRT-A.P1, in dgsi.net, onde se escreve-se “a falta ou a nulidade da citação, no âmbito da execução, são vícios expressamente previstos noutras normas processuais, incluindo das executivas (art. 851 do CPC); estando previstas como objecto de reclamação de nulidade, não podem ser, ao mesmo tempo, objecto de embargos de executado. E sendo objecto de reclamação e não de embargos, não se podem transmudar numa questão prévia destes.(…) Só que apesar de ter sido invocada como base de um fundamento de embargos, aquilo que o executado realmente quer, bem ou mal não interessa por ora, é invocar a nulidade da sua falta de citação, que poderá ser antes uma arguição de nulidade da citação [arts. 187/188 e 191, todos do CPC]. Invocação de nulidade que, para as execuções, está prevista no art. 851 do CPC, sendo depois aplicáveis “as disposições dos arts. 187 a 191 do CPC que não estejam em contradição com o art. 851/1” do CPC (a parte entre aspas pertence a Lebre de Freitas, A acção executiva… 6ª edição, Coimbra Editora, 2013, pág. 417). Ou seja, está-se num caso em que uma parte utiliza um meio processual errado para o fim que se propõe. Uma nulidade processual argui-se numa reclamação para o juiz, não como questão prévia de uns embargos de executado. A situação está prevista no art. 193/3 do CPC: O erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados. Assim, poderia pôr-se a hipótese do tribunal recorrido dever ter tramitado o articulado em causa como uma reclamação de nulidade por falta ou nulidade da citação.
33. Referem-se no citado acórdão inúmeros exemplos entre eles “diz o STJ nos seus acórdãos de 05/11/2009, de 25/02/2010 e de 02/03/2011, publicados, respectivamente, sob os nºs. 308/1999.C1.S1, 399/1999.C1.S1 e 823/06.7TBLLE.E1.-S1 da base de dados do IGFEJ: “a qualificação jurídica que a parte realiza quanto à pretensão de tutela processual que deduz não impede que o tribunal possa reconfigurar adequadamente tal pretensão, dando-lhe a adequada configuração jurídico-normativa, suprindo ou corrigindo o erro de direito da parte na formulação jurídica do pedido que deduz […]”. Daí que, por exemplo, o STJ tenha dito, num acórdão de uniformização, de 20/01/2010, […], apresentado requerimento de interposição de recurso de decisão do relator […], este deverá admiti-lo como requerimento para a conferência (publicado no DRE http://www.dre.pt/pdf1s/2010/02/03600/0049400500.pdf). Na síntese de uma das declarações de voto deste AUJ: “[…] deve prevalecer a intenção de impugnar a decisão, desde que inequivocamente expressa no correspondente requerimento. Procedem, para a convolação, as razões que justificam a possibilidade de correcção do erro na forma de processo.” Por isso, no acórdão do TRL de 08/11/2012, 2634/11.9TBTVD.L1, considerou-se que um requerimento de uma parte se traduzia numa arguição de uma irregularidade cometida mesmo que aquele requerimento formalmente não se apresentasse como reclamação de tal nulidade; e na decisão singular do TRP de 21/02/2014, 3621/13.8TBPRD-D.P1, não publicada, considerou-se que se uma parte arguiu uma nulidade processual, num recurso, quando a devia ter arguido no tribunal de 1ª instância, a arguição devia ser convolada numa reclamação de nulidade, por aplicação do disposto no art. 193/3 do CPC (no mesmo sentido a decisão singular do TRP de 30/05/2014, processo 34716/13.7YIPRT.P1, também não publicada).