Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1270/12.7TBFAF-B.G1
Relator: ALEXANDRA ROLIM MENDES
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
RETRIBUIÇÃO
AJUDAS DE CUSTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 - Nos termos do art. 239º, nº3, do CIRE cumpre ao julgador, no seu prudente arbítrio, definir casuisticamente o rendimento do trabalho do insolvente excluído da cessão aos credores, o qual tem por limite mínimo aquele montante que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar.
2 - A retribuição integra todas as prestações que, em contrapartida da atividade laboral desenvolvida pelo trabalhador, o empregador está obrigado a satisfazer regular e periodicamente, dela se excluindo, nomeadamente, as importâncias recebidas pelo trabalhador e se destinam a compensar custos aleatórios, como sejam as ajudas de custo.
3 - No entanto, tais importâncias apenas devem ser excluídas da remuneração na medida em que efetivamente se destinem a ressarcir o trabalhador por gastos efetuados no exercício da atividade laboral.
4 – Assim, ao abrigo do preceituado no art. 239º, nº 3 – b)-iii) do CIRE, as quantias recebidas a título de ajudas de custo pelo Insolvente devem ser excluídas do rendimento a ceder ao fiduciário desde que se destinem efetivamente a compensá-lo por despesas efetuadas em benefício da sua entidade patronal, devendo essa verificação ser efetuada pelo fiduciário, mediante a apresentação dos respetivos comprovativos pelo Insolvente.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório:
No processo especial de insolvência acima identificado em que foram declarados insolventes Leandro R e Maria F, vieram estes recorrer do despacho que considerou que o montante que o insolvente recebe a título de ajudas de custo integra o vencimento deste para efeitos do rendimento a ceder ao fiduciário.

A decisão em causa foi proferida nos seguintes termos:
“Concordando-se com o requerimento que antecede determina-se que:
a) Se considera que o valor a ceder é de dois salários mínimos para o agregado familiar;
b) Se considera as ajudas de custo auferidas pelo Executado marido como parte do rendimento a ceder (art. 239º, nº 3 do CIRE);
c) Notifique os Insolventes para procederem à Senhora Fiduciária de todos os valores que excedam os dois salários mínimos nacionais sob pena de cessação antecipara da exoneração do passivo restante.”

Esta decisão foi tomada na sequência de requerimento da Senhora Fiduciária no sentido que o Tribunal esclarecesse se as ajudas de custo devem ou não englobar o rendimento do insolvente marido para efeitos de cálculo do montante a ceder à fiduciária e de a Credora C se ter pronunciado no sentido de entender que as ajudas de custo não integram qualquer das exceções constantes do art. 239, nº 3 do CIRE, fazendo pois parte integrante do rendimento disponível a ceder.
Inconformados vieram os Insolventes recorrer formulando as seguintes Conclusões:
I O que está em causa no presente recurso é a parte do segmento do douto despacho de fls… datado de 03/10/2016, em que o Tribunal a quo que considera as ajudas de custo auferidas pelo Executado marido como parte integrante do rendimento a ceder (cfr. art. 239º, nº 3 do CIRE) e manda notificar os insolventes para procederem à entrega à Sra Fiduciária de todos os valores que excedam os dois salários mínimos nacionais sob pena de cessação antecipada da exoneração do passivo restante.
II Dispõe o nº 3 do artigo 239º do CIRE que integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão:
a) Dos créditos a que se refere o artigo 115º cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz.
b) Do que seja razoavelmente necessário para:
i. O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional;
ii. o exercício pelo devedor da sua atividade profissional;
iii. Outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor.
III As ajudas de custo pagas ao insolvente marido, atualmente motorista internacional, de veículos pesados, servem para reembolsar o trabalhador das despesas com a alimentação e estadia no estrangeiro e não correspondem a qualquer retribuição.
IV Aliás, os valores pagos ao insolvente marido não são nem declarados nem tributados em sede de IRS por não serem entendidos como rendimentos.
V Sem prescindir, ainda que assim não se entenda, sempre será de entender que as referidas ajudas de custo caem na previsão do ii. al. b) do nº 3 do artigo 239º do CIRE.
VI Englobar as ajudas de custo pagas ao insolvente marido no rendimento disponível é obriga-lo a, por um lado, pagar as suas próprias despesas de estadia e de alimentação no estrangeiro, e por outro a entregar à Fiduciária valor equivalente, por exceder a parte de rendimento indisponível. A ser assim, o trabalhador não pode manter o seu emprego, uma vez que as despesas são tantas como o vencimento.
VII O despacho ora em crise viola o disposto no nº 3 do artigo 239º do CIRE e deve ser substituído por outro que entenda que as ajudas de custo auferidas pelo insolvente marido não devem ser consideradas para efeitos do computo do rendimento disponível.
Nestes termos e nos mais que doutamente serão supridos, deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho nos segmentos correspondentes às suas al. b) e c), substituindo-o por outro que entenda que as ajudas de custo auferidas pelo insolvente marido não devem integrar o rendimento disponível, como é de Direito e Justiça
Não foram apresentadas contra-alegações.
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Os factos:
1 - Leandro R e Maria F são casados no regime da comunhão de adquiridos, desde 22-11-2007.
B) O insolvente trabalha como motorista de pesados de mercadorias auferindo 585,00€ mensais brutos de remuneração base e entre 300,00€ e 800,00€ de ajudas de custo por mês.
C) A insolvente é militar de carreira, auferindo a esse título a remuneração mensal de 750€;
D) O agregado familiar é composto por ambos os insolventes e pela filha, nascida a 17-02-2010;
E) Pagam de renda a quantia mensal de 225,00€.

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Cumpre decidir:
Os Recorrentes entendem que a decisão recorrida, ao decidir que devem ser consideradas como parte integrante do rendimento a ceder, os montantes que o Recorrente marido aufere a título de ajudas de custo, faz com que tenham que suportar as despesas inerentes à atividade do insolvente (como estadias e alimentação no estrangeiro) do rendimento de que dispõem para o agregado familiar o que faz com que o mesmo tenha que pagar para trabalhar.
Vejamos:
A norma cuja aplicação está em causa é a constante do art. 239º do CIRE. Aí se dispõe, no seu nº 3: “Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão:
a) (…)
b) Do que seja razoavelmente necessário para:
i) O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional;
ii) O exercício pelo devedor da sua atividade profissional;
iii) Outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor.”
Pressupõe este regime que sejam cedidos ao fiduciário nomeado, para os fins da insolvência, todos os rendimentos auferidos pelo insolvente no período de cinco anos, com as exceções enunciadas.
Vejamos então se as quantias recebidas pelo trabalhador/Insolvente a título de ajudas de custo deve integrar ou não a retribuição para efeitos da sua cessão ao fiduciário.
Para integrarmos o conceito de retribuição e bem assim analisarmos se as quantias auferidas pelo trabalhador devem ou não ser incluídas no mesmo, socorrer-nos-emos da legislação laboral.
Assim diz o Código do Trabalho que se considera retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho e que
a retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie (nºs 1 e 2 do art. 258º).
Diz ainda este Código, no seu art. 260º, nº 1 – a) e na parte com interesse para o caso em apreço, que não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respetivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador
Conforme se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/5/13 (in www.dgsi.pt) “A retribuição integra todas as prestações (em dinheiro ou em espécie) que, em contrapartida da atividade laboral desenvolvida pelo trabalhador, o empregador está obrigado a satisfazer regular e periodicamente, dela se excluindo, para além das meras liberalidades, as importâncias que, recebidas pelo trabalhador, se destinam a compensar custos aleatórios, como sejam (entre outros) as ajudas de custo, os abonos de viagem e as despesas de transporte”.
Com efeito, as ajudas de custo, em regra visam compensar o trabalhador por despesas por este realizadas por ocasião da prestação de trabalho ou por causa dele (v. Ac. STJ de 13/4/11 in www.dgsi.pt).
No entanto, tais importâncias apenas devem ser incluídas da remuneração na medida em que efetivamente se destinem a ressarcir o trabalhador por gastos efetuados no exercício da atividade laboral.
Quando essas compensações excedem as despesas suportadas, as mesmas devem ser consideradas retribuição, nos termos resultantes do preceituado no mencionado artigo 260º, nº 1 do Código do Trabalho (v. Ac. STJ de 13/4/11).
Em face do exposto, vemos que relativamente às importâncias auferidas pelo Recorrente, apenas devem ser excluídas da remuneração aquelas que lhe sejam pagas pela entidade patronal para o compensar das despesas efetuadas em benefício da sua entidade patronal, como sejam as referentes a alojamento e alimentação quando tal exercício implica o seu afastamento do domicílio.
Na verdade, a entender-se, como o fez o Sr. Juiz a quo, que toda e qualquer quantia auferida pelo trabalhador integra o conceito de remuneração, tendo o mesmo que suportar o que gasta com as deslocações em trabalho, poderia pôr-se em causa o limite mínimo destinado por lei a assegurar um “sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar” ou seja, o “rendimento indisponível”, como é geralmente designado o rendimento excluído da cessão, o que certamente aconteceria no caso em apreço atento o montante que poderão atingir as despesas com estadas no estrangeiro, tendo por outro lado em conta o valor do salário base do Insolvente, que é pouco superior ao salário mínimo nacional.
Assim, ao abrigo do disposto no art. 239º, nº 3 – b)-iii), entende-se que o montante auferido pelo Insolvente a título de ajudas de custo e desde que o mesmo se destine efetivamente a compensar aquele por despesas efetuadas em benefício da sua entidade patronal, deve ser excluído do montante a ceder ao fiduciário, devendo este (fiduciário) fazer tal verificação, mediante a apresentação dos respetivos comprovativos por parte do Insolvente.


Decisão:
Nos termos expostos, decide-se revogar em parte e decisão recorrida, determinando-se que as quantias recebidas a título de ajudas de custo pelo Insolvente sejam excluídas do rendimento a ceder ao fiduciário desde que se destinem efetivamente a compensá-lo por despesas efetuadas em benefício da sua atividade profissional, devendo essa verificação ser efetuada pelo fiduciário, mediante a apresentação dos respetivos comprovativos pelo Insolvente.
Custas na proporção de 1/6 pelos Insolventes.
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Guimarães, 15 de dezembro de 2016
(Alexandra Maria Rolim Mendes)
(Maria de Purificação Carvalho)
(Maria dos Anjos Melo Nogueira