Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2515/19.8T8BRG-A.G1
Relator: MARGARIDA PINTO GOMES
Descritores: PROVA PERICIAL
SEGUNDA PERÍCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/14/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO DO RÉU IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. A segunda perícia destina-se a corrigir a eventual inexactidão do resultado da primeira, cabendo a quem da mesma lança mão, alegar fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado, ou seja, indicar, de forma concreta, as inexatidões, incoerências ou insuficiências em que incorre o relatório pericial, em que medida ou de que forma influenciam o resultado final e indicar as correções a introduzir, seja no que respeita aos elementos de facto a considerar, seja no que respeita a uma distinta apreciação técnica.
II. As referidas razões, consideradas objectivamente, terão de ser aptas, a criar no julgador médio um estado de dúvida sobre se a perícia efectuada não padecerá dos vícios que o requerente lhe assaca e que, caso venham a ser demonstrados, levam a que seja alcançado um resultado distinto do da primeira.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório:

AA e mulher, BB, intentaram ação declarativa de condenação, sob a forma comum contra
I – CC e marido DD;
II – EE;
III – FF.

Pedem os mesmos a condenação dos réus:
I – A ver declarado e a reconhecer que o testamento, bem como a procuração, são documentos ou instrumentos falsos e, como tal, nulos e de nenhum efeito;
II – A ver declarado e a reconhecer a nulidade ou anulabilidade do testamento ou das disposições testamentárias, bem como da procuração, inclusive por incapacidade acidental do “testador” e “mandante”, com as devidas consequências legais;
III – A indemnizar os AA., de modo solidário, pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais a eles causados, estes últimos na quantia de 10.000,00 € a cargo de cada Réu, e a favor de cada um dos AA., no global de 20.000,00 €, e os demais a liquidar por sentença.
IV – Os II RR., a ver declarado e a reconhecer o direito dos AA. a uma cópia das chaves, e a entregar as mesmas aos AA., das portas de entrada e divisões interiores do prédio urbano, da casa de habitação, que foi a morada do GG, pai do A. e Ré, e que hoje integra a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do mesmo e a absterem-se de usar, fruir, dispor e/ou causar dano aos bens móveis que se encontram no interior da casa pertencentes aos AA.
V – Tudo com as devidas consequências legais, incluindo custas a cargo dos RR.

Em sede de requerimento de prova os autores requereram, entre outras, a Perícia Médico-Legal à matéria dos itens 8 a 25, 68, 75, 78, 79, 81, 86.

Em sede de contestação os réus requereram também a realização da perícia médico legal, indicando os quesitos a responder.

Admitida tal prova, determinou-se a sua realização da perícia após a junção aos autos dos elementos clínicos, por perito único, tendo por objecto o definido pelos quesitos apresentados pelos AA. no requerimento probatório da petição inicial e pelo 3.º R., no requerimento com a ref.ª ...99.

Notificados do relatório pericial veio o réu requerer a realização de uma segunda perícia.

Foi então proferido o seguinte despacho:
“II. Requerimento de 7-8-2023:
Notificado do relatório pericial e respectivos esclarecimentos, o réu HH veio requerer a realização de segunda perícia.
Os autores opõem-se à mesma.
Cumpre apreciar e decidir.
A esse propósito, dispõe o art. 487.º, do CPC, que: qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado; O tribunal pode ordenar oficiosamente e a todo o tempo a realização de segunda perícia, desde que a julgue necessária ao apuramento da verdade; A segunda perícia tem por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexactidão dos resultados desta.
Assim, para o deferimento desta diligência é necessário o preenchimento de dois requisitos: a sua apresentação tempestiva (o que ocorre nos autos); e uma discórdia fundamentada do teor do relatório.
Ora, o réu limita-se a interpretar determinados relatórios médicos, sem contudo fundamentar de forma objectiva a sua discórdia. Repare-se que os autos possuem abundante documentação clínica com base na qual a perita formulou as suas conclusões.
E como bem referem os autores o Réu baseia o seu inconformismo e pedido de 2.ª perícia com base em opiniões (do próprio), bem assim suposições, em ambos os casos sem qualquer base de fundamentação, muito menos lógica, tão só porque não aceita o resultado das doutas “conclusões” da Exma. Sra. Perita, procurando conferir outras interpretações, in casu, também pessoais, com vista a sustentar que no dia e hora em causa (que não indica), o putativo “testador” estava capaz de entender e querer.
Como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 15426/17.2T8LSB-A.L1-7, de 26-03-2019, a realização de uma 2ª perícia depende exclusivamente da apresentação pelo requerente de fundamentos sérios, razoáveis e plausíveis para a sua discordância com os resultados da 1ª perícia, excluindo-se por conseguinte as situações em que é pedida a 2ª perícia apenas em virtude do desagrado com os resultados da 1ª, sem motivação alguma que justifique objectivamente colocar em crise aquele inicial veredicto (sublinhado nosso).
Por seu turno, no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 1315/21.0T8VCT-H.G1, de 02-02-2023, sustenta-se que a expressão «fundadamente» significa que as razões da dissonância devem ser claramente explicitadas, não bastando um requerimento com um pedido de realização da segunda perícia, tendo a parte que indicar os pontos de discordância (as inexatidões a corrigir) e justificar a possibilidade de uma distinta apreciação técnica, mas não tem que demonstrar a efectiva procedência dessas razões (sublinhado nosso).
Por fim, refira-se que a segunda perícia não é propriamente uma faculdade assegurada às partes, pois que tem de ser requerida e devidamente fundamentada com a exposição das razões de discordância com o relatório apresentado – assim FERNANDO PEREIRA RODRIGUES, A prova em direito civil, Coimbra editora, 2011, p. 127.
A nosso ver, como se disse supra, não se vislumbra uma justificação objectiva.
Aliás, a análise é claramente subjectiva e, no limite, a perícia era desnecessária face aos juízos conclusivos acerca da interpretação a dar aos relatórios médicos que invoca. Assim, também não justifica a possibilidade de uma distinta apreciação técnica.
Por fim, é conhecida a autoria destes relatórios médicos, pelo que poderá ser requerida a sua inquirição tal como as enfermeiras.
Isto tudo sem prejuízo dos esclarecimentos da perita, em sede de julgamento, os
quais contribuirão para serem formuladas questões técnicas com vista ao melhor entendimento da sua perícia.
Assim, indefiro a realização de nova perícia, e determino a comparência da perita para prestar esclarecimentos.
(…)”.

Inconformado com a decisão proferida veio da mesma recorrer o réu HH, formulando as seguintes conclusões:

1.Nos presentes autos foi deferida pelo Tribunal e ordenada a realização de uma perícia médico-legal através do Gabinete Médico Legal, por perito único, a qual teria por objeto o definido pelos quesitos apresentados pelos A.A. no requerimento probatório da petição inicial, pelo 2º Réu no final da sua contestação e pelo 3º Réu, no requerimento com a refª. ...99.
2.O Réu ora recorrente após notificação do relatório da perícia médico-legal elaborado aos 20/07/2023, requereu a realização de uma segunda perícia, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.
3.O Tribunal “a quo” indeferiu a realização da segunda perícia requerida pelo ora
Réu, nele se referindo nomeadamente que.
“O Réu limita-se a interpretar determinados relatórios médicos, sem contudo fundamentar de forma objetiva a sua discórdia. Repare-se que os autos possuem abundante documentação clínica com base na qual a perita formulou as suas conclusões. E como bem referem os autores o Réu baseia o seu inconformismo e pedido de 2ª perícia com base em opiniões (do próprio) bem assim suposições, em ambos os casos sem qualquer base de fundamentação, muito menos lógica, tão só porque não aceita o resultado das doutas “conclusões” da Exma. Sra perita, procurando conferir outras interpretações, in casu, também pessoais, com vista a sustentar que no dia e hora em casa (que não indica) o putativo testador” estava capaz de entender e querer.”
(…)
A nosso ver, como se disse supra, não se vislumbra uma justificação objetiva.
Aliás, a análise é claramente subjetiva e, no limite, a perícia era desnecessária face aos juízos conclusivos acerca da interpretação a dar aos relatórios médicos que invoca.
Assim, também não justifica a possibilidade de um distinta apreciação técnica.
Por fim, é conhecida a autoria destes relatórios médicos, pelo que poderá ser requerida a sua inquirição tal como as enfermeiras.
Isto tudo sem prejuízo dos esclarecimentos da perita, em sede de julgamento, os quais contribuirão para serem formuladas questões técnicas com vista ao melhor entendimento da perícia.
Assim, indefiro a realização da nova perícia, e determino a comparência da peita para prestar esclarecimentos”.
4.Está em causa nomeadamente nos presentes a pretensão dos Autores de anulação de um testamento, pelo que, importa averiguar nomeadamente a capacidade do testador no dia em que efetuou o testamento (06/07/2017) em causa nos autos, ou seja, se estava ou não lúcido, se sabia o que queria e o que estava a fazer e se o discurso era de modo a expressar-se de forma livre e consciente de acordo com a sua vontade.
5.Tendo o testador falecido em ../../2018, a perícia em apreço apenas assentou em documentos nomeadamente os registos clínicos diários do internamento do testador e na leitura e interpretação que a Srª perita deles extraiu.
6.Obviamente que o recorrente ao requerer a segunda perícia a fundamenta também nos registos clínicos diários do internamento do testador no Centro Hospitalar ... – ... e no que entende que a interpretação que deles extraiu a Srª perita é inexata, apontando e precisando as razões dassa discordância, as quais incidem sobre as eventuais inexatidões ou inconsistências.
7.O recorrente no requerimento de pedido da segunda perícia efetuou referência expressa aos registos clínicos do internamento hospitalar do testador no que concerne aos dois dias (04 e 05 de ../../2017) que antecederam a feitura do testamento e ao próprio dia em que o mesmo foi realizado (06/07/2017) através dos quais, como evidenciou no seu requerimento, o mesmo passou a revelar uma melhoria do seu estado clínico que permitia concluir em sentido inverso ao que consta do relatório pericial como expôs no seu requerimento.
8.Os fundamentos invocados pelo réu recorrente permitem e suscitam um estado de dúvida que justificam a segunda perícia.
9.Atente-se que para a avaliação do estado psíquico do testador, a sua lucidez, seu
sentido de ver e compreender, saber o que queria e o que estava a fazer e que o seu discurso era de modo a expressar-se de forma livre, consciente e de acordo com a sua vontade é determinante o dia em que o testamento foi realizado.
10.O recorrente transcreveu inclusive no requerimento do pedido de realização da
segunda perícia parte do que constava desses registos clínicos e que, no seu entender, permitem, fundadamente, suscitar as razões da sua discordância e um estado de dúvida e inconsistência, no que concerne ao que consta do relatório pericial e suas conclusões:
No registo clínico referente ao dia 04/07/2017 o Dr. II referiu:
(…)
S)
Doente com discurso de difícil compreensão mas refere dispneia
O)
Deitado na cama.
Acordado e colaborante. Discurso escasso e de difícil compreensão. (…)
Pese embora o doente referir dispneia, consta do registo:
Ligeiramente polipneico. Sem sinais de dificuldade respiratória. Sat 02 99%. Com CN a 21/min.
(…)
Nos registos clínicos referente ao dia 05/07/2017 o Dr. II referiu:
(…)
S)
Doente nega queixas.
O)
Deitado na cama.
Acordado e colaborante. Discurso escasso e de difícil compreensão
(…)
***
Já não foi referenciado pelo doente, dispneia.
E, consta do registo clínico:
“Eupneico om CN a 1/min. Sat02 97%.”
Nos registos clínicos referente ao dia 06/07/2017, a Dr.(a) JJ, referiu:
(…)
Sem queixas espontâneas.
Consciente, pouco colaborante, orientado no espaço, desorientado no tempo, por vezes com discurso pouco percetível.
(…)
11. Ou seja, nesse dia 06/07/2017, também já não foi referenciada dispneia pelo doente.
12.
Atente-se, que nos registos clínicos relativamente ao estado do paciente nos dias 04/07, 05/07 e 06/07, o mesmo passou de:
“Acordado e colaborante. Discurso escasso e de difícil compreensão”. (04 e 05/07/2017)
Para:
“Consciente, pouco colaborante, orientado no espaço, desorientado no tempo, por vezes com discurso pouco percetível”. (06/07/2017).
13.No registo de enfermagem do dia 06/07/2017 refere “com alterações na comunicação (períodos de verborreia e discurso pouco percetível) ”, mas tal como atrás se referiu a propósito do registo clinico médico, apenas se retira dessas palavras que tal circunstancialismo não era constante, pois a menção a “períodos de …” significa, no entender do Réu, que tal era ocasional, limitado no tempo e não constante.
14.Como se verifica, perante esses registos clínicos, que são documentos do processo e pelos quais a Srª perita também formulou o seu relatório pericial, o Réu teve o cuidado ao requerer a segunda perícia, de alegar fundadamente as razões da sua discordância quanto ao relatório pericial e conclusões apresentadas.
15.E, fê-lo fundamentando nomeadamente que se foi registado no dia da feitura do testamento nomeadamente que o doente apresenta “por vezes com discurso pouco percetível” tal expressão “por vezes” só pode significar “de quando em quando, ocasionalmente, esporadicamente” e assim sendo, só podemos concluir que o discurso, nesse dia, em regra, era percetível.
16.Então, se tal como consta do registo clínico do médico no dia 06/07/2017, o paciente estava consciente, pouco colaborante, orientado no espaço, desorientado no tempo, por vezes com discurso pouco percetível, tal significa no entender do Recorrente, nomeadamente que:
- Se tem consciência, sabe o que faz, o que lhe permite nomeadamente pensar, observar.
- Pouco colaborante, que porventura colabora pouco face ao que lhe é solicitado; (muito embora se desconheça o que porventura foi solicitado).
- Orientado no espaço, significa que tem perfeita noção de onde está;
- Desorientado no tempo, poderá significar que não sabe porventura o dia ou as horas.
- Por vezes com discurso pouco percetível, que ocasionalmente o discurso é pouco percetível, mas normalmente tem um discurso percetível.
17.Pelas razões atrás expostas, nomeadamente dos registos clínicos, não concorda o Réu que desses registos clínicos à data da feitura do testamento, 06/07/2017, se possa desde logo concluir que a capacidade do testador nesse dia e hora estivesse afetada por uma doença ou por qualquer anomalia que eliminasse de modo constante e totalmente a sua vontade e o entendimento.
18.É certo que não assinou o testamento, mas não por estar afetada a sua capacidade de entendimento e a expressão livre da sua vontade, mas pelo que consta no testamento, ou seja, por ter declarado não o poder fazer.
19.E, mais fundamentou o Réu no seu requerimento, que não se podia afirmar apenas com os referidos registos clínicos, que o testador no dia e hora em que foi celebrado o testamento não tivesse a capacidade de entender o conteúdo do testamento que foi efetuado e subscreveu, dado que estava consciente, orientado no espaço e normalmente tinha um discurso percetível por contraponto ao referido pelo médico, por vezes com discurso pouco percetível.
20.Pelo que, discordando o Réu do relatório apresentado pela Exma Srª perita, pois face ao que atrás referiu e fundadamente, no entender do Réu, não se podia concluir apenas com os registos clínicos que à hora em que foi realizado o testamento, o testador que então estava consciente e orientado no espaço nesse dia, não tivesse tido ou não pudesse ter tido, um discurso percetível, discordando também da conclusão que o testador nesse dia e hora não estava lúcido.
21.Assim, em divergência com o relatório pericial apresentado relativamente ao estado de saúde do testador, fundadamente o recorrente alicerçando-se também nos registos clínicos, referiu que:
- O seu estado clínico “não afetava” a sua “capacidade de entendimento” pois, segundo o registo clínico do dia 06-07-2017, estava “consciente”.
- E, também o estado clínico “não afetava” a capacidade de expressão livre da sua
vontade pois, segundo o mesmo registo clínico do dia 06-07-2017, o “discurso pouco percetível”, ocorreria só “por vezes”, ou seja, na maioria do tempo não estava afetada a capacidade de “expressão livre da sua vontade”.
22.E se face ao que consta do registo clínico do dia da feitura do testamento que o testador estava “Consciente, pouco colaborante, orientado no espaço, desorientado no tempo, por vezes com discurso pouco percetível...” é razoável que seja colocada a dúvida quanto às conclusões do relatório pericial se relativamente ao dia em que foi efetuado o testamento, o testador não estava lúcido, que o discurso não era percetível e que não se expressaria de forma livre e conscientemente de acordo com a sua vontade e que o seu estado clínico à data afetava a sua capacidade de entendimento e a expressão livre da sua vontade.
23.Por outro lado, o recorrente no requerimento apresentado para realização da segunda perícia, indicou, por várias vezes, que o dia em causa, era obviamente o dia da realização do testamento, ou seja, o dia 06/07/2017, basta atentar nos artigos 16, 18, 24 desse requerimento, não sendo por isso correto o que os Autores alegaram no seu requerimento ao referirem “(…) com vista a sustentar que no dia e hora em causa (que não indica), o putativo “testador” estava capaz de entender e querer”.
24.Ora, a fundamentação apresentada pelo Réu não se baseia em meras opiniões ou suposições, sem qualquer base de fundamentação como referem os Autores, mas fundamenta-se, com objetividade, no que consta dos registos diários clínicos do testador.
25.O recorrente evidenciou assim fundadamente a deficiência, inexatidão, que no seu entender existe no relatório pericial apresentado e a necessidade de realização da segunda perícia a qual tem por finalidade a correção da inexatidão dos seus resultados, justificando-se, assim, a necessidade ou conveniência de submeter à apreciação de outro perito os factos que já foram apreciados.
26.A pretensão do recorrente não é impertinente, desnecessária, irrelevante ou dilatória, até porque os fundamentos apresentados merecem ser cabalmente avaliados, examinados e respondidos, para dissipar possíveis dúvidas que irão ter reflexo na formação da convicção do tribunal e na formulação da decisão, bem como, no convencimento das partes.
27.Por outro lado, a realização de uma segunda perícia pode ser cumulativa com a audição de testemunhas e os esclarecimentos dos peritos a prestar em audiência, e não tem de ser uma prova alternativa.
28.E, pese embora o Douto despacho judicial recorrido refira nomeadamente que (…) no limite, a perícia era desnecessária face aos juízos conclusivos acerca da interpretação a dar aos relatórios médicos que invoca”, salvo melhor opinião, se foi admitida e realizada uma primeira perícia desde que fundadamente se justifique a realização da segunda perícia não deve esta ser negada até pelo princípio do contraditório.
29.O Douto despacho recorrido ao indeferir o pedido efetuado pelo recorrente de
realização da segunda perícia recorrente violou nomeadamente o artigo 487, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil e assim deve ser revogado por outro que ordene a realização de uma segunda perícia, por outra entidade ou Gabinete Médico Legal, tendo por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira perícia, ao abrigo do disposto no artº. 487º, nº 1 e 2 do C.P.C.
Termos em que e nos mais de Direito, pelos factos atrás expostos, deve ser revogado o Douto despacho recorrido por outro que ordene a realização de uma segunda perícia, por outra entidade ou Gabinete Médico Legal, tendo por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira perícia, ao abrigo do disposto no artº. 487º, nº 1 e 2 do C.P.C.

Contra alegaram os autores formulando as seguintes conclusões:
I - A realização de segunda perícia está dependente da alegação fundada de razões sérias de discordância relativamente ao relatório pericial apresentado, assentes na inexatidão da(s) sua(s) conclusão(ões), o que contempla a existência de deficiência, insuficiência, obscuridade, contradição, imprecisão ou incorreção do resultado da perícia.
II - O Réu/Recorrente não cumpriu o ónus que lhe cabia nos termos do disposto no artigo 487.º n.º 1 do Código Processo Civil, isto é, não alega fundadamente razões de dissonância objectivas, muito menos fundamentos sérios, que justifiquem a realização de nova perícia.
III - O Réu/Recorrente baseia as putativas razões de discordância em opiniões e suposições sem qualquer base de fundamentação, muito menos lógica, tão só porque não
aceita o resultado das doutas conclusões da Exma. Sra. Perita, procurando impor a sua interpretação e opinião, com conclusões subjectivas, infundadas e contrárias às alcançadas pela Exma. Sra. Perita.
IV - Atento o incumprimento da exigência de fundamentação das razões de discordância da perícia pelo Réu/Recorrente, bem andou o Tribunal a quo ao indeferir a realização da mesma, evitando a realização de um meio de prova, in casu, pericial, manifestamente dilatória e impertinente.
Termos em que se requer a Vossas Excelências seja o recurso julgado não provado e improcedente, assim se fazendo inteira justiça.

Colhidos os vistos cumpre apreciar.
*
II. Objeto do recurso:

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, impondo-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes, bem como as que sejam de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas, cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, sendo certo que o tribunal não se encontra vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e que visam sustentar os seus pontos de vista, isto atendendo à liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.
Assim, atendendo às conclusões apresentadas pela recorrente, cumpre apreciar se existe fundamento legal para deferir a realização da segunda perícia, com a consequente revogação da decisão recorrida.
*

III. Fundamentação de facto:

Com relevo para a decisão ficaram apurados os seguintes factos:

1. AA e mulher, BB, intentaram ação declarativa de condenação, sob a forma comum contra CC e marido DD, EE e FF, pedindo os mesmos a condenação dos réus:
I – A ver declarado e a reconhecer que o testamento, bem como a procuração, são documentos ou instrumentos falsos e, como tal, nulos e de nenhum efeito;
II – A ver declarado e a reconhecer a nulidade ou anulabilidade do testamento ou das disposições testamentárias, bem como da procuração, inclusive por incapacidade acidental do “testador” e “mandante”, com as devidas consequências legais;
III – A indemnizar os AA., de modo solidário, pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais a eles causados, estes últimos na quantia de 10.000,00 € a cargo de cada Réu, e a favor de cada um dos AA., no global de 20.000,00 €, e os demais a liquidar por sentença.
IV – Os II RR., a ver declarado e a reconhecer o direito dos AA. a uma cópia das chaves, e a entregar as mesmas aos AA., das portas de entrada e divisões interiores do prédio urbano, da casa de habitação, que foi a morada do GG, pai do A. e Ré, e que hoje integra a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do mesmo e a absterem-se de usar, fruir, dispor e/ou causar dano aos bens móveis que se encontram no interior da casa pertencentes aos AA.
V – Tudo com as devidas consequências legais, incluindo custas a cargo dos RR.

2.Para o efeito e em resumo alegaram os mesmos que a ré tem 3 filhos e o seu marido com quem está casada sob o regime de comunhão de adquiridos.
GG foi emigrante em ..., onde viveu longos anos e trabalhou até cerca de 2009. Algum tempo após a partilha por divórcio dos bens do casal, GG construiu, no terreno que nesse inventário lhe foi adjudicado, uma casa de habitação, em ..., concelho ..., onde, por sinal, algum tempo após o divórcio, acabou por voltar a viver com a ex-mulher, KK.
Por volta de 2009, e por força de doença incapacitante, o GG acabou por se reformar com uma pensão de doença profissional, regressando a Portugal.
A agravar o seu estado e condição de saúde, sensivelmente em 6 de Março de 2017, GG sofreu acidente vascular cerebral hemorrágico (AVC) de que resultou hemiplegia esquerda e total dependência para as actividades da vida diária, sendo alimentado, nessa ocasião, por sonda gástrica, ficando a sua condição de saúde, desde então, dominada por sucessivos episódio de recaídas e/ou agravamentos e nesse dia foi internado no Hospital ... onde permaneceu até 12 de Abril de 2017, altura em que foi transferido para Centro Hospitalar ..., EPE, (Unidade Hospitalar ...), aí permanecendo até ../../2017.
No dia 4 de Maio de 2017 foi transferido para o Hospital ... em ... onde se manteve internado até ../../.... e nesse dia 26 de Maio de 2017, cada vez mais fragilizado e dependente, foi novamente internado no Centro Hospitalar ..., EPE, (Unidade Hospitalar ...), até 4 de Junho.
Dado o novo agravamento do seu estado de saúde, cada vez mais recorrente, foi transferido novamente em 4 de Junho para o Hospital ..., em ..., onde permaneceu em regime de isolamento até 28 de Junho.
Devido aos problemas respiratórios, em 28 de Junho de 2017, foi transferido para o Centro Hospitalar ..., EPE, (Unidade Hospitalar ...), serviço de urgência, onde lhe foi diagnosticado uma pneumonia com bactéria multirresistente, permanecendo, também aí, sob cuidados maiores e em isolamento, pelo menos, até ../../2017.
Entre ../../2017 e ../../2017 o GG ficou em convalescença na Clínica ..., ... - Unidade de Cuidados Continuados Integrados, em ..., ..., e em 26.10.2017 foi transferido para a Unidade de Cuidados Continuados Integrados do Hospital da Misericórdia de ..., ICCI, onde se manteve até ../../2018, porém, durante esse período, mais precisamente no dia 3 de Maio, devido a agravamento do seu estado, foi transferido para o Serviço de Urgência do Hospital ..., regressando à Unidade de Cuidados Continuados Integrados do Hospital da Misericórdia de ..., ICCI, no dia seguinte, 4 de Maio de 2018.
O GG, além dos problemas de saúde já descritos, a que se foram associando outros - aos antecedentes de hipertensão arterial, dislipidémia, fibrilação auricular, pneumonia intersticial e lobectomia direita por neoplasia pulmonar - tinha fases, principalmente desde ../../2017, de maior desorientação e era alimentado por sonda gástrica, resultado de agravamentos do estado de saúde, o que passara a ser uma constante, GG foi transferido em 11 de Maio de 2018 para o Centro Hospitalar ..., Epe, (Unidade Hospitalar ...), vindo a falecer aí 4 dias depois, com a idade de 68 anos, pelas 22.45 h. do mencionado dia 15 de Maio (terça feira).
Algum tempo volvido, o A. teve conhecimento de um “testamento” em que, alegadamente, o pai do A. em 06.07.2017 indicou a Ré como herdeira da quota disponível da herança do pai, o que - além da surpresa, pois, como se refere adiante, o pai naquele período não estava capaz de entender e querer - levou a reflectir se teria alguma relação com o(s) comportamento(s) posterior(es) da Ré e do Réu, já descrito(s) supra.
Com efeito, resulta do aludido documento que GG outorgou o “testamento” no referido dia 6.07.2017 no Hospital ..., onde estava internado, perante o Notário Dr. EE, com Cartório na referida cidade, aqui II Réu, figurando como testemunha uma funcionária do Ilustre Advogado do seu pai e, então, da irmã do A., ficou consignado que o testador não assinou por ter declarado não o poder fazer.
Voltando a testamento, quer nos dias que antecederam, quer, e em maior grau, o dia que nele consta como tendo sido outorgado pelo referido GG, o mesmo não estava capaz, física e psicologicamente, de testar, sequer de entender o seu sentido e alcance, muito menos queria e/ou tinha vontade, livre e esclarecida, de declarar o que nele consta como tendo sido por ele declarado, sofrendo tal acto, além do mais, vicio de vontade, inclusive por erro e/ou dolo.

3.Requereram os autores a realização de perícia juntando para o efeito os seguintes quesitos:
8.No longo período em que viveu em ..., o GG trabalhou na metalurgia pesada até sensivelmente 2008, altura em que lhe foi diagnosticado um cancro no pulmão, que determinou que se submetesse, durante muito tempo, e sempre com o apoio e acompanhamento dos AA., a tratamentos vários, inclusive cirurgias.
9.
Por volta de 2009, e por força da referida doença, incapacitante, o GG acabou por se reformar com uma pensão de doença profissional.
10.
Na sequência da reforma, algum tempo após, regressou a Portugal, embora se deslocasse com alguma frequência a ..., principalmente para tratamentos médicos e medicamentosos, que se prolongaram por muito tempo, onde, nesses períodos, permanecia com o referido apoio dos AA. e junto a estes e netos.
11.
A agravar o seu estado e condição de saúde, sensivelmente em 6 de Março de 2017, GG sofreu acidente vascular cerebral hemorrágico (AVC), (doc. ...),
12.
de que resultou hemiplegia esquerda e total dependência para as actividades da vida diária, sendo alimentado, nessa ocasião, por sonda gástrica, ficando a sua condição de saúde, desde então, dominada por sucessivos episódio de recaídas e/ou agravamentos (doc. ...).
13.
Nesse dia foi internado no Hospital ... onde permaneceu até 12 de Abril de 2017,
14.
altura em que foi transferido para Centro Hospitalar ..., EPE, (Unidade Hospitalar ...), aí permanecendo até ../../2017.
15.
No dia 4 de Maio de 2017 foi transferido para o Hospital ... em ... onde se manteve internado até ../../.....
16.
Em 26 de Maio de 2017, cada vez mais fragilizado e dependente, foi novamente internado no Centro Hospitalar ..., EPE, (Unidade Hospitalar ...), até 4 de Junho.
17.
Dado o novo agravamento do seu estado de saúde, cada vez mais recorrente, foi transferido novamente em 4 de Junho para o Hospital ..., em ..., onde permaneceu em regime de isolamento até 28 de Junho.
18.
Devido aos problemas respiratórios, em 28 de Junho de 2017, foi transferido para o Centro Hospitalar ..., EPE, (Unidade Hospitalar ...), serviço de urgência, onde lhe foi diagnosticado uma pneumonia com bactéria multirresistente,
19.
permanecendo, também aí, sob cuidados maiores e em isolamento, pelo menos, até ../../2017.
20.
Entre ../../2017 e ../../2017 o GG ficou em convalescença na Clínica ..., ... - Unidade de Cuidados Continuados Integrados, em ..., ...,
21.
e em 26.10.2017 foi transferido para a Unidade de Cuidados Continuados Integrados do Hospital da Misericórdia de ..., ICCI, onde se manteve até ../../2018,
22.
porém, durante esse período, mais precisamente no dia 3 de Maio, devido a agravamento do seu estado, foi transferido para o Serviço de Urgência do Hospital ..., regressando à Unidade de Cuidados Continuados Integrados do Hospital da Misericórdia de ..., ICCI, no dia seguinte, 4 de Maio de 2018.
23.
O GG, além dos problemas de saúde já descritos, a que se foram associando outros - aos antecedentes de hipertensão arterial, dislipidémia, fibrilação auricular, pneumonia intersticial e lobectomia direita por neoplasia pulmonar - tinha fases, principalmente desde ../../2017, de maior desorientação e era alimentado por sonda gástrica. (doc. ...).
24.
Resultado de agravamentos do estado de saúde, o que passara a ser uma constante, GG foi transferido em 11 de Maio de 2018 para o Centro Hospitalar ..., Epe, (Unidade Hospitalar ...),
25.
vindo a falecer aí 4 dias depois, com a idade de 68 anos, pelas 22.45 h. do mencionado dia 15 de Maio (terça feira).
68.
Voltando a testamento, quer nos dias que antecederam, quer, e em maior grau, o dia que nele consta como tendo sido outorgado pelo referido GG, o mesmo não estava capaz, física e psicologicamente, de testar, sequer de entender o seu sentido e alcance, muito menos queria e/ou tinha vontade, livre e esclarecida, de declarar o que nele consta como tendo sido por ele declarado. (doc. ... B).
75.
Não bastasse, o referido GG, como se aludiu, no período em causa, ../../2017 – tal como antes, inclusive em Maio e Junho, em maior grau nos meses posteriores - encontrava-se sob forte vigilância e medicação que, além das contra-indicações ao nível psíquico, lhe turbava e limitava o raciocínio e incapacitado de entender o sentido e alcance que lhe é atribuido como por si declarado e praticado no alegado testamento, muito menos desejava ou queria emitir a declaração – em especial a alusiva à quota disponível, (doc. ... B),
78.
Ademais, o pai do A. e da Ré não conseguia expressar-se, de forma esclarecida e entendível, muito menos entendia e/ou percebia o sentido, significado e as implicações do que lhe é atribuído, como, por exemplo, das expressões “testamento”, “quota disponível”, e muito menos conseguia descrever ou conhecia a sua situação patrimonial, como os bens que era proprietário ou co-proprietário. (doc. ... B).
79.
Seguramente, o GG, na ocasião em causa, não tinha discernimento, e/ou o livre exercício da sua vontade, ainda que transitória, em virtude da sua grave limitação física e psicológica, resultante da débil condição ou estado de saúde (art.º 2199.º do CC).
81.
Acresce que, o GG, mesmo abstraindo do estado de dependência e/ou demência, e sujeição a forte medicação, em que já se encontrava, não tinha capacidade de iniciativa, discernimento, sequer vontade e condições de chamar um notário, muito menos para este, aqui II Réu, se deslocar ao Hospital onde se encontrava internado,
86.
Curiosamente, a procuração acima enunciada, da lavra do III Réu, por indicação ou a pedido da Ré, (tal como o testamento, sua “beneficiária” e principal interessada), também padece dos mesmos vícios de forma, substância e de vontade, desconhecendo, por sinal, o GG, face ao seu estado – físico e psicológico e efeito de medicação - que bens tinha, quanto mais contas bancárias e num preciso Banco em ...,

4.Em sede de contestação o réu requereu também a perícia juntando para o efeito os seguintes quesitos:
1.Pese embora o Sr GG, no dia 06/07/2017, se encontrar hospitalizado no Centro Hospitalar ... (EPE) Unidade Hospitalar ..., o mesmo não estava ou é possível que estivesse consciente e lúcido, que falasse e pudesse exprimir livre e conscientemente a sua vontade?
2.O Sr GG, no dia 06/07/2017 estava inbcapacitado para assinar documentos, nomeadamente um testamento?
3. Pese embora estar hospitalizado, o Sr GG, no dia 06/07/2017, tinha capacidade de entender ou a eventual doença de que padecia e pela qual se encontrava internado afetava-o de tal modo que não tinha capacidade de entender, ouvir e exprimir livremente a sua vontade?

5.Foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual, além do mais, se foram enunciados os seguintes temas da prova:
1- saber se o falecido GG sofreu as doenças e internamentos nos termos e pelos motivos alegados em 11º a 24º da petição inicial;
2- saber se nas últimas férias de 2016, quando o falecido soube da vontade do A. em comprar uma casa em Portugal disse para não o fazerem pois que ficavam com a casa dele, embora necessitasse de restauros e de ser modernizada, e a irmã, aqui Ré, que já tinha casa própria em ..., ..., ficava com os terrenos, acertando o A. contas com a mesma, (referindo-se às tornas), atento que, como por todos era reconhecido, a terra tinha menor valor, ficando, apenas com a salvaguarda, em ambas as situações, de “reserva de vida;
3- saber se tal determinação do pai do A., havia determinado e levado os AA. a mudar, gradualmente, para a dita casa as roupas, calçado, bem como bens pessoais, mobília de sala, fogão, frigorífico, utensílios de cozinha, televisão, louças, bebidas, bens que aí se mantêm, e se os primeiros RR., a partir de Janeiro de 2018, aproveitando-se do estado de saúde do pai e sogro, respectivamente, passaram a impedir o acesso aos AA., como impediram até hoje, trocando as fechaduras das portas;
4- saber se o falecido GG, em ../../2017, tal como antes, inclusive em Maio e Junho, em maior grau nos meses posteriores, encontrava-se sob forte vigilância e medicação que lhe turbava e limitava o raciocínio;
5- saber se o pai do A. e da Ré não conseguia expressar-se, de forma esclarecida e entendível, nem entendia e/ou percebia o sentido, significado e as implicações do que lhe é atribuído no testamento, como as expressões “testamento”, “quota disponível”, e muito menos conseguia descrever ou conhecia a sua situação patrimonial, como os bens que era proprietário ou comproprietário;
6- saber se o falecido soubesse ou fosse esclarecido que, com a expressão “quota disponível”, estava a beneficiar um dos seus filhos em detrimento do outro, no caso a Ré, em prejuízo do A. e, indirectamente, dos netos, nunca o aceitaria ou outorgaria;
7- saber se o GG, não tinha capacidade de iniciativa, discernimento, ou vontade e condições de chamar um notário para se deslocar ao Hospital onde se encontrava internado, tendo sido a Ré quem, aproveitando-se dos seus conhecimentos e da condição de saúde do seu pai, providenciou, por sua exclusiva iniciativa, todos os preparativos e indicou ou sugeriu a “fórmula”, feita constar por notário, aqui II Réu, que determinaram o conteúdo do testamento de fls. 33 a 34, pretendendo assim a ré fazer prevalecer algo que o seu pai nunca faria;
8- saber se o falecido GG, face ao seu estado físico e psicológico e efeito de medicação, desconhecia que bens tinha, e quais as suas contas bancárias, sendo a procuração junta a fls. fls. 39 v. a 43, sido lavrada pelo terceiro réu a pedido e por indicação da ré;
9- saber se os II e III RR. sabiam, nas circunstâncias descritas, que o referido DD não estava capaz de entender e/ou querer as declarações constantes do testamento e procuração de fls. 39 v. a 43, para as quais não tinha consciência;
10- saber se em consequência do comportamento dos primeiros réus referido em 7. e 8., os autores sofreram os danos alegados em 92º e 97º-1 da petição;
11- saber se em consequência dos comportamentos dos primeiros, segundo e terceiro réus, os autores sofreram os danos alegados em 97º-2 e 97º-4 da petição, pelos motivos aí alegados;
12- saber se quando outorgou a escritura de habilitação de herdeiros junta a fls. 31 a 32 o autor tinha conhecimento do que consta supra sob os nºs 4 a 8;
13- saber se o terceiro réu foi contactado pela primeira ré mulher no sentido de elaborar a referida procuração, com base na minuta que lhe foi apresentada.

6.E relativamente aos requerimentos probatórios, determinou-se a realização da perícia após a junção aos autos dos elementos clínicos, por perito único, tendo por objecto o definido pelos quesitos apresentados pelos AA. no requerimento probatório da petição inicial e pelo 3.º R., no requerimento com a ref.ª ...99.

7.Realizada que foi a peritagem o relatório apresentado respondeu aos quesitos formulados pelo réu nos seguintes termos:
“Resposta aos quesitos colocados pelo Dr. LL relativos ao dia 06/07/2017:
Da leitura atenta de tais informações pode-se inferir que o Examinando em 06/07/2017 estaria consciente, desorientado, com períodos de verborreia e com discurso pouco perceptivel. O examinado tinha inclusivamente no dia anterior tido necessidade de ser contido fisicamente por se apresentar agitado. Importa referir que nessa data encontrava-se a realizar antibioterapia para quadro infecioso multirresistente e estava com necessidade de oxigenoterapia.
Assim,
1-Estava consciente; não estava lucido, o discurso não era perceptivel pelo que não se expressaria de forma livre e conscientemente de acordo com a sua vontade.
2-De acordo com o acima expresso não estaria capaz, nessa data, de assinar documentos, nomeadamente um testamento;
3-O estado clinico com que se encontrava á data afetava a sua capacidade de entendimento e a expressão livre da sua vontade.

8.Notificado do relatório, veio o réu/ora recorrente requerer a realização de segunda perícia nos seguintes termos:
*
IV. Fundamentação de direito:

O Tribunal a quo, face ao requerido pelas partes, decidiu que a perícia a que se reporta fosse feita singularmente no IML.
Notificado do relatório apresentado, o réu, ora recorrente, requereu a segunda perícia arguindo, em resumo que, do diário clínico do paciente resulta que nos dois dias anteriores e no próprio dia do testamento, o mesmo teve uma evolução do seu estado clínico (indicando os registos clínicos em causa) e dos quais se poderia retirar que na data do testamento o seu discurso era perceptível, o mesmo se encontrava com consciência, orientado, lúcido, sendo que a doença de que padecia não afetava a capacidade de entender o conteúdo do testamento.

Vejamos.
Conforme resulta do disposto no artº 341º do Código Civil "as provas têm por objecto a demonstração da realidade dos factos".
Por seu lado, o artº 410º do CPC estabelece que a "instrução tem por objecto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova".
Assim, podem as partes oferecer ou requerer quaisquer provas, desde que licitas, que entendam mostrarem-se necessárias para provar os factos que alegam ou para contraprova dos factos aduzidos pela contraparte.
No que à prova pericial diz respeito, estabelece o artº 388º do Código Civil que, "A prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial."
Efetivamente, como refere o Dr Alberto dos Reis, in Código do Processo Civil Anotado Vol. IV, Coimbra Editora, Reimpressão, 1987, pág. 171, “O verdadeiro papel do perito é captar e recolher o facto para o apreciar como técnico, para emitir sobre ele o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem".
Determina, por sua vez, o nº 1 do artº 475º do Código de Processo Civil que, “Ao requerer a perícia, a parte indica logo, sob pena de rejeição, o respectivo objecto, enunciando as questões que pretende ver esclarecidas através da diligência", podendo a perícia, conforme resulta do nº 2 do mesmo preceito legal “reportar-se, quer aos factos articulados pelo requerente, quer aos alegados pela parte contrária”.
Nos termos do disposto no nº 1 do artº 476º do Código de Processo Civil, “Se entender que a diligência não é impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objecto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição”.
Nos termos do nº 2 do preceito legal atrás citado, “incumbe ao juiz, no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o respectivo objecto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-o a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade”.
Ora, no caso sub judice, porquanto as partes, a saber, os autores e o réu/recorrente, requereram a realização de perícia, indicando o respetivo objeto, enunciando as questões de facto que pretendiam ver esclarecidas, não se mostrando a mesma impertinente nem dilatório, deferiu a Mma Juiz a quo, a sua realização.
Nos termos do disposto no artº 484º do Código de Processo Civil, veio a Srª Perita apresentar o resultado da perícia através do relatório de fls, sendo que notificado o mesmo às partes, veio o réu, ora recorrente requerer, a realização da segunda perícia.
Ora, o regime jurídico da segunda perícia encontra-se plasmado nos artºs 487º a 489º do Código de Processo Civil.
Dispõe o artº 487.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Realização de segunda perícia” que “qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.
E dispõe o nº 3 do citado preceito que “a segunda perícia tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta”.
Como referem os Drs Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3.ª edição, Almedina, 2019, pág. 342, citado pelos Srs Drs Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª edição, Almedina, pág 567“A segunda perícia não constitui uma instância de recurso, visando somente, fornecer ao tribunal um novo elemento de prova quanto aos factos que foram objeto da primeira, depois de apreciados tecnicamente por outros peritos.”
Ora, à parte ou partes que requerem a segunda perícia, cabe explicitar os pontos em que se manifesta a sua discordância face à primeira perícia, apresentando as razões por que entende que esse resultado devia ser diferente.
Como referem os Drs Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, na obra e pág atrás citadas,“A exigência de fundamentação das razões de discordância tem por objectivo evitar segundas perícias dilatórias, exigindo-se à parte que concretize os pontos de facto que não foram suficientemente esclarecidos na primeira perícia, enunciando as razões por que entende que o resultado da perícia deveria ser.
A expressão fundadamente significa que as razões de discordância têm de ser claramente explicitadas, não bastando a apresentação de um simples requerimento de segunda perícia (STJ 25/11/2004, CJ ,T.III,p.124). A parte tem de indicar os pontos de discordância (as inexatidões a corrigir) e justificar a possibilidade de uma distinta apreciação técnica. (…) Embora o requerente não tenha de demonstrar a procedência da argumentação, os motivos de discordância terão de ser aptos, do ponto de vista objectivo e atentas as circunstâncias do caso concreto, a criar um estado de dúvida no julgador médio sobre se a perícia efectuada não padecerá dos vícios que o requerente lhe assaca e que, caso venham a ser demonstrados, levam a que seja alcançado um resultado distinto do da primeira (RG 4-10-2018, 3621/17)”.
Ou seja, destina-se a segunda perícia a corrigir a eventual inexactidão do resultado da primeira, cabendo a quem da mesma lança mão, alegar fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado, ou seja, indicar, de forma concreta, as inexatidões, incoerências ou insuficiências em que incorre o relatório pericial, em que medida ou de que forma influenciam o resultado final e indicar as correções a introduzir, seja no que respeita aos elementos de facto a considerar, seja no que respeita a uma distinta apreciação técnica; as referidas razões, consideradas objectivamente, terão de ser aptas, a criar no julgador médio um estado de dúvida sobre se a perícia efectuada não padecerá dos vícios que o requerente lhe assaca e que, caso venham a ser demonstrados, levam a que seja alcançado um resultado distinto do da primeira.
Ora, no caso sub judice, importa aos autos aferir se, à data da outorga do testamento, estava o testador capaz de entender o teor do mesmo, sendo que em sede de relatório perícias, entendeu a Srª Perita do IML que:
Da leitura atenta de tais informações pode-se inferir que o Examinando em 06/07/2017 estaria consciente, desorientado, com períodos de verborreia e com discurso pouco perceptivel. O examinado tinha inclusivamente no dia anterior tido necessidade de ser contido fisicamente por se apresentar agitado. Importa referir que nessa data encontrava-se a realizar antibioterapia para quadro infecioso multirresistente e estava com necessidade de oxigenoterapia.
Assim,
1-Estava consciente; não estava lucido, o discurso não era perceptivel pelo que não se expressaria de forma livre e conscientemente de acordo com a sua vontade.
2-De acordo com o acima expresso não estaria capaz, nessa data, de assinar documentos, nomeadamente um testamento;
3-O estado clinico com que se encontrava á data afetava a sua capacidade de entendimento e a expressão livre da sua vontade.
Ora, da leitura dos motivos invocados pelo réu/ora recorrente para a realização da segunda perícia, resulta a sua leitura pessoal dos registos clínicos que foram tidos em conta e devidamente plasmadas no relatório pericial.
Por outro lado, diga-se que não resulta do requerimento apresentado, em que medida é que a leitura dos registos clínicos (e não a sua leitura) fazem incorrer o relatório pericial em inexatidões, incoerências ou insuficiências com influência no resultado final, ou seja, não explicita em que medida ou de que forma é que tais elementos seriam aptos a obter um resultado pericial diferente.
Acresce que não são indicados quaisquer elementos clínicos ou outros que permitam concluir, como o faz o réu/recorrente, que a doença de que padecia o testador não o incapacitava de entender o conteúdo do testamento, quando é o próprio que lança mão a registos clínicos dos quais resulta que aquele estava, a 6 de ../../2017, consciente, pouco colaborante, orientado no espaço, desorientado no tempo e com discurso pouco perceptível.
Diga-se ainda que a pura e simples leitura pessoal dos elementos clínicos juntos aos autos e que foram o fundamento do relatório pericial não traduzem, isolada ou conjugadamente, a alegação, concreta, de inexatidões, incoerências ou insuficiências do relatório pericial e que mesmo que pudessem ser consideradas razões, nos termos do disposto no nº 1 do artº 487º do Código de Processo Civil, as mesmas objetivamente consideradas, não se mostram suficientes para criar no julgador médio um estado de dúvida sobre se a perícia efectuada não padecerá de inexatidões, incoerências ou insuficiências.
Assim sendo, entendemos não estarem reunidos os pressupostos de realização de uma segunda perícia, motivos porque se mantém a decisão em crise, e se julga improcedente o recurso.
*

V. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães, julgar o recurso totalmente improcedente e, em consequência, mantem-se a decisão recorrida.

Custas do recurso pelo recorrente.

Guimarães, 14 de março de 2024


Relatora: Margarida Pinto Gomes
Adjuntas: Paula Ribas
Fernanda Proença Fernandes.