Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
287/18.2T8PRG.G1
Relator: JOSÉ CARLOS PEREIRA DUARTE
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
COBERTURA DO TELHADO
INFILTRAÇÕES
DANOS EM FRACÇÃO AUTÓNOMA
ÓNUS DA PROVA
DEVER DE INDEMNIZAR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O telhado do prédio constituído em regime de propriedade é uma parte imperativamente comum (cfr. artigo 1421.º, n.º 1, alínea b), do Código Civil).
II - Cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício (cfr. art.º 1420.º, n.º 1 do Código Civil), sendo tal direito irrenunciável, como decorre do n.º 2 do art.º 1420º do CC.
III - Daqui decorre que, para efeitos do disposto no art.º 493º n.º 1 do CC, quem tem em seu poder as partes comuns de um edifício constituído no regime de propriedade horizontal e, portanto, está constituído no dever de a vigiar, é o conjunto de todos os condóminos.
IV - Muito embora tenha sido demandado o “Condomínio”, em termos materiais os verdadeiros sujeitos da relação material são todos os “condóminos”.
V - Numa situação de infiltrações numa fracção autónoma, com origem na cobertura do telhado do prédio em propriedade horizontal, nos termos do disposto no art.º 493º, n.º 1 do CC, cabe ao “Condomínio” alegar e provar, para se eximir à responsabilidade, que nenhuma culpa houve da sua parte na produção do facto danoso, ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
           
1. Relatório

AA e mulher, BB intentaram acção declarativa de condenação com processo comum contra “Condomínio” do prédio sito na Av. ..., ..., ..., pedindo seja condenado a:
A) Proceder à reparação da cobertura do Bloco I do Edifício ... do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal descrito na CRP sob o n.º ...31 e inscrito na matriz sob o art.º ...89 da União de Freguesias ..., de modo a que os problemas de infiltração deixem de existir, e se necessário proceder à substituição integral da cobertura.
B) Proceder à reparação de todos os danos existentes na fração autónoma designada pela letra ... correspondente ao ... andar do prédio supra mencionado e que constitui a casa de habitação dos Autores, o que passará pela substituição integral do soalho, reparação das paredes, tectos, rodapés que se mostrem danificados e respetiva pintura e ainda na reparação dos danos que de futuro se venham a verificar, decorrentes das infiltrações do terraço de cobertura.
C) Em caso de condenação deve ainda o Réu ser condenado no pagamento de uma multa diária por cada dia de atraso no cumprimento da sentença, uma vez que em causa estão direitos pessoais à própria saúde, sendo incomportável a vivência na habitação.
D) Condenar o Réu a pagar aos Autores a quantia de €1.246,00 a título de danos patrimoniais e €3.500,00 a título de danos não patrimoniais.

Alegaram para tanto que são proprietários da fracção autónoma designada pelas letras ..., correspondente ao ... andar do prédio sito na Av. ..., ..., ...; em finais de 2015 realizaram-se obras de reparação na cobertura do prédio, mediante a colocação de “uma espécie de tela”, obras essas ordenadas pelo Condomínio; em Janeiro de 2016 a fracção autónoma dos AA. sofreu “inundações” provindas da cobertura, devido à pluviosidade que se fazia sentir, tendo-se verificado humidades e infiltrações nas zonas da fracção autónoma que indicam, o que obrigou à abertura de buracos na cobertura, a fim de retirar a água existente na cobertura; as referidas inundações provocaram manchas nas paredes e tectos da zonas que indicam e as humidades, cheiro nauseabundo; os AA., na falta de resposta às reclamações que efecturam junto do R., pintaram os compartimentos onde o cheio das humidades era mais intenso; porém, “cerca de uma semana a quinze dias após” a pintura, voltaram a surgir humidades no quarto das filhas, os problemas referidos decorrem da deficiente reparação da cobertura; não obstante os diversos pedidos de reparação, quer junto do Administrador do Condomínio, quer junto do empreiteiro, ninguém se disponibilizou ou responsabilizou pela reparação das infiltrações, embora reconheçam que as mesmas decorrem das obras executadas na cobertura; os AA. acabaram por pintar a casa toda em Novembro de 2016; logo após e nas datas de Novembro que indicam, voltou a chover e as infiltrações reapareceram, que retiraram todo o conforto e são prejudiciais para a saúde; os AA. sofreram angústia com a situação da casa e vivem em constante sobressalto e alerta para que os prejuízos não sejam maiores; descrevem os prejuízos patrimoniais e não patrimoniais .

O R. contestou, invocando que a presente acção carece de qualquer fundamento de facto e de direito e que o comportamento dos AA. constitui um caso típico de abuso de direito e de litigância de má fé; durante 2014 foram realizadas obras de reparação e isolamento em tela da cobertura do Bloco I do Edifício ...; em 2015 e 2016 foram realizadas obras idênticas no Bloco II, imediatamente contíguo ao Bloco I; em Janeiro de 2016 devido à forte pluviosidade verificaram-se infiltrações de água no interior da habitação dos AA.; analisada a cobertura, constatou-se que as caleiras de serviço do Bloco I, estavam inundadas de águas paradas, não fazendo, assim, o normal escoamento; as saídas de água estavam entupidas com detritos ou resíduos  de obra, o que impediu o escoamento da água das chuvas e fez com que a água transbordasse das caleiras e se infiltrasse, em grande quantidade, para o interior da habitação dos AA.; procedeu-se à limpeza e desobstrução das caleira, tendo a água passado a escoar normalmente, o que não evitou que a água que já se encontrava no interior da placa, se infiltrasse na habitação dos AA.; constatou-se que aquando dos trabalhos no Bloco II, foi levantada e não foi novamente colada, a tela de cobertura do Bloco I, ao longo da linha de contacto dos dois blocos, o que também permitiu que, por aí, ocorressem, infiltrações de água para o interior do prédio; os AA. não deram conhecimento ao “Condomínio” das infiltrações de Novembro de 2016; o acesso à cobertura é feito pelo interior da habitação dos AA., porque os AA. aumentaram a sua habitação para o terraço comum, tapando, assim, o acesso à cobertura, através da casa das máquinas localizada no ... piso; em Outubro de 2016 o Administrador e dois funcionários deslocaram-se ao ... piso para fazer trabalhos de manutenção e limpeza da cobertura, tendo os AA. impedido a entrada na sua habitação; em Novembro começaram a surgir infiltrações de água no hall comum do piso ... e na casa das máquinas; o Administrador contratou um empreiteiro para verificar a causa das infiltrações, que contactou o A., que declarou não deixar entrar ninguém; foram efectuadas outras tentativas de acesso à cobertura, não autorizadas pelos AA.; os AA. contribuíram para as infiltrações na habitação; o Condomínio cumpriu a decisão proferida no procedimento cautelar, tendo o problema das infiltrações sido solucionado.

E requereu a intervenção provocada da Companhia de Seguros A... SA

Foi admitida a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros A..., S.A., que, citada, contestou, por impugnação, dizendo que constatou danos consideráveis em revestimentos de tetos e paredes do último andar do ... andar recuado, resultante de um entupimento no escoamento da cobertura, derivado de detritos de obra em cobertura do edifício contíguo, da responsabilidade de terceiro, tendo transmitido ao tomador do seguro que iria proceder ao encerramento do processo.

Realizou-se a audiência prévia em que foi consignado:
- o objecto do litígio:
- O direito dos autores a obterem do condomínio a reparação da cobertura do edifício onde se situa a sua fracção autónoma ou a substituição da cobertura, se necessário para impedir as infiltrações.
- O direito dos autores a obterem do condomínio a reparação dos danos verificados na sua fracção autónoma.
- A sanção pecuniária compulsória.
- O direito dos autores a uma indemnização de € 1.246,00 por danos patrimoniais e a uma compensação de € 3.500,00 por danos não patrimoniais.
- A litigância de má fé dos autores.
- os temas da prova:
1. A verificação de danos na fracção autónoma dos autores como consequência das obras deficientes realizadas pelo Condomínio na cobertura do edifício.
2. A persistência das infiltrações, mesmo após a realização de obras no telhado por efeito da procedência do procedimento cautelar apenso.
3. Os gastos que, em consequência daqueles danos, os autores se viram obrigados a fazer na sua habitação para a tornar mais salubre.
4. As alterações que os autores se viram obrigados a fazer na utilização da sua casa em virtude dos aludidos danos.
5. O efeito psicológico sobre os autores dos danos produzidos na sua fracção autónoma.
6. A intervenção do autor marido no material da cobertura do edifício como causa de infiltrações.
7. Os entraves colocados pelos autores ao Condomínio para a reparação do telhado.
8. A actuação processual de má fé dos autores.

Instruídos os autos e após várias vicissitudes, realizou-se a audiência de julgamento e foi proferida sentença que decidiu:

I- Julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) Condeno o réu Condomínio a proceder à reparação do Bloco I do Edifício ... do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal descrito na Conservatória do Registo Predial com o n. º ...31 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...89.º da União de Freguesias ..., de modo a que os problemas de infiltração deixem de existir, procedendo à substituição integral da cobertura.
b) Condeno o réu Condomínio a proceder à reparação dos danos considerados provados, existentes na fracção autónoma designada pelas letras ..., correspondente ao ... andar do prédio indicado em a).
c) Condeno o réu Condomínio a pagar aos autores a quantia de € 1.246,00 (mil, duzentos e quarenta e seis euros) a título de danos patrimoniais e a quantia de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais.
d) Absolvo os réus do demais peticionado.
e) Condeno os autores e o réu condomínio no pagamento das custas processuais na medida dos respectivos decaimentos, nos termos do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
II- Julgo não verificada a litigância de má fé dos autores.

Interpôs o R. recurso, pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por outra que “condene o R., apenas, na reparação da cobertura do Bloco I do Edifício
... do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal descrito na Conservatória do Registo Predial com o n. º ...31 e inscrito na respectiva matriz sob
o artigo 1689.º da União de Freguesias ..., de modo a que os problemas de infiltração deixem de existir”, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:
1-O presente recurso traduz o inconformismo dos AA./ recorrentes face à d. sentença recorrida que condenou o recorrente a proceder à reparação do Bloco I do Edifício ..., de modo a que os problemas de infiltração deixem de existir, procedendo à substituição integral da cobertura e  aproceder à reparação dos danos considerados provados, existentes na fração autónoma dos AA. e a pagar-lhes a quantia de € 1.246,00 (mil, duzentos e quarenta e seis euros) a título de danos patrimoniais e a quantia de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais.
2- Em conformidade como disposto no art. 640º do C.P. Civil, tendo o Recorrente impugnado a decisão proferida sobre a matéria de fato especificou nas suas alegações os concretos pontos de facto que considerou incorretamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham, a seu ver, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
3- Nesse enquadramento, considera o recorrente incorretamente julgados os pontos 18; 19; 20; 21; 22; 23; 24; 24; 26; 27; 28; 34; 37; 38; 39; 48; 54; 55 e 56 dos fatos provados.
4- Sendo que os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de fato impugnados diversa da recorrida são o depoimento de parte e declarações de parte prestadas pelo representante da R. CC gravado no sistema integrado de gravação disponível na aplicação informática em uso no Tribunal no dia 20.11.2020 com a duração entre as 11:01:04 às 11:37 e as declarações de parte do A. AA, gravado no mesmo dia e sistema integrado de gravação declarações, entre as 12:02:19 a 12:34:52.
4- No discernir do recorrente a prova produzida a seguir indicada, articulada com os fatos já dados por provados pelo Tribunal Recorrido, impunham uma decisão da matéria de fato, que se resume a considerar provado que as infiltrações ocorridas no interior do imóvel dos AA. tiveram origem, não só na falta de conservação da cobertura do edifício, mas no entupimento das caleiras da cobertura (tal como foi dado por provado nos pontos 46; 57; 58 e 59) e em razão do levantamento da tela aquando das obras realizadas no bloco II (cfr ponto 60) dos fatos provados), bem assim, mercê da conduta dos AA. ao impedirem o acesso do R. à cobertura do edifício (ponto 63 dos fatos provados).
5- Isto é, não resultou provado uma causa única e exclusiva das invocadas infiltrações, não podendo, assim, estabelecer-se um evidente nexo casual entre cada uma dessas causas e os danos invocados pelos AA..
6- Aliás, da análise da factualidade dada por provada, retira-se até alguma contradição nas causas de infiltrações para a habitação dos AA., tanto atribuída à deficiente execução dos trabalhos na cobertura realizados pela R., como à deficiente manutenção e limpeza das condutas de escoamento da cobertura, como ainda ao deficiente estado da cobertura.
7- Certo é que o primeiro episódio de infiltrações identificado nos autos, ocorreu na sequência do levantamento da tela, aquando das obras realizadas no Bloco II do Edifício (cfr. Ponto 2), altura em “as saídas da água encontravam-se entupidas com resíduos de pombas e da obra realizada na cobertura do bloco II e que foram deixados sobre a cobertura do bloco I, o que, aliado às referidas deficiências do material da cobertura, fez com que a água transbordasse das caleiras e se infiltrasse em grande quantidade para o interior do edifício, em particular, para a fracção autónoma dos autores “.
8- Ou seja, não obstante a cobertura do edifício se encontrar em mau estado de conservação, não foi esta a causa ou, pelo menos, - a única causa – das infiltrações ocorridas no apartamento dos AA..
9- Donde resulta inexistir nexo causal direto entre qualquer conduta, ou omissão de conduta do condomínio e os danos verificados.
10-O que significa que os episódios de infiltrações no imóvel dos AA. não se verificaram na sequência de qualquer conduta culposa do R. Condomínio, razão pela qual não pode o mesmo incorrer na responsabilidade civil atribuída na d. sentença recorrida, nomeadamente na obrigação de ressarcimento dos danos reclamados.
11- Tal resulta claramente das declarações de parte do legal representante da R. CC, administrador do condomínio desde 2012/2013 que, a este respeito, referiu designadamente: ” Esta situação foi criada por uma obra do bloco contíguo, o empreiteiro que fez a obra do bloco ao lado, Bloco II, fez a substituição da cobertura, o empreiteiro por negligência, apareceram objetos e restos de obra na nossa cobertura. Por azar, naquela altura, houve um descalabro da natureza, os materiais inundaram as caleiras e provocaram inundações e veio a causar inundações no condómino a seguir à placa. O próprio empreiteiro foi chamado à responsabilidade e não cumpriu.”; 13.50: “Depois desta situação ter sido retificada nunca mais houve problema nenhum; M. juiz: “depois da providência cautelar?”R: “Sim”.
12- Mais: o próprio A. marido, AA, além de confirmar a realidade descrita, confirmou, ao contrário do que ficou a constar dos fatos provados, que após obras realizadas pelo R. na sequência da Providência Cautelar decretada nos autos, deixaram de ocorrer infiltrações para o interior da habitação: - 03:05: A: “ O empreiteiro que fez as obras no bloco I, teve que abandonar a obra por causa da intempérie, o empreiteiro assumiu o problema, assumiu que as humidades seriam provocadas desse fecho de trabalho, tanto que ele pintou a sala e sanou o problema.”; 07:05: M. Juiz: “Antes disso já tinha tido algumas infiltrações?”;A:” Não. As inundações foram as primeiras”;08:14: M. Juiz: O que fez o condomínio?;A: remendou e limpou; 14:40 M. Juiz: “Houve uma providência cautelar e nessa sequência foram feitas obras, é isso? E depois? Continuaram a existir infiltrações?”; A: “continuaram humidades, não é um caudal de água, mas continuou a ter humidades.”; 23:15: M. Juiz: A partir de Outubro de 2017 para a frente os Srs continuaram a ter problemas com a entrada de águas?; A: “Continuamos a ter humidades…manchas…(…) de vez em quando aparecem humidades lá….manchas continuam a aparecer”;
13- Ora, a impugnação da matéria de fato com reapreciação da prova gravada que aqui se faz, evidencia o erro de julgamento da matéria de fato apenas quanto aos indicados pontos da matéria de fato dada por provada acima indicada.
14- Em consonância com o que se vem a dizer os indicados pontos dos fatos provados, devem ser os mesmos ser alterados e passar a dar-se por provado que: quanto ao Ponto 18. Desde Janeiro de 2016 até à Outubro de 2017, após a realização de obras na sequência do decretamento da providência cautelar, os Autores viveram naquela casa de habitação com um cheiro nauseabundo, provindo das humidades existentes; quanto aos Pontos 19 a 34 - não provados; Quanto ao Ponto 35 – Em janeiro de 2016 houve necessidade de intervenção dos Bombeiros Voluntários ..., da protecção civil e de um técnico e funcionários do Município, que colocaram naquela divisão um tubo, coberto por uma espécie de fole.; Pontos 36 a 43 não provados; Ponto 44. As humidades e infiltrações tiveram como causa, além do levantamento da tela por parte do empreiteiro que executou a obra de cobertura no Bloco I e o entupimento das saídas da água com resíduos de pombas e da obra realizada na cobertura do bloco II, o mau estado de conservação da cobertura do prédio; Ponto 48. Tais fragilidades apenas poderão ser resolvidas mediante realização de obras necessárias a evitar tais infiltrações e humidades, nomeadamente através da substituição integral da cobertura do Bloco de Apartamentos; Pontos: 49 e 50 não provados; Ponto: 54: As obras feitas pelo condomínio na sequência da providência cautelar resolveram os problemas das infiltrações, mantendo-se, contudo, humidades nalguns compartimentos e Pontos 55 e 56: não provados.
15- Em suma, tendo o próprio A. admitido que após Outubro de 2017 (após a decisão da providência cautelar) não ocorreram quaisquer infiltrações no interior da habitação (apenas manchas de humidade) não podia o Tribunal Recorrido, como fez, dar como provado que ocorram a “inundações “ em Abril e Junho de 2018 e danos associados.
16- Além de que, tendo concorrido várias causas para as invocadas infiltrações, sem, contudo, ser possível determinar qual delas contribui, em maior ou menor medida, para os danos reclamados, o que, aliás, o Tribunal a quo, acabou por admitir, não se verificou por parte do R. qualquer comportamento culposo suscetível de o fazer incorrer na responsabilidade de ressarcir os danos invocados pelos AA., excetuada a obrigação de fazer as reparações necessárias a evitar as infiltrações e humidades em mérito nos autos.
17- Todavia, ainda que assim se entendesse, o que só por hipótese se concebe, os danos reclamados e atribuídos aos AA., nomeadamente de natureza não patrimonial, seriam sempre excessivos e desproporcionais.
18- Restando, por isso, a alteração à matéria de fato e a alteração da aplicação do direito deve, em consonância com a demais prova dos autos, a decisão final ser ajustada, em conformidade, ser o R. condenado, apenas, na reparação da cobertura do Bloco I do Edifício ... do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal descrito na Conservatória do Registo Predial com o n. º ...31 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...89.º da União de Freguesias ..., de modo a que os problemas de infiltração deixem de existir.
19-Assim não tendo decidido, a decisão recorrida violou, entre outros normativos, os artigos 462º e 483º do Código Civil.

Os AA. contra-alegaram pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

2. Questões a apreciar

O objecto do recurso, é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso, cuja apreciação ainda não se mostre precludida,
O Tribunal ad quem não poder conhecer de questões novas (isto é, questão que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” ( cfr. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ª edição actualizada, Almedina, p. 139) (pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida).
 
As questões que cumpre apreciar são:
- impugnação da decisão de facto;
- o R. não incorreu no dever de indemnizar os AA.;
- a indemnização é excessiva e desproporcional.

3. Fundamentação de facto

O tribunal recorrido considerou:

A - Factos provados

1. Os Autores são donos e legítimos proprietários de uma fração autónoma designada pela letra ... correspondente ao ... andar do prédio constituído em regime de propriedade horizontal descrito na CRP sob o n.º ...31 e inscrito na respetiva matriz sob o art.º ...89 da União de Freguesias ... e ....
2. O prédio em causa constitui o Bloco I de um Edifício que se denomina de Edifício ... e que é constituído por quatro Blocos.
3. Em finais do ano de 2015, o Bloco I do referido Edifício ... foi objeto de obras de reparação.
4. Obras que consistiram na reparação da placa de cobertura (chapas onduladas), que passou por tapar os buracos existentes através da colocação de uma tela de cobertura.
5. Tais obras foram mandadas executar pelo Condomínio do Bloco I.
6. É neste Bloco que se localiza a fracção mencionada em 1, constituindo esta a única fracção existente no ... andar daquele Bloco de Apartamentos.
7. Em janeiro de 2016, o apartamento dos autores sofreu inundação provinda da cobertura, provocada pela forte pluviosidade que se fazia sentir.
8. Assim, vieram a verificar-se humidades e infiltrações em diversas zonas da casa: sala de jantar, três quartos, uma casa de banho e lavandaria contígua a uma das casas de banho.
9. A água provinda da cobertura do apartamento dos Autores era abundante.
10. O que obrigou à abertura de buracos na própria cobertura a fim de proceder à retirada das águas existentes na cobertura.
11. A água era especialmente abundante no quarto das filhas dos Autores.
12. Foi necessário colocar baldes e bacias nesse quarto para receber a água que caía dos canos colocados nos buracos dos telhados.
13. A água provinda do telhado era imunda e nauseabunda.
14. O quarto das filhas dos Autores foi a parte da casa mais danificada, com manchas e fissuras decorrentes das infiltrações, sobretudo ao nível do tecto.
15. No quarto do filho dos autores apareceram manchas no tecto e paredes em resultado da entrada de água.
16. A alcatifa do quarto do filho dos autores ficou de tal forma danificada que teve de ser substituída.
17. Os autores gastaram €400,00 com a substituição da alcatifa do quarto do filho.
18. Durante vários meses, os Autores viveram naquela casa de habitação com um cheiro nauseabundo, provindo das humidades existentes.
19. Devido às humidades e infiltrações, a permanência dos autores na habitação era penosa.
20. Nos quartos dos filhos dos autores, era até impossível permanecer, muito menos dormir.
21. Durante vários meses, os filhos dos Autores, quando em casa, foram obrigados a dormir na sala, com a inerente falta de conforto e privacidade.
22. Uma das casas de banho e a marquise contígua ficaram com o tecto danificado por manchas e fissuras decorrentes das infiltrações.
23. Tanto assim que a máquina de lavar existente na marquise e toda a parte eléctrica ficaram danificadas e tiveram que ser imediatamente reparadas, no que os autores gastaram €396,00.
24. No tecto do quarto do casal, apareceram manchas de humidade.
25. Uma vez que o cheiro das humidades e infiltrações era muito intenso, os Autores, em Agosto de 2018, procederam a expensas suas à pintura dos compartimentos onde os cheiros das humidades eram mais intensos, ou seja, nas duas casas de banho e no quarto das filhas.
26. Cerca de uma semana a quinze dias após o quarto das filhas ter sido totalmente pintado, voltaram a surgir humidades no tecto.
27. As infiltrações e humidades descritas têm como uma das causas a deficiente reparação que foi feita da cobertura.
28. Em Novembro de 2016, os autores pintaram novamente toda a casa, excepto a sala de jantar e o quarto do casal.
29. Os autores gastaram com as duas pinturas da casa €600,00.
30. Sucede que, logo após a execução de tais trabalhos, com as chuvas ocorridas no fim-de-semana de 19 e 20 de Novembro de 2016, as infiltrações reapareceram no quarto das filhas dos autores e na sala de estar.
31. No quarto das filhas, a abundância de águas provindas da cobertura era tal que os Autores tiveram de se socorrer novamente de diversos recipientes de forma a tentar proteger, pelo menos, o soalho do quarto.
32. O mesmo aconteceu na sala de estar, tendo os Autores de se socorrer de duas bacias para tentar recolher as águas provindas da cobertura.
33. Na sequência da chuva que caiu abundantemente na madrugada do dia 24 para 25 de Novembro de 2016, ocorreram novas infiltrações e humidades no quarto das filhas dos autores.
34. A abundância de água que provinha da cobertura provocou um buraco no tecto do quarto das filhas dos autores.
35. Por tal motivo, houve necessidade de intervenção dos Bombeiros Voluntários ..., da protecção civil e de um técnico e funcionários do Município, que colocaram naquela divisão um tubo, coberto por uma espécie de fole.
36. Mesmo nas demais divisões da casa, o ambiente é húmido.
37. Actualmente, as divisões da casa dos Autores encontram-se no seguinte estado:
a. A sala de jantar tem humidades e infiltrações no tecto;
b. A sala de estar tem humidades e infiltrações no tecto e escorrências nas paredes;
c. O WC mais pequeno tem humidades e infiltrações no tecto e escorrências nas paredes;
d. O quarto dos autores tem humidades e infiltrações no tecto.
e. O quarto do filho tem humidades e infiltrações no tecto e escorrências nas paredes;
f. O quarto das filhas tem humidades e infiltrações no tecto e escorrências nas paredes;
g. O WC e a lavandaria contígua têm humidades e infiltrações no tecto e escorrências nas paredes);
38. A casa dos autores apresenta um cheiro nauseabundo que vem das águas imundas provenientes da cobertura do edifício.
39. Em virtude das descritas infiltrações, humidades e cheiros, os filhos dos autores deixaram de poder dormir nos seus quartos aos fins-de-semana, como antes acontecia.
40. Os autores sentiram angústia em virtude das deficientes condições de salubridade da sua casa e por a situação não ter sido resolvida.
41. Os Autores vivem em constante sobressalto com a perspectiva de novos episódios de precipitação e dos danos associados.
42. Os Autores estão constantemente alerta para que os prejuízos não sejam ainda maiores.
43. Os Autores viram-se obrigados a arrastar móveis e a colocar coberturas de plástico sobre eles e tapetes para evitar maior desgaste do soalho.
44. As humidades e infiltrações têm como uma das causas o mau estado de conservação da cobertura do prédio.
45. A chapa/ telha de fibrocimento da cobertura do prédio, a tela betuminosa de impermeabilização e os revestimentos metálicos das platibandas estão em mau estado.
46. Existe sujidade na cobertura e nos órgãos de drenagem das águas pluviais.
47. As referidas fragilidades constituem causas das humidades e infiltrações existentes na fracção dos Autores.
48. Tais fragilidades apenas poderão ser resolvidas mediante a substituição integral da cobertura do Bloco de Apartamentos.
49. A situação descrita trouxe aos autores noites mal dormidas, nervosismo, angústia e receio pela salvaguarda dos seus bens patrimoniais, obrigando-os a constante sobressalto, constante vigilância e receio pela própria saúde.
50. Causou grave desconforto e insegurança, causando transtorno para os Autores e para o seu ambiente familiar.
51. Os autores intentaram contra o condomínio procedimento cautelar que correu os seus termos pelo Tribunal Judicial de Comarca ..., Juízo de Competência Genérica – J..., no âmbito do qual foi determinado, por decisão proferida em 21 de Outubro de 2017, que o Condomínio do Bloco I do Edifício ... do prédio urbano sito na Av. ..., ... procedesse, no prazo de 30 dias (trinta dias) “à reparação da cobertura do edifício, de modo a que os problemas de infiltração deixem de existir. Caso a mera reparação não seja apta a evitar as infiltrações, a intervenção terá que passar pela substituição integral da cobertura.”
52. Posteriormente ao decretamento da providência cautelar, em 20 de Novembro de 2017, o condomínio reportou no procedimento cautelar que aplicou 230 metros de espanta pombas em aço inox em zonas que aparentam a presença dos animais com colas próprias da ..., que executou um respiro para a casa dos elevadores que carecia de ventilação, executou chaminé em chapa inox fixa ao tecto da casa das máquinas, que colocou uma argamassa hidrófuga na junta da telha, uma tela de alcatrão e uma membrana elástica, que aplicou uma demão de tinta plástica em todas as paredes e teto dos elevadores, que limpou as paredes e que reparou algumas fissuras mais fundas.
53. O réu construiu ainda uma claraboia na cobertura para passar a ter acesso à mesma através de parte comum do edifício.
54. As obras feitas pelo condomínio não resolveram os problemas das infiltrações.
55. Durante o mês de Abril de 2018, face à pluviosidade que se fez sentir, voltaram a surgir inundações no apartamento dos Autores
56. Como voltaram a surgir em finais de Junho de 2018, atenta a forte pluviosidade que se fez sentir.
57. Logo após a inundação do apartamento dos autores, em Janeiro de 2016, foi verificado que as caleiras de serviço do Bloco 1 estavam inundadas de águas paradas que não eram normalmente escoadas.
58. As saídas da água encontravam-se entupidas com resíduos de pombas e da obra realizada na cobertura do bloco II e que foram deixados sobre a cobertura do bloco I, o que, aliado às referidas deficiências do material da cobertura, fez com que a água transbordasse das caleiras e se infiltrasse em grande quantidade para o interior do edifício, em particular, para a fracção autónoma dos autores.
59. Nessa altura, o réu procedeu à limpeza e desobstrução das caleiras, tendo a água passado a circular e a escoar normalmente.
60. Aquando da realização da obra na cobertura do bloco II pela empresa E..., Lda., esta levantou parcialmente a tela da cobertura do bloco I ao longo da linha de contacto dos dois blocos, o que permitiu que, também por aí, ocorressem infiltrações de água para o interior do prédio.
61. O autor andou sobre a cobertura e realizou intervenções no material colocado sobre a mesma.
62. O réu fazia a manutenção e a limpeza da cobertura, entrando pelo apartamento dos autores, o qual constituía o único acesso possível.
63. A partir de Outubro de 2016, os autores passaram a impedir a entrada do réu na sua habitação para aceder à cobertura e fazer trabalhos de manutenção e de limpeza da mesma e de eliminação das infiltrações.
64. O réu celebrou com a Companhia de Seguros A..., S.A., um seguro do ramo multi-riscos condomínio, denominado ..., titulado pela apólice n.º ...53, com início em 7 de Maio de 2013, renovado automática e anualmente desde então.
65. O aludido contrato de seguro cobre, para além do mais, a responsabilidade civil comproprietário e a responsabilidade civil cruzada pelos capitais, respectivamente, de € 50.000,00 por sinistro e anuidade e de € 20.000,00 por sinistro e anuidade, sendo aplicável a ambas as coberturas uma franquia de 10% do sinistro, com um mínimo de € 250,00.
66. De acordo com as condições gerais do seguro, B1, letra ..., alínea f), não estão garantidos os danos decorrentes de trabalhos de reparação, manutenção, transformação ou ampliação do imóvel.
67. De acordo com o artigo 3.º das condições gerais, alíneas j) e l), sem prejuízo das exclusões próprias de cada cobertura, não ficam garantidos, em caso algum, mesmo que se tenha verificado a ocorrência de qualquer risco coberto pela presente apólice, os prejuízos que derivem, directa ou indirectamente, de patologias construtivas ou de ausência de manutenção do objecto seguro.

B – Factos não provados

Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão em contradição com os anteriores. Designadamente, não se provou o seguinte:
a. Os autores ampliaram a área coberta da sua fracção, projectando o aumento da construção sobre o terraço comum, tapando, assim, o acesso à cobertura através da casa das máquinas localizada ao nível do ... piso.
b. Os autores realizaram a referida obra sem o consentimento do condomínio.
c. Os autores participaram o sinistro à A... Seguros ao abrigo de seguro multi-riscos associado ao seu crédito à habitação.
d. Actualmente, a cozinha do apartamento dos autores tem humidades e infiltrações no tecto e o quarto dos autores tem escorrências nas paredes.
e. O facto de o autor ter andado sobre a cobertura e realizado intervenções no material colocado sobre a mesma causou a destruição parcial da cobertura e permitiu a ocorrência de infiltrações.

4. Impugnação da decisão de facto
4.1.1 Requisitos da impugnação de facto

Dispõe o art.º 640º do CPC, cuja epígrafe é “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
 (…)”

Não releva dar aqui conta do percurso legislativo, até se chegar à norma em referência – para tal cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª edição, pág. 194-199.

Apenas importa considerar que em tal percurso “…foram recusadas soluções maximalistas que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.” – aut. e ob. cit. pág. 194

O mesmo autor, in ob. cit. pág. 196-197, procede a uma síntese da jurisprudência relativa às exigências legais da impugnação da decisão de facto, nomeadamente quanto ao “lugar” (alegações ou conclusões) em que as mesmas devem ser observadas e que são:
a) o recorrente deve indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões, dizendo em nota (337) que são as conclusões que delimitam o objecto do recurso, conforme dispõe o art.º 635º, de modo que a indicação dos pontos de facto, cuja modificação é pretendida pelo recorrente, não poderá deixar de ser enunciada nas conclusões;
b) deve ainda especificar, na motivação, os concretos meios de prova, constantes do processo (documentos ou confissões reduzidas a escrito) ou de registo (depoimentos que não foi possível gravar, mas que foram reduzidos a escrito, como sucede com cartas rogatórias) ou gravação nele realizada (depoimentos orais prestados em audiência que ficaram gravados em áudio ou vídeo), que no seu entender determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos objecto de impugnação;
c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação tenha por base, no todo ou em parte, a prova gravada, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere pertinentes;
d) o recorrente deixará, expresso, na motivação, a decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidas.

Impõe-se acrescentar algumas precisões.

Relativamente ao referido em b), a impugnação da decisão de facto não pode ser uma impugnação genérica, a impor uma reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância; a impugnação da decisão de facto visa, única e exclusivamente “concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente” (Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, pág. 194).

Assim, não basta ao recorrente indicar, por um lado, os pontos de facto que considera mal julgados e, por outro, alguns dos depoimentos prestados, sem especificar, para cada um daqueles factos (ou bloco de factos ligados entre si, por se reportarem à mesma realidade), os concretos meios de prova que impunham decisão diversa da recorrida.

Além disso, não basta ao recorrente indicar, por um lado, os pontos de facto que considera mal julgados e, por outro, alguns dos depoimentos prestados, fazendo incidir estes, em bloco e indiscriminadamente, sobre todo o acervo factual que pretende ver alterado, sem indicar as razões pelas quais os meios de prova que convoca, impunham decisão diversa da recorrida, isto é, permitem se considere provado, ou não provado, consoante for o caso, o facto impugnado.

O recorrente tem de fazer uma apreciação crítica dos meios de prova que no seu entender impunham decisão diversa da recorrida, quanto a cada um dos factos impugnados, tem de explicar porque é os meios de prova que convoca são determinantes para uma alteração da decisão de facto.

Impõe-se ao recorrente o “ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, ónus esse que atua numa dupla vertente:  cabe-lhe rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo e tentar demonstrar que tal prova inculca outra versão dos factos que atinge o patamar da probabilidade prevalecente.” (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, in CPC Anotado, 2ª edição, pág. 797 e Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, pág. 197).

E no sentido do exposto, refere-se no Ac. do STJ de 21/03/2023, processo 296/19.4T8ESP.P1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj:
“37. O art. 640.º, na alínea b) do seu n.º 1 e na alínea a) do seu n.º 2, exige que o recorrente relacione cada um dos concretos pontos de facto que considerava incorrectamente julgados com cada um dos meios de prova, com cada uma [das] passagens relevantes dos meios de prova gravados, ou com a transcrição de cada uma das passagens relevantes dos meios de prova gravados.
(…)
39. O facto de a Ré, agora Recorrente, ter indicado os concretos pontos de facto que considerava incorrectamente julgados, sem os relacionar com cada um dos meios de prova, com cada uma passagens relevantes dos meios de prova gravados, ou com a transcrição de cada uma das passagens relevantes dos meios de prova gravados prejudica a inteligibilidade do fim e do objecto do recurso e, em consequência, a possibilidade de um contraditório esclarecido.
40. Em concreto, e em consequência da inobservância do ónus de fundamentação concludente da impugnação, a interpretação do art. 640.º do Código de Processo Civil em termos adequados à função e conformes com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade determina a rejeição do recurso.”

Relativamente ao referido na alínea c), como consta do sumário do Ac. do STJ de 18/06/2019, proc. 152/18.3T8GRD.C1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj:
III - A alínea a) do n.º 2 do art. 640.º do Código de Processo Civil deve ser interpretada no sentido de que a impugnação da matéria de facto com base em prova gravada tanto se pode fazer mediante a indicação dos concretos segmentos da gravação como mediante a transcrição deles.
IV - Todavia, transcrever os depoimentos é reproduzir objetivamente, sem fazer intervir qualquer subjetividade, filtro ou juízo apreciativo, aquilo que as pessoas ouvidas declararam (verbalizaram).
V - Não vale como transcrição uma “resenha” (sic) ou aquilo que “em suma” (sic) terão referido as pessoas de cujos depoimentos o recorrente se quer fazer valer.
VI - Neste caso não se está senão perante a interpretação dada pelo recorrente aos depoimentos em causa, e não, como é devido, perante uma transcrição objetiva do teor desses depoimentos.

Em terceiro lugar, ainda quanto ao referido em c), a alínea a) do n.º 2 do art.º 640º rege para a hipótese de os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas terem sido gravados e o recorrente não dar cumprimento ao ónus de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, nem proceda à transcrição dos excertos que considere relevantes.
E, caso se verifique esta hipótese, determina a rejeição do recurso “na respectiva parte”, ou seja - e é isto que se quer relevar -, na parte relativa aos meios probatórios que tenham sido gravados.
Se acaso a parte tiver invocado, além de meios probatórios que tenham sido gravados, outros meios de prova – documentos, perícia - nesta parte, quanto a estes meios de prova, a impugnação não pode ser rejeitada.

Finalmente e como refere Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, pág. 201, a análise do cumprimento destes ónus deve ser realizada “à luz de um critério de rigor. Trata-se afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo. Exigências que, afinal, devem ser o contraponto dos esforços que todos quantos, durante décadas, reclamaram a atenuação do princípio da oralidade pura e a atribuição à Relação de efetivos poderes de sindicância da decisão da matéria de facto como instrumento da realização da justiça”.

4.1.2. Em concreto
Nas suas alegações o recorrente começa por afirmar que “os concretos pontos de facto que os recorrentes (sic) consideram incorretamente julgados” são os pontos 18; 19; 20; 21; 22; 23; 24; 24; 26; 27; 28; 34; 37; 38; 39; 48; 54; 55 e 56 dos factos provados.

Depois refere que “os concretos meios probatórios (…) que impunham decisão sobre os pontos da matéria de fato impugnados diversa da recorrida são“ o depoimento de parte e declarações de parte do Administrador do Condomínio e as declarações de parte do A.

De seguida refere que “a prova produzida a seguir indicada, articulada com os fatos já dados por provados pelo Tribunal Recorrido, impunham uma decisão da matéria de fato, que se resume a considerar provado que as infiltrações ocorridas no interior do imóvel dos AA. tiveram origem no entupimento das caleiras da cobertura (tal como foi dado por provado nos pontos 46; 57; 58 e 59) e em razão do levantamento da tela aquando das obras realizadas no bloco II (cfr ponto 60) dos fatos provados) e mercê da condutas dos AA. em impedirem o acesso do R. à cobertura (ponto 63 dos fatos provados).
Da análise da factualidade dada por provada, vislumbra-se ocorrer manifesta contradição nas causas de infiltrações para a habitação dos AA..
Na verdade, a causa das infiltrações tanto é atribuída à deficiente execução dos trabalhos na cobertura realizados pela R., como à deficiente manutenção e limpeza das condutas de escoamento da cobertura, como ainda ao deficiente estado da cobertura.
Sendo, contudo, certo que o primeiro episódio de infiltrações identificado nos autos, ocorreu na sequência do levantamento da tela, aquando das obras realizadas no Bloco II do Edificio (cfr. Ponto 2), altura em “as saídas da água encontravam-se entupidas com resíduos de pombas e da obra realizada na cobertura do bloco II e que foram deixados sobre a cobertura do bloco I, o que, aliado às referidas deficiências do material da cobertura, fez com que a água transbordasse das caleiras e se infiltrasse em grande quantidade para o interior do edifício, em particular, para a fracção autónoma dos autores “.
Equivale isto por dizer que, apesar de ser um dado inequívoco que a cobertura do edifício se encontrar em mau estado de conservação, não foi esta a causa – ou pelo menos a única causa – das infiltrações ocorridas no apartamento dos AA..
Com efeito, o Tribunal Recorrido identificou duas outras causas que poderão ter igualmente contribuído para a ocorrência de infiltrações para o imóvel dos AA..
Donde resulta inexistir nexo causal direto entre qualquer conduta, ou omissão de conduta do condomínio, e os danos verificados.
O que significa que os episódios de infiltrações para o imóvel dos AA. não se verificaram na sequência de qualquer conduta culposa do R. Condomínio, razão pela qual não pode incorrer na responsabilidade civil atribuída na d. sentença recorrida, nomeadamente na obrigação de ressarcimento.”

Refere depois passagens do depoimento de parte e declarações de parte do Administrador do Condomínio e as declarações de parte do A.

E finalmente, no que releva refere:

“Neste enquadramento, quanto aos indicados pontos dos fatos provados, devem ser os mesmos ser alterados e passar a dar-se por provado que:
Ponto 18. Desde Janeiro de 2016 até à Outubro de 2017, após a realização de obras na sequência do decretamento da providência cautelar, os Autores viveram naquela casa de habitação com um cheiro nauseabundo, provindo das humidades existentes.
Pontos 19 a 34 - não provados.
35. Em janeiro de 2016 houve necessidade de intervenção dos Bombeiros Voluntários ..., da protecção civil e de um técnico e funcionários do Município, que colocaram naquela divisão um tubo, coberto por uma espécie de fole.
Pontos 36 a 43: não provados.
Ponto 44. As humidades e infiltrações tiveram como causa, além do levantamento da tela por parte do empreiteiro que executou a obra de cobertura no Bloco I e o entupimento das saídas da água com resíduos de pombas e da obra realizada na cobertura do bloco II, o mau estado de conservação da cobertura do prédio.
Ponto 48. Tais fragilidades apenas poderão ser resolvidas mediante a realização de obras necessárias a evitar tais infiltrações e humidades, nomeadamente através da substituição integral da cobertura do Bloco de Apartamentos.
Ponto: 54: As obras feitas pelo condomínio na sequência da providência cautelar resolveram os problemas das infiltrações, mantendo-se, contudo, humidades nalguns compartimentos.
Ponto 55 e 56: não provados.

E repetiu esta menção nas conclusões.

Em primeiro lugar impõe-se verificar que, se num primeiro momento o recorrente afirma que pretende impugnar os pontos 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 26, 27, 28, 34, 37, 38 39, 48, 54, 55 e 56, num segundo momento estende a impugnação aos pontos 25, 29 a 33, 35, 36, 40 a 42 e 44.

Em segundo lugar coloca-se a questão de saber se o recorrente deu cabal cumprimento aos ónus inscritos no art.º 640º, nos termos supra referidos.

Impõe-se, no entanto, uma nota prévia: muito embora a decisão recorrida mencione os meios de prova que teve em consideração, fê-lo em bloco, ou seja, sem estabelecer uma correspondência entre cada um dos pontos de facto ou conjunto agregado de factos, relativos à mesma realidade, e os meios de prova que foram relevantes para os considerar provados.

É certo que, face ao conteúdo da motivação, é possível, com esforço e de forma não isenta de dúvidas, alcançar a que realidade de facto cada uma das partes da motivação se pretende reportar.

Porém, não é, certamente, a forma mais adequada de dar cumprimento ao dever de motivação plasmado no art.º 607º n.º 4 do CPC, pois impõe à parte que pretende impugnar a decisão de facto, um acréscimo indevido no cumprimento do ónus de rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo e à Relação, um esforço acrescido para percepcionar, de forma clara e isenta de dúvidas, os meios de prova fundantes de determinada realidade de facto.

Vejamos

Consta do ponto 18:
18. Durante vários meses, os Autores viveram naquela casa de habitação com um cheiro nauseabundo, provindo das humidades existentes.

O recorrente pretende seja dado como provado que:
Desde Janeiro de 2016 até à Outubro de 2017, após a realização de obras na sequência do decretamento da providência cautelar, os Autores viveram naquela casa de habitação com um cheiro nauseabundo, provindo das humidades existentes.

O recorrente pretende que a expressão “Durante vários meses…” seja substituída pelo período temporal definido de” Desde Janeiro de 2016 até à Outubro de 2017,…” e seja acrescentado “ após a realização de obras na sequência do decretamento da providência cautelar,…”

Em primeiro lugar impõe-se referir que em momento algum o R. alegou o que agora pretende seja dado como provado.

Em segundo lugar, o recorrente não deu cumprimento à alínea b) do n.º 1 do art.º 640º, nos termos supra referidos, pois não explica porque é que a parte dos depoimentos que indica (que, diga-se, em momento algum estabelecem que o cheio nauseabundo apenas perdurou até Outubro de 2017) permite a pretendida alteração, ou seja, em que medida ou de que forma é que tais depoimentos permitem se considere provado que foi, concretamente, entre “Janeiro de 2016 [e] Outubro de 2017, após a realização de obras na sequência do decretamento da providência cautelar, [que] os Autores viveram naquela casa de habitação com um cheiro nauseabundo, provindo das humidades existentes.”, sendo certo que o mesmo refere nas suas alegações que a alteração da decisão de facto que pretende “se resume a considerar provado que as infiltrações ocorridas no interior do imóvel dos AA. tiveram origem no entupimento das caleiras da cobertura (tal como foi dado por provado nos pontos 46; 57; 58 e 59) e em razão do levantamento da tela aquando das obras realizadas no bloco II (cfr ponto 60) dos fatos provados) e mercê da condutas dos AA. em impedirem o acesso do R. à cobertura (ponto 63 dos factos provados)”, matéria que não encontra qualquer correspondência no citado ponto 18.

Destarte, rejeita-se a impugnação quanto ao ponto 18 dos factos provados, por incumprimento da alínea b) do n.º 1 do art.º 640º do CPC.

Consta dos pontos 19 a 34:
19. Devido às humidades e infiltrações, a permanência dos autores na habitação era penosa.
20. Nos quartos dos filhos dos autores, era até impossível permanecer, muito menos dormir.
21. Durante vários meses, os filhos dos Autores, quando em casa, foram obrigados a dormir na sala, com a inerente falta de conforto e privacidade.
22. Uma das casas de banho e a marquise contígua ficaram com o tecto danificado por manchas e fissuras decorrentes das infiltrações.
23. Tanto assim que a máquina de lavar existente na marquise e toda a parte eléctrica ficaram danificadas e tiveram que ser imediatamente reparadas, no que os autores gastaram €396,00.
24. No tecto do quarto do casal, apareceram manchas de humidade.
25. Uma vez que o cheiro das humidades e infiltrações era muito intenso, os Autores, em Agosto de 2018, procederam a expensas suas à pintura dos compartimentos onde os cheiros das humidades eram mais intensos, ou seja, nas duas casas de banho e no quarto das filhas.
26. Cerca de uma semana a quinze dias após o quarto das filhas ter sido totalmente pintado, voltaram a surgir humidades no tecto.
27. As infiltrações e humidades descritas têm como uma das causas a deficiente reparação que foi feita da cobertura.
28. Em Novembro de 2016, os autores pintaram novamente toda a casa, excepto a sala de jantar e o quarto do casal.
29. Os autores gastaram com as duas pinturas da casa €600,00.
30. Sucede que, logo após a execução de tais trabalhos, com as chuvas ocorridas no fim-de-semana de 19 e 20 de Novembro de 2016, as infiltrações reapareceram no quarto das filhas dos autores e na sala de estar.
31. No quarto das filhas, a abundância de águas provindas da cobertura era tal que os Autores tiveram de se socorrer novamente de diversos recipientes de forma a tentar proteger, pelo menos, o soalho do quarto.
32. O mesmo aconteceu na sala de estar, tendo os Autores de se socorrer de duas bacias para tentar recolher as águas provindas da cobertura.
33. Na sequência da chuva que caiu abundantemente na madrugada do dia 24 para 25 de Novembro de 2016, ocorreram novas infiltrações e humidades no quarto das filhas dos autores.
34. A abundância de água que provinha da cobertura provocou um buraco no tecto do quarto das filhas dos autores.

O recorrente pretende que toda esta factualidade seja considerada não provada.

Quanto a estes pontos é patente e manifesto que o recorrente se limitou a fazer incidir a parte dos depoimentos que invoca, em bloco e indiscriminadamente, sobre todo o acervo factual que pretende ver alterado, sem indicar as razões pelas quais os mesmos impunham decisão diversa da recorrida, isto é, determinam se considere não provado aquele acervo factual.

Ou seja, quanto  a este acervo factual, o recorrente não deu cumprimento à alínea b) do n.º 1 do art.º 640º, nos termos supra referidos, pois não explica porque é que a parte dos depoimentos que indica, permite a pretendida alteração, sendo certo que o mesmo refere nas suas alegações, por um lado, que a alteração da decisão de facto que pretende “se resume a considerar provado que as infiltrações ocorridas no interior do imóvel dos AA. tiveram origem no entupimento das caleiras da cobertura (tal como foi dado por provado nos pontos 46; 57; 58 e 59) e em razão do levantamento da tela aquando das obras realizadas no bloco II (cfr ponto 60) dos fatos provados) e mercê da condutas dos AA. em impedirem o acesso do R. à cobertura (ponto 63 dos factos provados”, matéria que não encontra qualquer correspondência nos pontos 19 a 34.

Destarte, rejeita-se a impugnação quanto aos pontos 19 a 34 dos factos provados, por incumprimento da alínea b) do n.º 1 do art.º 640º do CPC.

Consta do ponto 35:
35. Por tal motivo, houve necessidade de intervenção dos Bombeiros Voluntários ..., da protecção civil e de um técnico e funcionários do Município, que colocaram naquela divisão um tubo, coberto por uma espécie de fole.

O recorrente pretende se considere provado que:
35. Em janeiro de 2016 houve necessidade de intervenção dos Bombeiros Voluntários ..., da protecção civil e de um técnico e funcionários do Município, que colocaram naquela divisão um tubo, coberto por uma espécie de fole.

Ou seja: o recorrente pretende se adite a expressão “Em Janeiro de 2016…”.

Também quanto a este ponto se verifica que o recorrente não deu cumprimento à alínea b) do n.º 1 do art.º 640º, nos termos supra referidos, pois não explica porque é que a parte dos depoimentos que indica, permite a pretendida alteração, sendo certo que o mesmo refere nas suas alegações que a alteração da decisão de facto que pretende “se resume a considerar provado que as infiltrações ocorridas no interior do imóvel dos AA. tiveram origem no entupimento das caleiras da cobertura (tal como foi dado por provado nos pontos 46; 57; 58 e 59) e em razão do levantamento da tela aquando das obras realizadas no bloco II (cfr ponto 60) dos fatos provados) e mercê da condutas dos AA. em impedirem o acesso do R. à cobertura (ponto 63 dos factos provados”, matéria que não encontra qualquer correspondência no ponto 35.

Destarte, rejeita-se a impugnação quanto ao ponto 35 dos factos provados, por incumprimento da alínea b) do n.º 1 do art.º 640º do CPC.

Consta dos pontos 36 a 43:
36. Mesmo nas demais divisões da casa, o ambiente é húmido.
37. Actualmente, as divisões da casa dos Autores encontram-se no seguinte estado:
a. A sala de jantar tem humidades e infiltrações no tecto;
b. A sala de estar tem humidades e infiltrações no tecto e escorrências nas paredes;
c. O WC mais pequeno tem humidades e infiltrações no tecto e escorrências nas paredes;
d. O quarto dos autores tem humidades e infiltrações no tecto.
e. O quarto do filho tem humidades e infiltrações no tecto e escorrências nas paredes;
f. O quarto das filhas tem humidades e infiltrações no tecto e escorrências nas paredes;
g. O WC e a lavandaria contígua têm humidades e infiltrações no tecto e escorrências nas paredes;
38. A casa dos autores apresenta um cheiro nauseabundo que vem das águas imundas provenientes da cobertura do edifício.
39. Em virtude das descritas infiltrações, humidades e cheiros, os filhos dos autores deixaram de poder dormir nos seus quartos aos fins-de-semana, como antes acontecia.
40. Os autores sentiram angústia em virtude das deficientes condições de salubridade da sua casa e por a situação não ter sido resolvida.
41. Os Autores vivem em constante sobressalto com a perspectiva de novos episódios de precipitação e dos danos associados.
42. Os Autores estão constantemente alerta para que os prejuízos não sejam ainda maiores.
43. Os Autores viram-se obrigados a arrastar móveis e a colocar coberturas de plástico sobre eles e tapetes para evitar maior desgaste do soalho.

O recorrente pretende que todos estes factos sejam considerados não provados.

Também quanto a estes pontos se verifica que o recorrente não deu cumprimento à alínea b) do n.º 1 do art.º 640º, nos termos supra referidos, pois não explica porque é que os depoimentos que indica, permitem a pretendida alteração, sendo certo que o mesmo refere nas suas alegações que a alteração da decisão de facto que pretende “se resume a considerar provado que as infiltrações ocorridas no interior do imóvel dos AA. tiveram origem no entupimento das caleiras da cobertura (tal como foi dado por provado nos pontos 46; 57; 58 e 59) e em razão do levantamento da tela aquando das obras realizadas no bloco II (cfr ponto 60) dos fatos provados) e mercê da condutas dos AA. em impedirem o acesso do R. à cobertura (ponto 63 dos factos provados)”, matéria que não encontra qualquer correspondência nos pontos 36 a 43.

Destarte, rejeita-se a impugnação quanto aos pontos 36 a 43 dos factos provados, por incumprimento da alínea b) do n.º 1 do art.º 640º do CPC.

Consta do ponto 44:
44. As humidades e infiltrações têm como uma das causas o mau estado de conservação da cobertura do prédio.

O recorrente pretende se dê como provado que:
As humidades e infiltrações tiveram como causa, além do levantamento da tela por parte do empreiteiro que executou a obra de cobertura no Bloco I e o entupimento das saídas da água com resíduos de pombas e da obra realizada na cobertura do bloco II, o mau estado de conservação da cobertura do prédio.

Em primeiro lugar, impõe-se observar que o tribunal recorrido deu como provado, neste ponto 44, que “uma” das causas das infiltrações foi “o mau estado de conservação da cobertura do prédio”.
Ou seja: o tribunal recorrido não excluiu – bem pelo contrário, admite (cfr. pág. 17 da sentença) – a existência de outras causas para as infiltrações.

Em segundo lugar e como resulta da sugestão de redacção do ponto 44, verifica-se que o recorrente não coloca em crise que “uma” das causas das infiltrações e humidades na fracção autónoma dos AA. é “o mau estado de conservação da cobertura do prédio.”

O que o mesmo pretende é que se altere o ponto 44 porque “as infiltrações ocorridas no interior do imóvel dos AA. tiveram origem no entupimento das caleiras da cobertura (tal como foi dado por provado nos pontos 46; 57; 58 e 59) e em razão do levantamento da tela aquando das obras realizadas no bloco II (cfr ponto 60) dos fatos provados) e mercê da conduta dos AA. em impedirem o acesso do R. à cobertura (ponto 63 dos factos provados)”.

O recorrente não colocou em crise nenhum dos referidos pontos 46, 57, 58, 59, 60 e 63.

Mas sendo assim, a questão que se coloca não é de impugnação da decisão de facto, mas saber se os factos provados permitem, ou não, concluir que as infiltrações tiveram mais do que uma causa, ou seja, é uma questão de mérito da acção, de aplicação do direito aos factos.

Destarte, rejeita-se a impugnação quanto ao ponto 44 dos factos provados, por não se tratar de verdadeira e própria impugnação.

Consta dos pontos 45 a 48:
45. A chapa/ telha de fibrocimento da cobertura do prédio, a tela betuminosa de impermeabilização e os revestimentos metálicos das platibandas estão em mau estado.
46. Existe sujidade na cobertura e nos órgãos de drenagem das águas pluviais.
47. As referidas fragilidades constituem causas das humidades e infiltrações existentes na fracção dos Autores.
48. Tais fragilidades apenas poderão ser resolvidas mediante a substituição integral da cobertura do Bloco de Apartamentos.

O recorrente pretende que o ponto 48 passe a ter a seguinte redacção:
Tais fragilidades apenas poderão ser resolvidas mediante a realização de obras necessárias a evitar tais infiltrações e humidades, nomeadamente através da substituição integral da cobertura do Bloco de Apartamentos.

Também quanto a este ponto se verifica que o recorrente não deu cumprimento à alínea b) do n.º 1 do art.º 640º, nos termos supra referidos, pois não explica porque é que os depoimentos que indica, permitem a pretendida alteração, sendo certo que o mesmo refere nas suas alegações que a alteração da decisão de facto que pretende “se resume a considerar provado que as infiltrações ocorridas no interior do imóvel dos AA. tiveram origem no entupimento das caleiras da cobertura (tal como foi dado por provado nos pontos 46; 57; 58 e 59) e em razão do levantamento da tela aquando das obras realizadas no bloco II (cfr ponto 60) dos fatos provados) e mercê da condutas dos AA. em impedirem o acesso do R. à cobertura (ponto 63 dos factos provados)”, matéria que não encontra qualquer correspondência no ponto 48.

Sem prejuízo, sempre se dirá que a pretensão do recorrente sempre estaria votada ao insucesso, pois a expressão “realização de obras necessárias a evitar tais infiltrações e humidades…” é vaga e genérica e, por isso, não tem cabimento em sede de fundamentação de facto, a qual deve ser concreta, específica.

Destarte, rejeita-se a impugnação quanto ao ponto 48 dos factos provados, por incumprimento da alínea b) do n.º 1 do art.º 640º do CPC.

Consta do ponto 54:
54. As obras feitas pelo condomínio não resolveram os problemas das infiltrações.

O recorrente pretende se dê como provado que:
As obras feitas pelo condomínio na sequência da providência cautelar resolveram os problemas das infiltrações, mantendo-se, contudo, humidades nalguns compartimentos.

Este ponto de facto não está relacionado com a/as causa/s das infiltrações/humidades e assim com questão de saber se o R. não incorreu no dever de indemnizar os AA., mas com outra questão suscitada pelo recorrente no seu recurso e que é a de saber, precisamente, se as obras feitas pelo condomínio, na sequência da decisão proferida no procedimento cautelar, resolveram os problemas das infiltrações e que tem em vista o segmento decisório que condena o R. na substituição integral da cobertura.

A impugnação deste ponto cumpre os requisitos da alínea b) do n.º 1 do art.º 640º do CPC, pois o recorrente indica, ainda que minimamente, porque é que as declarações de parte do A. permitem a pretendida alteração, pelo que se impõe a sua apreciação.

Consta dos pontos 55 e 56:
55. Durante o mês de Abril de 2018, face à pluviosidade que se fez sentir, voltaram a surgir inundações no apartamento dos Autores
56. Como voltaram a surgir em finais de Junho de 2018, atenta a forte pluviosidade que se fez sentir.

O recorrente pretende que estes pontos de facto sejam considerados não provados.

Estes pontos de facto também não estão relacionados com a/as causa/s das infiltrações/humidades e assim com questão de saber se o R. não incorreu no dever de indemnizar os AA., mas com a outra questão suscitada pelo recorrente no seu recurso e que é a de saber se as obras feitas pelo condomínio, na sequência da decisão proferida no procedimento cautelar, resolveram os problemas das infiltrações e que tem em vista o segmento decisório que condena o R. na substituição integral da cobertura.

A impugnação destes pontos cumpre os requisitos da alínea b) do n.º 1 do art.º 640º do CPC, pois o recorrente indica, ainda que minimamente, porque é que as declarações de parte do A. permitem a pretendida alteração, pelo que se impõe a sua apreciação.

4.2.1. Da modificabilidade da decisão de facto
O art.º 662º do CPC, com a epigrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, dispõe:
“1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
(…)”

Está em causa saber como a Relação deve mover-se no domínio da modificabilidade da decisão de facto motivada pela impugnação da decisão de facto.

A apreciação, pela Relação, da decisão de facto impugnada, não visa um novo julgamento global ou latitudinário da causa, mas, antes, uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quo com vista a corrigir eventuais erros da decisão (cfr. o Ac. do STJ de 01/07/2021, processo 4899/16.0T8PRT.P1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj)

O sentido deste normativo é o de impor à Relação o dever de modificar a decisão de facto, sempre que havendo impugnação da matéria de facto e no respeito do principio do dispositivo quanto ao objecto do recurso, os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, entendendo-se que:
i) incumbe ao Tribunal da Relação formar a seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em 1.ª instância e objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir [cfr. nº 2, als. a) e b) do citado  art.º 662º],  à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC (cfr. o Ac. do STJ de 01/07/2021, processo 4899/16.0T8PRT.P1.S1 e em sentido semelhante os Ac.s do STJ de 14/09/2021, proc. 60/19.0T8ETZ.E1.S1, de 13/04/2021, proc. 2395/11.1TBFAF.G2.S1 todos consultáveis in www.dgsi.pt/jstj) assumindo-se o mesmo como tribunal de instância (Abrantes Geraldes, Recursos em processo civil, 6ª edição, pág. 331 e 332);
ii) no processo de formação de uma convicção autónoma, a Relação não está adstrita “aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes e nem sequer aos indicados pelo tribunal recorrido” (o Ac. do STJ, de 20.12.2017, proc. 3018/14.2TBVFX.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj), tendo plena aplicação o disposto no art.º 413º do CPC.

De referir ainda que na sequência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, caso a Relação proceda à alteração da mesma e se verifique ser necessário, em função da reapreciação conjunta e global dos factos, alterar algum facto não impugnado, pode a Relação fazê-lo a bem da coerência daquela decisão (cfr. Ac. do STJ de 29/04/2021, proc. 684/17.0T8ABT.E1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj).
           
Importa ainda, neste âmbito, ponderar o princípio da livre apreciação da prova e que também se aplica à Relação na reapreciação da prova.

O n.º 4 do art.º 607º do CPC (aplicável à Relação nos termos do art.º 663º n.º 2 do CPC) dispõe que “ Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”

A análise crítica das provas a que se refere o n.º 4 citado, significa, em primeiro, uma análise conjugada de toda a prova produzida e em segundo uma análise segundo os critérios de valoração racional e lógica do julgador e da experiência, dispondo, a este respeito, o n.º 5 do art.º 607º que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, o que tem em vista a prova por declarações de parte, salvo na parte em que constituam confissão, a prova documental escrita a que falte algum dos requisitos exigidos na lei, a prova pericial, a prova por inspecção e a prova testemunhal, provas relativamente às quais a lei dispõe, expressamente (cfr.  artºs 466º n.º 3 do CPC e art.ºs. 366º, 389º, 391º e 396º do CC, respectivamente), que estão sujeitas à livre apreciação do tribunal.

O n.º 4, ao determinar que o juiz especifique os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, impõe que o juiz explique como se convenceu com as provas que se produziram, que motive a decisão de facto.

Assim, a motivação consiste em exarar o raciocínio do tribunal para uma dada decisão de facto e deve conter, para além da indicação dos concretos elementos probatórios que lograram aceitação por parte do tribunal, as razões ou motivos dessa aceitação.

São estes dois factores - o convencimento e a dificuldade de apurar a verdade - que se misturam e impõem que o juiz explique como se convenceu com as provas que à sua frente se produziram.

Refere Manuel Tomé Soares Gomes, Da Sentença Cível, CEJ, 2014, https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202, pág. 29:
A motivação do julgamento de facto tem como matriz um discurso argumentativo problemático, parcelado na órbita de cada juízo probatório, sem prejuízo da sua compatibilização no universo da trama factual, e rege-se por razões práticas firmadas na análise dos resultados probatórios, à luz das regras da experiência comum ou qualificada e dos padrões de valoração (prova bastante e prova de verosimilhança) estabelecidos na lei.”

Por outro e no que tange à formulação dos juízos probatórios, importa não esquecer que a prova “não é uma operação lógica visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente)… a demonstração da realidade de factos desta natureza, com a finalidade do seu tratamento jurídico, não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta,… A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto” (cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ªEdição, Revista e Actualizada, p. 435 a 436).

Ou seja: a prova judicial não tem que criar no espírito do juiz uma certeza absoluta acerca dos factos a provar; a prova judicial nunca é a realidade naturalística das coisas; o que a prova judicial deve determinar é um grau de probabilidade (do facto) tão elevado que baste para as necessidades da vida.

Como refere Manuel Tomé Soares Gomes, in ob. cit. pág. 25:
“… a valoração da prova, por parte do tribunal, consubstancia[-se] na formação de juízos de razoabilidade sobre os factos controvertidos relevantes para a resolução do litígio, em função do material probatório obtido através da atividade instrutória, à luz das regras da experiência e da coerência lógica dum raciocínio pragmático sobre as ocorrências da vida. “

E mais adiante, pág. 26: “prova judicial tem como objetivo lograr uma compreensão suficientemente provável da realidade em causa, nos limites de tempo e condições humanamente possíveis, que satisfaça a resolução justa e legítima do caso.“

O disposto no art.º 607º também é aplicável à  Relação nos termos do disposto no art.º 663º n.º 2 do CPC, mas com as devidas adaptações, porquanto, muito embora na eventual reapreciação da decisão da matéria de facto caiba à Relação formar a sua própria convicção quanto à  prova produzida, tal reapreciação não visa um novo julgamento global ou latitudinário da causa, mas, antes, uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quo com vista a corrigir eventuais erros da decisão.

Assim refere-se no Ac. desta RG de 04/04/2019, processo 1012/15.5T8VRL-AV.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg (sublinhado nosso), “ a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância.“

Por outro lado, uma vez que é perante si que toda a prova é produzida, o juiz da 1ª instância encontra-se numa posição privilegiada para proceder à sua valoração, já que, através da imediação, tem acesso ao comportamento das partes e das testemunhas, o que lhe permite aferir, de forma cabal, da respectiva espontaneidade e credibilidade.
Tal não sucede com a Relação, que apenas dispõe do registo de som e não também de imagem.

Mas essa é uma consequência das opções assumidas pelo legislador, ou seja, a Relação reaprecia a decisão da matéria de facto com base nos elementos que lhe estão acessíveis.
Não tendo a Relação aquele elemento – imediação – e não havendo elementos probatórios que lhe permitam formar um juízo seguro de que existe erro de valoração da prova, deverá ser dada prevalência à decisão da 1ª Instância.

Assim refere Ana Luísa Geraldes, in «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, pág. 609:.
«Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte».

4.2.2. Em concreto
Consta do ponto 54:
54. As obras feitas pelo condomínio não resolveram os problemas das infiltrações.

O recorrente pretende se dê como provado que:
As obras feitas pelo condomínio na sequência da providência cautelar resolveram os problemas das infiltrações, mantendo-se, contudo, humidades nalguns compartimentos.

Consta dos pontos 55 e 56:
55. Durante o mês de Abril de 2018, face à pluviosidade que se fez sentir, voltaram a surgir inundações no apartamento dos Autores
56. Como voltaram a surgir em finais de Junho de 2018, atenta a forte pluviosidade que se fez sentir.

O recorrente pretende que estes pontos de facto sejam considerados não provados.

Tanto quanto se alcança da sentença recorrida (que, como já referido, não identifica, através da sua numeração, os factos que motiva), a mesma motivou a decisão quanto aos pontos 54 a 56 nos seguintes termos:
“O perito confirmou que as obras reportadas pelo condomínio foram, efectivamente, executadas, com uma pequena correcção, mas que não resolveram o problema das infiltrações, que se mantém (página 25 do relatório), embora a autora admita que foi um pouco mitigado. Aliás, a autora referiu-se a outras duas situações posteriores à realização de tais obras em que voltou a entrar água na sua casa pela cobertura, o que confirma aquela conclusão técnica. A este propósito, os autores apenas notaram que a entrada de água na sala parou desde que o empreiteiro DD reparou a junta de dilatação dos dois prédios, mantendo-se o problema no resto da casa.

Relativamente ao ponto 54, importa recordar ter ficado provado no ponto 52 que:
52. Posteriormente ao decretamento da providência cautelar, em 20 de Novembro de 2017, o condomínio reportou no procedimento cautelar que aplicou 230 metros de espanta pombas em aço inox em zonas que aparentam a presença dos animais com colas próprias da ..., que executou um respiro para a casa dos elevadores que carecia de ventilação, executou chaminé em chapa inox fixa ao tecto da casa das máquinas, que colocou uma argamassa hidrófuga na junta da telha, uma tela de alcatrão e uma membrana elástica, que aplicou uma demão de tinta plástica em todas as paredes e teto dos elevadores, que limpou as paredes e que reparou algumas fissuras mais fundas.

Esta matéria foi alegada pelos AA. no art.º 79º da PI.

Os AA. alegaram que os trabalhos executados não foram aptos a resolver os problemas de infiltrações, que persistem (cfr. art.º 81º da PI).

O R. Condomínio alegou o contrário (cfr. art.º 67º da contestação)

O elemento probatório essencial – e que, podemos desde já afirmá-lo, não foi refutado por nenhum dos elementos de prova indicados pelo Recorrente, como veremos melhor - é o Relatório pericial, junto aos autos a 10/10/2019, que se pronunciou nos seguintes termos (cfr. pág. 25 e 28):
“ (…)
4.2.1. Quesitos colocados pelo Autor (…)
(…)
25. Tendo por referência o referido no art.º 79 da PI, diga o Sr. Perito se os trabalhos aí indicados foram ou não executados?
Resposta
Sim, apenas se corrige que se verifica no local, a aplicação de cerca de 20 m (e não 230) de espanta pombas em aço inox.
26. Se tais trabalhos foram aptos a solucionar os problemas de humidades e infiltrações?
Resposta:
Não, na medida em que subsistem manifestações de presença de água, conforme explanado.”
(…)
4.2.2. Quesitos colocados pelo Réu (…)
(…)
3 – Os trabalhos realizados pelo R. na cobertura, nomeadamente após a decisão proferida nos autos de procedimento cautelar, evitam as infiltrações para o interior da casa dos AA.?
Resposta:
Não, na medida em que subsistem manifestações de presença de água, conforme respostas aos quesitos do Autor.
(…)”

O Sr. Perito, em sede de esclarecimentos prestados na audiência de julgamento, confirmou o que consta do Relatório.
Assim e perguntado se “…daquilo (…) que verificou lá, não foi apto a resolver os problemas de humidades e infiltrações? (…)” respondeu que “[a]tendendo a que o apartamento continua a apresentar manifestações de entrada de água, à partida não resolveu”.

O R. contrapõe com o depoimento do Administrador do Condomínio.

Porém, muito embora o mesmo tenha declarado que depois das obras executadas em cumprimento da decisão cautelar, não houve mais problemas, o mesmo também declarou que não houve qualquer outra queixa por parte dos AA..
Ou seja: o mesmo apenas afirma o que afirma por não lhe ter sido apresentada mais nenhuma queixa.

Importa ter em consideração que como resultou do depoimento, não há diálogo entre o Sr. Administrador do Condomínio e os AA..

Tendo em consideração que o Relatório pericial resulta da observação directa do Sr. Perito e que o afirmado pelo depoente se funda, apenas, no facto de não ter sido apresentada qualquer queixa, num contexto em que não há diálogo com os AA, impõe-se concluir que o seu depoimento é manifestamente insuficiente para contrariar o que resulta do Relatório pericial.

O R. contrapõe ainda com o depoimento do A.
Porém, o R. não teve em consideração a totalidade do depoimento, pois quanto às questões em referências, ao longo do seu extenso depoimento e em momentos sucessivos, o A. afirmou que após a decisão do procedimento cautelar e a realização das obras continuaram  a aparecer humidades e manchas e mantinha-se o cheiro nauseabundo, quando chove, as manifestações no interior da fracção não têm a mesma dimensão, aparece água na instalação ligada ao tecto para escoamento de águas (cfr. ponto 35 dos factos provados), há escorrências da cobertura quando chove, em 2018 e aquando da queima das fitas da filha, apareceu água em dois ou três sítios, ainda que não com a mesma veemência (de 2016) e foi confrontado com as fotos de fls. 56-56v do processo físico, juntos pelo requerimento de 06/02/2019 e que exibem a instalação referida no ponto 35 dos factos provados e um recipiente com água, que se situa no quarto da filha, tendo afirmado que quando chove aparece sempre água.

Além disso e como referido pela Mmª Juiz a quo, há que ter em consideração o depoimento da A. BB que declarou que em Abril de 2018, no dia em que foi a queima das fitas da filha, quando regressaram a casa, o quarto da filha, que tinha uma carpete nova, estava inundado, porque havia uma fissura no tecto, donde vinha a água. E em Maio de 2019 choveu, sentiu pingar no plástico do dispositivo (referido no ponto 35 dos factos provados), desenrolou a mangueira e tirou um balde de água.

Os AA. referem, nas suas contra-alegações, o depoimento de EE (que foi nomeado perito na acção executiva intentada pelos AA., para cumprimento da decisão proferida no procedimento cautelar, para proceder à avaliação do custo da prestação de facto e que elaborou o Relatório pericial cuja junção foi requerida pelos AA. a 06/04/2022, tendo ainda requerido que fossem tomados “esclarecimentos” aquele, na qualidade de “perito”, o que foi deferido pelo tribunal, por despacho de 27/04/2022, não se tendo encontrado despacho quanto à admissão do citado Relatório).

 Sucede que esta testemunha (nestes autos não é perito), em momento algum, foi inquirido quanto às questões em apreço, ou seja, saber se as obras elencadas no ponto 52 resolveram os problemas das infiltrações ou saber se em Abril e Junho de 2018 ocorreram infiltrações na fracção autónoma dos AA.

Em face do exposto, impõe-se concluir:
- face ao relatório Pericial, aos esclarecimentos do Sr. Perito que o elaborou, ao depoimento dos AA. e às fotografias de fls. 56-56v., nenhuma razão existe para colocar em crise o ponto 54 dos factos provados, que assim se mantém;
- face ao depoimento da A., nenhuma razão existe para colocar em crise o ponto 55 dos factos provados, que assim se mantém;
- não foi produzida prova do que consta do ponto 56, pelo que se elimina o mesmo e adita-se aos factos não provados uma alínea f) com o seguinte teor:
f) Em finais de Junho de 2018, face à pluviosidade que se fez sentir, voltaram a surgir inundações no apartamento dos Autores.
*
5. Direito
5.1. Enquadramento jurídico

Dispõe o artº 483º do CC:
“1. Aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
2. (...) “
           
Sem necessidade de grandes desenvolvimentos, porque se trata de matéria que não oferece dúvidas, os pressupostos da responsabilidade civil extra contratual por factos ilícitos (que devem, ser alegados e provados pelo lesado, como constitutivos do direito de que se arroga, conforme resulta do disposto no n.º 1 do art.º 342º do Código Civil, mas que, no que respeita à culpa, pode sofrer desvios, se houver presunção de culpa, como veremos melhor adiante) são:

a) Um facto (comportamento ou forma de conduta humana que se pode traduzir numa acção ou omissão);
b) A ilicitude desse facto ou sua antijuridicidade e que, como referido, tem tradução nas duas previsões gerais do art.º 483º n.º 1 – violação de um direito de outrem e violação de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios - e nas previsões específicas nos artigos 484º a 486º e 491º a 493º, todos do CC.
c) A imputação culposa do facto ao lesante (censurabilidade da conduta do agente pelo direito, que pode assumir a forma de dolo ou de negligência, a apreciar nos termos do artigo 487º do Código Civil), salvo se a lei estabelecer uma presunção de culpa;
d) O dano ou prejuízo (que consiste em «toda a ofensa de bens ou interesses protegidos pela ordem jurídica»);
e) Um nexo de causalidade (adequada) entre o facto e o dano (sendo indemnizáveis todos os danos - mas só esses - causados pela acção ou omissão do agente).
           
A ilicitude tem em vista direitos absolutos, como sejam os direitos de personalidade e o direito de propriedade.

Mas a situação dos autos convoca o disposto no n.º 1 do art.º 493º do CC - o qual constitui uma especificação da cláusula geral do art.º 483º n.º 1 do CC –, o qual dispõe que quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar (…), responde pelos danos que a coisa (…) causar […], salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.

A ratio da norma reside numa máxima de experiência comum: quando uma coisa, estando sob a custódia de alguém, provoca danos, a respectiva causa assenta, em regra, na falta ou deficiente vigilância por parte da pessoa encarregue de a guardar.

Ao encarregado da vigilância compete, por seu turno, ilidir essa presunção, demonstrando o correto cumprimento dos respectivos deveres de guarda, uma vez que, estando a coisa à sua disposição, está em melhor situação para comprovar que foi cauteloso na sua custódia (cfr. Rui Ataíde, in Responsabilidade civil por violação de deveres no tráfego, pág. 356, obra que seguiremos de perto).

A responsabilidade dos vigilantes pelos danos provocados por qualquer coisa sob a sua guarda, independentemente da respectiva perigosidade, pode ser explicada, nomeadamente, segundo a teoria das esferas de responsabilidade: quem está ou participa no tráfego mediante o controlo de determinados complexos de meios, ainda que não perigosos, assume a correspondente competência funcional de providenciar as necessárias medidas de segurança para evitar que desses segmentos materiais sob o seu domínio, resultem [danos] para terceiros, encontrando-se em situação especialmente favorável, pela sua situação de facto em relação à coisa, para demonstrar que o prejuízo não resultou da falta ou insuficiência dessas providências – aut. e ob. cit., pág. 357.

Na alçada do art.º 493º n.º 1 caiem todas as coisas, por mais inócuo que seja o seu potencial danoso, que fazem parte do tráfego e que estejam em poder do sujeito.

Na norma em referência, o responsável é a pessoa que tiver em seu poder a coisa imóvel e que, por isso, está obrigado a vigiá-la, podendo ser, ou não, proprietário – o que releva é que tenha o controlo material da coisa, o corpus possessório  (aut. e ob. cit., pág. 388), o poder de facto sobre a coisa que dure o tempo suficiente para viabilizar a efectiva constituição duma posição de domínio (ob. e aut. cit., pág. 396), mas com exclusão das situações de mero contacto físico ocasional com a coisa (aut. e ob. cit., pág. 388.)
Por outro lado e do ponto de vista objectivo, estão unicamente abrangidas: a) as coisas que, podendo ser objecto de custódia, podem, por via das mais diversas forças, incluindo a da gravidade, adquirir um dinamismo próprio susceptível de causar danos; e b) os danos que a coisa causar, no sentido em que estão afastados do âmbito da norma os danos causados com a coisa, ou seja, quando esta funcionou simplesmente como instrumento parcial da ação danosa empreendida pelo sujeito – cfr. aut. e ob. cit. pág. 362.

No n.º 1 do art.º 493º do CC estão abrangidas as coisas, móveis e imóveis, mesmo que não sejam por natureza perigosas, mesmo que sejam inertes (estando, portanto, afastada uma interpretação segundo a qual o dano tem de ser causado pelo dinamismo congénito da coisa), susceptíveis de causar danos a terceiros, se não forem observados deveres de controlo destinados a impedir ou, ao menos, a reduzir, a probabilidade de eventos danosos, motivo pelo qual, para evitar a sua ocorrência, manda o art.º 493º n.º 1 do CC que devem ser vigiadas.

Ou seja, “ …o eixo de imputação não reside (…) na presença ou falta de um congénito potencial lesivo das coisas, mas no (in)cumprimento dos deveres de vigilância que ao caso couberem, uma vez que, mesmo quando as coisas estão privadas de um dinamismo próprio, subsistem deveres de controlo destinados a impedir ou, ao menos, a reduzirem a probabilidade de factores externos, fortuitos ou não, intervirem como causa ou concausa de eventos danosos” – aut e ob. cit. pág. 364.

Os prejuízos causados pelas coisas tanto podem ser fruto de processos degenerativos puramente internos como de fatores externos que as degradem, obstando ou diminuindo o gozo das suas normais utilidades. (…) Os deveres de cuidado legalmente impostos ao vigilante tanto se propõem prevenir fatores intrínsecos como extrínsecos – aut. e ob. cit., pág. 373.

Ou seja: muito embora estejam em causa coisas inertes, tornam-se fonte de danos por falta de vigilância, a qual deve ter em atenção tanto factores intrínsecos, como extrínsecos; mas, em qualquer caso, os danos terão de ter origem ou causa na coisa sob vigilância.

O normativo em referência, ao expressar que quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar (…), responde pelos danos que a coisa (…) causar, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua, estabelece uma presunção de culpa.

Na responsabilidade civil extracontratual, em regra é ao lesado que, salvo excepções, incumbe provar a culpa do autor da lesão – art.º 342º n.º 1 do CC.

Constituem excepção os casos em que a lei estabelece uma presunção legal de culpa, o que, de acordo com o estatuído no n.º 1 do art.º 344.º do referido código, implica a inversão do ónus da prova.

Neste caso, é ao lesante que cabe provar, para se eximir à responsabilidade, que nenhuma culpa houve da sua parte na produção do facto danoso, ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.

Finalmente importa considerar que um grupo de situações a que tem sido aplicado o disposto no art.º 493º n.º 1 do CC, é às infiltrações de águas no piso inferior, provenientes do piso superior (cfr. a titulo meramente exemplificativo, o Ac. do STJ de 14.09.2010., proc. 403/2001.P1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj e que contem uma recensão de jurisprudência até à data do Ac. e mais recentemente os Acs. de 14/03/2019, proc. 2446/15.0T8BRG.G2.S1 e de 14/07/2021, proc. 1168/13.1T2STC.E2.S1, ambos consultáveis in www.dgsi.pt/jstj e que têm como parte demandada o “Condomínio”)        

Refere-se na sentença recorrida:
“Sobre a administração do condomínio recai o dever de administrar e de conservar as partes comuns, de modo a que destas não decorram danos seja para terceiros seja para qualquer um dos condóminos dentro da sua fracção autónoma (artigos 1424.º e 1430.º do Código Civil).

No regime da propriedade horizontal coexistem o direito de propriedade exclusiva dos condóminos sobre as respectivas fracções autónomas com o direito sobre as partes comuns (artigo 1420.º do Código Civil).

Assim, para além da contitularidade pelos condóminos do direito de propriedade sobre as partes comuns, cada condómino é proprietário exclusivo da sua fracção autónoma, direito de propriedade esse que lhe confere o direito de exigir de qualquer terceiro, seja ou não também condómino, que se abstenha de qualquer acto ou omissão que perturbe, diminua ou impeça o gozo e fruição da sua fracção autónoma. Por tal motivo, a violação do direito de propriedade do condómino sobre a sua fracção autónoma legitima o recurso ao regime jurídico da responsabilidade civil extracontratual (artigos 483.º e seguintes do Código Civil), por violação de um facto ilícito, consistente na violação do seu direito real absoluto de propriedade.

Ao condomínio competia o dever de conservar e reparar adequadamente as partes comuns, de modo a não provocar danos nas fracções autónomas.”

Destarte e à luz do disposto no art.º 493º, n.º 1 do CC, cabe ao Condomínio alegar e provar, para se eximir à responsabilidade, que nenhuma culpa houve da sua parte na produção do facto danoso, ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.

5.2. Em concreto
São três as questões que o recorrente suscita no que respeita ao mérito da sentença recorrida.

Assim e em primeiro lugar o recorrente coloca em crise o seu dever de indemnizar alegando que “não obstante a cobertura do edifício se encontrar em mau estado de conservação, não foi esta a causa ou, pelo menos, a única causa das infiltrações ocorridas no apartamento dos AA.” (conclusão 8), “[d]onde resulta inexistir nexo causal directo entre qualquer conduta, ou omissão de conduta do condomínio e os danos verificados” (conclusão 9), “[o]que significa que os episódios de infiltrações no imóvel dos AA. não se verificaram na sequência de qualquer conduta culposa do R. Condomínio, razão pela qual não pode o mesmo incorrer em responsabilidade civil atribuída na d. sentença recorrida, nomeadamente na obrigação de ressarcimento dos danos reclamados.” (conclusão 10).
 
Em segundo lugar entende que as obras que realizou na sequência da decisão proferida no procedimento cautelar, resolveram o problema das infiltrações na fracção dos AA.

Em terceiro lugar entende que os danos reclamados e atribuídos aos AA. nomeadamente de natureza não patrimonial, seriam sempre excessivos e desproporcionais.

São estas as únicas questões relativas ao mérito da sentença recorrida, que constituem o objecto do recurso.

Vejamos cada uma de per si

Os recorridos são proprietários de uma fracção autónoma designada pelas letras ... correspondente ao ... andar do prédio constituído no regime de propriedade horizontal (pontos 1 e 2 dos factos provados), fracção autónoma essa que constitui a única fracção existente no ... andar (ponto 6 dos factos provados), ... andar que, como flui dos autos, constitui o último piso do prédio e fracção autónoma dos AA. que, como também flui dos autos, tem uma cobertura/telhado.

O telhado do prédio constituído em regime de propriedade é uma parte imperativamente comum (cfr. artigo 1421.º, n.º 1, alínea b), do Código Civil).

Cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício (cfr. art.º 1420.º, n.º 1 do Código Civil), sendo tal direito irrenunciável, como decorre do n.º 2 do art.º 1420º do CC.

Daqui decorre que, para efeitos do disposto no art.º 493º n.º 1 do CC, quem tem em seu poder as partes comuns de um edifício constituído no regime de propriedade horizontal e, portanto, está constituído no dever de a vigiar, é o conjunto de todos os condóminos.

Neste ponto importa referir o seguinte.

Nos autos foi demandado o “Condomínio”.
A realidade jurídica emergente da constituição de um edifício em propriedade horizontal não é dotada nem de personalidade nem de capacidade jurídica porque a lei não a atribuiu, embora o art.º 12º alínea e) do CPC atribua personalidade judiciária ao condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador.

A este respeito refere Miguel Mesquita in A personalidade judiciária do condomínio nas acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos - anotação ao ac. do TRL de 25/06/2009, 4838/07.0TBALM.L1-8, Cadernos de Direito Privado, nº. 35, Julho/Set 2011, págs. 50 e 51:
“[O] condomínio é a face processual dos condóminos […] não fazendo valer, de forma alguma, um interesse diferente daquele que pertence a estes. No fundo, quando o condomínio assume o papel de parte, os condóminos assumem esse papel em simultâneo, mas sob a “máscara” do condomínio: não estão no processo, mas tudo se passa como se estivessem, litigando do lado activo ou do lado passivo da instância.
O condomínio é a ‘capa’ processual dos condóminos, uma ‘capa’ que visa facilitar a identificação das partes, evitar que os condóminos, um por um, tenham de ser referidos na petição inicial ou na contestação […]”. “A personalidade judiciária atribuída ao condomínio é meramente formal e, no fundo, os condóminos são partes na causa, debaixo da ‘capa’ do condomínio.” […] “A parte permanece o conjunto dos respectivos membros. Por isso é que o depoimento de um condómino tem de ser visto como um depoimento de parte e jamais como um depoimento testemunhal.
[…] A pessoa meramente judiciária não se distingue, no processo, das pessoas que se encontram por detrás dela. Daí que, naturalmente, o caso julgado atinja, plenamente, estas pessoas.
Por tudo isto, deve entender-se que o condomínio não goza de nenhuma legitimidade extraordinária, uma vez que os interesses que defende são, afinal, os interesses dos próprios condóminos e a distinção entre estes e o condomínio é absolutamente artificial”.

No mesmo sentido, Sandra Passinhas in A assembleia de condóminos e o administrador na propriedade horizontal, Almedina, 2000, pág. 330, invoca M.ª del Carmen González Carrasco in Representación de la comunidad de proprietários y legitimación individual del comunero em la propriedad horizontal, Bosch, Barcelona, 1997, págs. 167 e 168: “se se afirma que as organizações de sujeitos sem personalidade jurídica podem ser parte no processo através da representação orgânica, diz-se que são os membros do grupo a verdadeira parte, não na sua qualidade de sujeitos singulares, mas na qualidade de membros de uma organização. É esta qualidade uti socii que determina a parte, de modo que as eventuais mudanças de proprietários durante o processo não determinam a mudança processual das partes. Os poderes e deveres processuais pertencem aos membros do grupo, mas, segundo os princípios da actuação orgânica, são exercidos pelos meios de actuação deste. E os resultados do processo repercutem-se na parte - o membro - uti socius, de modo que têm a sua incidência na esfera jurídica deste.”

Em face do exposto, muito embora tenha sido demandado o “Condomínio”, em termos materiais os verdadeiros sujeitos da relação material são todos os “condóminos”.

Na sentença recorrida ponderou-se:
“Ora, provado ficou que, em virtude de um conjunto de causas – a deficiente reparação da cobertura, o mau estado da tela betuminosa de impermeabilização, a sujidade presente na cobertura e nos órgãos de drenagem das águas pluviais, que os entope, e o levantamento parcial da tela da cobertura ao longo da linha de contacto com o bloco contíguo -, por mais do que uma vez, a casa dos autores foi inundada, tendo causado prejuízos em praticamente todas as divisões, mantendo-se as humidades e os danos até ao presente – excepto na sala, onde já não entra humidade -, não obstante as obras que o condomínio levou a efeito na sequência de providência cautelar decretada.
As múltiplas causas das infiltrações respeitam ao estado de conservação e de manutenção da cobertura - incluindo o material impermeabilizante lá colocado e as caleiras -, a qual constitui uma zona comum do prédio (artigo 1421.º, n.º 1, alínea b), do Código Civil).
(…)
Ao condomínio competia o dever de conservar e reparar adequadamente as partes comuns, de modo a não provocar danos nas fracções autónomas.
Todavia, provado ficou que o condomínio incumpriu esse seu dever, não mantendo a cobertura, uma zona comum, em condições de evitar infiltrações, o que teve como consequência as inundações no apartamento dos autores.
As causas que se provaram, em concorrência, terem estado na origem das infiltrações são, todas elas atinentes à má limpeza, conservação e manutenção da cobertura.
Apenas o descolamento da tela impermeabilizante na zona de contiguidade entre os dois blocos não será imputável ao réu condomínio. Todavia, tal causa, não sendo a principal – como afirmou o perito – já nem sequer requer qualquer obra de reparação específica, uma vez que acabou por ser resolvida.
Por outro lado, o impedimento pelos autores de acesso à cobertura imediatamente antes da segunda inundação não é suscetível de excluir a responsabilidade do condomínio, pois, entre as duas inundações, teve vários meses para proceder a limpezas e obras e reparação ou substituição do telhado, o que não aconteceu, apenas tendo procedido a algumas obras após o decretamento da providência cautelar, obras essas que nem sequer foram eficazes, tendo as infiltrações persistido, embora de forma mitigada.
A entrada de grande quantidade de água na casa dos autores e consequentes humidades e estragos causados ficou a dever-se ao incumprimento pela ré do seu dever de promover e manter a cobertura em bom estado de conservação, nomeadamente, de impermeabilização, de modo a que não ocorram infiltrações que provoquem danos em fracções autónomas. Trata-se de um dever geral de diligência que foi incumprido, envolvendo a prática de um ilícito culposo gerador de responsabilidade civil, nos termos do artigo 483.º do Código Civil.”

Não existem razões para no essencial dissentir do decidido.

E isto porque o “Condomínio” não logrou provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.

Desde logo, está provado que:
- uma das causas das infiltrações na fracção autónoma dos AA., foi a deficiente reparação que foi feita da cobertura (ponto 27), cabendo aqui recordar que em finais de 2015, mandou executar obras de reparação no prédio de que faz parte integrante a fracção autónoma dos AA., que consistiram na reparação da placa de cobertura (chapas onduladas), que passou por tapar os buracos existentes através da colocação de uma tela de cobertura (cfr. pontos 3 a 5 dos factos provados).
- outra foi o mau estado de conservação da cobertura do prédio (ponto 44 dos factos provados), concretamente, a chapa/ telha de fibrocimento da cobertura do prédio, a tela betuminosa de impermeabilização e os revestimentos metálicos das platibandas estão em mau estado (ponto 45).

Ou seja: desde logo estão provadas duas causas das infiltrações que são, inequivocamente, imputáveis, ao R., o que, por si só e em princípio, impede, o afastamento da referida presunção, pois se exige que “nenhuma” culpa houve da sua parte.

A primeira porque foi o Condomínio que mandou realizar a obra e era ao mesmo que, tendo o domínio da coisa – cobertura/telhado -, cabia verificar se a mesma tinha sido efectuada nos termos adequados, ou seja, de molde a não contribuir para as infiltrações na fracção autónoma dos AA..

A segunda porque tem o domínio da coisa – cobertura/telhado - e, portanto, têm o dever de a vigiar e evitar que da mesma decorram danos.

No entanto o recorrente pretende que a sua responsabilidade está afastada considerando que “as infiltrações ocorridas no interior do imóvel dos AA. tiveram origem no entupimento das caleiras da cobertura (tal como foi dado por provado nos pontos 46; 57; 58 e 59) e em razão do levantamento da tela aquando das obras realizadas no bloco II (cfr ponto 60) dos fatos provados) e mercê das condutas dos AA. em impedirem o acesso do R. à cobertura (ponto 63 dos factos provados)”.

Recorde-se o teor dos pontos 46, 47, 57, 58, 59, 60 e 63:
46. Existe sujidade na cobertura e nos órgãos de drenagem das águas pluviais.
47. As referidas fragilidades constituem causas das humidades e infiltrações existentes na fracção dos Autores.
57. Logo após a inundação do apartamento dos autores, em Janeiro de 2016, foi verificado que as caleiras de serviço do Bloco 1 estavam inundadas de águas paradas que não eram normalmente escoadas.
58. As saídas da água encontravam-se entupidas com resíduos de pombas e da obra realizada na cobertura do bloco II e que foram deixados sobre a cobertura do bloco I, o que, aliado às referidas deficiências do material da cobertura, fez com que a água transbordasse das caleiras e se infiltrasse em grande quantidade para o interior do edifício, em particular, para a fracção autónoma dos autores.
59. Nessa altura, o réu procedeu à limpeza e desobstrução das caleiras, tendo a água passado a circular e a escoar normalmente.
60. Aquando da realização da obra na cobertura do bloco II pela empresa E..., Lda., esta levantou parcialmente a tela da cobertura do bloco I ao longo da linha de contacto dos dois blocos, o que permitiu que, também por aí, ocorressem infiltrações de água para o interior do prédio.
63. A partir de Outubro de 2016, os autores passaram a impedir a entrada do réu na sua habitação para aceder à cobertura e fazer trabalhos de manutenção e de limpeza da mesma e de eliminação das infiltrações.

Relativamente ao entupimento das caleiras da cobertura, impõe-se enquadrar a questão.
Está provado que as primeiras infiltrações na fracção autónoma dos AA. ocorreram em janeiro de 2016 (ponto 7 dos factos provados)
Está também provado (ponto 57) que logo após a inundação do apartamento dos autores, em Janeiro de 2016, foi verificado que as caleiras de serviço do Bloco 1 estavam inundadas de águas paradas que não eram normalmente escoadas e, concretamente (ponto 58), as saídas da água encontravam-se entupidas com resíduos de pombas e da obra realizada na cobertura do bloco II e que foram deixados sobre a cobertura do bloco I, o que, aliado às referidas deficiências do material da cobertura, fez com que a água transbordasse das caleiras e se infiltrasse em grande quantidade para o interior do edifício, em particular, para a fracção autónoma dos autores.
Ficou ainda provado (ponto 59) que nessa altura, (ou seja, logo após as infiltrações de Janeiro de 2016) o réu procedeu à limpeza e desobstrução das caleiras, tendo a água passado a circular e a escoar normalmente.

Um dos deveres de vigilância que cabe ao “Condomínio”, é o de verificar, com regularidade, mas mais acentuadamente antes do início do Outono (que em Portugal se inicia a 23 de Setembro), momento a partir do qual e de forma crescente, a pluviosidade se torna mais constante, se as caleiras da cobertura e as saídas das águas existentes nos telhados ou coberturas, estão desimpedidas e, se necessário, proceder à sua limpeza, a fim de evitar que a água se infiltre no edifício.

O Condomínio não alegou que o tenha feito relativamente ao ano de 2015 (as primeiras e substanciais infiltrações são de Janeiro de 2016).

Além disso, tendo realizado obras na cobertura nos finais de 2015, não aproveitou essa oportunidade para verificar se as caleiras da cobertura e as saídas das águas existentes nos telhados ou coberturas, estavam desimpedidas, violando, assim, o seu dever de cuidado.

Neste contexto, tendo ocorrido a situação descrita impõe-se concluir que, não só o “Condomínio” não logrou ilidir a presunção de que nenhuma culpa houve da sua parte, como se comprova essa culpa.

Além disso, sempre se impõe ter em consideração, ter ficado provado que a situação descrita se aliou às deficiências do material da cobertura, ou seja, aquele entupimento não actuou de forma isolada, mas em concorrência com as deficiências do material da cobertura, o que, tratando-se de coisa no domínio do “Condomínio”, reforça a imputabilidade das infiltrações ao mesmo.

Relativamente ao levantamento da tela aquando das obras realizadas no bloco II, pelo empreiteiro que realizou a referida obra, Bloco essa contíguo ao Bloco I, que integra a fracção autónoma dos recorridos, muito embora não fosse exigível ao “Condomínio” deste Bloco que fiscalizasse obra alheia, era-lhe exigível que fizesse uma verificação regular do estado dos elementos construtivos relevantes do edifício que constitui o Bloco I, como era a referida tela, pois o facto de a mesma estar levantada foi uma das causas das infiltrações.

E o Condomínio não alegou que o tenha feito.

Além disso, tendo realizado obras na cobertura nos finais de 2015, não aproveitou essa oportunidade para verificar o estado da tela.

Neste contexto, tendo ocorrido a situação descrita impõe-se concluir que o “Condomínio” não logrou ilidir a presunção de que nenhuma culpa houve da sua parte.

Finalmente e quanto à actuação dos recorridos, impõe-se considerar o seguinte.

Dispõe o art.º 570º do CC que quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.

Pessoa Jorge referia in Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, pág. 360 que não era rigoroso falar em culpa do lesado, porque a diminuição da culpabilidade do agente se opera sempre que o acto do lesado foi concausa do prejuízo, ainda que não tenha carácter ilícito, por não representar a violação de nenhum dever.

Pires de Lima e Antunes Varela, in CC anotado, referiam, em anotação ao art.º 570º, que para a aplicação do nele disposto era necessário que o acto do lesado tenha sido uma das causas do dano, consoante os mesmos princípios de causalidade aplicáveis ao agente.

E Jacinto Rodrigues Bastos in Notas ao código Civil, III, pág. 42, referia: “ Para aplicação da norma, a conduta culposa do lesado deve ter constituído uma concausa do dano sofrido ou da sua agravação. O lesado pode ter contribuído para a produção do dano mediante a sua conduta ou simplesmente deixando de evitar as consequências prejudiciais do acto de outra pessoa; e pode contribuir para o agravamento dos danos omitindo as precauções que as circunstâncias aconselhem para o reduzir.”
E quanto à locução “facto culposo do lesado“, referia que “a culpa não é considerada em sentido técnico, uma vez que nesse sentido a culpa é o elemento subjectivo de uma transgressão jurídica e a lei não formula, em parte alguma, o dever de cada um se precaver contra os danos que pode causar a si mesmo. (…) Aquela expressão deve ser tomada em sentido genérico, como caracterizando uma conduta incongruente que toda a pessoa razoável evita, ou deve evitar, no seu próprio interesse.”

Brandão Proença analisou o tema na sua dissertação de Doutoramento A conduta do lesado como pressuposto e critério de imputação do dano extracontratual, em que refere que o normativo em análise contempla duas situações: a actuação do lesado que concorre activa ou passivamente para o surgimento do dano (ao não evitar a acção e o evento lesivos ou  ao não afastar ou minorar as previsíveis consequências do facto danoso em curso)  e o comportamento autónomo que apenas agrava, não elimina ou não atenua o prejuízo já causado – pág. 390 - funda-se na auto responsabilidade do lesado, no sentido de imputação das consequências patrimoniais decorrentes de opções livres que tomou e que se revelaram  desvantajosas para os seus interesses – pág. 417 – e visa uma repartição justa e equilibrada, natural, do dano, em função das contribuições, em regra culposas, do lesante e do lesado – pág. 128 – referindo ainda não haver dúvida quanto à exigência de uma causalidade efectiva do facto do lesante e do lesado – pág. 427 – à necessidade da concorrência, para o dano ( real e patrimonial), do facto culposo do lesado ( e do lesante) – pág. 425 – gerando-se uma situação de concausalidade – pág. 426 – sendo o critério de apreciação do nexo causal o da causalidade adequada, em que se pergunta se aquele facto do lesante era, em abstracto, causa adequada daquela espécie de danos – pág. 442 – não sendo viável a aplicação da teoria do escopo de protecção da norma, na medida em que o art.º 570º n.º 1 não é norma de conduta, com finalidade proibitiva ou impositiva – pág. 453.

Feito este excurso, impõe-se, em primeiro lugar, constatar que o facto de a partir de Outubro de 2016 os AA. terem passado a impedir a entrada do réu na sua habitação para aceder à cobertura e fazer trabalhos de manutenção e de limpeza da mesma e de eliminação das infiltrações (conduta cuja ilicitude não tem aqui que ser tratada, muito embora tenha ficado provado que aquele era o único acesso à cobertura para efectuar a sua manutenção e limpeza (ponto 62 dos factos provados)) -, nunca poderia ser, pela natureza das coisas, concausa das infiltrações de Janeiro de 2016, uma vez que estas são anteriores aquele facto.

Em segundo lugar, importa recordar que logo após a inundação do apartamento dos autores, em Janeiro de 2016, foi verificado que as caleiras de serviço do Bloco 1 estavam inundadas de águas paradas que não eram normalmente escoadas (ponto 57) e, concretamente (ponto 58), as saídas da água encontravam-se entupidas com resíduos de pombas e da obra realizada na cobertura do bloco II e que foram deixados sobre a cobertura do bloco I, o que, aliado às referidas deficiências do material da cobertura, fez com que a água transbordasse das caleiras e se infiltrasse em grande quantidade para o interior do edifício, em particular, para a fracção autónoma dos autores.
E ficou ainda provado que (ponto 59) que nessa altura, ou seja, logo após as infiltrações de Janeiro de 2016, o réu procedeu à limpeza e desobstrução das caleiras, tendo a água passado a circular e a escoar normalmente.
Ou seja: muito antes de os recorridos terem adoptado a referida conduta, o Condomínio procedeu à limpeza e desobstrução das caleiras, tendo a água passado a circular e a escoar normalmente, ou seja, antes da conduta dos recorridos, foi eliminada uma das principais causas das infiltrações, tendo-se mantida a outra: o mau estado da cobertura (ponto 44 dos factos provados).

Em terceiro lugar não consta da matéria de facto provada qualquer factualidade que permita afirmar que aquele facto tenha, em concreto, sido concausa das infiltrações de 19 e 20 de Novembro de 2016 (cfr. ponto 30) ou de Abril de 2018 (cfr. ponto 55 dos factos provados), ou, dito de outra forma, que exista um nexo de causalidade adequada entre aquela conduta e as referidas infiltrações.

Aliás, tanto assim é que, como se refere na sentença recorrida, “o impedimento pelos autores de acesso à cobertura imediatamente antes da segunda inundação [ ou seja, 19 e 20 de Novembro – cfr. ponto 30 dos factos provados] não é suscetível de excluir a responsabilidade do condomínio, pois, entre as duas inundações, teve vários meses para proceder a limpezas e obras e reparação ou substituição do telhado, o que não aconteceu…”, cabendo aqui relevar que o R. alegou uma única tentativa de aceder à cobertura, entre as limpezas de Janeiro de 2016 e as infiltrações de 19 e 20 de Novembro, tentativa essa que data de 15 de Outubro de 2016 (cfr. art.º 47º da contestação).

E, além disso, como também se refere na sentença recorrida, pese embora o recorrente tenha “procedido a algumas obras após o decretamento da providência cautelar, [as mesmas não] foram eficazes, tendo as infiltrações persistido, embora de forma mitigada”.

Em face de tudo o exposto, o recorrente não ilidiu a presunção de culpa que sobre si recai nos termos do disposto nos termos do n.º 1 do art.º 493º do CC, pelo que não foi afastado dever de indemnizar os AA., pelo que o mesmo está obrigado a indemnizar os AA.

Quanto à segunda questão, que é a de saber se as obras que realizou na sequência da decisão proferida no procedimento cautelar, resolveram o problema das infiltrações na fracção dos AA. e que tem essencialmente em vista o segmento do decisório que determina a substituição integral da cobertura, ficou provado que:
44. As humidades e infiltrações têm como uma das causas o mau estado de conservação da cobertura do prédio.
45. A chapa/ telha de fibrocimento da cobertura do prédio, a tela betuminosa de impermeabilização e os revestimentos metálicos das platibandas estão em mau estado.
46. Existe sujidade na cobertura e nos órgãos de drenagem das águas pluviais.
47. As referidas fragilidades constituem causas das humidades e infiltrações existentes na fracção dos Autores.
48. Tais fragilidades apenas poderão ser resolvidas mediante a substituição integral da cobertura do Bloco de Apartamentos.

51. Os autores intentaram contra o condomínio procedimento cautelar que correu os seus termos pelo Tribunal Judicial de Comarca ..., Juízo de Competência Genérica – J..., no âmbito do qual foi determinado, por decisão proferida em 21 de Outubro de 2017, que o Condomínio do Bloco I do Edifício ... do prédio urbano sito na Av. ..., ... procedesse, no prazo de 30 dias (trinta dias) “à reparação da cobertura do edifício, de modo a que os problemas de infiltração deixem de existir. Caso a mera reparação não seja apta a evitar as infiltrações, a intervenção terá que passar pela substituição integral da cobertura.”
52. Posteriormente ao decretamento da providência cautelar, em 20 de Novembro de 2017, o condomínio reportou no procedimento cautelar que aplicou 230 metros de espanta pombas em aço inox em zonas que aparentam a presença dos animais com colas próprias da ..., que executou um respiro para a casa dos elevadores que carecia de ventilação, executou chaminé em chapa inox fixa ao tecto da casa das máquinas, que colocou uma argamassa hidrófuga na junta da telha, uma tela de alcatrão e uma membrana elástica, que aplicou uma demão de tinta plástica em todas as paredes e teto dos elevadores, que limpou as paredes e que reparou algumas fissuras mais fundas.
54. As obras feitas pelo condomínio não resolveram os problemas das infiltrações.
55. Durante o mês de Abril de 2018, face à pluviosidade que se fez sentir, voltaram a surgir inundações no apartamento dos Autores

Perante esta factualidade e, concretamente, perante os pontos 54 e 55 é patente e manifesto que as obras que o recorrente realizou na sequência da decisão proferida no procedimento cautelar, não resolveram o problema das infiltrações na fracção dos AA., mantendo-se, por isso, a conclusão da sentença, de que o problema das infiltrações na fracção dos AA. apenas pode ser resolvido mediante a substituição integral da cobertura e, assim, também neste ponto, a decisão recorrida deve manter-se.

Finalmente, quanto à última questão - os danos reclamados e atribuídos aos AA. nomeadamente de natureza não patrimonial, são excessivos e desproporcionais – impõe-se começar por observar que o recorrente se limita a uma alegação vaga e genérica, sem explicar porque é que a indemnização é excessiva e desproporcionada e sem indicar o quantum indemnizatório que considerava adequado.

Independentemente disso, não se vislumbram quaisquer razões para alterar o decidido.

Assim e quanto aos danos patrimoniais, está provado que:
16. A alcatifa do quarto do filho dos autores ficou de tal forma danificada que teve de ser substituída.
17. Os autores gastaram €400,00 com a substituição da alcatifa do quarto do filho.
23. Tanto assim que a máquina de lavar existente na marquise e toda a parte eléctrica ficaram danificadas e tiveram que ser imediatamente reparadas, no que os autores gastaram €396,00.
25. Uma vez que o cheiro das humidades e infiltrações era muito intenso, os Autores, em Agosto de 2018, procederam a expensas suas à pintura dos compartimentos onde os cheiros das humidades eram mais intensos, ou seja, nas duas casas de banho e no quarto das filhas.
26. Cerca de uma semana a quinze dias após o quarto das filhas ter sido totalmente pintado, voltaram a surgir humidades no tecto.
28. Em Novembro de 2016, os autores pintaram novamente toda a casa, excepto a sala de jantar e o quarto do casal.
29. Os autores gastaram com as duas pinturas da casa €600,00.

Estão, assim, provados valores certos e determinados, que só em sede de impugnação da decisão de facto poderiam sofrer alguma modificação, o que não sucedeu.

Quanto aos danos não patrimoniais, resulta do disposto no art.º 496º n.º 1 do CC, que são de ressarcir os danos morais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.

A medida da satisfação pecuniária dos danos morais deve ser fixada de forma equitativa, nos termos do artigo 496º, n.º 3, do Código Civil, que manda atender às circunstâncias referidas no art.º 494º do mesmo Código (o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica e a situação económica do lesado, entre outras).

O seu montante «deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida».

A indemnização a fixar não deverá traduzir-se num montante meramente simbólico ou miserabilista, mas antes representar a quantia adequada a viabilizar uma compensação ao lesado pelos padecimentos que sofreu em consequência do sinistro (cfr. acórdão do STJ de 7/06/2011, proc. 160/2002, consultável in www.dgsi.pt/jstj).

Está provado que:
7. Em janeiro de 2016, o apartamento dos autores sofreu inundação provinda da cobertura, provocada pela forte pluviosidade que se fazia sentir.
8. Assim, vieram a verificar-se humidades e infiltrações em diversas zonas da casa: sala de jantar, três quartos, uma casa de banho e lavandaria contígua a uma das casas de banho.
9. A água provinda da cobertura do apartamento dos Autores era abundante.
10. O que obrigou à abertura de buracos na própria cobertura a fim de proceder à retirada das águas existentes na cobertura.
11. A água era especialmente abundante no quarto das filhas dos Autores.
12. Foi necessário colocar baldes e bacias nesse quarto para receber a água que caía dos canos colocados nos buracos dos telhados.
13. A água provinda do telhado era imunda e nauseabunda.
14. O quarto das filhas dos Autores foi a parte da casa mais danificada, com manchas e fissuras decorrentes das infiltrações, sobretudo ao nível do tecto.
15. No quarto do filho dos autores apareceram manchas no tecto e paredes em resultado da entrada de água.

18. Durante vários meses, os Autores viveram naquela casa de habitação com um cheiro nauseabundo, provindo das humidades existentes.
19. Devido às humidades e infiltrações, a permanência dos autores na habitação era penosa.
20. Nos quartos dos filhos dos autores, era até impossível permanecer, muito menos dormir.
21. Durante vários meses, os filhos dos Autores, quando em casa, foram obrigados a dormir na sala, com a inerente falta de conforto e privacidade.
22. Uma das casas de banho e a marquise contígua ficaram com o tecto danificado por manchas e fissuras decorrentes das infiltrações.

24. No tecto do quarto do casal, apareceram manchas de humidade.
25. (…) o cheiro das humidades e infiltrações era muito intenso (…)
26. Cerca de uma semana a quinze dias após o quarto das filhas ter sido totalmente pintado, voltaram a surgir humidades no tecto.

30. (…) com as chuvas ocorridas no fim-de-semana de 19 e 20 de Novembro de 2016, as infiltrações reapareceram no quarto das filhas dos autores e na sala de estar.
31. No quarto das filhas, a abundância de águas provindas da cobertura era tal que os Autores tiveram de se socorrer novamente de diversos recipientes de forma a tentar proteger, pelo menos, o soalho do quarto.
32. O mesmo aconteceu na sala de estar, tendo os Autores de se socorrer de duas bacias para tentar recolher as águas provindas da cobertura.
33. Na sequência da chuva que caiu abundantemente na madrugada do dia 24 para 25 de Novembro de 2016, ocorreram novas infiltrações e humidades no quarto das filhas dos autores.
34. A abundância de água que provinha da cobertura provocou um buraco no tecto do quarto das filhas dos autores.
35. Por tal motivo, houve necessidade de intervenção dos Bombeiros Voluntários ..., da protecção civil e de um técnico e funcionários do Município, que colocaram naquela divisão um tubo, coberto por uma espécie de fole.
36. Mesmo nas demais divisões da casa, o ambiente é húmido.
37. Actualmente, as divisões da casa dos Autores encontram-se no seguinte estado:
a. A sala de jantar tem humidades e infiltrações no tecto;
b. A sala de estar tem humidades e infiltrações no tecto e escorrências nas paredes;
c. O WC mais pequeno tem humidades e infiltrações no tecto e escorrências nas paredes;
d. O quarto dos autores tem humidades e infiltrações no tecto.
e. O quarto do filho tem humidades e infiltrações no tecto e escorrências nas paredes;
f. O quarto das filhas tem humidades e infiltrações no tecto e escorrências nas paredes;
g. O WC e a lavandaria contígua tem humidades e infiltrações no tecto e escorrências nas paredes);
38. A casa dos autores apresenta um cheiro nauseabundo que vem das águas imundas provenientes da cobertura do edifício.
39. Em virtude das descritas infiltrações, humidades e cheiros, os filhos dos autores deixaram de poder dormir nos seus quartos aos fins-de-semana, como antes acontecia.
40. Os autores sentiram angústia em virtude das deficientes condições de salubridade da sua casa e por a situação não ter sido resolvida.
41. Os Autores vivem em constante sobressalto com a perspectiva de novos episódios de precipitação e dos danos associados.
42. Os Autores estão constantemente alerta para que os prejuízos não sejam ainda maiores.
43. Os Autores viram-se obrigados a arrastar móveis e a colocar coberturas de plástico sobre eles e tapetes para evitar maior desgaste do soalho.

49. A situação descrita trouxe aos autores noites mal dormidas, nervosismo, angústia e receio pela salvaguarda dos seus bens patrimoniais, obrigando-os a constante sobressalto, constante vigilância e receio pela própria saúde.
50. Causou grave desconforto e insegurança, causando transtorno para os Autores e para o seu ambiente familiar.

O tribunal a quo atribuiu aos AA. a quantia de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais e que corresponde ao que foi peticionado.

E, perante a factualidade provada, não temos quaisquer dúvidas em confirmar o referido valor, que em nada peca por excesso, tendo em consideração que está em causa uma casa de habitação, lugar que, à medida das possibilidades de cada um, sem interferências de terceiros, se procura seja saudável, física e psicologicamente, se procura seja acolhedor, tranquilo e de descanso, o que tudo foi negado aos AA., como, de forma patente e manifesta, flui da factualidade provada, obrigando, por um lado, a um conjunto de acções, para evitar prejuízos maiores, como colher a água, arrastar móveis e colocar coberturas de plástico, tornando, por outro, penosa a permanência na casa, impossibilitando dormir em alguma partes da mesma e gerando receio justificado pela saúde, devido à manifesta falta de salubridade em virtude da humidade e do cheiro nauseabundo, tudo gerando noites mal dormidas, nervosismo, angústia, e desassossego e sobressalto face à possibilidade de novos episódios de precipitação e dos danos associados.

Em face de tudo o exposto, improcede também esta questão.

Em síntese: com excepção da eliminação do ponto 56 dos factos provados e do aditamento da respetiva matéria aos facos não provados, sob a alínea f) dos mesmos, a decisão recorrida deve manter-se e, assim, o recurso deve ser julgado improcedente.
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6. Decisão

Termos em que acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção da Relação de Guimarães em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, decidem: a) eliminar o ponto 56 dos factos provados e aditar a respetiva matéria aos factos não provados, sob a alínea f) dos mesmos; b) confirmar no mais a sentença recorrida.
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Custas da apelação pelo recorrente.
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Notifique-se
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Guimarães, 14/09/2023
(O presente acórdão é assinado electronicamente)

Relator: José Carlos Duarte
Adjuntos: Maria Gorete Morais
Maria João Matos