Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
399/13.9TCGMR.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: IMPUGNAÇÃO DE JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
PRESUNÇÃO REGISTRAL
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
O ónus da prova do direito de propriedade em acção de impugnação de escritura de justificação notarial incumbe aos Réus justificantes, não beneficiando da presunção do registo decorrente do artigo 7º do Código do Registo Predial.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Os Autores, Sidónio e mulher, Isilda, intentaram contra José e mulher, Maria, a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra os Réus pedindo que:

a) se considere impugnado o facto justificado na escritura de justificação notarial outorgada pelos Réus a 29 de Março de 2006, referente à invocada aquisição pelos Réus, por usucapião, do prédio rústico, composto de terreno de lavradio, com a área de cento e sessenta e quatro metros quadrados, situado na Rua ..., freguesia de …, concelho de Guimarães, a confrontar a norte com Ordem de São Domingos, do Sul com MP e AH, do nascente com Sidónio e do poente com António, inscrito na respetiva matriz em nome do justificante marido sob o artigo 212, com o valor patrimonial tributário de € 70,00 atribuído de € 500, não descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial;
b) se declare nula e de nenhum efeito a escritura de justificação notarial supra referida, por forma a que os Réus não possam, através dela, registar quaisquer direitos sobre o prédio nela identificado e objeto da presente impugnação;
c) seja ordenado o cancelamento de quaisquer registos operados com base na escritura aqui impugnada;
d) se declare que o prédio identificado no artigo 1º da petição pertence a si, seus legítimos proprietários.

Alegam, em síntese, que os Réus outorgaram a referida escritura alegando que compraram tal prédio verbalmente a Francisco e mulher Ana, em dia e mês do ano de 1985 que não sabiam precisar e que, desde então, por mais de 20 anos, fruíram de todas as utilidades, plantam árvores, legumes, colhem os frutos, pagam os impostos, administram-no à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, no convencimento e intenção de exercerem poderes correspondentes ao direito de propriedade, o que não corresponde à verdade, pois em 18 de Novembro de 1986 o demandante marido adquiriu o prédio de casa e quintal sito na Rua ..., com área coberta de 30 m2 e descoberta de 3.666 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ... e inscrito na matriz sob o artigo 109, vindo, desde então, a usufruir do mesmo, à vista de toda a gente, com convicção de estarem a exercer direito próprio, em exclusivo, de forma ininterrupta e sem prejudicar direitos alheios.
Gorada a citação dos Réus por ter sido demonstrado o seu falecimento, foram habilitados como sucessores os filhos.
Os Réus habilitados contestaram contrapondo que no ano de 1966/1967 os pais tomaram de arrendamento, a Manuel, o prédio urbano situado no lugar da …, Guimarães, com superfície coberta de 34 m2, onde passaram a habitar com os 7 filhos, tendo prometido comprar o mesmo pelo preço global de Esc. 150.000$00, que foram pagando de forma fracionada ao longo dos anos, liquidando a sisa em 24 de Maio de 1985 e celebrando a escritura a 14 de Julho de 1989; em 1985 adquiriram, verbalmente, a Francisco e Ana uma parcela de terreno que confinava a norte com aquele prédio urbano, o que lhes permitiu realizar obras de ampliação da habitação, concluídas antes do final de Outubro de 1985, passando a ter a superfície coberta de 82 m2 e ficando com logradouro e de quintal todo murado, com área de 112 m2, tendo sido lavrado documento datado de 6 de Novembro de 1985 para a sua demarcação, mantendo, desde então, a mesma configuração.
Referem que, pelo menos desde 1975, aqueles Francisco e Ana habitaram a casa e o quintal que pertencem atualmente aos Autores, fizeram obras de transformação e modificação, usavam e colhiam os frutos do quintal como se fossem os verdadeiros donos; em 1989 o pai deu início a processo de legalização da ampliação da casa, tendo sido emitido o alvará de licença de utilização em 30 de Setembro de 1998; em 15 de Fevereiro de 2005 o progenitor requereu a legalização do muro, sendo-lhes solicitado, pela Câmara, documento da Conservatória do Registo Predial, o que obrigou à celebração da escritura em causa; após o falecimento dos pais, dois dos habilitados ficaram a residir no prédio; por si e antepossuidores, durante mais de 40 anos, têm usado, habitado e efetuado obras no prédio, que também cultivam, limpam e do qual colhem os frutos, suportam os respetivos encargos, com conhecimento de todas as pessoas do lugar e freguesia, sem oposição, com consciência de não prejudicarem interesses de terceiros.
Foi proferido despacho saneador e fixado o objeto do litígio com enunciação dos temas da prova.
Realizado julgamento foi proferida sentença a julgar a acção não provada e improcedente absolvendo-se os Réus dos pedidos formulados pelos Autores.
Inconformados vieram os Autores interpor recurso de apelação.

O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresentam, os apelantes formulam as seguintes Conclusões:

1. Após uma aturada leitura da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo verifica-se que a mesma, para além de não valorar convenientemente a prova produzida, não fez uma escorreita subsunção jurídica à factualidade que ressuma da mesma.
2. Nesse sentido, em prol da Verdade e da Justiça, impõe-se a reapreciação da mesma, mormente, da prova testemunhal gravada, a fim de se fazer o adequado acertamento jurídico à realidade fáctica em que se sustenta a presente relação material controvertida.
Assim,
3. PONTO 18. DOS FACTOS NÃO PROVADOS
CORRESPONDENDO A UM ANSEIO DE MUITOS ANOS, EM DATA NÃO CONCRETAMENTE APURADA, MAS NÃO POSTERIOR AO ANO DE 1985, JOSÉ E MARIA ACORDARAM VERBALMENTE COM FRANCISCO E MULHER ANA A CEDÊNCIA, POR ESTES, DE UMA PARCELA QUE CONFINAVA A NASCENTE E A NORTE COM O PRÉDIO IDENTIFICADO EM 5) [RESPOSTA AOS ARTIGOS 12º E 14º DA CONTESTAÇÃO].
O Tribunal a quo considerou esta questão como PROVADO, contudo, atenta a prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos, deve ser o mesmo dado por NÃO PROVADO.

SEM PRESCINDIR,
O que não se concebe, nem concede, deve somente ser dado como provado como
EM DATA NÃO CONCRETAMENTE APURADA DURANTE A DÉCADA DE OITENTA, JOSÉ E MARIA ACORDARAM VERBALMENTE COM FRANCISCO E MULHER ANA A CEDÊNCIA, POR ESTES, DE UMA PARCELA QUE CONFINAVA A NASCENTE E A NORTE COM O PRÉDIO IDENTIFICADO EM 5)
PONTO 24. DOS FACTOS NÃO PROVADOS
QUANDO FIZERAM O ACORDO REFERIDO EM 18) OS RÉUS JOSÉ E MARIA ESTAVAM CONVENCIDOS QUE A PARCELA AÍ IDENTIFICADA PERTENCIA A FRANCISCO E ANA [RESPOSTA AO ARTIGO 27º DA CONTESTAÇÃO].
O Tribunal a quo considerou esta questão como PROVADO, contudo, atenta a prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos, deve ser o mesmo dado por NÃO PROVADO.

5. PONTO 25. DOS FACTOS NÃO PROVADOS
APÓS O ACORDO REFERIDO EM 18), AO LONGO DOS ANOS DE 1985 E 1986, OS RÉUS LEVARAM A CABO AS OBRAS PRETENDIDAS, NOMEADAMENTE:

- CONSTRUÍRAM MAIS DOIS QUARTOS, UMA CASA DE BANHO, LIGARAM A SALA À COZINHA EXISTENTE E ESTA, POR SUA VEZ, À NOVA ZONA OBJETO DA AMPLIAÇÃO;
- AMPLIARAM E BENEFICIARAM A COBERTURA;
- CONSTRUÍRAM UM ANEXO NO EXTERIOR;
- PROCEDERAM A DIVERSOS ARRANJOS EXTERIORES E À VEDAÇÃO DO LOGRADOURO ATRAVÉS DA CONSTRUÇÃO DE UM MURO EM BLOCOS DE CIMENTO EM TODA A VOLTA, COM CERCA DE 31 METROS DE EXTENSÃO E COM UMA ALTURA VARIÁVEL ENTRE 1 M E 1,40 M, ENCIMADO POR UMA REDE DE 60 CM [RESPOSTA AOS ARTIGOS 28º E 30º DA CONTESTAÇÃO].
O Tribunal a quo considerou esta questão como PROVADO, contudo, atenta a prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos, deve ser o mesmo dado por que,
OS RÉUS LEVARAM A CABO AS OBRAS DE AMPLIAÇÃO, QUE INICIARAM E TERMINARAM EM DATA NÃO CONCRETAMENTE APURADA, NOMEADAMENTE:

- CONSTRUÍRAM MAIS DOIS QUARTOS, UMA CASA DE BANHO, LIGARAM A SALA À COZINHA EXISTENTE E ESTA, POR SUA VEZ, À NOVA ZONA OBJETO DA AMPLIAÇÃO;
- AMPLIARAM E BENEFICIARAM A COBERTURA;
- CONSTRUÍRAM UM ANEXO NO EXTERIOR;
- PROCEDERAM A DIVERSOS ARRANJOS EXTERIORES E À VEDAÇÃO DO LOGRADOURO ATRAVÉS DA CONSTRUÇÃO DE UM MURO EM BLOCOS DE CIMENTO EM TODA A VOLTA, COM CERCA DE 31 METROS DE EXTENSÃO E COM UMA ALTURA VARIÁVEL ENTRE 1 M E 1,40 M, ENCIMADO POR UMA REDE DE 60 CM;
6. Ora, o negócio jurídico que os ditos José e Maria alegaram como fundamento da aquisição e posse da parcela de terreno sub judice foi um contrato de compra e venda (verbal) celebrado com Francisco e mulher.
7. Ocorre que, da prova produzida não ressuma que, no ano de 1985, os referidos Francisco e mulher eram formal e/ou materialmente proprietários do terreno sub judice.
8. Isto porque, se por um lado, da prova testemunhal ressuma inelutável que, aquele mesmo Francisco e mulher nunca tiveram averbado em seu nome a propriedade dos ditos prédios,
9. Por outro lado, do depoimento da testemunha Joaquim – cujo depoimento se encontra gravado em Registo Digital do Depoimento – tempo 00h 21m 58s – emerge a certeza de que, o mesmo Francisco e mulher viveram no prédio urbano e no terreno contiguo à parcela aqui sub judice ainda enquanto inquilinos, ou seja, ainda despojados do “direito de propriedade” que lhes pretende ser imputados
10. Quer isto dizer, portanto, que, não se conseguiu apurar, com rigor, o ano em que os mesmos passaram a ser “proprietários” do terrenos aqui em questão e, muito menos, se tal ocorrera antes ou depois do ano de 1985.
11. Mais, da prova testemunhal e documental produzida, nos exatos termos que acima se sindicou e para a qual ora se remete por imperativos de brevidade e economia processual, mas que aqui e agora se dá por integralmente reproduzida, não se provou sequer a existência daquela compra, ainda que verbal!
12. Pelo que, o negócio jurídico que serve de fundamento à posse da parcela de terreno aqui em questão pelos mencionados José e Maria mais não é que uma falácia!
13. E falácia é, igualmente, a alegada manifestação de vontade do mencionado Francisco e mulher em vender verbalmente o mesmo àqueles José e Maria,
14. Uma vez que, não só este Francisco e mulher nunca foram proprietários, dado que nunca adquiriram tal direito nos termos definidos pelos no art. 1316.º do Cód. Civil, como também não gozava da presunção estabelecida no art. 7.º do Código de Registo Predial.
15. Isto já para não falar da nulidade que decorreria da compra e venda verbal de um imóvel, atenta a norma imperativa intrínseca ao art. 875.ºdo Código Civil.
16. Paralelamente, da prova documental e testemunhal produzida no decurso dos presentes autos, não ressuma, com rigor e exatidão, a data, o momento a partir do qual os mencionados José e Maria passaram a ocupar a parcela de terrenos sub judice, seja numa primeira fase explorando-a agricolamente, seja posteriormente realizando obras de ampliação do prédio urbano onde os mesmos habitavam.
17. Aliás, a este propósito as testemunhas Emilia – cujo depoimento se encontra gravado em Registo Digital do Depoimento – tempo 00h 18m 57s – Teresa – cujo depoimento se encontra gravado em Registo Digital do Depoimento – tempo 00h 12m 50s – e Joaquim – cujo depoimento se encontra gravado em Registo Digital do Depoimento – tempo 00h 21m 58s – não conseguem identificar esse momento, já que referem que tal terreno fora cedido aos mencionados José e Maria, sem porém especificar a que título e a partir do momento em que se verificou tal cessão,
18. Isto é, se a mesma se verificou em 1980, 1982, 1984, 1986 ou 1988.
19. Pelo que, até por aqui se verifica que, o alegado pelos referidos José e Maria na escritura justificativa impugnada com o espoletamento da presente demanda não foi minimamente corroborado/provado com a prova produzida nos presentes autos.
20. O que lhes era exigido, nos termos do art. 342.º, n.º1 do Código Civil.
21. Além disso, não se pode deixar de vincar que, para alicerçar o pretenso direito de propriedade advindo à esfera jurídica dos ditos José e Maria, nos termos do art. 1287.º e seguintes do Código Civil, era exigido aos apelados a prova, com a identificação do momento/data, da posse do imóvel e do momento a partir do qual os mesmos, nos termos do art. 1290.º do Código Civil, invertem o título da posse,
22. Passando assim a sua detenção/posse da parcela de terreno sub judice agregar o corpus e o animus imposto para a verificação e invocação deste mesmo instituto jurídico da Usucapião.
23. In casu, da factualidade que emerge da prova produzida, não se consegue identificar o momento a partir do qual os ditos José e Maria para além de exercerem sobre o terreno aqui em questão o corpus típico da posse cumulam o animus, caracterizador do elemento intelectual ou volitivo da posse,
24. Isto, de molde a apurar-se se, aquando da outorga da escritura justificativa aqui impugnada já teria sido proscrito o prazo estabelecido no art. 1296.º do mesmo normativo legal.
25. Destarte, é apodítico que, com a decisão a quo não se fez a devida e aliás acostumada justiça, na medida em que, se por um lado verifica-se, como supra se disse, uma errónea apreciação da prova produzida e, por outro lado, não se subsumiu a factualidade que advém daquela ao Direito que lhe é aplicável.
26. Como tal, em prol da Verdade, da Justiça e do Direito deve a decisão a quo ser revogada e substituída por uma outra que julgue o petitório inicial totalmente improcedente, por não provado, com todos os legais efeitos, só assim se fazendo inteira e sã Justiça.
27.Tanto mais que, as presentes alegações de recurso encontram conforto legal nos artigos 640.º, 644.º, 645.º, 647.º, 662.º do Cód. de Proc. Civil nos artigos 342.º, 1287º e seguintes do Código Civil e, bem assim, em todas as demais disposições legais que V/Exas. considerem aplicáveis in casu.

Foram proferidas contra-alegações

O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras “ ( artº 635º-nº3 e 608º-nº2 do Código de Processo Civil ) - Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 21/10/93, CJ. Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, tomo 3, pg.84, e, de 12/1/95, in CJ. Supremo Tribunal de Justiça, Ano III, tomo I, pg. 19.
E, de entre estas questões, excepto no tocante aquelas que o tribunal conhece ex officio, o tribunal de 2ª instância apenas poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos termos do artº 5º do Código de Processo Civil, não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas.
Atentas as conclusões da apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar:

- reapreciação da matéria de facto: - pontos nº 18, 24 e 25 do elenco dos factos provados
- reapreciação do mérito da causa


FUNDAMENTAÇÃO

I) OS FACTOS ( factos declarados provados na sentença recorrida ).

1. Por escritura pública outorgada a 18 de Novembro de 1986 na Secretaria Notarial, perante o Notário do 2º Cartório, Emília R. declarou vender ao Autor, o qual declarou aceitar, pelo preço já recebido de Esc. 2.500.000$00, o prédio urbano composto de casa e quintal, situado na Rua ..., Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ... definitivamente registado a favor da primeira pela inscrição nº 42.413 e inscrito na matriz sob o artigo 109 [alínea A) do despacho em referência e documento de fls. 18 a 21].
2. O prédio identificado em 1) corresponde atualmente à ficha nº … [alínea B) do despacho em referência e documento de fls. 22].
3. O prédio identificado em 1) e 2) encontra-se registado a favor dos Autores pela Ap. 50 de 20 de Novembro de 1986 [alínea C) do despacho em referência e documento de fls. 22].
4. Os Autores procedem à limpeza do prédio identificado em 1) [resposta ao artigo 15º da petição inicial].
5. Por escritura pública outorgada a 14 de Julho de 1989 na Secretaria Notarial, perante o Notário do 1º Cartório, Manuel, declarou vender ao Réu, o qual declarou aceitar, destinando-o a residência permanente, pelo preço já recebido de Esc. 150.000$00, o prédio urbano constituído por uma casa de rés-do-chão com a área coberta de 34 m2, a confrontar do norte com Maria M., do sul com caminho de servidão de Manuel, do nascente com Joaquim S. e do poente com ele vendedor, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 847, fazendo parte do descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº … da freguesia de ... [alínea D) do despacho em referência e documento de fls. 169 a 173].
6. Em 24 de Maio de 1985 foi emitida em nome do Réu declaração para efeitos de isenção de sisa relativamente ao negócio referido em 5) [alínea E) do despacho em referência e documento de fls. 168].
7. Por escritura pública outorgada a 29 de Março de 2006, no Cartório Notarial do Dr. Carlos T., sito na Avenida …, em Guimarães os Réus José e mulher Maria declaram que “com exclusão de outrem, são donos e legítimos possuidores do seguinte imóvel: prédio rústico, composto de terreno de lavradio, com a área de cento e sessenta e quatro metros quadrados, situado na Rua ..., freguesia de ..., concelho de Guimarães, a confrontar a norte com Ordem de São Domingos, do sul com MP e AH, do nascente com Sidónio e do poente com António, inscrito na respetiva matriz em nome do justificante marido sob o artigo 212, com o valor patrimonial tributário de € 70,00 atribuído de quinhentos euros, não descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial” [alínea F) do despacho em referência e documento de fls. 12 a 16].
8. Declararam, ainda, os Réus na escritura identificada em 7) que “adquiriram o identificado prédio, por compra verbal que fizeram em dia e mês que não podem precisar do ano de mil novecentos e oitenta e cinco a Francisco e mulher Ana, casado sob o regime da comunhão geral, residentes na Rua ... da referida freguesia de ..., sem que tenha sido lavrado o competente título formal para a titular a referida compra” [alínea G) do despacho em referência e documento de fls. 12 a 16].
9. Os Réus declararam também que “desde essa data, entraram na posse do referido imóvel (…) são quem de forma ininterrupta, se têm mantido na posse e fruição do referido prédio há mais de vinte anos sempre usufruindo de todas as utilidades por ele proporcionadas, tendo efectuado no prédio objecto da justificação plantações e árvores de fruto e de legume, colhendo os frutos e os legumes resultantes dessas plantações, procedendo ao corte de silvas e de mato, pagando os respectivos impostos, administrando-o com ânimo de quem exercita direito próprio, pacificamente porque sem violência, pública e continuamente, tudo sempre à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, pois tofos reconhecem nos justificantes os verdadeiros e únicos possuidores do identificado imóvel, posse que sempre foi exercida no convencimento e com a intenção de estarem a exercer os poderes correspondentes ao direito de propriedade sobre coisa própria” [alínea H) do despacho em referência e documento de fls. 12 a 16].
10. Como outorgantes da escritura identificada em 7) Emília, Maria M. e Teresa declararam confirmar as declarações dos Réus [alínea I) do despacho em referência e documento de fls. 12 a 16].
11. Existe um prédio registado na Conservatória do Registo Predial sob o nº … – ..., correspondente a prédio urbano situado na Rua …, com a área coberta de 34 m2 e área descoberta de 164 m2, inscrito na matriz sob os artigos 847 e 212, composto por casa de rés-do-chão e terreno de lavradio, resultante da anexação dos prédios nº … e nº … [alínea J) do despacho em referência e documento de fls. 273 e 274].
12. O prédio descrito sob o nº … foi registado a favor dos Réus pela Ap. 11 de 29 de Julho de 2005 [alínea K) do despacho em referência e documento de fls. 273 e 274].
13. O prédio descrito sob o nº … foi registado a favor dos Réus pela Ap. 1 de 15 de Maio de 2006 [alínea L) do despacho em referência e documento de fls. 273 e 274].
14. No ano de 1966/1967, mediante o pagamento de contrapartida paga a Manuel, os Réus passaram a habitar com os seus sete filhos o prédio identificado em 5), então composto por casa de rés-do-chão, com quatro divisões (quarto, sala, cozinha, arrumos e casa de banho) [alínea N) do despacho em referência].
15. Em 16 de Julho de 1979 os Réus declararam prometer comprar a Manuel, o qual prometeu vender, pelo preço de Esc. 150.000$00, o prédio identificado em 5) [alínea O) do despacho em referência].
16. Os Réus foram pagando o valor identificado em 15) de forma fracionada ao longo dos anos [alínea P) do despacho em referência]. 17. A casa descrita em 5) era exígua para os Réus José e mulher Maria e respetivo agregado familiar composto por sete filhos [resposta ao artigo 11º da con-testação].
18. Correspondendo a um anseio de muitos anos, em data não concretamente apurada, mas não posterior ao ano de 1985, José e Maria acordaram verbalmente com Francisco e mulher Ana a cedência, por estes, de uma parcela que confinava a nascente e a norte com o prédio identificado em 5) [resposta aos artigos 12º e 14º da contestação].
19. A parcela referida em 18) permitiu a realização de obras de ampliação da casa de habitação, sobrando uma área de logradouro e quintal, todo ele murado [resposta ao artigo 13º da contestação].
20. Por escrito datado de 6 de Novembro de 1985, assinado por Francisco e o Réu José, estes declararam demarcar de comum acordo a linha divisória dos dois prédios e que o identificado em 5), depois das obras de reconstrução, tinha a área coberta de 86 m2 e logradouro de 112 m2, estando vedado, a toda a volta, por um muro [resposta ao artigo 15º da contestação].
21. Emília R. nunca viveu na casa, nem usou o quintal que integram o prédio identificado em 1) [resposta ao artigo 18º da contestação].
22. Pelo menos desde 1975 sempre foram os referidos Francisco e mulher Ana que habitaram a casa identificada em 1), onde criaram os seus filhos, fizeram nela obras, usaram e limpavam o respetivo quintal, colhendo os frutos que ali produziam [resposta aos artigos 20º, 21º, 22º e 23º da contestação].
23. Tinham o comportamento referido em 22) à vista de todos, sem oposição, criando nos vizinhos a convicção que usavam coisa própria e no próprio nome [resposta aos artigos 24º, 25º, 26º da contestação].
24. Quando fizeram o acordo referido em 18) os Réus José e Maria estavam convencidos que a parcela aí identificada pertencia a Francisco e Ana [resposta ao artigo 27º da contestação].
25. Após o acordo referido em 18), ao longo dos anos de 1985 e 1986, os Réus levaram a cabo as obras pretendidas, nomeadamente:

- construíram mais dois quartos, uma casa de banho, ligaram a sala à cozinha existente e esta, por sua vez, à nova zona objeto da ampliação;
- ampliaram e beneficiaram a cobertura;
- construíram um anexo no exterior;
- procederam a diversos arranjos exteriores e à vedação do logradouro através da construção de um muro em blocos de cimento em toda a volta, com cerca de 31 metros de extensão e com uma altura variável entre 1 m e 1,40 m, encimado por uma rede de 60 cm [resposta aos artigos 28º e 30º da contestação].
26. Após as obras referidas em 25) o prédio passou a ter a área coberta de 86 m2 e logradouro com 112 m2 [resposta ao artigo 29º da contestação].
27. No momento identificado em 1) o prédio identificado em 5) já tinha dimensão e delimitação referidas em 20) [resposta ao artigo 31º da contestação].
28. Pelo menos em 1987, como preparação de um projeto de loteamento, os Autores mandaram proceder à limpeza do prédio identificado em 1) [resposta ao artigo 33º da contestação].
29. Em 30 de Janeiro de 1989 José deu início à legalização das obras de ampliação da casa e do anexo através de processo que correu os seus termos junto da Câmara Municipal sob o nº … [resposta ao artigo 35º da contestação].
30. Em 14 de Julho de 1989, a Câmara Municipal emitiu o competente alvará de licença de construção nº 881/89 [resposta ao artigo 36º da contestação].
31. Em 30 de Setembro 1998, a Câmara Municipal emitiu o competente alvará de licença de utilização nº 2308/98 [resposta ao artigo 37º da contestação].
32. Por anexo ao processo identificado em 29), na sequência de fiscalização da Polícia Municipal em 29 de Abril de 2004 e elaboração de auto de notícia no processo de contraordenação nº 786/2004, em 15 de Fevereiro de 2005, José requereu a legalização do muro de vedação identificado em 25) [resposta ao artigo 38º da contestação].
33. No âmbito do pedido identificado em 32), em 18 de Maio de 2005, a Câmara Municipal solicitou a apresentação de documento da Conservatória do Registo Predial, comprovativo da titularidade do prédio [resposta ao artigo 39º da contestação].
34. A escritura identificada em 7) a 10) foi celebrada na sequência dessa solicitação da Câmara Municipal [resposta ao artigo 40º da contestação].
35. Em 24 de Julho de 2006 a Câmara Municipal emitiu o alvará de licença de construção nº 1039/2006 do muro identificado em 25) [resposta ao artigo 41º da contestação].
36. O processo nº 786/2004 identificado em 32), bem como os nº 757/2004 e nº 785/2004, instaurados na sequência da fiscalização da Polícia Municipal e elaboração de autos de notícia em 29 de Março e 29 de Abril de 2004, respetivamente, respeitantes à construção, sem licença, de um anexo em madeira de 2,5 m x 2,5 m, utilizado como pombal e a ocupação de um anexo licenciado pelo alvará nº 881/90 com arrumos sem licença de utilização, foram decididos em 3 de Abril de 2009 [resposta ao artigo 42º da contestação].
37. Por procedimento simplificado de habilitação de herdeiros e registos lavrado na Conservatória do Registo Civil a 17 de Outubro de 2013, invocando a qualidade de cabeça de casal e herdeiro, José, declarou que:

a) Maria falecera a 25 de Julho de 2012, no estado de casada, em primeiras e únicas núpcias com José, no regime de comunhão geral de bens, sem deixar testamento ou qualquer disposição de última vontade e como herdeiros, o cônjuge e seis filhos, o declarante, M. J., F. F., A. F., J. F. e A. S.;
b) José falecera a 1 de Abril de 2013, no estado de viúvo, sem deixar testamento ou qualquer disposição de última vontade e como herdeiros, os seis filhos, não havendo quem lhes prefira ou com eles possa concorrer na sucessão [alínea M) do despacho em referência e documento de fls. 80 a 83].
38. Após as datas de falecimento referidas em 37), os habilitados M. J. e A. F. ficaram a residir no prédio [resposta ao artigo 43º da contestação].
39. Além dos atos referidos em 25), 29) e 32), os Réus e após o seu falecimento, os habilitados, usam, habitam e efetuam obras de conservação, transformação e ampliação no prédio identificado em 7), cujo logradouro cultivam, limpam, colhem os seus frutos e utilidades e suportam os respetivos encargos, nomeadamente, os impostos dos anos de 2009 a 2013 [resposta aos artigos 44º, 46º, 47º, 48º da contestação].
40. Fazem-no sem interrupção, com conhecimento dos vizinhos, sem oposição, com consciência de não prejudicar ninguém e ânimo de quem usa coisa própria em seu próprio nome [resposta aos artigos 45º, 49º, 50º, 51º da contestação].

II) O DIREITO APLICÁVEL
I. reapreciação da matéria de facto

Nos termos do disposto no artº 662º-nº1 do Código de Processo Civil “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

Ainda, nos termos do artº 640º -nº1 do Código de processo Civil “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, dever ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

Impugnam os apelantes o julgamento da matéria de facto nos termos expostos nas alegações e conclusões do recurso de apelação, designadamente requerendo se declarem não provados os factos provados nº 18, 24 e 25, ( total, ou, parcialmente os factos provados nº 18 e 25, relativamente ás datas aí indicadas), tendo estes o teor supra indicado, designadamente: -

18. Correspondendo a um anseio de muitos anos, em data não concretamente apurada, mas não posterior ao ano de 1985, José e Maria acordaram verbalmente com Francisco e mulher Ana a cedência, por estes, de uma parcela que confinava a nascente e a norte com o prédio identificado em 5)
24. Quando fizeram o acordo referido em 18) os Réus José e Maria estavam convencidos que a parcela aí identificada pertencia a Francisco e Ana.
25. Após o acordo referido em 18), ao longo dos anos de 1985 e 1986, os Réus levaram a cabo as obras pretendidas, nomeadamente:

- construíram mais dois quartos, uma casa de banho, ligaram a sala à cozinha existente e esta, por sua vez, à nova zona objeto da ampliação;
- ampliaram e beneficiaram a cobertura;
- construíram um anexo no exterior;
- procederam a diversos arranjos exteriores e à vedação do logradouro através da construção de um muro em blocos de cimento em toda a volta, com cerca de 31 metros de extensão e com uma altura variável entre 1 m e 1,40 m, encimado por uma rede de 60 cm”.
Revisitada a prova produzida, e, considerando os fundamentos de impugnação deduzidos pelos apelantes relativamente aos indicados pontos de facto, conclui-se pela sua improcedência, não sendo os meios de prova concretamente assinalados suscepetíveis de contrariar o juízo valorativo feito pela Mª julgadora, e, ainda, mostrando-se este correcto face aos elementos probatórios produzidos, designadamente, decorrendo a prova dos indicados pontos de facto da avaliação conjugada do teor dos documentos de fls.13/16- escritura de Justificação Notarial e documento de fls.174 dos autos, denominado “ Demarcação do terreno “, datado de 6 de Novembro de 1985 e assinado pelo falecido réu José e por Francisco, documentos estes cuja veracidade não foi impugnada e que se reportam, ambos, ao ano de 1985, datando o 1º documento de 29 de Março 2006 e o 2º de 6 de Novembro de 1985, data esta, ainda, muito anterior á da alegada aquisição do imóvel pelos ora Autores e ambas muito anteriores á data da propositura da acção, também referenciando o indicado período temporal, ou mesmo anterior a 1985, e o início da posse dos falecidos Réus sobre o terreno, as testemunhas Joaquim, Teresa, Emília e o Réu habilitado José José, e, também relativamente á circunstância de o referido Francisco actuar como o verdadeiro dono do terreno e por todos assim ser considerado testemunharam as indicadas testemunhas e se demonstra do escrito de fls. 174 a par da sua conjugação com os demais elementos probatórios e indicados depoimentos testemunhais, mais resultando provado cfr. factos nº 21 e 22, supra, que: “ Pelo menos desde 1975 sempre foram os referidos Francisco e mulher Ana que habitaram a casa identificada em 1), onde criaram os seus filhos, fizeram nela obras, usaram e limpavam o respetivo quintal, colhendo os frutos que ali produziam; Tinham o comportamento referido em 22) à vista de todos, sem oposição, criando nos vizinhos a convicção que usavam coisa própria e no próprio nome”, de que tudo resulta, assim, a prova da indicada factualidade.
Termos em que se julga improcedente a impugnação da matéria de facto, mantendo-se inalterados os indicados pontos de facto.

II. – do mérito da causa

“ No nosso Ordenamento Jurídico, cabe aos autores, alegar e demonstrar, em sede de acções onde sejam deduzidas pretensões que versem sobre direitos reais (como ocorre no caso em apreço), os factos donde emerge a aquisição originária do direito de que se arrogam (bem como as derivadas até à posição titulada pelos requerentes se esse for o caso), como decorre dos arts. 342º, n.º1, do CC, e 498º, n.º4, do CPC (actual 581º, n.º4, do Novo CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06), assim se consagrando o que, na doutrina, se denomina por “teoria da substanciação” (cfr., a propósito, Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, p. 711), “Ac. STJ de 19-02-2013, processo n.º 367/2002.P1.S, e Ac. RC de 26-11-2013, processo n.º 1643/10.0TBCTB.C1, acessíveis em www.dgsi.pt;
sendo que relativamente ao ónus da prova do direito de propriedade em acção de impugnação de escritura de justificação notarial, tal prova incumbe já aos Réus justificantes, nos termos já definidos no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 1/2008, do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no Diário da República nº 63, I série, de 31 de Março de 2008, no qual se decidiu: "Na acção de impugnação de escritura de justificação notarial prevista nos art.º 116º-n.º1, do Código do Registo Predial e 89º-alínea.g) e 101º-n.º1, do Código do Notariado, tendo sido os réus que nela afirmaram a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um imóvel, inscrito definitivamente no registo, a seu favor, com base nessa escritura, incumbe-lhes a prova dos factos constitutivos do seu direito, sem poderem beneficiar da presunção do registo decorrente do artigo 7º do Código do Registo Predial", sendo, assim, aos Réus, na presente acção, que incumbe provar que exerceram, por si e seus antecessores, a posse sobre o prédio justificado, nos exactos termos, dimensões e limites em que o mesmo é definido na escritura de justificação notarial, pois que esta não tem quaisquer efeitos translativos, nem dá origem ao direito justificado.Com efeito, e como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, supra citado “a justificação notarial não constitui acto translativo, pressupondo sempre, no caso de invocação de usucapião, uma sequência de actos a ela conducentes, que podem ser impugnados, antes ou depois de ser efectuado o registo, com base naquela escritura”, tendo, in casu, os Réus logrado provar a aquisição originária do direito, por usucapião, nos termos do artigo 1287º, do Código Civil.
Dispõe o citado artigo 1287º, que "a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião”, sendo a “Posse”, nos termos do disposto no artigo 1251º do Código Civil, "o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real".
Como se refere no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 29/1/2008, in www.dgsi.pt, “para se adquirir, por usucapião, um direito susceptivel de ser adquirido por essa via, é essencial ter a posse correspondente ao direito de cuja aquisição se trata, por certo lapso de tempo, nos termos do art.º 1287º do Código Civil”
Como decorre do disposto no art.º 1251º, do mesmo Código Civil, haverá essa posse quando se “ actua por forma correspondente ao exercício desse direito ( corpus da posse ), independentemente de se ser ou não titular do mesmo, e, (…) quando essa actuação ( ou seja, o exercício de poderes de facto sobre a coisa …) seja acompanhada da “ intenção de agir como beneficiário do direito “ ( art.º 1253º-alínea.a) do Código Civil ) – animus da posse”.
Dos factos provados resulta o corpus da posse e o animus, por se ter apurado que desde há mais de 20 anos, desde a data da escritura de justificação notarial, os réus, por actuação própria, vêm fruindo e utilizando o terreno em referência e nele praticando actos de posse correspondentes ao exercício do direito de propriedade e com a manifesta intenção de exercerem o direito de propriedade sobre o mesmo prédio ( factos n.º 18 a 29 e 38 a 40 ).
Resultando, ainda, da jurisprudência firmada do Assento do STJ de 14/5/96, in DR, 2ª Série, de 24/6/96: “Podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa”.

Face exposto, e aos supra referidos factos, não restam dúvidas de que os Réus adquiriram o referido prédio por usucapião, nos termos dos citados preceitos legais e ainda dos art.º 1296º e 1297º, do mesmo código, tratando-se de posse pacifica e pública, como se provou, tal como justificado na escritura de justificação notarial impugnada pelos Autores por via da presente acção, reportando-se a aquisição do direito de propriedade à data do início da posse, a que retroagem os efeitos da usucapião, nos termos dos art.º 1288º e 1317º-alínea.c), do Código Civil.

Assim, e no que se refere á prova da aquisição originária do direito de propriedade sobre o identificado prédio, por usucapião, por parte dos Réus, confirma-se o decidido e respectivos fundamentos, sendo que, in casu, os Autores, beneficiarão, tão só, da presunção do art. 7.º do C. Registo Predial, de que o direito de propriedade inscrito a seu favor existe e lhes pertence, nos precisos termos em que é descrito e consta do registo, presunção esta que se mostra ilidida no caso em apreço, como resulta dos factos provados, nos termos supra enunciados.
Como se refere no As. STJ de 14-10-2003, “o registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário, estando sujeitos a registo "os factos jurídicos que determinem a constituição, o reconhecimento, a aquisição ou a modificação dos direitos de propriedade (...)" - art. 2.º-1-a). O registo apresenta-se, assim, com natureza e função essencialmente declarativa, que não constitutiva, donde que o conteúdo da preceituado no art. 7.º se esgote na dupla presunção já acima enunciada (o direito registado existe e pertence ao titular inscrito, nos termos definidos pelo registo)”.
Como é entendimento unânime na doutrina e na jurisprudência, e, nomeadamente, se refere no Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 11/9/2012, in www.dgsi.pt – “(…) No ordenamento jurídico português a prevalência é a da usucapião sobre o registo, como tem sido repetidamente enfatizado pela jurisprudência e pela doutrina. O Prof. Oliveira Ascensão, a este propósito, escreveu o seguinte (Direitos Reais, 5ª edição, pág. 382): “É preciso não esquecer que a base de toda a nossa ordem imobiliária não está no registo, mas na usucapião. Esta em nada é prejudicada pelas vicissitudes registrais; vale por si. Por isso, o que se fiou no registo passa à frente dos títulos substantivos existentes mas nada pode contra a usucapião”).

Nestes termos, não provando os Autores a actuação correspondente ao exercício e aquisição originária de tal direito de propriedade, antes a demonstrando os Réus, improcede a acção.
Concluindo-se, nos termos expostos, pela improcedência dos fundamentos da apelação, mantendo-se a sentença recorrida, que não merece qualquer censura.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.

Guimarães, 15 de Fevereiro de 2018

Maria Luísa Ramos
António Júlio da Costa Sobrinho
Jorge Teixeira