Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4247/11.6TBBRG-B.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR
PROMITENTE-COMPRADOR
CONSUMIDOR
DIREITO DE RETENÇÃO
REFORMA DA SENTENÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Os Acórdãos Uniformizadores de Jurisprudência não têm o carácter vinculativo que tinham os “Assentos”, mas os Tribunais devem acata-los, sob pena de descaracterização do instituto, posto que lhe estão subjacentes razões de protecção dos valores de segurança jurídica e de igualdade de tratamento.
II - A jurisprudência fixada só poderá ser desconsiderada se surgirem circunstâncias novas que alterem os pressupostos em que assentou o entendimento jurisprudencial, ou se forem trazidos novos argumentos que não foram tidos em conta no acórdão uniformizador e que, pela sua marcada relevância, justificam a divergência da decisão.
III – Na sentença de verificação e graduação de créditos, a que alude o art.º 140.º do C.I.R.E., os tribunais devem obediência à doutrina fixada pelo AUJ n.º 4/2014, do S.T.J., quanto ao reconhecimento do direito de retenção apenas aos promitentes-compradores consumidores.
IV – No conceito de consumidor cabem, apenas, as pessoas a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a um uso não profissional, ou seja, o sujeito final na transacção do bem.
V – Estando o administrador da insolvência obrigado a referir, na lista a que alude o art.º 129.º do C.I.R.E., a natureza de cada um dos créditos, a classificação que ele faça de um crédito como “garantido” por virtude de um direito de retenção, não é vinculativa para o Juiz, nem mesmo na ausência de impugnações.
VI – A admissibilidade do pedido de reforma da sentença está dependente da verificação cumulativa de dois requisitos principais:
a) que a decisão não admita recurso;
b) que tenha ocorrido um lapso manifesto do juiz:
i) na determinação da norma aplicável, v.g. quando aplique uma norma revogada ou não aplique uma norma vigente;
ii) na qualificação jurídica dos factos, v.g. quando qualifique os factos com ofensa de conceitos ou princípios elementares do direito;
iii) na desconsideração de documentos ou outro meio de prova plena que existam no processo e que impliquem, só por si, uma decisão diversa da proferida, ou seja, não havendo reparado que determinado facto está provado nos autos por documento, por confissão ou por ter sido admitido por acordo.
VII - Sendo admissível recurso, a correcção de erros ou lapsos de que enferme a sentença há-de ser operada por esta via.
VIII – Só faz caso julgado formal a decisão que conheça e aprecie uma concreta questão.
Decisão Texto Integral:
SUMÁRIO:
I - Os Acórdãos Uniformizadores de Jurisprudência não têm o carácter vinculativo que tinham os “Assentos”, mas os Tribunais devem acata-los, sob pena de descaracterização do instituto, posto que lhe estão subjacentes razões de protecção dos valores de segurança jurídica e de igualdade de tratamento.
II - A jurisprudência fixada só poderá ser desconsiderada se surgirem circunstâncias novas que alterem os pressupostos em que assentou o entendimento jurisprudencial, ou se forem trazidos novos argumentos que não foram tidos em conta no acórdão uniformizador e que, pela sua marcada relevância, justificam a divergência da decisão.
III – Na sentença de verificação e graduação de créditos, a que alude o art.º 140.º do C.I.R.E., os tribunais devem obediência à doutrina fixada pelo AUJ n.º 4/2014, do S.T.J., quanto ao reconhecimento do direito de retenção apenas aos promitentes-compradores consumidores.
IV – No conceito de consumidor cabem, apenas, as pessoas a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a um uso não profissional, ou seja, o sujeito final na transacção do bem.
V – Estando o administrador da insolvência obrigado a referir, na lista a que alude o art.º 129.º do C.I.R.E., a natureza de cada um dos créditos, a classificação que ele faça de um crédito como “garantido” por virtude de um direito de retenção, não é vinculativa para o Juiz, nem mesmo na ausência de impugnações.
VI – A admissibilidade do pedido de reforma da sentença está dependente da verificação cumulativa de dois requisitos principais:
a) que a decisão não admita recurso;
b) que tenha ocorrido um lapso manifesto do juiz:
i) na determinação da norma aplicável, v.g. quando aplique uma norma revogada ou não aplique uma norma vigente;
ii) na qualificação jurídica dos factos, v.g. quando qualifique os factos com ofensa de conceitos ou princípios elementares do direito;
iii) na desconsideração de documentos ou outro meio de prova plena que existam no processo e que impliquem, só por si, uma decisão diversa da proferida, ou seja, não havendo reparado que determinado facto está provado nos autos por documento, por confissão ou por ter sido admitido por acordo.
VII - Sendo admissível recurso, a correcção de erros ou lapsos de que enferme a sentença há-de ser operada por esta via.
VIII – Só faz caso julgado formal a decisão que conheça e aprecie uma concreta questão.
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ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

RELATÓRIO
I.- Nos autos de Reclamação de Créditos apensos à Insolvência de A, foi proferida douta sentença, nos termos do disposto no art.º 140.º do Código da Insolvência e de Recuperação de Empresas (CIRE), a qual, no segmento do reconhecimento dos créditos decidiu nestes termos:
A lista a que alude o art. 129º do CIRE junta aos autos a fls. 1531 a 1541 inclui já as alterações resultantes das decisões proferidas nos incidentes das impugnações oportunamente apresentadas, sejam sentenças ou sentenças homologatórias …
Nestes termos, e para além dos créditos reconhecidos nos apensos F) e G) e da rectificação antes determinada, homologo a lista de credores reconhecidos apresentados pelo Sr. AI que faz fls. 1531 a 1541 do presente apenso B) nos montantes e com as características aí referidas”.
Na parte da graduação de créditos graduou como “crédito garantido” por direito de retenção: i) o crédito de R e E, “sob condição do cumprimento do contrato-promessa”, relativamente ao bem imóvel descrito no auto de apreensão e arrolamento sob a verba n.º 14; ii) e o crédito da credora T, relativamente ao bem imóvel descrito no mesmo auto sob a verba n.º ….
Relativamente ao crédito da Credora C, por defeito, visto da referida sentença se não ter feito constar qualquer justificação, graduou-o como crédito comum, mesmo relativamente ao bem imóvel descrito, ainda no mesmo auto, sob a verba n.º ….
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A) Notificados os Credores veio a M interpor recurso daquela decisão pedindo a sua revogação e que o seu crédito seja graduado em primeiro lugar no que respeita aos bens imóveis descritos nas verbas n.º … (fracção autónoma designada pela letra “U”, descrita na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º …, e inscrita na matriz no artigo …) e n.º … (fracção autónoma designada pela letra “AD”, descrita na mesma Conservatória sob o n.º … e inscrita na matriz no artigo …), quanto à primeira por estar já extinto o direito de retenção do qual eram beneficiários os promitentes-compradores R e E, uma vez que o Sr. A.I. já cumpriu a promessa de venda e à segunda por não assistir o direito de retenção à promitente-compradora, sociedade comercial T, visto não caber no conceito de “consumidor”, atenta a interpretação que foi acolhida pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (AUJ) do S.T.J. n.º 4/2014, de 22 de Maio de 2013.
A referida Credora T contra-alegou propugnando pela confirmação da decisão, na parte em que reconheceu e graduou o seu crédito como garantido, posto que goza do direito de retenção sobre o imóvel.
O recurso foi recebido como de apelação, com efeito devolutivo.
Subsequentemente à notificação do Sr. A.I., já se mostra nos autos a escritura pública de compra e venda da Fracção Autónoma prometida vender aos Credores R e esposa, informando aquele que “inexiste nos autos crédito a favor” destes uma vez que ele, A.I., “optou pelo cumprimento do contrato-promessa de compra e venda”.
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B) No mesmo processo a Credora R, notificada da sentença referida, veio aos autos requerer a sua reforma, corrigindo-se o que considera ter sido um “lapso manifesto” por o seu crédito não ter sido graduado, nos termos em que foi reconhecido, como crédito garantido face ao seu direito de retenção sobre a Fracção Autónoma designada pela letra “X”.
Opôs-se a credora M e a Meritíssima Juiz indeferiu o pedido de reforma entendendo que o seu fundamento não se enquadra “nos casos” legalmente previstos, pelo que a decisão só seria sindicável pela via do recurso, e havendo considerado esgotado o seu poder jurisdicional.
Inconformada, a supramencionada Credora impugna o referido Despacho, que pretende seja declarado nulo, e se ordene a sanação do vício de omissão de pronúncia de que enferma a sentença.
Contra-alegou a Credora M propugnando pela total improcedência do recurso, defendendo que o Tribunal ad quem não pode conhecer do seu objecto, porquanto a sede própria para a Apelante invocar a nulidade da sentença seria através do recurso, estando há muito já ultrapassado o respectivo prazo.
O recurso foi recebido como de apelação, com efeito devolutivo.
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Relativamente a ambos os recursos foram colhidos os vistos legais.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
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Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões oferecidas pelos Apelantes, que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
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A) recurso da M
A.1.- A Apelante funda o seu recurso nas seguintes conclusões:
A. Foi proferida Sentença de Verificação e Graduação de Créditos, em 01.08.2016, a qual reconheceu e graduou os créditos dos Credores R, E e T, com direito de retenção (artigo ….°, n.º 1 al. f) do CC) e com preferência sobre o crédito da Apelante, garantido por hipoteca (artigo 686.° e seguintes do CC), no que tange aos bens imóveis descritos nas verbas n.º … (fracção "U") e n.º … (fracção "AD”) do auto de apreensão de bens.
B. A Apelante não se conforma com a douta sentença por considerar que a mesma violou o disposto nos artigos 762.° e 686.°, n.º 1 do Código Civil e artigo 20.°, n.º 1 do CIRE e, ainda, fez uma interpretação desacertada do artigo 755.°, n.º 1 alínea f) do CC, sendo contrária à jurisprudência uniformizada e fixada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2014, de 22 de Maio de 2013.
C. No que tange à verba n.º 14 do auto de apreensão de bens, correspondente à fracção autónoma designada pela letra "U", melhor descrita na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n° … e inscrita na matriz sob o artigo …, a Sentença recorrida graduou o crédito garantido por direito de retenção dos credores R e E, sob condição de cumprimento do contrato promessa e à frente dos créditos da Apelante, garantidos por hipoteca.
D. Em sede de reunião de Comissão de Credores, realizada em 24.07.2014, foi colocado à consideração dos seus membros o cumprimento do contrato de promessa de compra e venda dos promitentes-compradores R e E, tendo a aqui Apelante concordado que o Sr. AI optasse pelo seu cumprimento, desde que os promitentes-compradores renunciassem expressamente ao seu crédito, reconhecido pelo Sr. AI, nos termos do artigo 129.° do CIRE.
E. Por Escritura Pública outorgada no Cartório Notarial da Dra. M e S, celebrada em 17.10.2014, entre o Exmo. Sr. Administrador da Insolvência (AI), R e mulher, foi vendida a referida fracção "U" e pago o remanescente do preço, no montante de € 34.690,89.
F. A Apelante desconhece e não tem a obrigação de conhecer se o Sr. Administrador da Insolvência comunicou aos autos a celebração da referida escritura e a aquisição da fracção "U" (verba n.º 14) por parte dos compradores R e E.
G. Com o cumprimento do contrato de promessa de compra e venda e com a realização definitiva da escritura de compra e venda da sobredita fracção, extinguiu-se o direito de crédito de R e E (cfr. artigo 762.° do Código Civil), não tendo estes legitimidade para figurar como credores da Insolvente (cfr. artigo 20.°, n.º 1 do CIRE).
H. Não poderá ser reconhecido e graduado, como o foi na Sentença ora recorrida, nem o crédito, nem o direito de retenção a R e E.
I. O Tribunal a quo ao homologar a lista de créditos reconhecidos e ao proceder à graduação dos "credores" R e E, com prevalência sobre a aqui Apelante, violou o disposto nos artigos 762.° e 686.°, n.º 1 do Código Civil e artigo 20.°, n.º 1 do CIRE.
J. A decisão recorrida deverá ser revogada e, consequentemente, deverá a referida fracção "U" ser retirada do auto de apreensão, deverão tais credores ser eliminados da lista de créditos e, consequentemente, da sentença de graduação de créditos, prevalecendo o crédito garantido por hipoteca da aqui Apelante.
K. A Sentença de verificação e graduação de créditos, no que tange à verba n.º … do auto de apreensão de bens, correspondente à fracção autónoma designada pela letra "AD", melhor descrita na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n° … e inscrita na matriz sob o artigo …, graduou o crédito garantido por direito de retenção do credor T, à frente dos créditos da Apelante garantidos por hipoteca.
L. O credor T reclamou um crédito no montante de € 72.896,08, decorrente do contrato de promessa de compra e venda que havia celebrado com a Insolvente, o qual serviu para pagar "o encontro de contas entre ambas as sociedade", alegando gozar do direito de retenção sobre a mencionada fracção "AD".
M Dos elementos juntos aos autos (Certidões do registo Predial e Relatórios de avaliação dos imóveis) resulta que a referida fracção "AD" destina-se a habitação do tipo T -3, com garagem.
N. O credor T dedica-se à instalação de canalizações, utilizando a Classificação Portuguesa das Atividades Económicas (CAE) 43221.
O. Trata-se de uma empresa, não integrando o conceito de consumidor, para efeitos de reconhecimento do direito de retenção.
P. Em virtude da actividade que desenvolve nunca tal Credor poderia destinar a referida fracção para a sua habitação, para seu uso pessoal, privado e familiar.
Q. A doutrina e a jurisprudência têm preconizado uma interpretação restritiva da norma constante da alínea f) do n.º l do art. 755.° do Código Civil, afastando do âmbito do direito de retenção os promitentes-compradores que não sejam consumidores.
R. Esta interpretação restritiva foi, recentemente, acolhida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2014, de 22 de Maio de 2013, Revista n.º 92/05.6TYVNG-M.P1.Sl, publicado em Diário da República, 1ª Série, n.º 95, de 19.05.2014, que uniformizou jurisprudência nos seguintes termos: "No âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador de insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no artigo 755° n.º 1 alínea j) do Código Civil".
S. A Lei de Defesa do Consumidor (Lei n° 24/96 de 31/7 (rectificada pela Declaração de rectificação n° 16/96 de 13/11), alterada pela Lei n° 85/98 de 16/12 e pelo DL n° 67/2003 de 8/4), define o consumidor como "todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios".
T. Para que um crédito seja garantido pelo direito de retenção, ao abrigo do disposto no art.º 755.º, n.º 1 al. f) do CC, é imprescindível que o promitente-comprador detenha a qualidade de consumidor.
U. Dúvidas não subsistem de que o Credor T é uma sociedade comercial que tem, necessariamente, por objecto a prática de actos de comércio.
V. O Credor T não assume a posição de consumidor, na acepção definida, por ser patente que a fracção objecto do contrato de promessa de compra e venda só pode ser destinada para uso profissional e para actos de comércio e não para seu uso pessoal, para a sua habitação própria e permanente.
W. Não revestindo, este credor, a qualidade de consumidor não pode o seu crédito ser garantido pelo direito de retenção previsto no artigo 755.°, n.º 1 al. f) do CC.
X. Ao reconhecer o direito de retenção ao Credor T e ao graduá-lo com preferência sobre a Apelante, a sentença recorrida faz uma interpretação desacertada do normativo previsto no artigo 755.° n.º 1 al. f) do CC, além de que contraria a jurisprudência recentemente uniformizada e fixada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2014, de 22 de Maio de 2013, Revista n.º 92/05.6TYVNG-M.Pl.Sl, publicado em Diário da República, 1ª Série, n.º 95, de 19 de Maio de 2014, sem que aponte qualquer fundamento para dissentir de tal orientação.
Y. A douta sentença deverá ser revogada e, consequentemente, deverá o crédito da Recorrente ser graduado em primeiro lugar.
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A.2.- Por sua vez, a Credora T conclui defendendo que:
1ª - A sentença recorrida, que homologou a lista de credores reconhecidos, apresentada pelo Senhor Administrador da Insolvência nos montantes e com as características aí referidas e determinou que se procedesse ao pagamento dos créditos, através do produto da massa insolvente e no que tange ao crédito da T, da seguinte forma:
"D - O bem imóvel descrito na verba n.° 18:
1º - O crédito privilegiado da Fazenda (IMI, 2010);
2° o crédito garantido por direito de retenção (credor nº …);
3° os créditos da M (credora nº …), garantidos por hipoteca registada a favor do …;
4° do remanescente der-se-é pagamento aos créditos comuns (incluindo aqui os créditos laborais - artigo 7.°, n. ° 4, al. c), do GIRE) e
5° do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos subordinados, graduados pela ordem prevista no art. 48° do CIRE", não merece qualquer censura.
2ª - O Exmo. Administrador da Insolvência nomeado procedeu, nos termos da lei, à apresentação da lista a que alude o art.° 129º CIRE, procedendo a todas as actualizações e rectificações que se impunham.
3ª - O Exmo. Administrador da Insolvência fez constar da lista a que alude o art.° 129º do CIRE, inalteradamente, o crédito da T, no valor de 72.896,08€, reconhecendo-o como garantido face ao direito de retenção, também reconhecido, do credor sobre a fracção "AD" destinada a Habitação do tipo T-3, com 107,36m2, com garagem, sito na Rua Hermes Inácio, …, freguesia de Azurém, concelho de Guimarães, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º …e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ….
4ª - O crédito da T não foi objecto de qualquer impugnação, seja pela sua inclusão, incorrecção do montante ou qualificação do mesmo na lista a que alude o art.° 129º do CIRE, mormente pela recorrente.
5ª - A recorrente nunca se insurgiu quanto ao direito de retenção reconhecido à credora ou sequer impugnou qualquer dos factos que conformam tal direito.
6ª - Apenas agora, por via do recurso, vem a recorrente discutir o crédito da T e o direito de retenção ao mesmo concernente.
7ª - Precludiu o direito de reclamação da recorrente em relação ao crédito da T.
8ª - Não pode a recorrente, por via do recurso, pretender exercer o direito de reclamação que precludiu em relação ao crédito controvertido.
9ª - Não merece qualquer censura a decisão recorrida.
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FUNDAMENTAÇÃO
A.3.- Resulta dos autos que:
a) Tendo sido expressamente notificado para apresentar a lista actualizada dos credores, a que alude o art.º 129.º do CIRE, o Sr. A.I., em 06/07/2016, apresentou a que constitui as folhas 1531 a 1541 dos autos, nela incluindo, sob o n.º 142, R e E, com um crédito “privilegiado”, fundado em “Direito de retenção – Contrato Promessa de Compra e Venda datado de 30/05/2008 – Sinal e princípio de pagamento”, subordinado “ao cumprimento do contrato” – cfr. fls. 1539v.º, que se dá aqui por reproduzida, quanto a esta parte.
b) No “Auto de Arrolamento e do Balanço”, que o mesmo A.I. fez juntar aos autos, descreveu, sob a verba n.º 14, o “Prédio Urbano, fracção “U” destinada a habitação do tipo T-1”, com garagem, sito na Rua Hermes Inácio n.º …, freguesia de Azurém, concelho de Guimarães, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial (C.R.P.) de Guimarães sob o n.º …, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo …”, fazendo ainda menção que este prédio se encontra onerado com uma Hipoteca e de um direito de retenção a favor dos acima referidos R e E, pelo valor de € 30,809,11”. Mais referiu que esta fracção foi vendida a estes em 17 de Outubro de 2014.
c) Pela escritura pública celebrada na referida data de 17/10/2014, no Cartório Notarial da Notária M e S, o mencionado A.I., M, outorgando “na qualidade de administrador de insolvência” declarou vender a Fracção Autónoma supra identificada aos R, casado com E, que a declararam comprar, ficando aí expresso que “sobre a referida fracção incidem vários ónus e encargos cujo cancelamento vai ser efectuado na sequência desta venda” - cfr. documento que antecede, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
d) Na mesma lista referida em a), o Sr. A.I. incluiu, sob o n.º 157, como credora a T com um crédito “Garantido”, com fundamento num “Contrato de Promessa Compra e Venda”, e “Sob condição de cumprimento do contrato”, sobre a “fracção AD da descrição predial 950 da 2ª CRP Guimarães” – cfr. fls. 1540, ao fundo, que aqui se dá por reproduzido.
e) O prédio acima referido ficou a constar sob a verba n.º 18 do “Auto de Arrolamento e do Balanço”, já referido em b), aí constando a seguinte descrição: “fracção “AD” destinada a Habitação do tipo T-3”, com garagem, “sito na Rua Hermes Inácio, …, freguesia de Azurém, concelho de Guimarães, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º …, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo …”. Mais ficou aí a constar que o prédio se encontrava onerado com uma Hipoteca e com “Direito de retenção a favor da T no valor de 72.896,08” – cfr. fls. 1527, que aqui se dá por reproduzido.
f) Na sentença, na parte referente à verificação dos créditos, ficou assim decidido: “… homologo a lista de credores reconhecidos apresentados pelo Sr. AI que faz fls. 1531 a 1541 do presente apenso B) nos montantes e com as características aí referidas” (cfr. fls. 1630/1631).
Relativamente ao bem imóvel identificado em e) ficaram graduados os seguintes créditos:
1º O crédito privilegiado da Fazenda (IMI, 2010);
2º o crédito garantido por direito de retenção (credor nº );
3º os créditos da M (credora n° ), garantidos por hipoteca registada a favor do ;
4° do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos comuns (incluindo aqui os créditos laborais – artigo 47.º, n.º 4, al. C), do CIRE) e
5° do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos subordinados, graduados pela ordem prevista no art. 48° do CIRE.
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A.4.- i) Nos termos do art.º 102.º do C.I.R.E., o administrador da insolvência pode optar pela execução ou recusar o cumprimento de um negócio em curso à data da declaração de insolvência.
E a questão que se discutiu longamente, na jurisprudência e na doutrina, era a de saber se num contrato-promessa com eficácia meramente obrigacional, o promitente-comprador que, tendo entregue o sinal e tendo obtido a traditio da coisa objecto do contrato-prometido, goza ou não do direito de retenção sobre ela caso o administrador de insolvência opte por não cumprir o contrato-promessa.
É que, como resulta do disposto no artº. 106º., do C.I.R.E., o A.I. só está obrigado a cumprir o contrato-promessa, outorgando o contrato definitivo, se estiverem, cumulativamente, verificados os três requisitos que estão referidos no nº. 1: o insolvente ser o promitente-vendedor; ter sido atribuída a eficácia real ao contrato (rectius à promessa de transmissão ou constituição de direitos reais); e ter havido a tradição da coisa, objecto do contrato-prometido (que só pode ser um imóvel ou um móvel sujeito a registo), para o promitente-comprador.
Faltando um destes requisitos, ainda que tenha sido atribuída a eficácia real ao contrato, o A.I. pode recusar-se a cumprir o contrato-promessa se entender que é o mais vantajoso para a pluralidade dos credores, como decorre do disposto no nº. 2 do referido artº. 106º., na base do qual se encontra o princípio da igualdade dos credores - par conditio creditorum -, que, refere a Profª. Catarina Serra, tem na sua génese “uma exigência de justiça distributiva”, de “distribuição do sacrifício”, de “comunhão de perdas” (in “Cadernos de Direito Privado” nº. 38, pág. 58).
A admitir-se o direito de retenção, no âmbito da graduação de créditos, o crédito do promitente-comprador entra no conceito de “crédito garantido”, já que aquele é um direito real de garantia, nos termos do art.º 754.º do Código Civil (C.C.), atenta a nomenclatura do C.I.R.E. – cfr. a alínea a) do n.º 4 do art.º 47.º - advindo a importância desta classificação da prioridade de pagamento mesmo sobre o crédito hipotecário – cfr. art.os 174.º do C.I.R.E. e nº. 2 do artº. 759º., e nº. 2 do artº. 604º., ambos do C.C.
A resposta à questão acima formulada não foi pacífica, nem na doutrina nem na jurisprudência, perfilando-se três teses em confronto:
- os Profs. Catarina Serra e Nuno Manuel Pinto Oliveira defendem não assistir ao promitente-comprador o direito de retenção porque não tem direito à restituição do sinal em dobro já que: a recusa do cumprimento do contrato- promessa “não é um «não cumprimento» no sentido do art. 442º. do CC”; e ainda que o fosse, a recusa do cumprimento “não é imputável ao promitente-vendedor”; e mesmo considerando esta recusa como um incumprimento imputável ao promitente-vendedor, nunca o promitente-comprador teria direito à restituição do sinal em dobro por a isso se opor a regra imperativa que consta do artº. 119º., nº. 1 do CIRE., que comina com a nulidade qualquer convenção das partes que exclua ou limite a aplicação das normas constantes do capítulo que rege sobre os efeitos dos negócios em curso.
Assim, tendo base legal o direito, de natureza potestativa, do A.I. de recusar o cumprimento do contrato, não há o dever de o cumprir, o que exclui a ilicitude e a culpa, que são pressupostos do funcionamento do nº. 2 do artº. 442º., do C.C..
Por outro lado, exprimindo a recusa do A.I., em cumprir o contrato, não um incumprimento mas uma “reconfiguração da relação” (segundo a terminologia do Prof. Oliveira Ascensão) considerada a especificidade do processo de insolvência, também por aqui não é aplicável aquele nº. 2 do artº. 442º..
Da não aplicação deste preceito legal, resulta a desaplicação da alínea f) do nº. 1 do artº. 755º., do C.C. (cfr. “Cadernos de Direito Privado” n.os 38 (Abril/Junho 2012), págs. 60 a 67, quanto à Profª. Catarina Serra, e 36 (Outubro/Dezembro 2011), págs. 3 a 21, quanto ao Prof. Nuno Oliveira, que refuta aí todos os argumentos em que se baseiam as teses adversas, e ainda o artigo conjunto em “http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos). Na jurisprudência, para além dos acórdãos citados no último artigo, podem ver-se ainda os da Rel. do Porto, de 11/10/2011 (Procº. 92/05.6TYVNG-M.P1, Des. Henrique Araújo, in www.dgsi.pt) e da Rel. de Coimbra, de 06/11/2012 (Procº. 729/09.8T2AVR-B.C1, Desª. Maria Inês Moura, in www.dgsi.pt) e nesta Rel. de Guimarães, dentre vários, o de 14/12/2010 (Procº. 6132/08.0TBBRG.G1, Des. Manso Rainho, in www.dgsi.pt).
- Para o Prof. Luís Miguel Pestana de Vasconcelos, tendo presente o contexto em que foi criado o direito de retenção do promitente-adquirente/ consumidor, e reconhecendo, embora, que se não verifica, nesta situação, um dos requisitos exigidos pelo artº. 442º - o incumprimento culposo do promitente-vendedor -, defende não haver razão que justifique o afastamento, no processo de insolvência, das valorações que conduziram à criação do referido direito de retenção, antes elas se justificam porque “É nesta altura que ele está especialmente carente da tutela que a norma lhe visa conceder”, concluindo que a protecção daquele “num contrato-promessa sinalizado com tradição do edifício ou fracção autónoma, não pode ficar dependente de a celebração do contrato definitivo não se vir a realizar porque a outra parte incumpre ou o administrador recusa o cumprimento”, não havendo qualquer motivo para uma lei insolvencial “que se manifesta tão generosa na protecção de diversos credores com os fundamentos mais diversos (…) não tutele nestes casos os promitentes-compradores/consumidores, naquele que, para mais, é um imperativo constitucional” (in “Cadernos de Direito Privado”, nº. 33 (Janeiro/Março 2011), págs. 3-29). Na jurisprudência, v.g., o ac. do S.T.J. de 14/06/2011 (in C.J., Acs. do S.T.J., ano XIX, Tomo II/2011, págs. 108-112).
- Para o Prof. Gravato de Morais, havendo um contrato-promessa de transmissão ou constituição de um direito real, e havendo a entrega da coisa objecto do contrato, também o requisito da imputabilidade do incumprimento ao promitente-vendedor se deve ter por preenchido, entendendo-se aquele conceito “cum grano salis” em sede de insolvência, e no exacto sentido de “ter dado causa a”, “ter motivado a”. Compara esta situação com a da venda a prestações com reserva de propriedade e a da locação financeira com entrega da coisa, e inferindo que se a expectativa de aquisição do comprador ou do locatário é tão forte que impede um direito de escolha pelo A.I. (artº. 104º., nº. 1, do C.I.R.E.), não há razão para considerar a posição do promitente-comprador com tradição menos forte que a daqueles e “que o leve a ter que abdicar de tudo o que tem (…) mesmo até a prevalência que o seu direito de crédito lhe dá” (in “Cadernos de Direito Privado”, nº. 29 (Janeiro/Março 2010), págs. 3-12). No mesmo sentido vai o Prof. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão (in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 6ª. ed., pág. 139). Na jurisprudência decidiram-se por esta tese, para além dos arestos mencionados naquele artigo, ainda v.g., os acs. do S.T.J. de 18/09/2007 (Procº. 07A2235, Comº. Fonseca Ramos, in www.dgsi.pt), e de 20/11/2011 (in C.J., Acs. do S.T.J., ano XIX, tomo III/2011, pág. 83-88), e o ac. desta Rel. de Guimarães de 11/11/2009 (in C.J., ano XXXIV, tomo V/2009, pág. 252/253).
O S.T.J., no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (AUJ) n.º 4/2014, de 20/03/2014, firmou jurisprudência, tirada por maioria, nos seguintes termos:
No âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no artigo 755º nº 1 alínea f) do Código Civil” - in D.R., 1.ª série, n.º 95, de 19/05/2014, págs. 2882 sgs., máxime 2889.
Optou, assim, o Supremo pela segunda das posições jurisprudenciais e doutrinais acima referidas, tendo como linha de referência a intenção legislativa nas alterações que introduziu ao regime do contrato-promessa de compra e venda, designadamente o Dec.-Lei 379/86 de 11 de Novembro, que aditou à lista dos titulares do direito de retenção “O beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido” – alínea f) do n.º 1 do art.º 755.º do C.C..
Explica, porém, o legislador, no preâmbulo daquele Diploma Legal, as razões subjacentes ao reconhecimento daquele direito: no essencial, a “tutela dos particulares”, na “lógica da defesa do consumidor”, na compra da habitação.
E foi, assim, com esta interpretação restritiva, que o S.T.J. uniformizou jurisprudência, para valer no âmbito da graduação de créditos em insolvência.
Como se sabe, os Acórdãos Uniformizadores de Jurisprudência não têm o carácter vinculativo que tinham os “Assentos”, mas os Tribunais devem acata-los, sob pena de descaracterização do instituto, posto que lhe estão subjacentes razões de protecção dos valores de segurança jurídica e de igualdade de tratamento.
A jurisprudência fixada só poderá ser desconsiderada se surgirem circunstâncias novas que alterem os pressupostos em que assentou o entendimento jurisprudencial, ou se forem trazidos novos argumentos que não foram tidos em conta no acórdão uniformizador e que, pela sua marcada relevância, justificam a divergência da decisão.
O conceito de consumidor está sedimentado, quer na jurisprudência, quer na doutrina porque, em termos uniformes, vem sendo definido nas diversas legislações, quer da União Europeia, quer internas, que visam a defesa dos seus direitos.
Assim, a Directiva 2011/83/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25/10/2011, relativa aos direitos dos consumidores, define «consumidor» como “qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente directiva, actue com fins que não se incluam no âmbito da sua actividade comercial, industrial, artesanal ou profissional” – cfr. art.º 2.º, nº 1) -, explicitando no “considerando” 17 que, “no caso dos contratos com dupla finalidade, se o contrato for celebrado para fins relacionados em parte com a actividade comercial da pessoa e em parte à margem dessa actividade e se o objectivo da actividade for tão limitado que não seja predominante no contexto global do contrato, essa pessoa deverá ser igualmente considerada consumidor”.
No direito interno, a Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, que estabelece o regime legal aplicável à defesa dos consumidores, considerou caber neste conceito “todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestado serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios” – cfr. o n.º 1 do art.º 2º. -, noção que a recente Lei 47/2014, de 28 de Julho, que alterou aquela, manteve incólume.
Resulta evidente, até da natureza dos direitos consagrados naqueles diplomas legislativos, que o conceito abrange apenas as pessoas singulares – v.g. o direito à protecção da saúde e da segurança física, o direito à formação e à educação, etc. consagrados no art.º 3.º.
Como dá conta o Ac. do S.T.J. de 16/02/2016, a noção de consumidor adoptada pelo Supremo “acentua a qualidade de sujeito final na transação do bem, excluindo apenas os comerciantes e aqueles que destinam o imóvel a revenda para obtenção de lucro”, constando do sumário que “a qualidade de consumidor refere-se ao utilizador final dos imóveis, que faz destes um uso próprio, ao qual é alheio o escopo de revenda, mas não implica que o prédio seja urbano e se destine a habitação permanente do promitente-comprador.” (ut Proc.º 135/12.7TBMSF.G1.S1, Cons.ª Maria Clara Sottomayor, in www.dgsi.pt).
Mesmo para quem, como o Prof. Jorge Morais Carvalho, estende o conceito de consumidor às pessoas jurídicas, “desde que não destinem o bem a uma actividade profissional”, excluem as pessoas colectivas. Como refere este Autor “Tem-se assistido, em alguns domínios, a um fenómeno de equiparação das empresas, nomeadamente as microempresas, aos consumidores para efeitos de protecção. Essas pessoas não são, no entanto, qualificadas como consumidores” (in “Manual de Direito do Consumo”, 2017-4ª ed., págs. 24-30, máxime 27)
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2.- Na situação sub judicio os referidos R e esposa E, que haviam celebrado um contrato-promessa de compra e venda com a Insolvente, pelo qual esta prometeu vender àqueles o prédio urbano descrito no auto de arrolamento sob a verba n.º …– Fracção Autónoma designada pela letra “U”, destinada a habitação, com garagem” – eram, nos termos que acabam de ser referidos, titulares de um direito de retenção, por terem pago o sinal e recebido o imóvel, e caberem no conceito de consumidores.
Sem embargo, criando o contrato-promessa a obrigação de contratar, a obrigação contratual do promitente-vendedor cumpre-se celebrando o contrato de compra e venda, por esta via transferindo para a esfera patrimonial do comprador o direito de propriedade da coisa vendida - cfr. art.os 874.º e 879.º do C.C..
Nos autos, o Sr. A.I. começou por decidir não cumprir o contrato-promessa, no exercício da prerrogativa concedida pelo art.º 102.º do C.I.R.E., e por isso é que incluiu na lista de credores os acima referidos R e esposa, com a indicação de gozarem do direito de retenção.
Contudo, mais tarde, veio a decidir-se dar satisfação ao contrato-promessa, o que foi cumprido pela escritura pública celebrada em 17/10/2014, pela qual vendeu aos acima referidos a Fracção Autónoma “U”.
Estes, os adquirentes, na decorrência da outorga deste contrato, deixaram de ter qualquer crédito sobre a Insolvente, pelo que deviam ter sido retirados da lista dos credores (cuja última “edição” é de 07/07/2016), e também o imóvel devia ter sido eliminado do auto de arrolamento e apreensão, exactamente pelos mesmos motivos por que foram eliminados os prédios “das verbas 20 e 21” (cfr. fls. 1629).
Não fará sentido estar a reconhecer e a graduar um crédito que já não subsiste.
No entanto, apesar de o imóvel já não pertencer à massa insolvente, a graduação dos créditos continua a ter interesse já que os direitos de terceiro sobre o bem vendido em execução “transferem-se para o produto da venda”, de acordo com o n.º 3 do art.º 824.º do C.C., ocorrendo a “sub-rogação objectiva” – cfr., v.g. Prof. Lebre de Freitas (in “A Acção Executiva”, 4.ª ed., pág. 341).
Merece, assim, provimento este segmento do recurso.
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3.- No que se refere à T, devendo ter-se por inequívoco que o AUJ n.º 4/2014, do S.T.J., no âmbito da graduação de créditos em insolvência, apenas se refere ao consumidor, que se identifica com a pessoa singular, ou “sujeito final na transacção de bens” (para usar a expressão do S.T.J., sem margem para dúvida, às pessoas colectivas não é reconhecido o direito de retenção, consagrado na alínea f) do n.º 1 do art.º 755.º do C.C., ainda que sejam promitentes-compradoras retentoras.
Deste modo, no âmbito da graduação de créditos não lhe pode ser reconhecido o invocado direito, com o que o seu crédito não tem a natureza de crédito garantido.
É certo que nas diversas versões da lista de credores que foram apresentadas pelo Sr. A.I., cumprindo o disposto no art.º 129.º do C.I.R.E., fez este constar que o referido crédito tinha a natureza de “crédito garantido” sobre “a fracção AD…”.
Estando obrigado a indicar a natureza do crédito (alínea c) do n.º 1 do art.º 128.º do C.I.R.E.), o Sr. A.I. entendeu que aquela Credora, posto que promitente-compradora e tendo havido a traditio, era titular do direito de retenção.
Simplesmente, tal entendimento não é vinculativo para o Juiz, nem mesmo na ausência de impugnações.
Com efeito, e como decidiu o S.T.J. no Ac. de 30/09/2014, “I - A ausência de impugnação da lista definitiva de créditos não implica sem mais a produção de uma sentença homologatória «cega» por um eventual efeito cominatório pleno. II - O artigo 130º, nº 3 do CIRE conjugado com os princípios processuais gerais que conferem ao juiz poderes de gestão e de direcção do processo, permite e impõe que este afira da bondade formal e substancial dos créditos constantes da lista apresentada pelo Administrador de Insolvência. III - O conceito de «erro manifesto» a que alude o mencionado normativo não se reduz apenas à categoria do mero erro formal, podendo abranger razões ligadas à substância dos créditos em apreço o que poderá ser objecto de censura por parte do Tribunal mesmo que os aludidos créditos não tenham sido objecto de qualquer impugnação.” (ut Proc.º 3045/12.4TBVLG-B.P1.S1, Cons.ª Ana Paula Boularot, in www.dgsi.pt).
No mesmo sentido se pronunciaram os Profs. Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, citando outros arestos (cfr. “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 2.ª ed. Actualizada, pág. 555).
Assim, e no que ao direito de retenção respeita, pelo menos a partir de 19/05/2014, data em que foi publicado em D.R., o Tribunal deve acatar o entendimento jurisprudencial fixado pelo AUJ 4/2014.
Contudo, não tinha o Tribunal a quo de se debruçar sobre essa questão em concreto, porque a sede própria para tomar a posição definitiva era (como foi) na sentença de verificação e graduação de créditos, mais concretamente na parte da graduação, por ela dever ser feita segundo a natureza dos créditos e por ser geral, abrangendo todos os créditos do insolvente, mesmo os que tenham sido reconhecidos antes (no despacho saneador, ao abrigo do disposto no n.º 4 do art.º 136.º do C.I.R.E.).
Proferida a sentença de verificação e graduação de créditos, nos termos do disposto no art.º 140.º do C.I.R.E., ela é passível de ser impugnada pela via do recurso, nos termos gerais.
Tem legitimidade para recorrer quem for efectivamente prejudicado pela decisão, como decorre do disposto no n.º 2 do art.º 631.º do C.P.C..
Isto considerado, deve entender-se que a Apelante tem (como lhe foi reconhecido) legitimidade para recorrer, mesmo não tendo reagido processualmente, em momento anterior da sentença, contra “o direito de retenção”.
Não assistindo à Credora T, sociedade comercial por quotas, o direito de retenção, nesta sede de processo de insolvência, o seu crédito não goza da prioridade de pagamento em relação ao crédito da Apelante, garantido por hipoteca.
Procede, assim, também este segmento do recurso.
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DECISÃO
Considerando quanto acima vem referido, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o presente recurso de apelação e, consequentemente decidem:
1.- Eliminar da lista de credores os nomes de R e esposa E.
2. - Graduar os créditos que incidiam sobre o bem imóvel descrito na verba n.º 14 – Fracção “U” - do seguinte modo:
1º - crédito privilegiado do Estado relativo ao IMI de 2010;
2º - os créditos da M (credora n.º …) garantidos por hipoteca registada a favor do …;
3º - do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos comuns (incluindo os créditos laborais);
4º - se sobras houver pagar-se-ão os créditos subordinados, graduados pela ordem prevista no art.º 48.º do CIRE.
3.- Graduam-se os créditos que incidem sobre o bem imóvel descrito na verba nº 18 – Fracção “AD” – pela ordem seguinte:
1º o crédito privilegiado do Estado - IMI, 2010;
2º os créditos da M (credora n° …), garantidos por hipoteca registada a favor do …;
3º do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos comuns (incluindo aqui os créditos laborais - artigo 47.°, n.º 4, al. c), do CIRE e incluindo o crédito do credor n.º …, T).
4º do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos subordinados, graduados pela ordem prevista no art. 48° do CIRE.
No mais mantém-se a decisão proferida.
Custas da apelação pela Apelada T, mas apenas na proporção do seu crédito (parte em que saiu vencida).
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B) recurso da R
B.1.- Esta Credora/Apelante funda o seu recurso nas seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto do despacho proferido pela Meritíssima Juiz da Secção Cível da Comarca de Braga - Inst. Local Braga - J4 - Despacho datado de 06/10/2016, ref.ª citius149320490 - o qual indeferiu a reforma/retificação da sentença requerida pela Impugnante.
II. A Recorrente não se conforma com tal despacho, efetuando uma errada apreciação do que lhe foi submetido, assim como dos factos constantes nos autos, porquanto não se pretende a alteração do juízo formulado na sentença, mas apenas a retificação/reforma da mesma, no que diz respeito à omissão da graduação do crédito reconhecido como garantido à Recorrente.
III. Submeteu a recorrente, um pedido de reforma/retificação da sentença proferida, entendendo que existiu "lapso manifesto", porquanto a mesma omitiu o crédito e garantia da recorrente, já reconhecido por despacho transitado em julgado em 2014.
IV. Entendeu a Mm.ª Juiz a quo que, in casu, não existiu qualquer omissão/lapso, mas antes que, a pretensão da recorrente se enquadrava no juízo formulado na sentença recorrida, e assim, tendo-se esgotado o poder jurisdicional, não assiste razão à impugnante, aqui Recorrente.
V. Acontece que, por douto despacho proferido em 06.03.2014 pela Mm.ª Juiz a quo, notificado à impugnante em 07.03.2014, foi julgada procedente a impugnação da lista de créditos apresentada pela aqui Impugnante Credora.
VI. Tendo por via desse despacho, sido reconhecido um crédito à Recorrente no valor de € 220.000,00, garantido com direito de retenção sobre a fração "X", identificada com o n.º 16 no auto de apreensão.
VII. Tal despacho transitou em julgado.
VIII. Certamente por manifesto lapso, os efeitos da referida procedência da impugnação não constam na douta sentença de verificação e graduação de créditos proferida, porquanto não se refere à recorrente, esquecendo-se dela.
IX. Foi pois, requerida a reforma/retificação da sentença, requerendo a correção dessa lapso - omissão da credora impugnante na sentença - por forma, a que o seu crédito e garantia ficassem a constar da sentença.
X. Não se pretendia, nem pretende, alteração de qualquer juízo formulado, nem alterar qualquer consideração de direito efetuada na sentença que graduou os créditos.
XI. Apenas se pretende que, na mesma conste o crédito e garantia reconhecida à Recorrente, a ser graduada exatamente como os demais credores garantidos com direito de retenção (igual ao reconhecido à Recorrente).
XII. Resulta pois, evidente, da análise do despacho que julgou procedente a impugnação formulada pela recorrente e da sentença proferida, que esta se esqueceu de contemplar a Recorrente e o seu crédito.
XIII. Tal omissão, é um manifesto lapso, suscetível de ser corrigido através da reforma/retificação da sentença.
XIV. Não se pretende a alteração do juízo formulado, mas antes, a inclusão na sentença do despacho que jugou procedente a impugnação, concordando-se pois com os juízos formulados na sentença quanto à graduação de créditos formulada, só se requerendo a inclusão da recorrente na graduação, nos termos do despacho que o reconheceu o crédito e sua garantia, já transitado em julgado.
XV. Assim, é evidente que mal andou a Mm.ª Juiz a quo em considerar que se pretendia a alteração do juízo formulado na sentença e que tal não seria possível, por se ter esgotado o poder jurisdicional.
XVI. Devendo pois ordenar-se a correção da sentença, que omite o Crédito e garantia da recorrente, por outra em que o mesmo e a sua garantia constem, a ser graduado exatamente como as demais garantias equivalentes à sua, isto é, garantidos com direito de retenção, não se alterando pois, uma linha, uma palavra, uma vírgula, ao juízo proferido.
XVII. A não se entender assim, a sentença proferida, tal como o despacho que aqui se recorre, são manifestamente nulos, o que aqui se invoca para os devidos efeitos legais.
XVIII. Porquanto não se pronunciou sobre questões a que estava obrigado, designadamente quanto ao crédito reconhecido por esse mesmo tribunal, nesse mesmo processo!
XIX. Para facilidade, aqui se expõe sucintamente, a ordem cronológica do sucedido, demonstrando que não se pretende a alteração de qualquer juízo formulado na sentença, mas antes a rectificação/reforma da mesma, para que conste o crédito e garantia do mesmo, reconhecido nos presentes autos à recorrente.
a. Em 23/01/2012, a Recorrente apresentou impugnação à lista de créditos reconhecidos (Ref.ª Citius 2980395);
b. Por despacho transitado em julgado, datado de 06/03/2014, Ref.ª Citius 13120462, foi proferido despacho que julgou a impugnação de créditos da recorrente procedente.
c. Em Requerimento datado de 23/07/2014, Ref.ª Citius 4425873, a Recorrente, face à procedência da sua impugnação e consequente reconhecimento do seu crédito e garantia do mesmo, requer o pagamento do valor reconhecido, em virtude da venda da fração à CEMG.
d. Através de Despacho datado de 22/04/2015, Ref.ª Citius 13959915, a Mm.ª Juiz a quo requer ao AI que retifique o crédito da recorrente (credor 48) na lista de créditos, por forma, a que o mesmo esteja de acordo com o despacho de 06.03.2014;
e. Tal pedido é renovado na Ata de julgamento datada de 11/02/2016, Ref.ª Citius 145142761 ;
f. O Exmo. Sr. Administrador de Insolvência, através de requerimento datado de 03/03/2016 Ref.ª Citius 3306189, veio apresentar a lista do … devidamente retificada, onde consta na pág. 17, o crédito e garantia da recorrente (credor …):
g. Em, 09/05/2016, despacho Ref.ª Citius 146571690, a Mm.ª Juiz a quo veio solicitar ao AI que esclareça a situação das verbas nºs 12 a 25 do auto de apreensão – relembre-se que foi reconhecido à recorrente um crédito garantido com direito de retenção sobre o imóvel constante no auto de apreensão com o n.º 16.
h. Em 07/07/2016, veio o Sr. Administrador de Insolvência, através de requerimento Ref.ª Citius 4083930, atualizar a lista de créditos - art.º 129.º do CIRE -, onde consta novamente a Recorrente e o seu crédito garantido - credor 48 - na pág. 23:
i. Após todos estes atos, foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos em 11/07/2016, ref.ª Citius 148186922, que homologa a lista de créditos com o crédito da Recorrente, mas omite o crédito e garantia, na sua graduação.
XX. A "omissão" do crédito da recorrente na graduação proferida na sentença de verificação e graduação de créditos, é um erro/lapso manifesto, uma vez que não se trata de uma decisão de mérito sobre o crédito, mas tão só a sua referência na sentença, uma vez que o crédito e a sua garantia há muito que se encontram reconhecidos e constam da lista junta aos autos pelo AI, que foi homologada na sentença, bastando apenas gradua-lo, nos mesmos moldes que os demais credores garantidos com direito de retenção.
XXI. Esta factualidade, que por lapso manifesto não foi tida em conta na sentença proferida, justifica a retificação/reforma da sentença proferida, por outra que não omita o crédito e garantia reconhecido à Recorrente.
XXII. Mal andou a Mm.ª Juiz a quo em indeferir a rectificação/reforma, por entender que se pretendia uma alteração do juízo formulado, quando na verdade, apenas se pretende sanar a omissão no que ao crédito da recorrente diz respeito.
XXIII. O crédito e garantia já se encontra reconhecido, por despacho transitado em julgado e consta na lista de créditos homologada na sentença.
XXIV. Não pode a recorrente ficar com um crédito reconhecido e garantido com direito de retenção, constante na lista de créditos homologada e o mesmo não ser graduado no lugar que lhe aprouver por esquecimento da Mm.ª Juiz a quo.
XXV. Deve pois, ser corrigido esse lapso/erro manifesto, integrando o crédito reconhecido e graduando de acordo com a sentença transitada em julgado, não alterando em nada o juízo contido na sentença, uma vez que se concorda com todos os fundamentos de facto e de direito que lá se encontram.
XXVI. Padece, a sentença e o despacho que recusou a reforma da mesma, de vício, sanável com a rectificação/reforma da mesma.
XXVII. Termos em que, deve julgar-se o presente integralmente procedente e ordenar a rectificação/reforma da sentença, recusada no despacho recorrido.
XXVIII. Não sendo sanável o vício de omissão através da retificação ou reforma de sentença, será a mesma nula, o que desde já se invoca com as legais consequências, por omissão de pronúncia sobre o crédito reconhecido à recorrente.
XXIX. Assim como é nulo o despacho que se recusa a reformar a sentença, com fundamento de que se trata de formular um novo juízo, quando na verdade, não é isso que se pretende.
XXX. É nulo o despacho por denegação de justiça, uma vez que face ao exposto é evidente que a Mm.ª Juiz a quo na sentença recorrida se esqueceu de contemplar a recorrente e o seu crédito.
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B.2.- Consideram-se com interesse para a decisão os seguintes factos e incidências processuais:
a) Tendo sido expressamente notificado para apresentar a lista actualizada dos credores, a que alude o art.º 129.º do CIRE, o Sr. A.I., em 06/07/2016, apresentou a que constitui as folhas 1531 a 1541 dos autos, nela incluindo, sob o n.º …, R, com um crédito “Garantido”, com fundamento em “Devolução do dobro do sinal pelo incumprimento do contrato-promessa de compra e venda”, no valor de € 220.000,00, e sob a epígrafe “Garantias e Privilégios” ficou consignado: “Direito de retenção: Fracção autónoma designada pela letra “X” e encontra-se inscrita na matriz predial urbana sob o artigo nº …”.
b) O prédio acima referido ficou a constar sob a verba n.º … do … que o mesmo Sr. A.I. fez juntar aos autos, aí constando a seguinte descrição: “fracção “X” destinada a Habitação do tipo T-3”, com garagem, “sito na Rua Hermes Inácio, …, freguesia de Azurém, concelho de Guimarães, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º …, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo …”. Mais ficou aí a constar que o prédio se encontrava onerado com uma “Hipoteca”, não havendo qualquer referência a um “direito de retenção” – cfr. fls. 1526v.º, que aqui se dá por reproduzido.
c) Na sentença de reconhecimento e graduação de créditos, na parte em que ficou englobada a verba n.º 16 (alínea A de “I – Bens imóveis”), foram graduados os créditos por esta ordem:
1º O crédito privilegiado da Fazenda (IMI, 2010);
2° Os créditos da M (credora n° …), garantidos por hipoteca registada a favor do ….
3° do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos comuns (incluindo aqui os créditos laborais - artigo 47.º, n.º 4, al. c), do ClRE) e
4º do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos subordinados, graduados pela ordem prevista no art. 48° do CIRE.
d) Em 22/05/2013, a aqui Apelante apresentou um requerimento nos autos alegando ter apresentado uma “impugnação da lista de créditos reconhecidos” e nunca, até então, ter sido notificada “de qualquer ato processual”, arguindo a nulidade de omissão da prática de “um ato processual imposto pela lei” (cfr. fls. 764/765 (3.º vol.).
e) Em 06/03/2014 foi proferido um despacho no qual se considerou não ter ocorrido qualquer irregularidade nem ter ocorrido a omissão da prática de actos relativamente à impugnação da lista provisória de créditos reconhecidos, decidindo: “1. Julgar improcedente a nulidade que foi invocada pela credora. 2. Julgar procedente a impugnação da lista provisória de créditos reconhecidos que foi apresentada pela credora” (cfr. fls. 974/975 – 4.º volume).
f) Tendo sido notificada da sentença de verificação e graduação de créditos, veio aos autos a Credora/Apelante, …, invocando o disposto no n.o 2, alíneas a) e b), do art.º 616.º do C.P.C., pedir a reforma da mesma alegando ter existido “lapso manifesto, ignorando os factos dados como provados e a aplicação do direito”, já que “por despacho proferido em 06.03.2014 pela Mm.ª Juiz”, transitado em julgado, “foi julgada procedente a impugnação da lista de créditos” por si apresentada. Assim, afirma, na sentença devia constar que ela, Apelante, é detentora de um crédito sobre a Insolvente, no valor de € 220.000, crédito esse que é garantido “em consequência do direito de retenção sobre a fracção autónoma designada pela letra “X” correspondente a um apartamento tipo T3, com garagem…”, identificada sob o n.º … do auto de apreensão (cfr. fls. 1658v.º/1659 – VI volume).
g) Apreciando este pedido de reforma, o Tribunal a quo escreveu: “a matéria que invoca não se enquadra nos casos de reforma da sentença … e antes se quadram no juízo nela formulado pelo tribunal, sindicável apenas por via de recurso, tendo-se esgotado o poder jurisdicional (artº 613º, nº 1 do CPC). O art. 616, n.º 3 do CPC, por outro lado, exige que, cabendo recurso da decisão, o requerimento (da reforma) é feito na alegação (de recurso). Ora não foi interposto qualquer recurso. Assim, indefere-se o pedido de reforma” (cfr. fls. 1696 – VI volume).
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B.3.- Nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 616.º do C.P.Civil, a reforma da sentença está dependente da verificação cumulativa de dois requisitos principais:
a) que a decisão não admita recurso;
b) que tenha ocorrido um lapso manifesto do juiz:
i) na determinação da norma aplicável, v.g. quando aplique uma norma revogada ou não aplique uma norma vigente;
ii) na qualificação jurídica dos factos, v.g. quando qualifique os factos com ofensa de conceitos ou princípios elementares do direito;
iii) na desconsideração de documentos ou outro meio de prova plena que existam no processo e que impliquem, só por si, uma decisão diversa da proferida, ou seja, não havendo reparado que determinado facto está provado nos autos por documento, por confissão ou por ter sido admitido por acordo.
Atentando no primeiro pressuposto, facilmente se extrai que se pretendeu criar uma via disponível para se corrigirem os erros ou “lapsos manifestos” de que enferme a sentença, que, de outro modo, não seria possível corrigir.
Sendo admissível recurso, a correcção de erros ou lapsos de que enferme a sentença há-de ser operada por esta via - cfr. as formalidades do processamento subsequente, reguladas no art.º 617.º do C.P.C..
Refira-se que o n.º 3 respeita apenas às decisões que condenem em custas ou multa, referidas no n.º 1.
Ora, da sentença de verificação e graduação de créditos cabe recurso ordinário, nos termos gerais (o valor do crédito da Apelante, sendo de € 220.000,00 ultrapassa até a alçada da Relação), devendo observar-se o disposto no art.º 14.º do CIRE e nos art.os 627.º e sgs. do C.P.C., ex vi do art.º 17.º daquele Cód..
Deste modo, o pedido de reforma não era legalmente admissível devendo, por isso, ter sido liminarmente rejeitado.
Sem embargo, pela via da impugnação do despacho que se pronunciou sobre o referido pedido de reforma, pretende a Apelante, por efeito reflexo, ver alterada a sentença de graduação de créditos, reconhecendo-se-lhe o direito de retenção, e, consequentemente, a natureza de “garantido” do seu crédito.
Ora, sobre esta questão já nos pronunciamos no antecedente recurso, e, por isso, brevitatis causa, damos aqui por reproduzido tudo quanto, a propósito, ali ficou exposto, que, de resto, vai no sentido desfavorável à pretensão da Apelante.
Assim se decidindo, fica salvaguardado o princípio da igualdade de tratamento dos credores, atenta a igualdade de posições da aqui Apelante e da “Thermofaf, Pichelaria, Ld.ª”.
Relativamente à invocada violação do caso julgado (e esta é uma questão de conhecimento oficioso), é entendimento pacífico o de que só faz caso julgado formal a decisão que conheça e aprecie uma concreta questão.
Ora, o despacho de 06/03/2014, como acima se transcreveu, julgando procedente a impugnação da Apelante, reconheceu o crédito por si reclamado.
No entanto, não tomou posição sobre o direito de retenção.
Contudo, não tinha o Tribunal a quo de se debruçar sobre essa questão em concreto, porque a sede própria para a apreciar e decidir em definitivo era a sentença de verificação e graduação de créditos, uma vez que a ordem de pagamento é estabelecida segundo a sua natureza, de acordo com as classes constantes do art.º 47.º do C.I.R.E., sendo que, in casu, a integração do crédito da Apelante no conceito de “crédito garantido” dependia do julgamento que se fizesse sobre a existência do direito de retenção, mas, sobretudo, da sua eficácia nesta sede de processo de insolvência.
Não merece, assim, provimento o recurso apreciando.
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DECISÃO
Considerando quanto vem de ser referido, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação, mantendo a decisão impugnada.
Custas pela Apelante.
Guimarães, 23/02/2016
(escrito em computador e revisto)
(Fernando Fernandes Freitas)
(Lina Aurora Castro Bettencourt Baptista)
(Maria de Fátima Almeida Andrade)