Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
820/12.3TMBRG.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: DIVÓRCIO
OBRIGAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
EX-CÔNJUGE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 - Com a redacção dos n.os 1 a 3 do artigo 2016º e 2016º-A do CC, introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31-10, o princípio geral, em matéria de alimentos entre ex-cônjuges, é o do seu carácter excepcional, limitado e de natureza subsidiária, com base na regra de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência” e de que “o direito a alimentos pode ser negado, por razões manifestas de equidade”.
2 - O direito a alimentos só deve ser negado ao ex-cônjuge necessitado, quando for chocante onerar o outro com a obrigação correspondente.
3 – Por outro lado, não pode a prestação alimentar sacrificar o mínimo necessário à vida normal do cônjuge devedor.
4 – Este direito a alimentos entre ex-cônjuges tem natureza temporária, não deve perdurar para sempre e, no espírito da nova lei, destina-se apenas a permitir uma reorganização da vida nos primeiros tempos subsequentes ao divórcio, prevalecendo a ideia de que cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO
Nos presentes autos de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, que L… intentou contra M…, contestou esta, deduzindo reconvenção em que peticiona a dissolução do casamento por divórcio e a condenação do réu no pagamento à autora de pensão de alimentos no valor de € 485,00 mensais sendo, nos meses de Julho e Dezembro, na quantia em dobro, atualizáveis anualmente de acordo com os índices de preços publicados pelo INE, mas nunca inferior a 3%.

Instruídos os autos, teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que decidiu decretar o divórcio entre o autor e a ré e condenar o reconvindo no pagamento à reconvinte de prestação de alimentos no valor de € 450,00 mensais, desde a propositura da ação, deduzido o valor que já tenha pago no âmbito do acordo de alimentos provisórios fixados no apenso B, absolvendo o reconvindo do restante pedido.
Discordando da sentença quanto à decisão proferida sobre o montante dos alimentos fixados em sede reconvencional, dela interpôs recurso o autor/reconvindo, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:
1ª O princípio geral, em matéria de alimentos entre ex-cônjuges, após o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, que decorre da sequência dispositiva do art. 2016.º do CC, é o do seu carácter excepcional, expressamente, limitado e de natureza subsidiária, com base na regra de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência” e de que “o direito a alimentos pode ser negado, por razões manifestas de equidade”.
2ª- A obrigação de alimentos só existe, em princípio, na vigência da sociedade conjugal, mesmo quando não assume a sua plenitude, como acontece na hipótese da separação de facto.
3ª “Pretende-se afirmar que o direito a alimentos não deve perdurar para sempre, competindo ao ex-cônjuge providenciar e esforçar-se pela angariação de meios de subsistência e não ficar dependente do outro excônjuge e este, por sua vez, eternamente vinculado a essa obrigação” (Tomé d’Almeida Ramião, O Divórcio e Questões Conexas, 3.ª edição, pg. 91).
4ª Excecionalmente, e em caso de absoluta necessidade, qualquer dos ex-cônjuges têm direito a alimentos; este direito é residual, pois só existe na medida e enquanto o ex-cônjuge não possa prover à sua subsistência.
5ª O ex-cônjuge credor de alimentos não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou durante o casamento. “O cônjuge divorciado não tem o direito adquirido de exigir a manutenção do nível de vida existente ao tempo em que a comunidade do casal se mantinha, o que significa que o dever de assistência, enquanto existir comunhão duradoura de vida, tem uma extensão muito maior do que o cumprimento do mero dever de alimentos, quando essa comunhão tiver cessado, pelo que o factor decisivo para a concessão e a medida dos alimentos não resulta da eventual deterioração da situação económica e social do carecido, após o divórcio.” AC STJ de 23-12-2012, in www.dgsi/pt.
6ª “O casamento não cria uma expectativa jurídica de garantia da autosuficiência, durante e após a dissolução do matrimónio, o que consubstanciaria um verdadeiro “seguro de vida”, por não ser concebível a manutenção de um “status económico” atinente a uma relação jurídica já extinta, sendo certo que cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio”. AC STJ de 23-12-2012, in www.dgsi/pt.
7ª O montante dos alimentos deve ser fixado equitativamente, ponderadas todas as circunstâncias referidas no nº 1 do artigo 2016º-A do Código Civil.
8ª O reconvindo vem pagando à reconvinte a título de alimentos, a quantia mensal de 350,00€, fixada por acordo das partes, para além de também pagar todas as despesas comuns inerentes à residência do casal, onde ambos residem, designadamente, alimentação, eletricidade, água, gás, etc.
9ª Para a fixação do montante dos alimentos por acordo, ponderaram-se todas as circunstâncias elencadas no nº 1 do artigo 2016º-A do Cod. Civil, e tal quantia mostra-se equilibrada, razoável e equitativa, face às necessidades básicas da reconvinte e às reais possibilidades do reconvindo.
10ª Contrariamente, o montante fixado na sentença proferida a título de alimentos (450,00€ mensais, desde a propositura da ação) é manifestamente exagerado, injusto e desproporcionado face às necessidades de quem os recebe e às possibilidades de quem os presta, ofendendo o princípio da equidade.
11ª O rendimento anual bruto total do reconvindo proveniente da sua pensão, é de 15.446,14€.
11ª Conforme decidiu o STJ, “mostra-se adequado fixar, a título de alimentos, a quantia de € 250,00 mensais ao ex-cônjuge impetrante com o 6.º ano de escolaridade que não trabalha e não aufere rendimentos, sendo que o ex-marido é industrial e aufere para além de outros rendimentos o vencimento declarado de € 1.784,60 numa sociedade de construção civil a qual muito embora possua um passivo elevado conta ainda com 35 trabalhadores” - AC. STJ de 28-06-2012, in www.dgsi/pt
12ª A sentença em crise, ao decidir como decidiu, fez errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 2016º e 2016º A do Código Civil.
13ª Da correta interpretação e aplicação das referidas normas legais, resultará uma decisão equitativa e materialmente justa desta causa - a que o tribunal está vinculado pelo artº 7º , nº 1 do CPC- , devendo revogar-se e substituir-se a sentença em crise por outra, que fixe a título de alimentos a quantia mensal acordada de 350,00€.
14ª A manter-se a decisão proferida, o que não se concede, apenas deverá produzir efeitos, após o trânsito em julgado, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA!

A ré/reconvinte respondeu, pugnando pela improcedência do recurso principal e deduzindo recurso subordinado em que peticiona a obrigação de impor o pagamento de valor superior aquando dos recebimentos pelo obrigado dos seus subsídios de férias e de natal, ou fixando-se a pensão de alimentos em dobro ou majorando-a duas vezes por ano numa determinada percentagem e que a pensão de alimentos fixada deve ser atualizada anualmente de acordo com os índices publicados pelo INE mas nunca em valor inferior a 3%.

Os recursos – principal e subordinado – foram admitidos, como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
As questões a resolver traduzem-se em saber se está corretamente fixado o valor da prestação mensal que o autor está obrigado a pagar à ré a título de alimentos e, quanto ao recurso subordinado, se há lugar a pagamentos extraordinários coincidentes com os meses em que são pagos os subsídios de natal e de férias e se o valor fixado deve ser atualizado anualmente.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença foram considerados os seguintes factos:
Factos provados:
1. Autora e Réu contraíram casamento, com convenção antenupcial, no regime de comunhão geral de bens, no dia 1.12.1973.
2. Em data indeterminada, há cerca de 3 ou 4 anos, Autor e Ré embora vivam na mesma casa, património comum do casal, atualmente, deixaram de se relacionar como casal, nomeadamente deixaram de dormir juntos, comer juntos e prestar contas da sua vida.
3. Essa situação perdura até aos dias de hoje.
4. O Autor não pretende reestabelecer a vida em comum com a Ré.
5. Há mais de um ano a contar da entrada em juízo deste processo, vivem separados no mesmo edifício.
6. A Ré não tem qualquer intenção de manter o seu vínculo matrimonial ou restabelecer qualquer vida em comum com o Autor.
7. O Autor chegou a ser agressivo com a Ré o que redundou em, pelo menos, uma queixa crime em 2006.
8. O Réu requereu o internamento compulsivo da Ré em 2011 alegando que a mesma se recusava a ser submetida a avaliação/consulta clínico-psiquiátrica e efetuar o necessário tratamento médico, pedido que foi arquivado pelo Ministério Público.
9. O que, tendo tomado conhecimento, a deixou vexada e humilhada, para além de ter ficado num estado de nervos.
10. O Autor reiteradamente fica agressivo, tendo de forma repetida ao longo dos anos e, seguramente, nos últimos meses, insultado a Autora.
11. Ao longo dos anos, agrediram-se mutuamente agarrando-se e batendo-se, pelo menos à frente do filho M...
12. Deixando nódoas negras no corpo um do outro.
13. A Ré não tem atualmente quaisquer rendimentos seja de trabalho seja a título de qualquer pensão ou subsídio, embora esteja previsto que em Março do próximo ano vá auferir uma pensão
14. Já o Autor no ano de 2011 auferiu um valor global de €15446,14.
15. A Ré sempre contribuiu na economia do casal dando o seu esforço físico e psicológico para criar dois filhos, para manter uma casa decente, dando o seu esforço para a limpeza desta, para o cozinhar de refeições para filhos e marido, para cultivo da terra que têm.
16. Tudo com esforço pessoal e dedicação.
17. A Ré tem 63 anos e de habilitações literárias a 4.ª Classe, existindo atualmente uma retração do mercado de trabalho.
18. Inexistem atualmente filhos a cargo do casal.

Factos Não Provados relevantes:
1. Que foi exatamente em Junho de 2008 que Autor e Ré deixaram de se relacionar como casal.
2. O Autor sempre foi agressivo com a Ré o que redundou em diversas queixas criminais.
3. O Autor requereu o internamento compulsivo da Ré alegando problemas psiquiátricos graves.
4. O Autor fica agressivo sem que nada o explique.
5. Que o Autor tem insultado a Autora exatamente com as expressões vaca, puta, vaca vai para o monte, maluca, maluca vai tratar-te.
6. O Autor nunca deixou a Ré ter um emprego.

Uma vez que não vem impugnada a decisão de facto, cabe enquadrar juridicamente os factos assentes em 1.ª instância e que supra se reproduziram.
Na sentença sob recurso considerou-se adequado fixar em € 450,00 o montante dos alimentos que o réu prestará mensalmente à autora. Aí se considerou que: “no caso, tendo em conta que estamos perante um casamento que durou por cerca de 40 anos, ficou demonstrado que a demandante contribuiu nos termos apurados para a economia do casal, tem 63 de idade, perto da habitual idade da reforma, tem apenas a 4º classe, fatores que dificultam a já pública e notória dificuldade de arranjar emprego atualmente, sublinhando que a mesma atualmente não tem quaisquer rendimentos e não esquecendo que vive atualmente em habitação própria, ponderando o montante do rendimento auferido pelo devedor dos alimentos, julgamos adequada e equitativa a prestação mensal de 450 euros”.
O apelante insurge-se contra a fixação do montante de € 450,00 mensais a título de alimentos, entendendo que o mesmo deve ser fixado em € 350,00 mensais.
Vejamos.
Entre os deveres recíprocos dos cônjuges, como efeito do casamento e na vigência da sociedade conjugal, figura o dever de assistência, que compreende a obrigação recíproca de prestar alimentos e o dever recíproco de contribuir para as despesas domésticas – artigos 2015.º e 1675.º, n.º 1 do Código Civil.
Em caso de divórcio e depois deste, cada cônjuge deve prover à sua subsistência – esta é a regra que dimana do artigo 2016.º, n.º 1 do Código Civil – sendo certo que o n.º 2 deste artigo estipula que qualquer dos ex-cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio.
O artigo 2016.º, n.º 2 do Código Civil prevê o direito a alimentos em caso de divórcio e separação judicial de pessoas e bens, conferindo a qualquer um dos ex-cônjuges, o direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio. O n.º 3 deste artigo introduziu a possibilidade de, por razões manifestas de equidade, o direito a alimentos ser negado, observando-se, necessariamente, critérios de justiça e igualdade no reconhecimento do direito a alimentos. “O legislador permite ao juiz aplicar a norma (atribuição do direito a alimentos) com equidade, ou seja, temperar o seu rigor naqueles casos em que a sua aplicação imediata conduziria ao sacrifício manifesto de interesses individuais do outro ex-cônjuge que não pôde explicitamente antever e proteger com a atribuição do direito a alimentos” – cfr. Tomé d’Almeida Ramião, in “O Divórcio e Questões Conexas – Regime Jurídico Atual”, 3.ª edição revista e aumentada, Quid Júris, Sociedade Editora, pág. 92. Trata-se de casos especiais em que o direito a alimentos deve ser negado ao ex-cônjuge necessitado, por ser chocante onerar o outro com a obrigação correspondente (conforme consta da exposição de motivos da Lei n.º 61/2008, de 31/10, no seu n.º 6).
No caso dos autos, enquanto a ré não tem qualquer rendimento, o autor, no ano de 2011 auferiu o valor global de € 15.446,14 o que, não sendo um valor muito elevado, permite onerá-lo com tal obrigação, sem que tal se revele chocante.
Nos termos do n.º 1 do artigo 2016.º-A do Código Civil, deve o tribunal tomar em conta, na determinação do montante dos alimentos, a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e o estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre a necessidade do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta.
Conforme decorre da sentença sob recurso, todos estes itens foram considerados no percurso decisório, cabendo apenas averiguar se é correto o valor fixado.
Deve atender-se a que, por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, nos termos do artigo 2004.º, n.º 1 do Código Civil, obedecendo a medida dos alimentos aos critérios fixados no n.º 2 deste artigo e reafirmados no artigo 2016.º-A, ou seja, a necessidade do alimentando, a possibilidade do alimentante e a capacidade/possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
Em qualquer caso, haverá que equacionar, de um lado, os rendimentos do alimentante e, do outro, as suas despesas, próprias e das pessoas a seu cargo, bem como as necessidades do alimentando e as possibilidades deste prover à sua subsistência.
Como temos defendido, designadamente no acórdão de 26/06/2014, proferido no processo n.º 631/12.6TMBRG.G1 “não se pode exigir ao obrigado a alimentos que ponha em perigo a sua própria subsistência, devendo conservar para si o indispensável às suas necessidades básicas, não sendo exigível que se efetue uma dedução no seu salário, para satisfação da prestação alimentar a filho menor, que o prive do rendimento necessário para satisfazer as suas necessidades essenciais – veja-se, neste sentido, o recente Acórdão de Tribunal Constitucional n.º 394/2014, de 7 de maio, publicado no DR, 2.ª Série, n.º 108, de 05/06/2014, onde se considera “dever ser reconhecido o direito a não ser privado do que se considera essencial à conservação de um rendimento indispensável a uma existência minimamente condigna”, relativamente à possibilidade prevista no artigo 189.º, n.º 1 c) da OTM de deduzir a prestação alimentar em dívida em pensão auferida pelo obrigado, tendo tal norma sido julgada inconstitucional, na medida em que prive o obrigado à prestação de alimentos do mínimo indispensável à sua sobrevivência, por violação do princípio da dignidade humana, tendo um dos Conselheiros votado vencido, por entender que o rendimento necessário para satisfazer as necessidades de sobrevivência deve ser aferido por correspondência ao rendimento social de inserção, como garantia constitucional do mínimo de existência (e apenas a esse valor).
Ora, se assim é, relativamente a filho menor, por maioria de razão haverá de ser relativamente a ex-cônjuge, não podendo a prestação alimentar sacrificar o mínimo necessário à vida normal do cônjuge devedor. Veja-se, neste sentido, Acórdão da Relação de Lisboa de 11/12/2001 e Acórdão do STJ de 11/06/2002, in www.dgsi.pt, podendo ler-se, neste último “O obrigado a alimentos só poderá ser coagido a prestá-los sem perigo para a sua manutenção e dos que dele dependem, em estado conforme à sua condição”.
E repare-se que o artigo 2016.º-A, n.º 2 do CC diz que o tribunal deve dar prevalência a qualquer obrigação de alimentos relativamente a um filho do cônjuge devedor sobre a obrigação emergente do divórcio em favor do ex-cônjuge.
Em concordância com o que acima expomos, veja-se o recente Acórdão do STJ, de 20/02/2014, proferido no processo n.º 141/10.6TMSTB.E1.S1, in www.dgsi.pt, onde se pode ler: “Os princípios mais emblemáticos do novo regime dos alimentos entre ex-cônjuges, posteriormente ao divórcio, constam agora dos artigos 2016º e 2016º-A, do Código Civil, em resultado da nova redacção introduzida pela citada Lei nº 61/2008, enquanto expressão da regra geral que atribui carácter excepcional ao direito a alimentos entre cônjuges, expressamente, limitado e de natureza subsidiária. Com efeito, muito embora o artigo 2016º, do Código Civil, no seu nº 2, estatua que “qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio”, o seu nº 3 afirma que esse direito “por razões manifestas de equidade, pode ser negado”, depois de afirmar, no respectivo nº 1, que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio”, sendo esse direito preterido em relação “a qualquer obrigação de alimentos relativamente a um filho do cônjuge devedor”, como se afirma no nº 2, do artigo 2016º-A, do mesmo diploma legal. Deste modo, e como decorre da sequência dispositiva dos artigos 2016º e 2016º-A, ambos do Código Civil, a regra geral, em matéria de alimentos entre ex-cônjuges, depois do divórcio ou da separação judicial de pessoas e bens, é a de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência”, constituindo excepção o direito a alimentos, a que “qualquer dos cônjuges tem direito, independentemente do tipo de divórcio”, sendo que, “por razões manifestas de equidade”, “o direito a alimentos pode-lhe ser negado” (…) Como atrás foi realçado, o direito a alimentos, no actual quadro normativo, pode ser negado, por razões manifestas de equidade, como acontece, no caso em análise, devendo a autora, de acordo com a regra geral hoje vigente, prover à sua subsistência, nos termos do estipulado pelo artigo 2016º, n.os 1 e 3, do Código Civil, por não ser exigível ao réu a manutenção de um estatuto económico referente a uma relação jurídica já dissolvida e extinta, sob pena de não lhe ser possível proporcionar a si próprio o que é indispensável ao seu sustento, habitação e vestuário”.
No caso dos autos não temos factos que permitam aquilatar das despesas de cada um dos ex-cônjuges, pelo que somos obrigados a considerar apenas o montante dos rendimentos. E se é certo que a ré não aufere quaisquer rendimentos, ficou consignada a previsão do recebimento de uma pensão a partir de Março de 2015, enquanto o autor aufere rendimentos que, mensalmente, se situam à volta dos € 1100,00.
Não se provou que as despesas de água, luz e gás da casa onde vivem ambos, fiquem a cargo do autor, se bem que possamos presumir tal facto, atenta a ausência de rendimentos da ré. Por outro lado, não podemos alhear-nos do facto de a ré cultivar uma terra, sua propriedade, o que lhe dará algum rendimento ou, pelo menos, lhe permitirá retirar alimentos necessários ao seu sustento, e de viver em casa própria, que partilha com o autor, não tendo, assim, que suportar despesas com a habitação que, normalmente, são as mais elevadas.
Também não deve esquecer-se que o espírito da lei é o de que o direito a alimentos se destina apenas a permitir uma reorganização da vida nos primeiros tempos subsequentes ao divórcio, prevalecendo a ideia de que cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio, o que deve sempre ser considerado, pese embora a dificuldade no caso presente que resulta da idade da ré e das suas habilitações literárias.
Tudo ponderado e considerando que, se se retirar ao rendimento mensal do autor a prestação de € 450,00 a título de alimentos, ficará aquele apenas com cerca de € 650,00 para si, o que pode revelar-se pouco em face das despesas que sobre si recaem e considerando o caráter excecional que hoje reveste a prestação alimentar a cargo de ex-cônjuge, entendemos que se revela mais adequado à situação exposta, o valor de € 350,00 mensais, correspondente, aliás, ao valor acordado entre as partes em sede de fixação de alimentos provisórios.
Nestes termos, procederá o recurso do autor.

Quanto ao recurso subordinado, entendemos que a ré não tem razão, uma vez que, como já salientámos, a prestação alimentar entre ex-cônjuges não se destina a possibilitar que o mais desfavorecido a nível de rendimentos, mantenha o “status” económico que tinha na pendência do casamento, mas apenas a permitir-lhe satisfazer as suas necessidades básicas se e enquanto o próprio não for capaz de as satisfazer. Daí que não seja razoável exigir a prestação em dobro nos meses correspondentes aos subsídios de férias e de natal.
O mesmo deve ser entendido quanto à pedida atualização anual, considerando, até, que a prestação deverá extinguir-se logo que a sua beneficiária esteja capaz de se sustentar. Aliás, deve dizer-se que, se, depois de fixados os alimentos, as circunstâncias determinantes da sua fixação se modificarem, podem os alimentos taxados ser reduzidos ou aumentados, conforme os casos – artigo 2012.º do Código Civil – sendo que tal alteração terá que ocorrer pelos meios previstos processualmente e em 1.ª instância.
Improcede, assim, o recurso subordinado.
Sumário:
1 - Com a redacção dos n.os 1 a 3 do artigo 2016º e 2016º-A do CC, introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31-10, o princípio geral, em matéria de alimentos entre ex-cônjuges, é o do seu carácter excepcional, limitado e de natureza subsidiária, com base na regra de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência” e de que “o direito a alimentos pode ser negado, por razões manifestas de equidade”.
2 - O direito a alimentos só deve ser negado ao ex-cônjuge necessitado, quando for chocante onerar o outro com a obrigação correspondente.
3 – Por outro lado, não pode a prestação alimentar sacrificar o mínimo necessário à vida normal do cônjuge devedor.
4 – Este direito a alimentos entre ex-cônjuges tem natureza temporária, não deve perdurar para sempre e, no espírito da nova lei, destina-se apenas a permitir uma reorganização da vida nos primeiros tempos subsequentes ao divórcio, prevalecendo a ideia de que cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio.

III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação (recurso principal) alterando-se a sentença recorrida no que diz respeito ao montante dos alimentos devidos que passará a ser de € 350,00 mensais.
Mais se julga improcedente o recurso subordinado, mantendo-se, nessa parte a sentença recorrida
Custas pela ré/reconvinte em ambos os recursos.
Guimarães, 15 de outubro de 2015
Ana Cristina Duarte
Francisco Cunha Xavier
Francisca Mendes