Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5228/22.0T8VNF.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: DENÚNCIA DO CONTRATO DE TRABALHO
AVISO PRÉVIO
RESOLUÇÃO COM JUSTA CAUSA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/14/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – A denúncia do contrato de trabalho é uma das formas de cessação do contrato de trabalho da iniciativa do trabalhador, que não necessita de ser motivada, nem carece de qualquer aceitação por parte do empregador, mas que exige a necessária observância de um pré-aviso, diferindo, assim os seus efeitos para o termo do prazo correspondente.
II – Verificando a denuncia do contrato de trabalho, efectuada nos termos prescritos no art.º 400.º do CT., a cessação do contrato só ocorre na data correspondente ao termo do prazo de aviso prévio.
III – Assim, mantendo-se em vigor o contrato de trabalho nada obsta a que na pendência do aviso prévio operem outras causas de cessação do vínculo laboral, designadamente a resolução com justa causa.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

AA residente na Estrada ..., ..., ..., em ..., instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra EMP01..., LDA com sede na Rua ..., ..., no ... e formula os seguintes pedidos:

a) ser a Ré condenada a pagar ao Autor AA o montante global de € 3.856,11, relativos aos créditos salariais em dívida data da cessação do contrato de trabalho, acrescido de juros de mora vencidos, desde a data da interpelação para o pagamento e vincendos até efectivo e integral pagamento, o que perfaz o valor global devido ao A. de € 3.919,08.
b) nos termos do art.º 396.º do Cód. Trabalho, requer seja arbitrada ao trabalhador uma indemnização, entre 15 e 45 dias, a determinar pelo Tribunal.
    
Alega em síntese, que foi admitido ao serviço da Ré em 15.01.2018, para exercer as funções de operador de cofres/fechaduras, sob as ordens, direção e fiscalização da Ré, mediante a retribuição base mensal de € 705, acrescida do subsídio de alimentação no valor de € 4,77 por dia. Por carta registada datada de 01.04.2022 e rececionada pela Ré em 05.04.2022, comunicou a denúncia do seu contrato de trabalho, sendo certo que, nesse dia, foi vitima de agressão por parte do legal representante da Ré, motivo pelo qual considerou inexistirem condições para a continuidade do vínculo laboral e dar cumprimento ao aviso prévio legalmente previsto, o que comunicou à Ré, por escrito, em 14.04.2022, considerando cessadas as suas funções. Reclama ainda o pagamento os créditos laborais referentes à retribuição e subsidio de alimentação relativa aos meses de Março e Abril, às férias e subsídio de férias relativo às férias vencidas a 01.01.2022 e não gozadas, aos proporcionais de férias, subsídios de férias e de natal relativas ao ano de 2022 e à indemnização pela falta de formação profissional, bem como a indemnização nos termos do artigo 396.º do Código do Trabalho.

A Ré contestou, pugnando pela improcedência parcial da ação e deduziu pedido reconvencional.
O Autor, pugnou pela improcedência do pedido reconvencional, alegando que denunciou o contrato de trabalho, sendo que o aviso prévio não foi efetivamente cumprido porquanto, atenta a gravidade dos factos praticados contra a sua pessoa, veio a informar a Ré da impossibilidade de manutenção da relação laboral.

Os autos prosseguiram a sua normal tramitação e por fim foi proferida sentença pela Mma. Juiz, que terminou com o seguinte dispositivo:

“Face ao exposto:
A. julga-se a acção parcialmente procedente, e, em consequência:
» condena-se a Ré “EMP01..., Lda.” a pagar ao Autor AA:
i. A quantia de € 3.002,04, a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho operada pelo Autor;
ii. A quantia de € 305,50, a título de retribuição do mês de Março de 2022 e a quantia de € 62,01 a título de subsídio de alimentação do mês de Março de 2022;
iii. A quantia de € 235, a título de retribuição do mês de Abril de 2022 e a quantia de € 47,70 a título de subsídio de alimentação do mês de Março de 2022;
iv. iv. A quantia de € 1.410 a título de férias e subsídio de férias vencidas em 01.01.2022;
v. A quantia de € 192,27, a título de proporcionais de férias não gozadas;
vi. A quantia de € 192,27, a título de proporcionais de subsídio de férias;
vii. A quantia de € 175,77, a título de proporcionais de subsídio de Natal;
viii. A quantia de € 480,26, a título de indemnização pela formação profissional não proporcionada;
ix. os juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, a contar da data do respectivo vencimento das prestações referidas em ii. e iii., da data da cessação do contrato (18.04.2022) relativamente às prestações referidas em iv, v., vi., vii. e viii., e, quanto à indemnização fixada e referida em i., desde a data da citação até efectivo e integral pagamento (artigo 559.º, 804.º, 805.º e 806.º do Código Civil);

B. julga-se a reconvenção totalmente improcedente, e, em consequência, absolve-se ao Autor AA do pedido.
» Custas da acção a suportar pelo Autor e pela Ré, na proporção do decaimento. (Cfr. Artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil)
» Valor da acção: já fixado em 30.11.2022
» Notifique.”
*
Inconformada com a sentença, veio a Ré interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães e apresentou alegação que termina mediante a formulação das seguintes conclusões, depois de aperfeiçoadas:

“A douta sentença deu como provado com relevo para o presente Recurso os seguintes factos: (…)
n. Com o devido respeito, a Douta sentença incorreu em erro na interpretação do artigo 396.º, nº 1 e 2 do C. Trabalho, consequentemente, na aplicação do direito aí plasmado  aos factos: (…)

Concretamente:
I)
o. Ao ter condenado a Ré a pagar ao Autor € 3 002,00, ao abrigo da citada lei do Código de Trabalho.
Vejamos:
p. Foi dado como provado que o Autor é sócio da Ré e tem uma quota de 50%.
q. Foi dado como não provado que:
- “ Na situação  referida em E. o Autor encontrava-se no pleno exercício das suas funções”.
Ainda:
r. Na MOTIVAÇÃO da Douta sentença consta que:
- «Sobre a factualidade dos Pontos E. a G. teve-se em atenção o depoimento da testemunha BB, contabilista da Ré e que, de forma credível e segura, referiu que na reunião de sócios de prestação de contas ocorrida em 04.04.2022, em que esteve presente, houve uma exaltação de parte a parte (…)»; negrito nosso.
Ou seja:
s. Ou evento subjacente à condenação da Ré a indemnizar o Autor ao abrigo do artigo 396.º, nrs 1 e 2 do C.Trabalho, teve lugar numa reunião de sócios, com vista à prestação de contas.
t. E não durante uma reunião havida entre entidade patronal e trabalhador, o que, com respeito pelo opinião contrária, afasta a aplicação do  regime previsto na citada lei.
II) Mais, e se assim não se entender.
u. A decisão do Autor em pôr termo ao vínculo de trabalho que o ligava à Ré, deu-se a 01.04.2022 e, o episódio em causa deu-se três dias depois.
v.Significa que a decisão do Autor se despedir foi tomada antes do evento que deu origem à indemnização prevista no artigo 396.º, 1 e 2, do Código de Trabalho ter tido lugar.
w. Resultando que não existe nexo de causa e efeito entre esse evento e a decisão do Autor se ter despedido, enquanto trabalhador da Ré, conforme exige o art.º 563.º, do C. Civil.
x. A este propósito cite-se :(…)
III)
Não  é de somenos:
y. Foi dado como provado que:
- “ Do documento junto pela Ré sob o n.º 8 resulta que o representante legal da Ré também é vítima  no processo n.º 263/22...., de onde se conclui que também ele apresentou queixa crime  contra o Autor ( factualidade constante do ponto L.)”.
Então:
z. A admitir-se que tal episódio tenha ocorrido no âmbito de uma relação empregador –trabalhador, com o que não se concorda, há que julgar:
aa.  Estatui o artigo 128.º do C.T.  sob a epígrafe «DEVERES DO TRABALHADOR»
- “Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve: respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade . (…) Guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele (...);
Ou seja:
bb. Só por mero acaso os dois únicos sócios trabalham para a Ré, desempenhando um deles o cargo de gerente.
cc.  Não há dúvidas que houve uma ALTERCAÇÃO entre o Autor e o representante legal da Ré, ambos sócios da Ré e, durante essa reunião, ofenderam-se reciprocamente e, sentindo-se ofendidos, queixaram-se criminalmente.
Insiste-se:
dd. O motivo dessa altercação radicou no conhecimento do representante legal da Ré de que o outro sócio, ou seja o aqui Autor, ter constituído uma outra sociedade, com o mesmo objecto, situado no mesmo espaço geográfico da Ré, o que fez em nome da mulher, e sem lhe dar conhecimento.
Daqui:
ee.  Alegar-se que devia ter-se dado como provado que, após ter recebido a carta de despedimento do Autor, o gerente da Ré constatou várias irregularidades praticadas por aquele, enquanto seu trabalhador e sócio, já que tal foi provado através de doc s com o nrs 7 a 7.2, junto da CONTESTAÇÃO, que não foram impugnados.
A este propósito, cite:se: (…)
Resumindo:
gg.  Com todo o respeito por opinião contrária, o Tribunal ad quo incorreu em erro na interpretação e aplicação do direito aos factos, concretamente, condenando a Ré a indemnizar o Autor em € 3002,04, ao abrigo do artigo 396.º, 1 e 2, do Código de Trabalho.

IV)
DA FALTA DE AVISO PRÉVIO E DA OBRIGAÇÃO DO AUTOR INDEMNIZAR A RÉ AO ABRIGO DOS ARTº(s)  400.º  e, 401.ºDO C.TRABALHO:
hh. A carta registada enviada pelo Autor à Ré, a 01.04.2022, comunicar a sua decisão de se despedir e, que consta dos factos dados como provados na al. D), não indica o prazo de AVISO PRÉVIO para a cessação de funções, a que obriga o artº 400, do Código de Trabalho.
ii. Assim sendo, salvo opinião contrária, a mesma enferma de vício de forma, resultando que não existiu AVISO PRÉVIO e consequentemente o Autor encontra-se obrigado as indemnizar a Ré, nos termos consagrados no artigo 401.º desse diploma..
Ainda:
jj. O Autor após a expedição da carta datada de 01.04.2022 a comunicar à Ré o seu despedimento, não mais desempenhou qualquer trabalho efectivo para a última.
kk. A este, propósito transcreve-se a pouca assertividade da Douta sentença, quando na MOTIVAÇÃO DE DIREITO refere:
– “Da leitura da comunicação em apreço, é possível retirar que o Autor, apesar de não concretizar o número de dias de aviso prévio (…)”.
ll. Encontra-se, assim, o Réu obrigado, face ao que se encontra estatuído no artigo 400.º do Código de Trabalho, a indemnizar a Ré no valor de €1 410,00, (mil e quatrocentos e dez euros) por falta   de AVISO PRÉVIO;
mm. Montante este correspondente a dois meses de salário, tendo por referência o salário que auferia de €705,00 mensais, como foi dado como provado na Douta sentença de que se recorre a alínea C).
Resulta:
nn.  Houve erro de interpretação na aplicação do artigo do artigo 396.º; 400.º e 401.º do C.de Trabalho aos factos

Termos em que e no melhor de direito a suprir por esse Venerando Tribunal, deve ser dado provimento ao presente RECURSO:

- Reconhecendo que o Tribunal ad quo fez uma errada interpretação na aplicação do artigo n.º 394.º, nrs 2, als b) e f) aos factos, ao condenar a Ré a indemnizar o Autor em  € 3002,004 ( três mil e dois euros e dois cêntimos );
- Razão para que seja revertida essa decisão ABSOLVENDO –SE a Ré em conformidade.

Tal qual;
- O mesmo Tribunal incorreu em erro de interpretação do direito aplicado aos factos, concretamente, no que dispõe os artigos 400.º, e 401.º do C. de Trabalho, não considerando como alega a RÉ/Reconvinte que o Autor não respeitou o prazo de 60 (sessenta) dias de AVISO PRÉVIO a que estava obrigado;
Consequentemente:
 - Devem V. Exas reverter a Douta sentença nesse segmento e, condenar o Autor/ Reconvindo a indemnizar a Ré/ Reconvinte no valor de € 1 410,00, (mil e quatrocentos e dez euros) por falta de AVISO PRÉVIO, que corresponde aos 60 (sessenta) dias de remuneração, tendo por referência o salário que auferia mensalmente de € 705,00 (setecentos e cinco euros mensais). Assim se fazendo a habitual JUSTIÇA”
O Autor apresentou contra-alegação pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.
Foi proferido despacho que admitiu o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida e foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Aperfeiçoadas as conclusões do recurso, foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87.º n.º 3 do C.P.T., tendo a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitido douto parecer, no sentido da improcedência da apelação.
A Recorrente veio responder ao parecer manifestando a sua discordância com o mesmo e voltando a concluir que no caso não há lugar à indemnização a coberto do art.º 394.º do CT.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II – OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da Recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nele não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, no recurso interposto pela Ré/Apelante sobre a sentença recorrida, coloca-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:
- Da impugnação da matéria de facto;
- Da violação do prescrito no art.º 396.º n.º 1 e 2 do CT

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Factos Provados:
A. A Ré é uma sociedade comercial por quotas, com o NIPC ...97, cujo escopo é, para além do mais, comércio a retalho de sistemas de segurança e instalação de fechaduras, reparação e restauro de cofres e caixas fortes.
B. Com data de 15 de Janeiro de 2018 a Ré, através de contrato de trabalho por tempo indeterminado, contratou o Autor para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercer as funções de Operador de Cofres/Fechaduras, mediante uma retribuição mensal.
C. Como contrapartida da prestação do seu trabalho, em Fevereiro de 2022, a Ré pagava ao Autor a retribuição base mensal de € 705,00, acrescido de subsídio de alimentação, no valor de € 4,77 por dia.
D. Através de carta registada com aviso de recepção datada de 01.04.2022, recepcionada a 05.04.2022, o Autor comunicou à Ré o seguinte: “Assunto: Denúncia contrato de trabalho
Exmos. Senhores;
Venho pela presente comunicar a denúncia do contrato de trabalho que me liga a essa empresa, conforme o disposto nº artigo 400 do Código do Trabalho.
Solicito a liquidação dos créditos que me assistem, nomeadamente a título de férias, subsídios de férias e de natal, horas de formação, etc. (…)”.
E. Após comunicação referida em D. no dia 04/04/2022, o Autor, quando se encontrava no seu local de trabalho, foi vítima de agressão por parte do Legal Representante da Entidade Patronal.
F. Da referida agressão houve a participação às Autoridades Policiais, dando início ao processo-crime com o N.º 263/22.....
G. Na sequência do acto de violência de que Autor foi vítima, inexistiam condições para a continuidade do vínculo laboral, motivo pelo qual o Autor enviou à Ré a carta referida em H.
H. Através de carta registada datada de 14.04.2022, o Autor comunicou à Ré o seguinte: “Assunto: Denúncia Contrato de Trabalho
Ex.mos Senhores,
Os m/ Cumprimentos
Na sequência da carta remetida a V. Exas, datada de 01/04/2022, venho informar que, atento os ilícitos criminais perpetrados contra a minha pessoa no passado dia 04/04/2022, registados pelas autoridades policiais, inexistem condições para dar cumprimento ao aviso prévio legalmente previsto.
Neste sentido, informo que a operada denuncia contratual tem efeitos a partir de 18 de Abril de 2022, devendo considerar a cessação das minhas funções a partir desta data.
Consequentemente, com efeitos a partir daquela data deverá ser-me emitido e entregue a competente declaração de situação de desemprego, bem assim como pagos todos os créditos salariais a que tenho direito, nomeada e concretamente, vencimento do mês de Março, vencimento do mês de Abril, férias e subsídio de férias respeitantes ao ano de 2021, proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de natal relativos ao ano de 2022, bem assim como indemnização devida pela formação não ministrada nos últimos anos.
Aguardo o prazo máximo de 5 dias.”
I. A Ré não proporcionou ao Autor formação profissional.
J. O Autor esteve em situação de baixa médica entre os dias ../../2022 e ../../2022 e entre ../../2022 e ../../2022.
K. O Autor é sócio da Ré e tem uma quota de 50 %.
L. O gerente da Ré também apresentou queixa crime contra o Autor.
M. A Ré emitiu a favor do Autor o recibo de remunerações n.º 3, datado de 2022/04/30, considerando-se devedora das seguintes quantias:
a. Vencimento base - € 705;
b. Subsídio de natal - € 117,50;
c. Subsídio de férias - € 705;
d. Subsídio de refeição - € 4,77;
e. Férias não gozadas – 705;
f. Ferias proporcionais 22 - € 117,50;
g. Subsídio de férias proporcionais 22 - € 117,50;
h. Horas de formação - € 488,09; descontando as seguintes quantias:
i. Baixa médica – (-) € 70,53;
j. Demissão – (-) € 305,34;
k. Doença directa – (-) € 305,62.

Factos Não Provados

1. Na situação referida em E. o Autor encontrava-se no pleno exercício das suas funções.
2. O Autor esteve em situação de baixa médica entre os dias ../../2022 e ../../2022.
3. A Ré é uma micro empresa onde só trabalham duas pessoas, pelo que qualquer acção, decisão ou omissão referente à sua actividade era consensual.
4. O Autor não frequentou qualquer formação profissional foi porque não o quis fazer.
5. Após ter recebido a carta de despedimento do Autor, o gerente da Ré constatou várias irregularidades praticadas pelo Autor, enquanto seu trabalhador e sócio.
6. A Ré disponibilizou ao Autor o número de telefone de contacto destinado estabelecer ligações com os seus clientes efectivos e potenciais.
7. Durante o período em que o Autor esteve de baixa médica, recebeu chamadas para esse número de telefone que visavam encomendas de serviços à Ré, não existindo qualquer registo de facturação correspondente aos mesmos.
8. Quando os clientes da Ré contactavam por e-mail para lhes prestar serviços, o Autor reencaminhava-os para o seu e-mail pessoal, tendo o Autor executado esses serviços em benefício próprio.
9. A saída inopinada do Autor causou à Ré um prejuízo na facturação de pelo menos € 1.000.

IV - APRECIAÇÃO DO RECURSO

1. Da impugnação da matéria de facto
A Ré/Recorrente pretende a alteração do ponto 5 dos pontos de facto não provados, passando tais factos a constar dos factos provados. Sustenta a sua pretensão na prova documental junta aos autos.
Do referido ponto de facto não provado consta o seguinte:
5. Após ter recebido a carta de despedimento do Autor, o gerente da Ré constatou várias irregularidades praticadas pelo Autor, enquanto seu trabalhador e sócio.
O Tribunal a quo motivou a sua convicção para dar tal facto como não provado da seguinte forma:
“Sobre a demais factualidade não provada (pontos 5. a 9.) não foi produzida prova firme e segura, não sendo suficiente o depoimento da testemunha CC, cliente da Ré, nem as declarações de parte do representante legal da Ré, sem qualquer prova que as confirme.”
Dispõe o artigo 662.º n.º 1 do C.P.C. aplicável por força do disposto no n.º 1 do artigo 87.º do C.P.T. e no que aqui nos interessa, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Ora, a Recorrente pretende que o ponto 5 dos factos não provados passe a constar dos factos provados sustentando a sua pretensão no teor dos documentos n.º ... a ....2 por si juntos com a contestação.
Tais documentos respeitam à certidão permanente da firma EMP02...-Unipessoal Lda, dela constando que DD, casada com AA, é a única sócia desta firma, sendo detentora da totalidade do capital social, com uma quota de €5.000,00. E os restantes são fotografias de imagem de computador que anunciam e fazem publicidade à empresa EMP02....
Salvo o devido respeito por opinião em contrário, não se compreende sequer como é que do teor dos citados documentos se poderia dar como provado a factualidade agora impugnada. Tais documentos, só por si e desacompanhados de qualquer outra prova, a propósito de tais factos nada provam ou indiciam e muito menos impõem que se altere o apurado pelo Tribunal a quo.
Acresce dizer que atento o objeto destes autos – apurar da existência ou não de justa causa de resolução do contrato da iniciativa do trabalhador - também não vislumbramos qualquer interesse no apuramento de tal factualidade dada como não provada. Tenha-se presente o estatuído no n.º 2 do art.º 611.º do CPC do qual resulta que “só podem ser atendíveis os factos que, segundo o direito substantivo aplicável, tenham influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida”. Daqui podemos concluir que se o facto que se pretende impugnar for irrelevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis, não há qualquer utilidade naquela impugnação da matéria de facto, pois o seu resultado será sempre de considerar de absolutamente inócuo. Assim sendo, o uso dos poderes de controlo da matéria de facto da 1ª instância pela Relação só deve ser utilizado quando a impugnação recaia sobre factos que tenham interesse para a decisão da causa, de forma a evitar a prática de atos inúteis – cfr. art.º 130º do CPC., devendo nestas circunstâncias a Relação abster-se de apreciar tal impugnação. Neste sentido ver entre outros Ac. STJ de 14.07.2021 (relator Fernando Baptista), proc. n.º 65/18.9T8EPS.G1.S1.
Em suma, quer porque o documento de que a Ré se pretendia fazer valer para alterar a decisão da matéria de facto só por si é de considerar de manifestamente insuficiente para o efeito, quer porque a factualidade que se pretendia agora fazer constar dos factos provados é totalmente desprovida de interesse para a boa decisão da causa, impõe-se julgar improcedente o recurso da impugnação da matéria de facto.
Improcedem assim as conclusões de recurso, nesta parte, mantendo-se inalterada a factualidade apurada pelo tribunal a quo.

2. Da violação do disposto no art.º 396.º n.ºs 1 e 2 do CT.
Insurge-se a Recorrente quanto ao facto de o Tribunal a quo ter considerado verificada a justa causa de resolução do contrato de trabalho da iniciativa do Autor defendendo que quando o autor enviou a comunicação à ré o contrato de trabalho já não se encontrava em vigor, porque o autor o havia denunciado com efeitos imediatos uns dias antes da ocorrência do episódio que sustenta a justa causa. Ou seja, entende a recorrente que quando o autor resolveu o contrato invocando justa causa, já se encontrava extinta a relação laboral. Mais, considera a recorrente que o episódio que conduziu à invocação da justa causa ocorreu no decurso de uma reunião de sócios tendo em vista a prestação de contas e não durante uma reunião entre trabalhador e empregador, o que só por si também afastaria a aplicação do regime previsto na lei.
Importa, desde já, apurar se o contrato de trabalho celebrado entre Autor e Ré cessou, com efeitos imediatos, com a denúncia do contrato de trabalho, nos termos do art.º 400.º do CT., comunicada pelo Autor à Ré, por carta enviada a 1.04.2022 e rececionada pela Ré em 5.04.2022, ou com a comunicação de cessação do contrato de trabalho, com invocação de justa causa, por carta enviada pelo Autor à Ré, em 14.04.2022.
A este propósito na sentença recorrida consignou-se o seguinte:
De acordo com o artigo 340.º do Código do Trabalho o contrato de trabalho pode cessar por caducidade, revogação, despedimento (por facto imputável ao trabalhador, colectivo, por extinção do posto de trabalho ou por inadaptação), resolução ou denúncia.
 “Estruturalmente, a resolução e a denúncia são declarações negociais receptícias, emitidas pelo trabalhador, que têm um empregador como destinatário e visam pôr termo à situação jurídica de trabalho subordinado. Enquanto declaração de vontade aplica-se a ambas as modalidades a disciplina comum do Código Civil, nomeadamente no que toca à interpretação da declaração e ao regime da falta e dos vícios da vontade.” (Cfr. Pedro Furtado Martins, in “Cessação do Contrato de Trabalho”, 4.ª edição revista e actualizada, pág. 570).
2. Conforme resulta da factualidade provada, o Autor é trabalhador da Ré desde ../../2018, tendo, em Abril de 2022 comunicado à Ré, através de carta registada com aviso de recepção, a “denúncia do contrato de trabalho que me liga a essa empresa, conforme o disposto nº artigo 400 do Código do Trabalho”.
Ora, conforme resulta do disposto no artigo 400.º do Código do Trabalho, pretendendo denunciar o contrato, o trabalhador deverá comunicar essa sua intenção ao empregador, assumindo-se assim tal comunicação como pressuposto do exercício desse direito.
Com efeito, “a possibilidade de denúncia do contrato pelo trabalhador assume-se como um caso específico de cessação do contrato em que prevalece o princípio da denúncia livre ou da liberdade de desvinculação, pois que o trabalhador não pode ser forçado a continuar a prestar trabalho contra a sua vontade, pois que só este entendimento se coaduna com o princípio da liberdade de trabalho (artigo 47.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), que se projeta na faculdade de o trabalhador, livremente e a todo o momento, fazer cessar a relação laboral.” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27.02.2023, processo 361/22.0T8AVR.P1, disponível em www.dgsi.pt.)
Dispõe, nestes termos, o artigo 400.º, n.º 1 que “O trabalhador pode denunciar o contrato independentemente de justa causa, mediante comunicação ao empregador, por escrito, com antecedência mínima de 30 ou 60 dias, conforme tenha, respectivamente, até dois anos ou mais de dois anos de antiguidade”.
Esta exigência de forma escrita, como é sabido, reporta-se ao aviso prévio, e não à própria denúncia (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.02.2003, processo 07S3529, disponível em www.dgsi.pt e Pedro Furtado Martins, ob. cit., pág. 595).
Como se disse, a denúncia é uma declaração negocial receptícia, tornando-se eficaz logo que chega ao conhecimento do destinatário (artigo 224.º do Código Civil), podendo, naturalmente, o declarante sujeitar essa denúncia a um termo suspensivo, indicando uma data posterior para produção dos efeitos.
No caso dos autos, o Autor comunicou, pois, à Ré a denúncia do seu contrato de trabalho, através de carta registada com aviso de recepção datada de 01.04.2022, carta esta que foi recepcionada pela Ré em 5 de Abril de 2022, tendo sido nesta data que a mesma produziu efeitos.
Da leitura da comunicação em apreço, é possível retirar que o Autor, apesar de não concretizar o número de dias de aviso prévio, faz referência ao artigo 400.º do Código do Trabalho – cuja epigrafe é precisamente “denúncia com aviso prévio” – pelo que, não podemos deixar de interpretar tal indicação como a formalização do aviso prévio.
De resto, no dia 4 de Abril de 2022, em data anterior à recepção pela Ré da comunicação de denúncia, o Autor encontrava-se no seu local de trabalho, tendo sido vítima de uma agressão por parte do representante legal da Ré. É certo que não se apurou que tal agressão tenha ocorrido quando o Autor se encontrava em pleno exercício das suas funções – pois que, como resulta da motivação de facto, tal aconteceu numa reunião de sócios. Porém, na sequência destes actos, o Autor, deixou de comparecer no local de trabalho e, com data de 14.04.2022, ou seja, 10 dias depois, comunicou à Ré que inexistiam condições para dar cumprimento ao aviso prévio legalmente previsto.
Ora, da conjugação das duas comunicações, tendo em atenção a referência ao artigo 400.º na primeira carta e à referência à impossibilidade de cumprimento do aviso prévio na segunda, é de concluir que aquela primeira comunicação configura uma denúncia do contrato de trabalho com aviso prévio, não se concordando com a Ré quando refere que na mencionada carta o Autor assume unilateralmente não trabalhar mais para a Ré.
Não é despiciendo referir que, até àquela data – 04/04/2022 – o Autor esteve em situação de baixa médica, e que, aquele dia seria precisamente o primeiro dia de trabalho após a baixa.
Assim sendo, o contrato de trabalho celebrado entre Autor e Ré extinguir-se-ia 60 dias após a comunicação.
3. Acontece, porém, que, conforme resulta da factualidade provada, no período do aviso prévio, o Autor comunicou à Ré a inexistência de condições para dar cumprimento ao aviso prévio, devendo considerar a cessação das funções em 18 de Abril de 2022.
Ora, esta comunicação reveste a qualificação de resolução do contrato de trabalho com justa causa enquanto forma cessação do contrato por iniciativa do trabalhador.”
Desde já deixamos consignado que concordamos com a posição assumida pelo tribunal a quo.
Com efeito, como é consabido a denúncia do contrato de trabalho é uma das formas de cessação do contrato de trabalho da iniciativa do trabalhador, que não necessita de ser motivada, nem carece de qualquer aceitação por parte do empregador, mas que exige a necessária observância de um pré-aviso, diferindo, assim os seus efeitos para o termo do prazo correspondente.
Está assim consagrado o princípio da demissão ad nutum, ficando assegurado que o trabalhador não fique refém do contrato, nada o impedindo que lhe ponha termo quando bem entender, havendo apenas de acautelar eventuais prejuízos causados ao empregador em face à inesperada rutura da relação laboral. Ou seja, o fim do vínculo não deve ocorrer de imediato, pois carece de pré-aviso. Assim, ainda que o trabalhador não tenha de motivar a sua demissão, tem de a anunciar ao empregador com uma certa antecedência, de forma suprir a necessidade de acautelar os legítimos interesses do empregador, evitando que este seja surpreendido e prejudicado por uma demissão abrupta do trabalhador.
Como escreve a Prof.ª Joana Vasconcelos em anotação ao artigo 400.º do CT, in Código do Trabalho Anotado, 13ª edição, pág. 938 “A denúncia enquanto faculdade de qualquer contraente fazer cessar uma relação contratual a que está vinculado em virtude de um contrato bilateral é, em regra livre (ad nutum, ad libitum), não carecendo de qualquer causa justificativa a proteger a contraparte de uma rutura intempestiva.”
 O n.º 1 do art.º 400.º do CT prevê que a denúncia seja efetuada de forma escrita, respeitando esta ao aviso prévio e não propriamente à denúncia, uma vez que se visa acautelar o trabalhador quanto à prova da sua vontade extintiva e do cumprimento do prazo de aviso prévio. Trata-se de uma formalidade ad probationem, cuja falta não implica a sua ilicitude, mas dificulta a prova a que se destina.
Os efeitos jurídicos da falta de formalização do aviso prévio traduzem-se em dificuldades/restrições de carácter probatório, tal como resulta do disposto nos artigos 364.º, n,º 2, 393.º n.º 1, 351.º, 388.º e 390.º do CC., incumbindo ao autor/trabalhador a demonstração do momento em que denunciou verbalmente o contrato de trabalho, bem como o eventual funcionamento/afastamento do regime previsto para a denúncia sem aviso prévio (art.º 401.º do CT), - cfr Ac. RL de 29/04/2015, proc. n.º 113/14.TTFUN.L1-4, relator Eduardo Sapateiro. 
A propósito do aviso prévio refere João Leal Amado, em “Direito do Trabalho – Relação individual”, Almedina, pág. 1108
“… a figura do aviso prévio surge, pois, como uma espécie de dispositivo retardador do óbito contratual, traduzindo-se num inequívoco entrave à liberdade de auto-exoneração do trabalhador, entrave tanto mais significativo quanto mais dilatado for o prazo de pré-aviso requerido pela lei.
O aviso prévio funciona, portanto, como um termo suspensivo aposto à denúncia do contrato, pelo que, enquanto decorrer o respectivo prazo, a relação laboral mantém-se em vigor, continuando o trabalhador obrigado a prestar o trabalho ajustado e o empregador vinculado a pagar a retribuição correspondente. Contudo, na prática é frequente as entidades empregadoras, depois de receberem a comunicação da denúncia pelo trabalhador, dispensarem-no do cumprimento do aviso prévio. Nestes casos, uma de duas: ou se trata de um acto unilateral do empregador, caso em que a dispensa não o eximirá de pagar ao trabalhador a retribuição correspondente ao período de aviso concedido (mas cujo cumprimento o empregador isentou o trabalhador); ou existirá acordo das partes no sentido de não submeter a denúncia ao termo suspensivo previsto na lei, caso em que o vínculo contratual terminará de imediato, não ficando o empregador obrigado a pagar salários para além dessa data. Tudo dependerá, pois, da vontade da(s) parte(s), sendo aconselhável, até para facilitar o respectivo apuramento, que a dispensa de cumprimento do aviso prévio seja reduzido a escrito.”
Em suma, verificando a denuncia do contrato de trabalho, efectuada nos termos prescritos no art.º 400.º do CT., a cessação do contrato só ocorre na data correspondente ao termo do prazo de aviso prévio.
Retornando ao caso em apreço temos por certo que o autor, através de carta registada com aviso de receção datada de 01.04.2022, rececionada a 05.04.2022, o comunicou à Ré a denúncia contrato de trabalho, conforme o disposto n.º1 artigo 400.º do Código do Trabalho (cfr. ponto D) dos pontos de facto provados), sem que, no entanto, tenha indicado ou concretizado o prazo do aviso prévio.
Contudo, o autor deixou bem explicito que denunciava o contrato nos termos do n.º 1 do art.º 400.º do CT, que é precisamente a disposição legal que prevê o pré-aviso de 30 ou 60 dias consoante o contrato tenha tido a duração de dois ou mais anos, sendo assim de considerar tal indicação como a formalização do aviso prévio.
Por outro lado, o autor enviou a carta a denunciar o contrato, no dia 1.04, esteve de baixa até ao dia 3.04 e no dia 4.04, apresentou-se no seu local de trabalho, tal como resulta da factualidade provada sob os pontos E) e J), sem a Ré tivesse logrado provar, aliás porque também não alegou, que o autor ao denunciar o contrato tivesse deixado de imediato de exercer as funções para as quais havia sido contratado.
Ora, tendo o autor denunciado o contrato ao abrigo do prescrito no art.º 400.º n.º1 do CT, tendo comparecido no seu local de trabalho, logo que cessou a sua situação de baixa médica e não tendo a Ré logrado provar qualquer facto que nos permitisse concluir que o autor, com a carta enviada em 01.04, pôs termo de imediato ao contrato, afigura-se-nos evidente que, quer no dia 4.04.2022 (dia em que ocorreu o episódio que fundamenta a justa causa de resolução do contrato), quer no dia 14.04, dia em que envia nova comunicação anunciando a resolução com efeitos imediatos do contrato de trabalho invocando justa causa, o contrato de trabalho do autor mantinha-se em vigor.
Como escreve Maria do Rosário Palma Ramalho, no Tratado de Direito do Trabalho- Parte II – Situações Laborais Individuais, 5.ª ed., pág. 1103 e 1104 “A declaração da denúncia deve revestir forma escrita, nos termos do art.º 400.º n.º 1 do CT. Tratando-se de uma declaração recepticia, ela carece de ser comunicada ao empregador. A cessação do contrato ocorre na data indicada nesta declaração como correspondendo ao termo do prazo de aviso prévio.
Na verdade, o aviso prévio funciona como termo suspensivo aposto à declaração de denúncia pelo que, durante este período, o vínculo laboral se mantém em plena execução.”
Mantendo-se em vigor o contrato de trabalho nada obsta a que na pendência do aviso prévio operem outras causas de cessação do vínculo laboral, designadamente a resolução com justa causa.
Assim sendo, funcionando o aviso prévio como um termo suspensivo aposto à declaração de denúncia do contrato e estando este prazo a correr para fazer operar os efeitos da denúncia, nada impedia o autor, em face das circunstâncias resultantes do facto de ter sido vitima de agressão por parte do legal representante da Ré, no seu local de trabalho, de por termo ao contrato, agora, com efeitos imediatos e invocação de justa causa, pela simples razão do vínculo laboral se mantinha em plena execução.
Em suma, continuando o contrato de trabalho em vigor durante o decurso do prazo de aviso prévio de denúncia da iniciativa do trabalhador, desde que haja justa causa, nada obsta a que o trabalhador ponha termo de imediato ao contrato e foi, precisamente, o que sucedeu no caso dos autos (cfr. pontos G) e H) dos pontos de facto provados).
Prescreve o artigo 401.º do Código do Trabalho que “o trabalhador que não cumpra, total ou parcialmente, o prazo de aviso prévio estabelecido no artigo anterior deve pagar ao empregador uma indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período em falta, sem prejuízo da indemnização por danos causados pela inobservância do prazo de aviso prévio ou de obrigação assumida em pacto de permanência.”
Importa salientar que a indemnização prevista no art.º 401.º do CT opera automaticamente, pelo facto de ter sido omitido, total ou parcialmente o aviso prévio, ou seja sem necessidade de alegação e prova de eventuais prejuízos que a falta de cumprimento de tal aviso possa causar ao empregador, cujo valor será, no mínimo e independentemente da ocorrência de danos, igual ao da retribuição base e diuturnidades, podendo ser mais elevado quando o empregador prove que sofreu danos de montante superior ao valor mínimo da indemnização que o trabalhador está obrigado a pagar.
Posto isto, e resultando da posição acima assumida que o contrato de trabalho celebrado entre as partes cessou não por denuncia do trabalhador, mas sim por resolução com invocação de justa causa da iniciativa do trabalhador, afigura-se-nos que a Recorrente não tem direito à indemnização a que alude o art.º 401.º, porque no caso não se verificou qualquer incumprimento do prazo de aviso-prévio.
Por fim, apraz dizer que tendo o autor posto termo ao contrato com efeitos imediatos invocando justa causa, a qual, atenta a factualidade provada, não pode deixar de ser considerada de verificada, não se vislumbra que o Tribunal a quo ao atribuir a compensação devida ao autor, tenha cometido erro na interpretação do prescrito no art.º 396.º n.ºs 1 e 2 do CT.
Estabelecem os artigos 394.º e 351.º n.º 3 do CT que ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato, devendo atender-se na apreciação da justa causa, ao grau de lesão dos interesses, ao caracter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes. 
De acordo com o artigo 395.º, n.º 1 do Código do Trabalho “O trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos”, sendo que na acção em que for apreciada a licitude da resolução, apenas são atendíveis para a justificar os factos constantes da comunicação referida no n.º 1 do artigo 395.º (cfr. artigo 398.º, n.º 3 do Código do Trabalho).
E por fim prescreve o art.º 396 n.ºs 1 e 2 do Código do Trabalho, que em caso de resolução do contrato com justa causa, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades. No caso de fração de ano de antiguidade, o valor da indemnização é calculado proporcionalmente.
Da factualidade com relevo para o apuramento da justa causa resulta que no dia 4.04.2022 o autor foi vitima de agressão por parte do representante legal da Ré, tendo sido esse o fundamento que invocou na carta enviada à Ré em 14.04.2022, para fazer cessar com efeitos imediatos o seu contrato de trabalho, pois após o ato de violência deixou de ter condições para dar continuidade ao vínculo laboral (pontos E e G) dos pontos de facto provados).
Ora, o facto do autor na altura em que ocorreu a agressão estar ou não no exercício de funções, bem como o facto do legal representante da Ré ter apresentado queixa, são tudo factos pouco relevantes para aferir da existência ou não de justa causa de despedimento.
O que releva é que na altura em que o autor foi agredido encontrava-se no seu local de trabalho e o agressor foi o legal representante da Ré, tal é suficiente para se concluir pela impossibilidade da manutenção da relação laboral, designadamente pela inexistência de condições para dar cumprimento ao aviso prévio, pois não se nos afigura de exigível que um trabalhador depois de ter sido agredido pelo empregador tenha de se manter ao seu serviço.
Tal como conclui o tribunal a quo, o motivo invocado e que resultou provado pelo autor, configura justa causa de resolução do contrato, nos termos prescritos na al. f) do n.º 2 do art.º 394.º do CT, com as legais consequências.
Improcede o recurso sendo de manter a decisão recorrida a qual não padece de qualquer um dos erros apontados pela Recorrente.

V - DECISÃO

Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 87.º do C.P.T. e 663.º do C.P.C., acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação e consequentemente confirma-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da Recorrente/Apelante.
Guimarães, 14 de Março de 2024

Vera Sottomayor (relatora)
Francisco Sousa Pereira
Maria Leonor Barroso