Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
449/16.7GBPVL.G1
Relator: ANTÓNIO TEIXEIRA
Descritores: OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA
ESPECIAL CENSURABILIDADE
ARGUIDO E MAIS QUATRO PESSOAS
NÃO VERIFICAÇÃO DA QUALIFICATIVA
ARTº 132º
Nº 2
AL. A)
1ª PARTE DO CP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I – A enumeração das circunstâncias susceptíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade feita no Artº 132º do Código Penal, aplicável ao crime de ofensa à integridade física qualificada, ex-vi Artº 145º, nº 2, do mesmo diploma legal, não é taxativa, mas exemplificativa, sendo certo que as enunciadas no nº 2 não são elementos do tipo, mas antes elementos da culpa. O que significa que não são de funcionamento automático, bem podendo dar-se o caso de se verificar qualquer das circunstâncias referidas nas várias alíneas, e nem por isso se poder concluir pela especial censurabilidade ou perversidade do agente.

II – Não obstante o arguido ter praticado os factos conjuntamente com mais quatro pessoas, e mau grado terem actuado após prévio acordo e em obediência a um plano delineado em conjunto, tal não acarreta, por si só, a verificação da qualificativa a que alude o Artº 132º, nº 2, al. h), 1ª parte, do Código Penal.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

1. No âmbito do Inquérito nº 449/16.7GBPVL, que correu termos pelo Departamento de Investigação e Acção Penal, Secção de Póvoa de Lanhoso, da Procuradoria da República da Comarca de Braga, o Ministério Público, no momento processual a que alude o Artº 276º do C.P.Penal (1):
1.1. Proferiu despacho de arquivamento relativamente a factos participados por F. M. e E. M. (entretanto constituídos assistentes, nos termos do despacho de 12/09/2017, exarado a fls. 242) contra T. S., pela prática de um crime de introdução em lugar vedado ao público, de um crime de ofensa à integridade física, e de um crime de roubo, p. e p., respectivamente, pelos Artºs. 191º, 143º e 210, do Código Penal, face à ausência de indícios suficientes da verificação e autoria dos factos constantes da queixa, e integradores dos ilícitos criminais em causa (cfr. fls. 325/327).

1.2. E deduziu acusação, para julgamento, e perante tribunal singular, nos seguintes termos (2) (transcrição (3)):

“O Ministério Público para julgamento em Processo Comum e perante Tribunal Singular deduz acusação contra:

V. L., filha de D. F. e de T. S., nascida a …, natural de ..., Guimarães, solteira, esteticista e residente na Rua …, Póvoa de Lanhoso;
M. F., filho de J. G. e de P. C., natural de ..., P. Lanhoso, nascido a …, solteiro, desempregado e residente na Rua …, ..., P. Lanhoso;
C. S., filha de M. J. e de C. F., natural de …, Guimarães, nascida a …, solteira, costureira e residente na Rua ..., P. Lanhoso;
C. F., filha de C. L. e de R. A., natural de …, Guimarães, nascida a …, solteira, empresária e residente na Travessa …, P. Lanhoso;
J. C., filho de B. G. e de S. C., natural de …, Braga, solteiro, trolha e residente na Travessa …, P. Lanhoso.

Porquanto :

No dia 27 de Novembro de 2016, pelas 19H00, as arguidas, de comum acordo, deslocaram-se ao interior do café denominado “X”, em …, P. Lanhoso e questionaram as pessoas ali presentes, se o ofendido F. M., se encontrava no café, tendo os presentes respondido que o mesmo, não estava no café.

De seguida a arguida C. F., dito: “É uma pena ele não estar aqui, senão levava já aqui, puxava-lhe pelos cabelos, vamos à procura dele, espero bem que vós, não nos estejais a mentir” e as arguidas abandonaram o local e seguiram nos veículos que se encontravam à porta do estabelecimento.

No seguimento do referido comportamento, todos os arguidos, após prévio acordo e em obediência a um plano delineado em conjunto, deslocaram-se à residência dos ofendidos F. M. e E. M., sita no …, Póvoa de Lanhoso.

No local, os arguidos, dirigiram-se aos ofendidos e atingiram-nos com paus e com murros e pontapés por todo o corpo. Só abandonaram o local, quando, alertados pelos gritos dos ofendidos, a caseira e alguns vizinhos, acorreram ao local.

Em consequência do comportamento dos arguidos, a ofendida E. M., sofreu, equimoses na região orbicular esquerda e escoriação no dorso do nariz, o que lhe demandou 5 dias para a cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional. As lesões resultaram de traumatismo de natureza contundente.

Por sua vez, o ofendido F. M., sofreu escoriações na região frontal esquerda da face, equimose na pálpebra inferior e região malar esquerda, escoriações no pavilhão auricular esquerdo, escoriações no pescoço e equimoses nas pernas, o que lhe demandou 6 dias para a cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional. As lesões resultaram de traumatismo de natureza contundente.

Com o comportamento descrito, os arguidos agiram com intenção concretizada de atingirem os ofendidos nos seus corpos, pela referida descrita, de lhes causarem as lesões descritas, dores e mal-estar físico, o que representaram.

Agiram livre, voluntária, consciente e concertadamente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

Pelo exposto, incorreram os arguidos, em co-autoria material, na prática de dois crimes de ofensa à integridade física simples, p. e p. no artº 143º, nº1 do Código Penal.”.
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2. Notificado daqueles despachos de arquivamento e de acusação, e inconformado com os mesmos, veio o assistente F. M. requerer abertura da instrução, nos termos contantes de fls. 355/370, sustentando, em síntese, que todos os arguidos (incluindo T. S.), devem ser pronunciados pela prática, em co-autoria material, de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo Artº 145º, nº 1, al. a), e nº 2, por referência à al. h), do nº 2, do Artº 132º, de um crime de roubo, p. e p. pelo Artº 210º, e de um crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo Artº 191º, todos do Código Penal.
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3. Declarada aberta a fase de instrução, após a pertinente tramitação processual foi designada data para o debate instrutório, o qual se realizou, conforme acta que consta de fls. 504 a sgts., tendo no dia 20/06/2018 sido proferida a decisão instrutória exarada a fls. 532/545, com o seguinte teor (transcrição):

1.
O Tribunal é competente.
O processo próprio.
*
2.
Questão Prévia

Da invocada nulidade insanável.

Conforme se alcança do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente F. M. verifica-se que o mesmo, além do mais, invoca a existência por parte do Ministério Público de omissão de pronúncia quanto a crimes de natureza pública e semipública, arguindo expressamente nulidade insanável nos termos do artigo 119.º, n.º 1, alínea b), do Código Processo Penal.

Conhecendo de tal questão prévia, desde logo se diga que o Ministério Público, conforme se alcança no despacho de fls. 325 e ss., apreciou a existência de eventual crime de roubo, bem como do crime de violação de introdução em lugar vedado ao público, concluindo, a final pela inexistência de indícios no que concerne a tais crimes.

Assim e contrariamente ao invocado pelo assistente, não se verifica por parte do Ministério Público omissão de pronúncia que consubstancie a nulidade insanável invocada, uma vez que o Ministério Público apreciou a existência de indícios de tais crimes e o que existe é diferente ou diversa perspectiva de ocorrência dos factos.

3.
Findo o inquérito o Ministério Público, a fls. 325 e ss, além do mais, proferiu:

Despacho de arquivamento quanto à queixa apresentada por F. M. e E. M. contra T. S., por factos susceptíveis de integrar a prática de um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artº 191º do Código Penal, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artº 143º do Código Penal e de um crime de roubo, previsto e punido pelo art.º 210.º do Código Penal; e
Acusação contra os arguidos V. L., M. F., C. S., C. F. e J. C., imputando-lhes a prática, em co-autoria material, de dois crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo art.º 143.º, n.º 1, do Código Penal.
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Inconformado com o despacho de arquivamento e com a acusação pública proferidos pelo Ministério Público, o assistente F. M. veio, nos termos de fls. 355 a 370, requer a abertura de instrução, requerendo a prolação de despacho de pronúncia dos arguidos V. L., M. F., C. S., C. F. e J. C., bem como da arguida T. S., todos, pela prática, em co-autoria material, de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo art.º 145º, nº 1, alínea a) e nº 2, por referência à alínea h) do nº 2 do artigo 132º, ambos do Código Penal, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artº 210º do Código Penal e de um crime de violação de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artº 191º do Código Penal.
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4.
Por despacho de fls. 391 foi declarada aberta a instrução.
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Foi realizado o debate instrutório que decorreu com as formalidades legais.
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5.
Cumpre proferir decisão instrutória nos termos do art.º 308.º do CPP.
A instrução, como fase intermédia entre o inquérito e o julgamento, “visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento” - artigo 286.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
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Realizadas as diligências tidas por convenientes em ordem ao apuramento da verdade material, conforme dispões o artº 308º, nº 1, do CPP, “Se até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos caso contrário, profere despacho de não pronúncia.”.

De acordo com o critério enunciado no art.º 283.º, n.º 2, do CPP, são indícios suficientes os que se verifiquem quando deles resulte a possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada em julgamento uma pena ou medida de segurança, isto é, quando seja mais provável, face aos indícios recolhidos em inquérito, a condenação do que a absolvição do arguido em sede de julgamento (cfr., neste sentido, Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, Coimbra Ed., 1974, p. 133).

Como sabemos visa-se nesta fase do processo alcançar não a demonstração da realidade dos factos, mas tão-só indícios, sinais, de que um crime foi cometido por determinado arguido, isto porque as provas a reunir não são pressuposto de uma decisão de mérito, mas de decisão processual da prossecução dos autos para julgamento (cfr. Acórdãos da Relação de Coimbra de 20.10.93, in CJ IV, 261 e de 31.03.93, in CJ, II, 66, que seguimos de perto).

Fundando-se o conceito de indícios suficientes na possibilidade razoável de condenação ou aplicação de uma pena ou medida de segurança, deve considerar-se existirem indícios suficientes para efeito de prolação do despacho de pronúncia (tal qual para a acusação), quando:

· Os elementos de prova, relacionados e conjugados entre si, fizerem pressentir da culpabilidade do agente e produzirem a convicção pessoal de condenação posterior, e
· Se conclua, com probabilidade razoável, que esses elementos se manterão em julgamento, ou
· Quando se pressinta que da ampla discussão em plena audiência de julgamento, para além dos elementos disponíveis, outros advirão no sentido da condenação futura.

Deve assim o juiz de instrução compulsar e ponderar toda a prova recolhida e fazer um juízo de probabilidade sobre a condenação do arguido e, em consonância com esse juízo, remeter ou não a causa para a fase de julgamento. Esta a ideia é traduzida pelo já citado artigo 308º, nº 1 do Código de Processo Penal.

“Para a pronúncia, como para a acusação, a lei não exige, pois, a prova, no sentido de certeza moral da existência de indícios do crime, basta-se com a existência de indícios, de sinais da ocorrência do crime, donde se pode formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que foi cometido o crime pelo arguido” - cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo penal, Vol. III, Verbo, 1994, pág. 183.
*
6.
Fixadas as directrizes, que de acordo com a lei, nos devem orientar na prolação da decisão instrutória, de pronúncia ou não pronúncia, interessa, agora, apurar, por um lado, se em face da prova recolhida até ao momento se indicia suficientemente a prática pelos arguidos V. L., M. F., C. S., C. F. e J. C. dos factos que lhes são imputados na acusação pública, bem como a prática pelos arguidos V. L., M. F., C. S., C. F., J. C. e T. S. dos factos que lhes são imputados no requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente F. M. e, por outro lado, concluindo-se afirmativamente, se tais factos sustentam a imputação jurídico criminal efectuada naqueles mesmos articulados.
*
Cumpre, pois, proceder à análise da factualidade apurada, ainda que de forma meramente indiciária: a apreciação dos indícios suficientes a que se reporta o artº 308º, nº 1, do Código de Processo Penal.
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Vejamos o que dos autos dimana.

Prova:

Da fase de inquérito.
Pericial:
- Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Penal de fls. 7 a 9.
- Relatórios das Perícias de Avaliação do Dano Corporal em Direito Penal de fls. 12 a 14.
Documental:
- Autos de denúncia dos ofendidos F. M. e E. M. de fls. 4 e ss.
Testemunhal:
- Auto de Inquirição da testemunha Maria de fls. 55.
- Autos de Inquirição da testemunha A. F. de fls. 57.
- Autos de Inquirição da testemunha J. S. de fls. 59.
- Autos de Inquirição da testemunha C. Q. de fls. 63.
- Autos de Inquirição da testemunha J. O. de fls. 65.
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Da fase de Instrução.
Nada requerido.
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Realizou-se o debate instrutório de acordo com as formalidades legais.
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7.
Antes de apreciarmos os indícios existentes, vejamos os tipos legais em causa nos autos.

Do crime de ofensa à integridade física simples e qualificada.

Dispõe o artº 143º, nº 1, do Código Penal, que “quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.

Dispõe ainda o artº 145º, nº 1, alínea a), do Código Penal, que “Se as ofensas à integridade física forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido com pena de prisão até 4 (quatro) anos no caso do artigo 143º”.

Trata-se de um crime material de resultado, que se traduz na lesão do corpo ou da saúde de outrem, independentemente dos meios empregues ou da duração da agressão. O tipo objectivo realiza-se com a lesão do corpo ou da saúde de pessoa diferente do agente, conquanto se estabeleça o nexo de imputação objectiva do resultado à conduta.

No que respeita ao preenchimento do tipo objectivo, a lei distingue duas modalidades de realização: ofensas no corpo ou na saúde.

Por ofensa no corpo deve entender-se todo o mau trato que prejudica o bem estar físico de modo não insignificante, integrando o elemento típico todas as actuações que envolvam uma diminuição da substância corporal, lesões dessa mesma substância, alterações físicas ou perturbações de funções físicas (Eser, Maiwald e Trecheld, citados por Paula Ribeiro Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, 1999, pág. 205/206.

Por lesão na saúde deve considerar-se toda a intervenção que ponha em causa o normal funcionamento das funções corporais da vítima, prejudicando-a, isto é, a criação de um estado de doença ou manutenção ou agravamento de um estado de doença ou sofrimento previamente existente.

O tipo subjectivo de ilícito do art.º 143º requer o dolo, em qualquer das suas modalidades (artº 14º), ou seja, é necessário que o agente tenha exacto conhecimento dos elementos constitutivos do crime e, não obstante, decida actuar.

O preenchimento deste tipo legal de crime basta-se, aliás, como tem sido entendido pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, com qualquer forma de acção voluntariamente dirigida à ofensa da integridade física de outrem, como seja, por exemplo, uma bofetada, um simples puxar dos cabelos (neste sentido, cfr.: “Acórdão do STJ para fixação de jurisprudência”, de 18-12-91, publicado in DR, I série- A, de 08-02-92 Ac. STJ de 08-07-87, BMJ 369, 603 Ac RE de 09-12-87, CJ XII, tomo 5º, pág. 287 Ac RC de 06-10-88, BMJ 380, 549 Ac RC de 05-04-89, BMJ 386, 519 Ac RL de 26-06-90, CJ XV, tomo 3º, pág. 171 Ac RE de 10-10-89, BMJ 390, 486).

Preceitua o artº 146º, no seu nº 1 que “Se as ofensas previstas nos artºs 143º, 144º e 145º forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido com a pena aplicável ao crime respectivo agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo.”. E o seu nº 2 que “São susceptíveis de revelar especial censurabilidade ou perversidade do agente, entre outras, as circunstâncias previstas no nº 2 do artº 132º.”.

Para estarmos perante o tipo legal acabado de referir, para além da verificação de qualquer dos seguintes resultados (lesão integridade física simples - artº 143º lesão grave -144º ou a ocorrência de um dos resultados a que nos termos do artº 145º são susceptíveis de conduzir a uma agravação da responsabilidade do agente), necessário se torna que a conduta do agente revele uma censurabilidade acrescida, uma especial censurabilidade ou perversidade, para utilizar a expressão do legislador, e que se mostra susceptível decorrer de uma das circunstâncias previstas no nº 2 do artº 132º entre outras.
As circunstâncias constantes do artº 132º, nº 2 constituem elementos do tipo de culpa que, contudo, é sempre mediada pela especial censurabilidade ou perversidade.

Mesmo nos casos em que as várias alíneas do nº 2 consubstanciam, por si só, uma acção desvaliosa e não uma atitude merecedora de maior censura, ainda aí, o maior desvalor da acção é mediada pelo desvalor da atitude, isto é, pela especial perversidade ou censurabilidade.

Como afirma Teresa Serra, Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, Coimbra, 1990, pág. 127, “(...) a enumeração exemplificativa concretiza e determina o critério generalizador e o critério generalizador delimita a enumeração exemplificativa, numa interacção decisiva estabelecida entre as duas partes do preceito do artº 132º (...)”.

Nas palavras de Eduardo Correia, como autor do projecto do Código Penal na Comissão Revisora, “(...) a enumeração das várias alíneas do nº 2 não é taxativa, antes meramente enunciativa e exemplificativa. Referem-se nelas apenas alguns dos indícios ou elementos que permitam revelar a censurabilidade ou perversidade do agente. Daqui se retiram dois efeitos. Por um lado, as circunstâncias não são elementos do tipo, e antes elementos da culpa. Portanto, não são de funcionamento automático pode verificar-se qualquer das circunstâncias referidas nas alíneas e nem por isso se pode concluir pela especial censurabilidade ou perversidade do agente. Por outro lado, como a enumeração é meramente exemplificativa, outras circunstâncias não descritas são susceptíveis de revelar a perversidade e censurabilidade pressupostas no nº 1.”.
De tudo o exposto, conclui-se que o tipo base da ofensa à ofensa à integridade física qualificada é o do artº 143º, constituindo o 146º uma forma agravada do crime.
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Do crime de roubo

De harmonia com o citado art. 210º nº 1 do C. Penal pratica o crime de roubo quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física ou pondo-a na impossibilidade de resistir.

O crime de roubo é estruturalmente um crime de furto qualificado em função do emprego de violência, física ou moral, contra a vítima.

Ou seja, “A autonomização do roubo vai, assim, buscar a sua razão de ser à especial gravidade do furto, quando acompanhado de ofensa ou ataque à pessoa.” (4)

Trata-se, pois, de um crime complexo, protegendo simultaneamente o direito de propriedade, a detenção das coisas que podem ser subtraídas e a liberdade individual.

O crime de roubo é um crime complexo, na medida em que o seu autor viola não só um bem jurídico de carácter patrimonial, mas também um bem jurídico eminentemente pessoal (Ac. STJ, de 15.11.89, in BMJ, 391, pág. 239). Ou dito de outra forma, o roubo protege simultaneamente a liberdade individual, o direito de propriedade e a detenção das coisas que podem ser subtraídas, mas apresenta-se juridicamente uno.

Na verdade, o tipo legal de roubo encerra, fundidos numa unidade jurídica, o furto (que é o crime fim) e o atentado contra a liberdade ou integridade física das pessoas (que é o crime meio).

O roubo é pois um crime complexo que ofende bens jurídicos patrimoniais - o direito de propriedade e de detenção de coisas móveis - quer bens jurídicos pessoais - a liberdade individual de decisão e acção e a integridade física, sendo que, em certos casos de roubo agravado, se põe em causa o bem jurídico vida (artº 210º, nº 2, al. a) e nº 3). No sentido exposto, cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, tomo II, pág. 160, onde se lê “(...) que a ofensa aos bens pessoais surge como meio de lesão dos bens patrimoniais”.
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Do crime de introdução em lugar vedado ao público.

Dispõe o artigo 191º do Código Penal que “Quem, sem consentimento ou autorização de quem de direito, entrar ou permanecer em pátios, jardins ou espaços vedados anexos a habitação, em barcos ou outros meios de transporte, em lugar vedado e destinado a serviço ou a empresa públicos, a serviço de transporte ou ao exercício de profissões ou actividades, ou em qualquer outro lugar vedado e não livremente acessível ao público, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 60 dias”.

Inovando no plano histórico-comparatístico e reconhecendo a diferença que, tanto do ponto de vista conceptual, como em perspectiva político-criminal, intercede entre a inviolabilidade do domicílio e a reserva de um heterogéneo conjunto de espaços destinados à prossecução, em distinto grau de imediação, de interesses humanos diversos, o legislador português optou por uma protecção bipartida e complementar dos bens jurídicos em presença, reprimindo, a par da devassa do espaço preferencialmente vocacionado para o exercício da privacidade e intimidade dos indivíduos nas sociedades hodiernas (cfr. art.190º do Código Penal), o indevido acesso a outras zonas histórico-culturalmente associadas ao modo de viver comum e sujeitas ainda ao poder de denegação ou controle do respectivo titular.
A actuação tipicamente relevante haverá, em qualquer caso, de incidir sobre um espaço fisicamente delimitado, somente acessível mediante a transposição de uma barreira limitadora, construída em altura ou profundidade, com materiais vegetais ou inertes.

Nesse espaço assim vedado, haverá o agente de se introduzir sem o consentimento do respectivo titular, frustrando o poder de exclusão que àquele assiste no prévio condicionamento do acesso.
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8.
Da apreciação dos indícios suficientes.

Feito este breve excurso aos tipos legais de crime em causa nos autos, apreciemos os indícios existentes nos autos.

Apreciando o requerimento de abertura de instrução verificamos, desde logo, que o mesmo é apresentado apenas e tão só pelo assistente F. M., pelo que no que concerne que a assistente E. M. a mesma se conformou com o despacho de arquivamento e de acusação proferido pelo Ministério Público.

Cumpre referir igualmente que o Tribunal apenas apreciará o que foi invocado pelo assistente F. M. em sede de requerimento de abertura de instrução (princípio da vinculação temática e de vinculação dos poderes de cognição do Tribunal)

Realizando essa apreciação, desde logo se diga que o Tribunal terá apenas que considerar o que foi invocado pelo assistente F. M. e no que alude ao crime de ofensa a integridade física o próprio refere no seu requerimento de abertura de instrução artigo 8º que a arguida T. S. não agrediu os ofendidos e que foi autora moral do crime denunciado.

No entanto e compulsados os factos imputados aos arguidos, verifico que o assistente F. M. em lado algum formulou quanto à arguida T. S. as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que mesma terá agido como co-autora moral ou instigadora, razão pela qual desde logo por falta de indicação de tais factos se impõem a prolação de despacho de não pronúncia (princípio da vinculação temática).

Acresce que no que alude ao demais invocado pelo assistente F. M., entendemos que relativamente aos demais arguidos não se verificam os pressupostos típicos do crime de ofensas a integridade física qualificada, porquanto, as agressões físicas sofridas pelos ofendidos por si só não justificam uma especial censurabilidade e perversidade, e nem o facto dos arguidos serem cinco e terem agido em conjugação de esforço que necessariamente qualifica o crime, porquanto as circunstâncias previstas no termos do artigo 132º, nº 2 Código Processo Penal, técnica dos exemplos padrão, não são de funcionamento automático, ou seja poderá verificar-se uma ou mais dessas circunstâncias e nem por isso se verifica fatalmente a especial censurabilidade e perversidade. É que existe especial censurabilidade quando as circunstâncias em que “as ofensas foram praticadas são de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal com os valores e uma especial perversidade supõe uma atitude profundamente rejeitável no domínio de ter sido determinada e constituir um indício de motivos e de sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade” - Teresa Serra, Homicídio Qualificado, ob. cit. pág. 63/64.

Ora, conforme referido a factualidade indiciada e plasmada na acusação pública não permite fundamentar a especial perversidade ou censurabilidade dos agentes, pese embora tenham sido vários (cinco) os agressores e os mesmos tenham agido em co-autoria.

Acresce ainda, que não se indicia que os arguidos tenham entrado no logradouro dos ofendidos e que desrespeitaram a privacidade dos mesmos com dolo directo quanto a tal crime, uma vez que a entrada nesse espaço físico foi prática necessária para a consumação do crime de ofensas a integridade física.

Ademais não se indicia igualmente que os arguidos pela força subtraíram ao ofendido um fio de ouro amarelo com uma cruz e de uma medalha de cristo e que o retiveram na sua posse e contra a vontade do ofendido pelo que não se verifica igualmente o crime de roubo que o ofendido requer a pronúncia.

No que concerne a eventual crime de violação de introdução em lugar vedado ao público por parte da arguida T. S. do requerimento de abertura de instrução, consta que todos os arguidos sem qualquer pedido de autorização ou sem consentimento entraram no logradouro dos ofendidos anexo a sua habitação que se encontrava vedado ao público por um portão, sendo que, no que respeita ao dolo é referido que não possuíam autorização ou consentimento dos ofendidos para tal, bem sabendo que os mesmos não autorizaram a referida entrada desrespeitando a privacidade dos ofendidos. Nesta parte, o requerimento de abertura de instrução, menciona os elementos típicos do crime de violação de introdução em lugar vedado ao público no que respeita à arguida T. S..

Apreciando criticamente o que dos autos dimana, sobretudo das declarações dos assistentes e das testemunhas Maria (cfr. fls. 55), A. F. (cfr. fls. 57), J. S. (cfr. fls. 59), verifica-se que esta arguida T. S. efectivamente entrou no logradouro dos assistentes, sem o seu consentimento, logradouro que estava vedado ao público por um portão (ainda que tenha sido aberto pela ofendida - cfr. fls. 30), e bem sabia que não o poderia fazer, assim violando o direito de privacidade dos ofendidos.

Face ao exposto, impõe-se a prolação de despacho de pronúncia da arguida T. S. do crime de violação de introdução em lugar vedado ao público.

Face ao exposto e porque o requerimento apresentado é apenas por um dos ofendidos (sendo que a ofendida E. M.) ter-se-á conformado com o despacho final) porque o requerimento de abertura de instrução não constam factos integradores da autoria ou instigação por parte da arguida T. S. na prática dos factos, e porque em relação aos demais arguidos não se verifica uma especial censurabilidade e perversidade da prática dos factos quanto ao crime de ofensa á integridade física e não se verificam os pressupostos típicos do crime de roubo (apropriação de coisa alheia por meio de força física ou verbal) e também não se verifica os prossupostos típicos do crime de violação de introdução em lugar vedado ao público (por inexistência de dolo sendo a introdução o crime meio para a consumação da ofensa) julgo parcialmente improcedente o requerimento de abertura de instrução e consequentemente mantenho o despacho de arquivamento quanto aos crimes de roubo e de introdução em lugar vedado ao público no que concerne aos arguidos acusados pelo Ministério Público.

Já no que concerne à arguida T. S., pronuncio a mesma pelos factos constantes no ar.º 44º do requerimento de abertura de instrução, na parte em que refere que no dia 27 Novembro, a arguida T. S., sem qualquer autorização ou consentimento, entrou no logradouro dos ofendidos anexo à sua habitação, o qual se encontra vedado ao público por um portão, bem sabendo que os ofendidos não autorizavam a referida entrada, desrespeitando a privacidade dos ofendidos.

Assim, agiu livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
*
9. Decisão.

Em face do exposto, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 308.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, decido dar parcialmente provimento ao requerimento de abertura da instrução apresentado pelo assistente F. M. e, em consequência:

a) Pronuncio para julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, a arguida T. S., pela prática, em autoria material, de um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 191º, do Código Penal, pelos factos constantes no artigo 44º do requerimento de abertura de instrução (quando refere, que no dia 27 Novembro, a arguida T. S., sem qualquer autorização ou consentimento, entrou no logradouro dos ofendidos anexo à habitação, o qual se encontra vedado ao público por um portão, bem sabendo que os ofendidos não autorizavam a referida entrada, desrespeitando a privacidade dos ofendidos. Assim, agiu livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal)
b) Pronuncio para julgamento em processo comum, perante Tribunal Singular, os arguidos V. L., M. F., C. S., C. F. e J. C., pela prática, em co-autoria material e em concurso efectivo, de dois crimes de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo art.º 143º, nº 1, do Código Penal, pelos factos constantes da acusação pública a fls. 328 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, nos termos do disposto no art. 307º, nº 1, do Código de Processo Penal (…).”.
*
4. Inconformado com essa decisão judicial, dela veio o assistente F. M. interpor o presente recurso (que consta de fls. 648/678), extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):

I. Os factos e indícios constantes dos autos, permitem, em nosso entender, que o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães altere a decisão conforme requerido no requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente.
II. Não se conforma o assistente com o vertido na decisão instrutória na parte em que não pronunciou a arguida T. S. pela prática do crime de ofensa à integridade física (em nosso entender qualificada).
III. O assistente indicou, no artigo 44º do requerimento de abertura de instrução as circunstâncias de modo, tempo e lugar da acção desta, no que concerne à prática deste crime.
IV. Factos estes que se encontram indiciados nos autos, designadamente, e como bem referido no requerimento de abertura de instrução, nos autos de denúncia a fls. 4 e 5, em que os ofendidos identificaram como autores dos factos denunciados, a arguida T. S. e outras pessoas de identidade desconhecida.
V. Ou seja, a primeira pessoa, dos aqui arguidos, a ser identificada pelos assistentes, foi a T. S..
VI. Bem como decorre das declarações do assistente F. M., a fls. 27-28 dos autos.
VII. E ainda, da mesma forma, a fls. 29-30 dos autos, a assistente ofendida E. M..
VIII. Os indícios da prática deste crime decorrem também das declarações do assistente F. M. , no Auto de Acareação, a fls. 42.
IX. Ou seja, o assistente afirmou, desde o início, de forma coerente e credível, nos autos, a participação da arguida T. S. nos factos.
X. A participação da arguida T. S. está também indiciada, nas declarações das testemunhas de acusação, designadamente da testemunha Maria, a fls. 55-56 dos autos.
XI. Também nas declarações da testemunha A. F., a fls. 57-58, dos autos.
XII. E ainda nas declarações da testemunha J. S., fls.59-60 do autos.
XIII. Temos ainda os indícios resultantes do depoimento das testemunhas A. V., a fls. 61 dos autos, C. Q., a fls. 63 dos autos e J. O., a fls. 65 dos autos, que estavam num café, em …, nessa tarde.
XIV. Estes depoimentos revelaram-se isentos, imparciais e coerentes entre si e com a demais prova a este título sinalizada nos autos.
XV. Dada a existência de todos estes sinais nos autos, é desprovido de fundamento e senso jurídico considerar que a arguida T. S. não teve participação na prática deste crime, já que, decorre dos autos ser a única que conhece e tinha relação com arguidos e ofendidos/assistentes.
XVI. Mais decorre dos autos que, não tivesse sido essa relação, e o mal-estar da mesma, seja ela qual for, da arguida T. S. com o aqui ofendido, F. M., os factos não tinham ocorrido.
XVII. Esta relação e animosidade decorre das declarações a fls. 34 desta arguida,
XVIII. Bem como das declarações da arguida V. L., filha da arguida T. S., a fls. 69, onde é evidente a animosidade entre a mãe e o seu alegado admirador, o ora assistente, bem como o móbil da prática deste ilícito típico por todos os arguidos em comunhão de esforços.
XIX. Do teor das declarações da arguida T. S. e V. L., articuladas com as demais provas contantes dos autos, alcança-se, o domínio dos factos pela arguida T. S..
XX. Já que, dessas declarações decorre que a arguida T. S. é o único ponto de ligação entre assistentes e arguidos pois é mãe da arguida V. L., irmã do arguido J. C., cunhada da arguida C. F. e tia da arguida C. S., a única dos arguidos que com o assistente se encontraria incompatibilizada.
XXI. Os assistentes, desde o início referem que só conhecem a arguida T. S., os demais arguidos, que não a T. S., apresentaram-se como seus familiares, no momento que chegaram ao local, o que, de acordo com as regras de experiência comum indicia, inequivocamente, que ali estavam por causa dela.
XXII. Assim, tais factos e indícios, constantes dos autos, todos articulados entre si analisados à luz da experiência comum indiciam suficientemente a co autoria da T. S., na prática relativamente ao assistente, do crime de ofensa à integridade física qualificada, com o completo domínio dos factos por parte da mesma.
XXIII. Indícios, esses, objectivos, que devem ser analisados e ponderados à luz das regras da lógica e da experiência comum, de onde se infere outros indícios indirectos, a chamada prova indirecta.
XXIV. A prova directa é a que incide directamente sobre o facto probando e prova indirecta ou indiciária a que incide sobre factos diversos do tema de prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação da qual se infere o facto a provar.
XXV. Assim, ao contrário do vertido na decisão recorrida, resulta que a arguida T. S., é, juntamente com os demais arguidos, autora do crime de ofensa à integridade física qualificada (qualificação infra demonstrada) nos termos do artigo 26º do C. Penal, pelo que deviam todos os arguidos ter sido pronunciados pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, relativamente ao ora assistente, p. e p. pelo art.º 145º, nº 1, alínea a), por referência à alínea h) do nº 2 do artigo 132º ambos do Código Penal.
XXVI. A ofensa à integridade física praticada pelos arguidos é qualificada e não simples, já que a conduta dos arguidos revela especial censurabilidade, pois foram vários os agressores, quatro deles homens adultos, mais novos que o assistente e ainda quatro mulheres, o que releva em termos de culpa.
XXVII. Pois existe uma, manifesta, desproporção de meios entre aqueles agressores e o agredido, ora recorrente, colocando-o numa situação de particular dificuldade de defesa.
XXVIII. Este episódio, no seu conjunto integra a previsão da alínea h) do nº 2 do artigo 132º por remissão do artigo 145º, todos do Código Penal (prática do facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas).
XXIX. No requerimento de abertura de instrução estão alegados estes factos e no processo constam indícios abundantes dessa prática.
XXX. A este título temos as declarações dos assistentes, das testemunhas, os relatórios médico legais e as fotografias.
XXXI. Com efeito, os ofendidos no Auto de Inquirição de Lesado a fls. 27 a 30, identificaram como autores dos factos denunciados um grupo de oito pessoas do qual fazia parte a arguida T. S..
XXXII. Acresce que esta versão dos ofendidos se encontra corroborada pelo testemunho de pelo menos mais três pessoas, como referido no RAI, a saber, Maria, a fls. 55-56 dos autos, A. F., a fls. 57-58, J. S., fls.59-60.
XXXIII. Estes depoimentos, são ainda corroborados, pelo relatório médico legal do assistente onde refere as lesões sofridas e seu nexo de causalidade com os factos denunciados e ainda pelas as fotografias do assistente onde se alcançam as lesões denunciadas.
XXXIV. Assim impunha-se, como se impõe a pronúncia de todos os arguidos, incluindo a arguida T. S. pelo crime de ofensa à integridade física qualificada, por se encontrar preenchido o tipo subjectivo e objectivo deste ilícito, p. e p. pelo artº 145º, nº 1, alínea a), por referência à alínea h) do nº 2 do artigo 132º ambos do Código Penal.
XXXV. Praticaram, também, todos os arguidos, em co-autoria, o denunciado crime de roubo.
XXXVI. No entanto, fazendo incorrecta interpretação dos factos e do direito a decisão, ora em crise, erra neste ponto, ao decidir não existirem indícios nos autos da prática do mesmo.
XXXVII. Com a qual não se concorda, pois a decisão ad quo não considerou, antes desvalorizou as provas constantes dos autos, desacreditou os depoimentos dos assistentes e as declarações das testemunhas A. F., a fls. 58 e J. S., a fls. 60, sem que o justificasse ou sequer referisse a sua falta de credibilidade.
XXXVIII. Sendo que, dos depoimentos destas duas testemunhas resulta a ofensa qualificada à integridade física.
XXXIX. Testemunhos comprovados, pelo relatório médico legal do assistente, a fls. 13 v.
XL. E ainda as fotografias do assistente de onde se alcança a lesão denunciada.
XLI. Por tudo isto, impunha-se, como se impõe, decisão diversa da recorrida, mais precisamente a pronuncia de todos os arguidos (incluindo da arguida T. S.) em co autoria pela prática do crime de roubo p. e p. pelo artigo 210º do Código Penal.
XLII. Também não se concorda com a não pronúncia dos arguidos V. L., M. F., C. S., C. F. e J. C. pela prática, por cada um deles, do crime de introdução em local vedado ao público.
XLIII. Entendeu a decisão recorrida que a prática deste crime se verifica por todos os arguidos, mas, relativamente aos arguidos referidos no número anterior o mesmo não tem autonomia, por se tratar de um crime meio, consumido pelo crime de ofensa à integridade física.
XLIV. Entendemos, pelo contrário que se trata de dois crimes distintos praticados em concurso efectivo.
XLV. Conforme alegado no RAI, todos os arguidos, sem qualquer pedido de autorização ou consentimento, entraram no logradouro dos ofendidos anexo à sua habitação, o qual se encontrava vedado ao público por um portão, bem sabendo que os mesmos não autorizavam a referida entrada, desrespeitando a privacidade dos ofendidos (.) o que representaram.
XLVI. Impunha-se, portanto, a pronúncia de todos os arguidos pelo crime de violação de introdução em lugar vedado ao público, e não somente da arguida T. S..
XLVII. Pois, apreciando criticamente o que dos autos dimana, quanto a todos os arguidos, sobretudo das declarações dos assistentes e das testemunhas Maria (cfr. fls. 55), A. F., (cfr. fls. 57), J. S. (cfr. fls. 59), verifica-se que todos os arguidos entraram no logradouro dos assistentes, sem o seu consentimento, logradouro que estava vedado ao público por um portão (ainda que tenha sido aberto pela ofendida - cfr. fls. 30), e bem sabiam que não o poderiam fazer, assim violando o direito de privacidade dos ofendidos.
XLVIII. Pelo que, por se verificarem os pressupostos típicos do crime de violação de introdução em lugar vedado ao público (por existência de dolo, nos termos e para os efeitos do artigo 14º, nº 3 do Código Penal e não se podendo qualificar a introdução como crime meio para a consumação da ofensa - ao contrario do referido na decisão a quo), devem todos os arguidos ser pronunciados por tal tipo de ilícito.
XLIX. Pois, in casu, releva a diferença entre os bens jurídicos atingidos, por um lado a integridade física da pessoa humana na ofensa à integridade física simples ( qualificada no nosso entender ), e por outro lado, a privacidade e funcionalidade de um certo espaço, na introdução em lugar vedado ao público, encontrando-se preenchidos os tipos subjectivos e objectivos dos dois ilícitos em causa.
L. Posto isto, e no concernente a este ponto impõe-se a pronúncia também dos arguidos V. L., M. F., C. S., C. F. e J. C., e não apenas da arguida T. S., pela prática do crime de introdução em vedado ao público, p. e p. pelo artigo 191.º do Código Penal.
LI. Assim, concluindo, face a tudo o exposto, deverá considerar-se indiciariamente provado e como tal serem os arguidos pronunciados por:

No dia 27 de Novembro de 2016, pelas 19h00, as arguidas T. S., V. L., C. S., C. F., de comum acordo, deslocaram-se ao interior do café denominado X, em …, Póvoa do Lanhoso e questionaram as pessoas ali presentes, se o ofendido F. M. se encontrava no café, tendo os presentes respondido que o mesmo não estava no café.
De seguida, a arguida C. F. disse: É uma pena ele não estar aqui, senão levava já aqui, puxava-lhe pelos cabelos, vamos à procura dele, espero bem que vós não nos estejais a mentir e as arguidas abandonaram o local e seguiram nos veículos que se encontravam à porta do estabelecimento.

No seguimento do referido comportamento, todos os arguidos, após prévio acordo e em obediência a um plano delineado em conjunto, deslocaram-se a residência dos ofendidos F. M. e E. M., sita no …, Póvoa do Lanhoso.

Tendo os arguidos, sem qualquer pedido de autorização ou consentimento, entrando no logradouro dos ofendidos anexo à sua habitação, o qual se encontrava vedado ao público por um portão. No local, os arguidos dirigiram-se aos ofendidos e atingiram-nos com paus, com murros e pontapés por todo o corpo. Só abandonaram o local, quando, alertados pelos gritos dos ofendidos, a caseira e alguns vizinhos ocorreram ao local.

Ainda, nessa mesma altura, a arguida C. F., enquanto todos os arguidos agrediam o ofendido F. M., deitou as mãos ao pescoço deste e arrancou-lhe um fio em ouro amarelo, com uma cruz e uma medalha com a imagem de Cristo, que este tinha ao pescoço, no valor de € 2.000,00, metendo-o ao bolso.

Em consequência do comportamento do arguido, a ofendida E. M., sofreu, equimoses na região orbicular esquerda e escoriação no dorso do nariz, o que lhe demandou 5 dias para cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional. As lesões resultaram de traumatismo de natureza contundente.

Por sua vez, o ofendido F. M., sofreu escoriações na região frontal esquerda da face, equimose na pálpebra inferior e região malar esquerda, escoriações no pavilhão auricular esquerdo, escoriações no pescoço e equimoses nas pernas, o que lhe demandou 6 dias para cura, Sem afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional. As lesões resultaram de traumatismo de natureza contundente.

Com o comportamento descrito, os arguido agiram com intenção concretizada de atingirem os ofendidos nos seus corpos, pela referida conduta descrita, de lhes causarem as lesões descritas, dores e mal-estar físico de entrarem no logradouro dos ofendidos anexo à sua habitação, o qual se encontrava vedado ao público por um portão, não possuindo autorização ou consentimento dos ofendidos par tal, bem sabendo que os mesmos não autorizavam a referida entrada, desrespeitando a privacidade dos ofendidos de apoderar pela força, dos bens do ofendido F. M. (um fio em outo amarelo, com uma cruz e uma medalha com a imagem de cristo), pela referida conduta descrita, bem sabendo que os mesmos lhes não pertenciam e que agiam contra a vontade do seu legitimo, o que representaram.

Agiram livre, voluntária, consciente e concertadamente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

Pelo que incorreram os arguidos, em co-autoria, e em concurso efectivo na prática de um crime de ofensa à integridade física simples, relativamente à assistente E. M.; e de um crime de ofensa à integridade física qualificada, relativamente ao assistente F. M., p. e p., respectivamente pelo artigo 143º e pelo ar.º 145º, nº 1, alínea a) , por referência à alínea h) do nº 2 do artigo 132º ambos do código penal de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º do código penal e de um crime de introdução em local vedado ao público, p. e p. pelo artigo 191.º do código penal, revogando-se o despacho de não pronúncia recorrido, o qual deverá ser substituído por outro neste sentido.

TERMOS EM QUE e nos demais de direito deve ser recebido o presente recurso e a final ser-lhe dado provimento, por violação do disposto no artigo 14 nº 3 e 26º do Código Penal assim como o preceituado no artigo 308, nº 1 do Código de Processo Penal e revogando-se o despacho de não pronúncia recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que pronuncie todos os arguidos, T. S., V. L., M. F., C. S., C. F. e J. C., pela prática, cada um deles, em co-autoria e em concurso efectivo:

- de um crime de ofensa à integridade física simples, relativamente à assistente E. M. e de um crime de ofensa à integridade física qualificada, relativamente ao assistente F. M., p. e p., respectivamente pelo artigo 143º e pelo artº 145º, nº 1, alínea a) , por referência à alínea h) do nº 2 do artigo 132º ambos do código penal
- de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º do código penal
- de um crime de introdução em local vedado ao público, p. e p. pelo artigo 191.º do código penal.

FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA”
*
5. Na 1ª instância foram notificados os sujeitos processuais afectados pelo recurso, tendo-se apresentado a responder (pela ordem que consta dos autos):
*
5.1. As arguidas C. F. e C. S. (nos termos constantes de fls. 684/687), pugnando pela sua improcedência, terminando a sua peça processual com as seguintes conclusões (transcrição):

“I. A verificação de um exemplo-padrão, no caso o artº 132º, nº 2, al. h), 1ª parte do CPPenal, não significa, necessariamente, a realização do especial tipo de culpa e consequente qualificação da ofensa à integridade física;
II. A factualidade indiciada e plasmada na acusação não é suficiente para fundamentar um juízo de especial perversidade ou censurabilidade no quadro do tipo de ilícito base;
III. Os factos constantes dos autos não podem, por si só, fundamentar uma acusação pelo crime de introdução em lugar vedado ao público, porquanto não consta a narração de um facto essencial para o preenchimento do tipo legal, a saber, que se tratava de um logradouro vedado,
IV. Dos autos não se indicia a subtracção de qualquer objecto que fundamente uma acusação pela prática do crime de roubo.”.
*
5.2. O Exmo. Magistrado do Ministério Público, pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida (cfr. fls. 697/709).
*
5.3. O arguido M. F. defendendo também a improcedência total do recuso, e a manutenção do despacho recorrido, terminando a sua resposta com as seguintes conclusões (cfr. fls. 711/724):

“1 - Afirma-se a convicção de que muito bem andou o Meritíssimo Juiz a quo ao julgar e decidir como decidiu no que tange à não pronúncia do Arguido M. F. pelo crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 154°, pelo crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210°, e pelo crime de violação de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo artigo 191º, todos do Código Penal. Tanto mais relevante quanto era a pronúncia visada pelo assistente no seu RAI, pelo que, nessa parte a Decisão Instrutória em causa é, ipso facto et ipso jure, inteiramente correta e justa!
2 - Os factos trazidos para os autos, os depoimentos colhidos das testemunhas e dos próprios ofendidos não permitem conduzir à pronúncia pelo crime de ofensas à integridade física produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, condição essencial para ser integrado o tipo legal de crime previsto e punido no artigo 145º, n° 1, alínea a), do Código Penal.
3 - Para o efeito, toma-se necessário que a conduta do agente revele uma censurabilidade acrescida, uma especial censurabilidade ou perversidade, mostrando-se susceptível de decorrer de uma das circunstâncias previstas no n° 2, do artigo 132º do Código Penal. Circunstâncias que constituem elementos do tipo de culpa que, contudo, é sempre medida pela especial censurabilidade ou perversidade. Da análise dos factos objecto do processo (que não integram qualquer dos exemplos padrão previstos no artigo 132º do Código Penal) constata-se que não permitem a formulação de um especial juízo de censura ao nível da culpa, tanto mais que a matéria de facto assente não esclarece, minimamente, sobre o circunstancialismo em que a suposta agressão se concretizou, nem sequer consegue identificar particularmente cada um dos agentes da agressão.
4 - Mais: desconhece-se se as supostas agressões foram pelas costas e traiçoeiras, se houve alguma reacção das supostas vítimas ou se estas ficaram de tal forma impossibilitadas de reagir, assim como se os arguidos, através da surpresa, procuraram diminuir a capacidade de defesa.
5 - Toda a prova dos autos é abstracta, pouco clara quer em termos objectivos quer subjectivos de imputação dos factos e descrição dos mesmos.
6 - Pese embora o assistente, a fls. 664 dos autos, em sede de recurso, refira «estão alegados factos e no processo constam indícios capazes de fundamentar a especial perversidade ou censurabilidade dos arguidos como sendo as testemunhas, os relatórios médicos legais e as fotografias», certo é que aquelas características de censurabilidade e perversidade não podem ver-se em abstracto, mas sim em concreto, deve atender ao conjunto de elementos, factos ou circunstâncias de que resulta o modo como foi praticado o suposto crime. Serão todas as circunstâncias, um conjunto, no contexto de actuação do agente, que permitirão concluir se houve ou não especial censurabilidade, ou seja, um grau de culpa agravado.
7 - Nenhuma testemunha, nem os próprios ofendidos conseguiram imputar ao arguido M. F. uma actuação específica, pois que nem sequer conseguem descrever que actos concretos terá praticado, se é que os praticou. Matéria a apurar-se em sede própria, a de Audiência de Julgamento.
8 - São, outrossim, inexistentes factos e provas relativamente à matéria trazida para os autos, e que tenha qualquer relevância ou interesse para apurar qualquer hipotético crime de roubo. Quer do que resulta em sede de Inquérito, quer do requerimento de Abertura de instrução e em sede do Debate instrutório, nada foi trazido para os autos que pudesse conduzir a decisão instrutória distinta da proferida pelo Meritíssimo Juiz de Instrução.

Ademais,

9 - No que tange ao crime de furto, imprescindível é, porém, que o agente da infracção tenha chegado a adquirir um domínio pleno e autónomo sobre a coisa, tomando plausível a possibilidade de vir dela a retirar as correspondentes utilidades e, por outro lado, é necessário, por último, que o agente tenha atuado com uma ilegítima intenção de apropriação: o agente sabe que a coisa pertence a outrem, tem consciência de que não detém qualquer direito ou título para a possuir e, não obstante, actua com intenção de a vir integrar no seu património, ainda que sem qualquer propósito lucrativo.
10 - O depoimento das testemunhas é pouco claro, é inexacto, vago e não identifica em momento algum o arguido M. F. como sendo um dos autores dos factos relativos ao suposto furto do fio em ouro. O que, ademais, diga-se, é extensivo aos demais Arguidos.
11 - Nada resulta dos autos sobre se o assistente trazia consigo um fio em ouro e, em caso disso, se foi furtado e por quem. Estamos perante uma total ausência de quaisquer meios de prova.
12 - Nenhuma testemunha identificou qualquer suspeito: nem indiciou qualquer suspeita sobre a identidade do arguido M. F.. Nenhuma das testemunhas foi capaz de identificar a suposta autoria do crime de furto, a qualquer dos Arguidos.
13 - Igual conclusão somos forçados a retirar no que tange à pretensão do assistente quanto ao crime de introdução em lugar vedado ao público porquanto são omissos os factos que permitissem concluir pela verificação de tal crime. Ademais, apurou-se mesmo em sede de investigação levada a cabo pelo Ministério Público que o portão estaria aberto e que o assistente viu três crianças a entrar pelo portão, seguidos de 8 pessoas, sendo 4 do sexo masculino e 4 do sexo feminino.
14 - A ofendida E. M., a fls. 29-30 dos autos, refere: «Abriu a porta de acesso à sua propriedade tendo então ali entrada três crianças que eram seguidas por um grupo de oito pessoas, quatro de sexo masculino e outras quatro do sexo feminino». Foi a própria que abriu a porta, permitindo que entrassem na sua propriedade. Por outro lado,
15 - Sempre se dirá que em termos de concurso entre os crimes de agressão física (de que o arguido M. F. vem acusado) e de introdução em lugar vedado ao público a questão que se pode colocar prende-se com uma eventual consunção, decorrente de se estar perante o chamado "facto anterior não punível". E é, efectivamente, o que sempre terá de se considerar em sede deste processo porquanto um "crime meio" ou "crime instrumento", em caso da sua verificação deve sempre levar a que se atenda exclusivamente ao crime fim e respectivo bem jurídico violado.
16 - Há que considerar os factos que se encontram descritos no douto Despacho de acusação e analisar os elementos de prova recolhidos no inquérito e submetê-los "a uma análise crítica", uma vez que, nos termos do artigo 308°, nº 1, do CPP, é exigida, para efeitos de pronúncia, a existência de indícios suficientes da prática do crime, sinais de que o crime foi cometido pelo arguido, juízo de probabilidade razoável de aplicação de uma pena.
17 - «Os indícios são suficientes quando permitem a formação de um juízo de probabilidade sobre a culpabilidade do arguido, com a produção da convicção de que ele poderá vir a ser condenado.» - cf. Acórdão da Relação do Porto, de 13 de Novembro de 1974, sumariado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 241, pág. 347.

Assim sendo,

18 - Não é possível ter por verificado, face aos factos constantes dos autos, o tipo objectivo dos crimes que levam o assistente a interpor recurso, que, por isso, não se podem imputar ao arguido M. F., tudo levando a concluir que os indícios recolhidos são manifestamente insuficientes para sustentar a dedução de uma pronuncia ou sujeitar o arguido a um julgamento pelos referidos crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 154°, pelo crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210°, e pelo crime de violação de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo artigo 191°, todos do Código Penal.
19 - Nos termos do artigo 286° do CPP, a instrução visa, designadamente, a comprovação judicial da decisão final do inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento, mediante a verificação (ou não verificação) de indícios suficientes.
20 - Os indícios são suficientes, na perspectiva do normativo invocado, quando, em face dos mesmos, seja em termos de prognose, muito provável a futura condenação do arguido ou esta seja mais provável que a sua absolvição (cf. artigo 283º, nº 1, ex vi do artigo 308º, nº 2, ambos do Código de Processo Penal); cf., outrossim, Dr. José Mouraz Lopes, in Garantia Judiciária no Processo Penal - Do Juiz e da Instrução, Coimbra, 2000, pág. 68 v e ss.
21 - As provas careadas para os autos são totalmente ausentes de quaisquer elementos de prova que impliquem a intervenção do arguido M. F. neste âmbito, pelo que não pode senão concluir-se que os indícios existentes nos autos não são suficientes e conduziriam necessariamente a uma absolvição em caso de julgamento, ao menos, em obediência ao princípio da presunção da inocência.
22 - Entendemos pois que deve manter-se a não pronúncia do arguido M. F. por falta de indícios suficientes dos factos que lhe são imputados quanto ao crime de furto, bem como quanto ao crime de ofensa à integridade física qualificada e introdução em local vedado ao público, o que toma improvável a sua condenação em julgamento”.
*
5.4. As arguidas V. L. e T. S. preconizando a improcedência total do recuso, com a manutenção da decisão instrutória, terminando a sua resposta com as seguintes conclusões (cfr. fls. 729/735):

“I. A verificação de um exemplo-padrão, no caso o artº 132º, nº 2, al. h), 1ª parte do CPPenal, não significa, necessariamente, a realização do especial tipo de culpa e consequente qualificação da ofensa à integridade física;
II. A factualidade indiciada e plasmada na acusação não é suficiente para fundamentar um juízo de especial perversidade ou censurabilidade, no quadro do tipo de ilícito base;
III. Os factos constantes dos autos não podem, só por si, fundamentar uma acusação, pelo crime de introdução em lugar vedado ao público, porquanto não consta a narração de um facto essencial para o preenchimento do tipo legal, a saber, que se tratava de um logradouro vedado,
IV. Dos autos não se indicia a subtracção de qualquer objecto, que fundamente uma acusação pela prática do crime de roubo.
V. Ademais, para além de as Recorridas T. S. e V. L., não terem qualquer intervenção ou participação nos factos alegados pelo Assistente, não existe qualquer relação entre a Recorrida, T. S. e o Assistente, sendo que a mesma, nunca lhe dirigiu a palavra.
VI. É desprovido de qualquer fundamento legal, o alegado pelo Assistente, ao acusar a Recorrida, T. S., de ser a causadora pelos factos ocorridos, decorrente de uma alegada relação, totalmente inverosímil. A Recorrida T. S., nunca falou com o Assistente.
VII. Aliás, não se entende como pode o Assistente afirmar, que decorre das declarações das Recorridas, T. S. e V. L., que aquela (T. S.) é o único ponto de ligação entre os Assistentes e os Arguidos, quando as mesmas nunca o declararam!
VIII. As Recorridas T. S. e V. L. apenas declararam que o assistente “tentou assediar sexualmente T. S.“, facto que, na verdade, acontece desde há vários anos.
IX. Contudo, não poderão tais factos, por si só, indiciar a co autoria da Arguida T. S., em qualquer crime, nem tão pouco o domínio de quaisquer factos, por parte da mesma.
X. São elementos da comparticipação criminosa, sob a forma de co-autoria os seguintes:

- a intervenção directa na fase de execução do crime («execução conjunta do facto»); - o acordo para a realização conjunta do facto; acordo que não pressupõe a participação de todos na elaboração do plano comum de execução do facto; que não tem de ser expresso, podendo manifestar-se através de qualquer comportamento concludente; e que não tem de ser prévio ao início da prestação do contributo do respectivo co-autor;- o domínio funcional do facto, no sentido de o agente «deter e exercer o domínio positivo do facto típico», ou seja, o domínio da sua função, do seu contributo, na realização do tipo, de tal forma que, numa perspectiva ex ante, a omissão desse contributo impediria a realização do facto típico na forma planeada – elementos que não se verificam no caso em apreço.”.
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6. Neste Tribunal da Relação a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, aderindo aos argumentos de facto e de direito aduzidos pelo Ministério Público na 1ª instância, na sua perspectiva impeditivos da pretensão do recorrente, e adiantando pertinentes considerações jurídicas acerca das questões versadas no recurso (cfr. fls. 747/748).
6.1. Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, do C.P.Penal, veio o arguido M. F. apresentar a sua resposta, nos termos constantes de fls. 751, dando como reproduzidas as alegações que apresentou nos autos.
6.2. Também o assistente F. M. apresentou a sua resposta, nos termos que constam de fls. 759/764, insistindo na pronúncia de todos os arguidos, nos termos preconizados no recurso.
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7. Efectuado exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois conhecer e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Como se sabe, é hoje pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal (5).

Ora, no caso vertente, da leitura e análise das conclusões apresentadas pelo assistente/recorrente, são as seguintes as questões que importa decidir:

- Saber se a arguida T. S. é co-autora do crime de ofensa à integridade física de que são acusados os demais arguidos;
- Saber se o crime de ofensa à integridade física na pessoa do assistente é simples ou qualificado;
- Saber se todos os arguidos cometeram, também, o crime de roubo, p. e p. pelo Artº 210º do Código Penal; e
- Saber se, tal como a arguida T. S., também os demais arguidos cometerem um crime de introdução, p. e p. pelo Artº 191º do Código Penal.
Analisemos, pois, cada uma das questões suscitadas.
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1.1. É a arguida T. S. co-autora do crime de ofensa à integridade física de que são acusados os demais arguidos?

A resposta a esta questão está intimamente conexionada com a existência, ou não, dos chamados “indícios suficientes” a que alude o Artº 308º, nº 1.

Como claramente decorre do Artº 286º, nº 1, a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.

Estatuindo o Artº 288º, nº 4, que o juiz (de instrução) investiga autonomamente o caso submetido a instrução, sempre tendo em conta a indicação constante do requerimento da abertura de instrução, a que se refere o nº 2 do Artº 287º.

Por outro lado, há que ter em conta que, como se alcança do Artº 298º, no âmbito da instrução há-de realizar-se o debate instrutório o qual visa permitir uma discussão perante o juiz, por forma oral e contraditória, sobre se, do decurso do inquérito e da instrução, resultam indícios de facto e elementos de direito suficientes para justificar a submissão do arguido a julgamento.

E, após o debate instrutório será proferido despacho de pronúncia ou de não pronúncia consoante existam ou não indícios suficientes que justifiquem a submissão ou não do arguido a julgamento.

Sendo certo que um dos fundamentos do arquivamento do inquérito pelo Ministério Público e do despacho de não pronúncia pelo juiz de instrução é a insuficiência dos indícios da verificação de crime ou de quem foram os seus agentes (cfr. Artºs. 277º, nº 2 e 308º, nº 1).

Podemos dizer, em suma, que a instrução visa a comprovação judicial de acusar ou não acusar, isto é, pretende-se que se afira da existência ou não de indícios dos quais resulte a possibilidade razoável de em julgamento vir a ser aplicada ao arguido uma pena, pelos factos e ilícito que lhe são imputados, nomeadamente pelo assistente no requerimento de abertura de instrução, como sucede no caso vertente.

Efectivamente, dispõe o Artº 308º, nº 1, que, se até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos respectivos factos; caso contrário, como já se disse, profere despacho de não pronúncia.

Resulta, por sua vez, do Artº 283º, nº 2, para o qual remete o Artº 308º, nº 2, que se consideram suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.

Assim, o despacho de não pronúncia deverá ser proferido sempre que, perante os elementos probatórios constantes dos autos, não se indicie que o arguido, se vier a ser julgado, venha provavelmente a ser condenado, sendo tal probabilidade um pressuposto indispensável da submissão do feito a julgamento.

Na verdade, como ensina Germano Marques da Silva (6), “para a pronúncia, como para a acusação, a lei não exige (…) a prova, no sentido de certeza moral da existência do crime, basta-se com a existência de indícios, de sinais de ocorrência de um crime, donde se pode formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que foi cometido o crime pelo arguido”.

Porém – adverte o mesmo autor – “Esta possibilidade é uma possibilidade mais positiva do que negativa; o juiz só deve pronunciar o arguido quando pelos elementos de prova recolhidos nos autos forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que não o tenha cometido”.

Acrescentando, ainda, que "A referência que o art. 301º, nº 3, faz à natureza indiciária da prova para efeitos de pronúncia inculca a ideia de menor exigência, de mero juízo de probabilidade. Na pronúncia o juiz não julga a causa; verifica se se justifica que com as provas recolhidas no inquérito e na instrução o arguido seja submetido a julgamento pelos factos da acusação. A lei só admite a submissão a julgamento desde que da prova dos autos resulte uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força dela, uma pena ou uma medida de segurança (art. 283º, nº 2(); não impõe a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final.”.

E terminando, dizendo, assertivamente, que “A lei não se basta, porém, com um mero juízo subjectivo, mas antes exige um juízo objectivo fundamentado nas provas dos autos. Da apreciação crítica das provas recolhidas no inquérito e na instrução há-de resultar a convicção da forte probabilidade ou possibilidade razoável de que o arguido seja responsável pelos factos da acusação”.

Finalmente, há que relembrar, também, que na instrução, e como consequência da estrutura acusatória do processo (7), o juiz está vinculado na pronúncia aos termos da própria acusação ou do requerimento instrutório do assistente, sendo certo que, sem acusação formal ou implícita não pode haver pronúncia nem o juiz pode pronunciar o arguido por factos que alterem substancialmente a acusação (8) (9).

Posto isto, atentemos na situação concreta, colocada à nossa apreciação.

Como se viu, o Mmº JIC, na sua decisão, não atendeu à pretensão do assistente, que com o seu requerimento instrutório visava a pronúncia da arguida T. S. pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física (qualificada), em co-autoria material com os demais arguidos, V. L., M. F., C. S., C. F. e J. C..

Tese que ora reitera em sede recursória, ao sustentar, em síntese, que dos autos resultam indícios bastantes para que o Mmº JIC tivesse pronunciado a mencionada arguida T. S. pela co-autoria do crime de ofensa à integridade física perpetrado também pelos demais arguidos na sua pessoa e da ofendida E. M..

Salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.

Com efeito, há que referir, desde logo, que esta posição do assistente colide com a posição da sua mulher, a ofendida e também assistente E. M., dado que esta se conformou com o despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Púbico quanto a essa matéria, não tendo requerido a abertura da instrução.

Em segundo lugar, como bem sublinhou o Mmº JIC no despacho ora impugnado, fazendo apelo ao chamado princípio da vinculação temática a que já fizemos referência, é o próprio assistente que expressamente refere no seu requerimento de abertura de instrução que a arguida T. S. não agrediu os ofendidos/assistentes, tendo sido a autora moral do crime denunciado.

E, na verdade, contrariamente ao que tinham afirmado em sede de denúncia (fls. 20/21) e em sede de inquirição de lesado (a fls. 27/28 em relação ao ora recorrente e a fls. 29/30 em relação à assistente E. M.), na diligência de acareação documentada a fls. 42, realizada em sede de inquérito no dia 01/02/2017 perante a Digna Magistrada do Mistério Público, em que foram intervenientes os assistentes e mencionada arguida T. S., enquanto esta manteve integralmente o que antes havia declarado (10), negando a prática dos factos, os assistentes afirmaram que “a aqui arguida não agrediu ninguém, mas foi a responsável pela entrada dos agressores em sua casa, que provocaram os factos denunciados, com as ofensas físicas e prejuízos materiais também referidos”.

Acresce que, uma vez mais contrariamente ao que aduz o assistente recorrente, de nenhum dos depoimentos das testemunhas que identifica nas suas conclusões recursórias se extrai que a arguida T. S. tenha tido participação nas alegadas agressões, melhor descritas na acusação do Ministério Público.

Com efeito, a testemunha Maria, inquirida a fls. 55/56, com relevância afirmou que, à data dos factos, estava em casa da sua amiga A. F., e que com esta se deslocou até a uma arrecadação situada no logradouro da casa, tendo então verificado que o ofendido F. M. se encontrava no chão, a ser agredido com murros e pontapés, por quatro pessoas do sexo masculino e três do sexo feminino, e que, enquanto o F. M. se encontrava a ser agredido, a D. T. S. impedia a D. E. M. de ajudar o seu marido.

Já a testemunha A. F. (que estava na companhia da testemunha anterior, como esta revelou), inquirida a fls. 57/58, com relevância referiu ter verificado que o ofendido se encontrava no chão e que a filha da D. T. S., a V. L., encontrava-se a agredir o ofendido com um pau na cabeça, e enquanto isso o J. C. também agredia com vários pontapés em várias partes do corpo, sendo que a T. S. afastava a D. E. M. de modo a que esta não prestasse auxílio ao seu marido (ofendido), sendo que no local ainda se encontravam outras pessoas que a depoente não sabe identificar, mas que também estes agrediam o ofendido, a pontapé e a murro.

Por seu turno, a testemunha J. S. (que é companheiro da testemunha Maria Alice, e que estava em casa da testemunha A. F.), inquirido a fls. 59/60, referiu, com relevância, que a sua companheira saiu da casa com a D. A. F. a fim de irem buscar lenha ao anexo existente no exterior da habitação, e que a dado momento a D. A. F. entra na habitação muito aflita e preocupada, dizendo para o depoente “anda aqui, anda aqui”, e tendo-se o depoente deslocado para o exterior da habitação viu que o ofendido se levantava do chão, apresentando ferimentos do pescoço até à orelha, e que a D. T. S. já caminhava em passos largos, como que a fugir.

Já no que tange aos depoimentos das testemunhas A. V. (inquirido a fls. 61/62), C. Q. (inquirida a fls. 63/64), e J. O. (inquirido a fls. 65/66), dos mesmos nada de relevante resulta quando a esta concreta questão, pois que se encontravam os três no “Café X”, tendo-se limitado a, genericamente, confirmar a factualidade que consta dos primeiro e segundo parágrafos da acusação pública.

Quanto ao mais, há que sublinhar que a arguida T. S. negou a prática dos factos, como já se referiu, e no que tange à arguida V. L. (filha da arguida T. S.), interrogada nessa qualidade a fls. 69, revelou nada saber acerca dos factos em causa, sublinhando, porém, ter conhecimento de que “esse Sr. tentou assediar sexualmente a sua mãe, tendo esta recusado (…), reiterando que não teve qualquer participação no desenrolar dos acontecimentos”.

Perante o exposto, não se pode afirmar com o mínimo de rigor que as provas em causa permitem submeter a arguida T. S. a julgamento pela prática do crime de ofensa à integridade física, como pretende o recorrente, não resultando de tais provas uma probabilidade razoável de à mesma vir a ser aplicada, por força delas, uma pena ou uma medida de segurança.

É que, como já se salientou, a lei não se basta com um mero juízo subjectivo, mas antes exige um juízo objectivo fundamentado nas provas dos autos. E da apreciação crítica das provas recolhidas no inquérito e na instrução não resulta, em nosso entender, a convicção da forte probabilidade ou possibilidade razoável de que a arguida T. S. seja responsável pelos factos que o assistente lhe imputa.

É certo que, como bem refere o Digno Procurador da República na sua resposta ao recurso, poderíamos configurar aqui uma situação de autoria moral por banda da arguida T. S. relativamente ao crime de ofensa à integridade física denunciado, pois que, em consonância com o disposto no Artº 26º do Código Penal, “na execução de um crime em co-autoria não é indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos de execução, bastando que a actuação de cada um, embora parcial, seja elemento componente do todo e indispensável à produção do resultado.”.

Porém, no caso vertente, “em momento algum vem sequer referido que tipo de intervenção, conjugada com os demais arguidos, teve a arguida, a não ser que evitou, não se sabe de que forma, que a mulher do recorrente o ajudasse, prestando-lhe auxílio”, circunstância esta que, “singularmente considerada, não permite concluir que a arguida T. S. estava envolvida na globalidade da conduta de agressão física a que estavam votados os demais arguidos.”.

Ora, como se explanou anteriormente, quer para a acusação, quer para a pronúncia, a lei exige a existência de indícios suficientes de se ter verificado o crime e de quem foi o seu agente, explicitando o legislador que se consideram suficientes sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.

E tais indícios, manifestamente, não estão verificados no caso vertente, razão pela qual não merece qualquer reparo o despacho do Mmº JIC, na parte em que decidiu não pronunciar a arguida T. S. pela prática dos crimes em causa, de ofensa à integridade física.

Soçobrando, pois, o recurso, nessa parte.
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1.2. Da qualificação do crime de ofensa à integridade física na pessoa do assistente

Neste segmento do seu recurso defende o assistente que os arguidos deveriam ter sido pronunciados pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, relativamente a si, nos termos das disposições conjugadas dos Artºs. 143º e 145º, nº 1, al. a), do Código Penal, por referência ao Artº 132º, nº 2, al. h), do mesmo diploma legal.

Ou seja, na perspectiva do assistente, ora recorrente, as ofensas à integridade física na sua pessoa foram produzidas em circunstâncias que revelam especial censurabilidade ou perversidade devido ao facto de os autores das agressões, aqui arguidos, serem pelo menos cinco pessoas.

Vejamos.

Acerca desta temática, referiu o Mmº JIC no seu despacho, a fls. 538/539:

“Preceitua o artº 146º, no seu nº 1 que “Se as ofensas previstas nos artºs 143º, 144º e 145º forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido com a pena aplicável ao crime respectivo agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo.”. E o seu nº 2 que “São susceptíveis de revelar especial censurabilidade ou perversidade do agente, entre outras, as circunstâncias previstas no nº 2 do artº 132º.”.

Para estarmos perante o tipo legal acabado de referir, para além da verificação de qualquer dos seguintes resultados (lesão integridade física simples - artº 143º lesão grave-144º ou a ocorrência de um dos resultados a que nos termos do artº 145º são susceptíveis de conduzir a uma agravação da responsabilidade do agente), necessário se torna que a conduta do agente revele uma censurabilidade acrescida, “uma especial censurabilidade ou perversidade”, para utilizar a expressão do legislador, e que se mostra susceptível decorrer de uma das circunstâncias previstas no nº 2 do artº 132º entre outras.

As circunstâncias constantes do artº 132º, nº 2 constituem elementos do tipo de culpa que, contudo, é sempre mediada pela especial censurabilidade ou perversidade.

Mesmo nos casos em que as várias alíneas do nº 2 consubstanciam, por si só, uma acção desvaliosa e não uma atitude merecedora de maior censura, ainda aí, o maior desvalor da acção é mediada pelo desvalor da atitude, isto é, pela especial perversidade ou censurabilidade.

Como afirma Teresa Serra, “Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, Coimbra, 1990, pág. 127, “(...) a enumeração exemplificativa concretiza e determina o critério generalizador e o critério generalizador delimita a enumeração exemplificativa, numa interacção decisiva estabelecida entre as duas partes do preceito do artº 132º (...).”.

Nas palavras de Eduardo Correia, como autor do projecto do Código Penal na Comissão Revisora, “(...) a enumeração das várias alíneas do nº 2 não é taxativa, antes meramente enunciativa e exemplificativa. Referem-se nelas apenas alguns dos indícios ou elementos que permitam revelar a censurabilidade ou perversidade do agente. Daqui se retiram dois efeitos. Por um lado, as circunstâncias não são elementos do tipo, e antes elementos da culpa. Portanto, não são de funcionamento automático pode verificar-se qualquer das circunstâncias referidas nas alíneas e nem por isso se pode concluir pela especial censurabilidade ou perversidade do agente. Por outro lado, como a enumeração é meramente exemplificativa, outras circunstâncias não descritas são susceptíveis de revelar a perversidade e censurabilidade pressupostas no nº 1.”.

De tudo o exposto, conclui-se que o tipo base da ofensa à ofensa à integridade física qualificada é o do artº 143º, constituindo o 146º uma forma agravada do crime.”.

Subscrevemos inteiramente estas considerações jurídicas tecidas pelo Mmº JIC, e estamos seguros de que as mesmas correspondem à interpretação que correntemente a doutrina e a jurisprudência fazem sobre o assunto.

Efectivamente, na esteira de outros autores, como, v.g., Maia Gonçalves (11), dúvidas não há de que a enumeração das circunstâncias susceptíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade feita no Artº 132º não é taxativa, mas exemplificativa, e que as enunciadas no nº 2 não são elementos do tipo, mas antes elementos da culpa. O que significa que não são de funcionamento automático, bem podendo dar-se o caso de se verificar qualquer das circunstâncias referidas nas várias alíneas, e nem por isso se poder concluir pela especial censurabilidade ou perversidade do agente.

No mesmo sentido pronuncia-se, unanimemente, a jurisprudência dos tribunais superiores, como o atestam, v.g., o Ac. do S.T.J., de 11/12/1997, in BMJ 472-154, onde claramente se afirma:

“As circunstâncias previstas, por forma não taxativa, no nº 2 do artigo 132º do Código Penal não operam automaticamente, sendo indispensável determinar se, no caso concreto, aquelas preenchem o elemento qualificante da especial censurabilidade ou perversidade e justificam uma sanção que não cabe na moldura incriminadora do homicídio simples”.

Ou, mais recentemente, o acórdão do mesmo Alto Tribunal, de 06/07/2017, proferido no âmbito do Proc. nº 204/14.9JAGRD.C1.S1, in www.dgsi.pt, em cujo sumário, a propósito do crime de homicídio, se afirma:

“II - Verificado algum dos elementos elencados no citado n.º 2 do art. 132.º isso «não implica sem mais a realização do tipo de culpa e a consequente qualificação».
III - Os exemplos-padrão são em geral configurados como conceitos normativos, que não descritivos, e estão consequentemente sujeitos a discussão crítica e valorativa. Essa discussão far-se-á em torno da questão de precisar se os indícios de culpa agravada são consistentes, se reflectem realmente uma culpa especialmente intensa caso em que se concluirá pela verificação da qualificação.
IV - A cláusula geral de agravação prevista no nº 1 do art. 132º CP, para ter-se como verificada, implica uma conexão hermenêutica entre ambos os aspectos: os exemplos típicos elencados no nº 2 explicitam o sentido dessa cláusula agravante e esta, por seu turno, funciona como correctivo normativo da objectividade daqueles traduzido na fórmula expressiva «não só, nem sempre». Sendo o sentido e o alcance da técnica dos exemplos-padrão flexibilizar a aplicação da lei penal a ideia essencial é a de que são de considerar como homicídios qualificados somente casos particularmente chocantes.”

Daí que, como sugestivamente afirmam Leal-Henriques e Simas Santos (12), o nº 2 do Artº 132º sirva apenas como enunciador de índices – de alguns dos mais incisivos – susceptíveis de orientar o julgador na caracterização da especial censurabilidade ou perversidade da conduta criminosa.

Por isso – dizem – esta tem de ser medida em cada caso concreto.

E como? Perguntam aqueles insignes Autores.

Dando de imediato a resposta:

“Sopesando-se caso a caso as circunstâncias de modo, tempo e lugar do evento, os motivos do agente, a sua vida pregressa, enfim, todo o sem número de referências que permitam explicar, perante o Direito, se o autor da conduta a levou a cabo por forma a merecer maior censura e reprovação. Isto é, se foi mais além do que o vulgar criminoso ou do que o criminoso de ocasião, comportando-se como um delinquente frio, calculista, sem respeito pela condição humana da vítima ou pela qualidade em que estiver investida”.

Ora, no caso vertente, a questão está em saber, pois, se o ilícito em causa consubstancia a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, como foi preconizado pela acusação e confirmado pelo despacho do Mmº JIC, ou se o mesmo crime deve ser qualificado, por força da circunstância a que alude o Artº 132º, nº 2, al. h), 1ª parte, do Código Penal (o agente praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas), conforme defende o assistente, ora recorrente.

Atentemos, uma vez mais, na matéria de facto a propósito vertida na acusação pública, imputada aos arguidos V. L., M. F., C. S., C. F., e J. C.:

“No dia 27 de Novembro de 2016, pelas 19H00, as arguidas, de comum acordo, deslocaram-se ao interior do café denominado “X”, em …, P. Lanhoso e questionaram as pessoas ali presentes, se o ofendido F. M., se encontrava no café, tendo os presentes respondido que o mesmo, não estava no café.

De seguida a arguida C. F., dito: “É uma pena ele não estar aqui, senão levava já aqui, puxava-lhe pelos cabelos, vamos à procura dele, espero bem que vós, não nos estejais a mentir” e as arguidas abandonaram o local e seguiram nos veículos que se encontravam à porta do estabelecimento.

No seguimento do referido comportamento, todos os arguidos, após prévio acordo e em obediência a um plano delineado em conjunto, deslocaram-se à residência dos ofendidos F. M. e E. M., sita no …, Póvoa de Lanhoso.

No local, os arguidos, dirigiram-se aos ofendidos e atingiram-nos com paus e com murros e pontapés por todo o corpo. Só abandonaram o local, quando, alertados pelos gritos dos ofendidos, a caseira e alguns vizinhos, acorreram ao local.

Em consequência do comportamento dos arguidos, a ofendida E. M., sofreu, equimoses na região orbicular esquerda e escoriação no dorso do nariz, o que lhe demandou 5 dias para a cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional. As lesões resultaram de traumatismo de natureza contundente.

Por sua vez, o ofendido F. M., sofreu escoriações na região frontal esquerda da face, equimose na pálpebra inferior e região malar esquerda, escoriações no pavilhão auricular esquerdo, escoriações no pescoço e equimoses nas pernas, o que lhe demandou 6 dias para a cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional. As lesões resultaram de traumatismo de natureza contundente.

Com o comportamento descrito, os arguidos agiram com intenção concretizada de atingirem os ofendidos nos seus corpos, pela referida descrita, de lhes causarem as lesões descritas, dores e mal-estar físico, o que representaram.

Agiram livre, voluntária, consciente e concertadamente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.”.

Ora, perante a descrita factualidade, afigura-se-nos não estarem verificados os pressupostos típicos do crime de ofensa à integridade física qualificada.

Na verdade, analisando e sopesando os factos em causa, que delimitam o objecto do processo, conquanto revelem, ao nível da execução, um comportamento excessivo, pelo número de pessoas que levaram a cabo a agressão, não permitem os mesmos a formulação de um especial juízo de censura ao nível da culpa.

Com efeito, quer as agressões físicas sofridas (13) pelo assistente (escoriações na região frontal esquerda da face, equimose na pálpebra inferior e região malar esquerda, escoriações no pavilhão auricular esquerdo, escoriações no pescoço e equimoses nas pernas, que lhe demandaram 6 dias para a cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional), quer as circunstâncias e o modo de actuação dos arguidos, não permitem minimamente justificar aquela especial censurabilidade e perversidade a que alude o Artº 132º, nº 2, al. h), do Código Penal.

E nem o facto de serem cinco os agressores, e de os mesmos terem actuado, segundo a acusação, após prévio acordo e em obediência a um plano delineado em conjunto, faz subsumir tal actuação na previsão do citado preceito legal.

É que, como assertivamente ensina Figueiredo Dias (14), não é a comparticipação, em si e por si mesma, que constitui o exemplo-padrão em causa (prática do facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas), “mas apenas se e quando ela determinar uma particular perigosidade do “meio” (no sentido amplo da “situação” e não apenas no sentido estrito do “instrumento”) e uma consequente dificuldade particular da vítima de dele se defender.”.

A que acresce ainda - sublinha o mesmo Mestre - “dever o aplicador, mesmo depois de ter considerado que uma concreta situação da vida integra, segundo o pensamento da lei, a circunstância em análise, ser particularmente severo e exigente ao determinar se ela revela ou não no caso, em definitivo, uma especial censurabilidade ou perversidade do agente (...)”.

Ora, no caso vertente, os parcos elementos fácticos a este propósito descritos no libelo acusatório não nos revelam ter a actuação conjunta dos cinco arguidos (acusados) determinado uma particular perigosidade, no apontado sentido, e bem assim uma consequente dificuldade particular do ora recorrente de se defender.

Sendo certo que, como bem refere o arguido M. F. na sua resposta, na acusação nem sequer se descreve o circunstancialismo em que a agressão se concretizou, designadamente não se identificando em particular cada um dos agentes da agressão, se houve alguma reacção do assistente ou se este ficou de tal forma impossibilitado de reagir, assim como se os arguidos, através da surpresa, procuraram diminuir a sua capacidade de defesa.

Ademais, também concordamos com o Digno Procurador da República quando afirma que, face à factualidade descrita, não é possível concluir que os arguidos actuaram conjuntamente com o conhecimento e representação de que tal se traduzia num meio particularmente potenciador a lesar a integridade física, ou seja, que no caso concreto, o dolo dos arguidos também abrangeu essa condição de especial vulnerabilidade em que os mesmos, supostamente, teriam colocado o ofendido.

Assim sendo, também nesta parte a decisão instrutória não merece reparo, soçobrando, pois, o recurso do assistente quanto a esta questão.
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1.3. Cometeram os arguidos um crime de roubo, p. e p. pelo Artº 210º do Código Penal?

Como se viu, a fls. 325/327 o Ministério Público preferiu despacho de arquivamento dos autos relativamente à prática desse ilícito criminal, por ausência de indícios suficientes acerca da verificação e autoria dos factos contantes da queixa, integradores, em abstracto, do crime em causa.

Como se viu, também, de tal arquivamento reagiu o assistente através do seu requerimento de abertura de instrução, pugnando no sentido de todos os arguidos (incluindo T. S.) deverem ser pronunciados pela prática desse crime de roubo, p. e p. pelo Artº 210º, do Código Penal.

Tese que o Mmº JIC rejeitou, por entender, em síntese, não se indiciar que os arguidos, pela força, subtraíram ao ofendido um fio de ouro amarelo com uma cruz e uma medalha de Cristo, e que o retiveram na sua posse e contra a sua vontade.

Mais uma vez a apreciação desta questão passa pela análise da verificação, ou não, da existência de indícios suficientes a que anteriormente se aludiu, cujas considerações jurídicas, por economia processual, aqui damos por inteiramente reproduzidas.

Vejamos.

Como se alcança do requerimento de abertura de instrução, a este propósito o assistente aduzia expressamente que, na mesma altura em que estava a ser alvo das agressões, “a arguida C. F., enquanto todos os arguidos agrediam o ofendido F. M., deitou as mãos ao pescoço deste a arrancou-lhe um fio em outro amarelo, com uma cruz e uma medalha com a imagem de “Cristo”, que este tinha ao pescoço, no valor de € 2.000,00, metendo-o ao bolso”, e que, com o comportamento descrito, os arguidos agiram com a intenção concretizada de se apoderar pela força desses bens, bem sabendo que os mesmos lhes não pertenciam, e que agiram contra a vontade do seu legítimo, o que representaram, tendo agido livre, voluntária e concertadamente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

E, transcorrendo essa sua peça processual, o assistente invocava, em abono da sua tese, o auto de denúncia de fls. 4/5 e bem assim os autos de inquirição dos próprios ofendidos (de fls. 27/28 do ofendido F. M. e de fls. 29/30 da ofendida E. M.).

A passo que no seu recurso traz à colação quer as declarações dos assistentes, quer as declarações das testemunhas A. F. (prestadas a fls. 58) e J. S. (prestadas a fls. 60).

Sob a epígrafe “Roubo”, prescreve o Artº 210º, do Código Penal (15):

“1 - Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.”.

Sinteticamente, diremos que o crime de roubo configura um crime complexo, que ofende quer bens jurídicos patrimoniais - o direito de propriedade e de detenção de coisas móveis -, quer bens jurídicos pessoais - a liberdade individual de decisão e acção -, quer ainda e integridade física ou até a própria vida (16) (17).

Se analisarmos o tipo objectivo desta incriminação verificamos que a acção típica, consiste numa subtracção ou no constrangimento à entrega de coisa móvel alheia, a qual tem de revestir uma de três características:

- Consubstanciar a utilização de violência contra uma pessoa;
- Consistir na utilização de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física; ou
- Implicar a colocação da vítima na impossibilidade de resistir.

E, quanto ao elemento subjectivo do ilícito, trata-se de um tipo legal doloso. O que significa que o agente tenha o conhecimento correcto da factualidade típica, sob pena de não se preencher o elemento intelectual do dolo.

Ora, voltando ao caso vertente, a analisando as provas que a propósito os autos nos revelam, a que supra se aludiu, salvo o devido respeito por opinião adversa, cremos que as mesmas não permitem concluir pela existência de índicos suficientes da prática deste ilícito por banda de qualquer um dos arguidos.

Desde logo, revelam-se extremamente frágeis os elementos que a propósito constam da queixa apresentada pelos ofendidos, a fls. 4/5, já que nela se refere, simplesmente, que, no decorrer da contenda, ao denunciante desapareceu-lhe um cordão de ouro com um crucifixo e um medalhão avaliados em cerca de 2.000,00.

Como frágeis se revelam as próprias declarações dos ofendidos, quando foram formalmente inquiridos no dia 12/12/2017.

Na verdade, em sede de inquirição formal, a fls. 27/28 dos autos, o ora recorrente, acerca do assunto, declarou: “Posto isto, a pessoa que afirmou ser a cunhada da “T. S.”, encontrava-se munida de um pau com uma mota numa das extremidades, e sem que nada o fizesse prever imediatamente desferiu uma violenta pancada na cabeça da depoente, ao mesmo tempo que esta lhe arrancou um fio em ouro amarelo, com uma cruz e uma medalha com a imagem de “Cristo”, que o declarante tinha ao pescoço, metendo-o ao bolso”.

Em sentido idêntico tendo deposto a mulher do recorrente, a ofendida e assistente E. M., quando, a fls. 29/30, referiu: “A pessoa que afirmou ser a cunhada da “T. S.”, encontrava-se munida de um pau com uma mota numa das extremidades, e sem motivo que o justificasse imediatamente desferiu uma violenta pancada na cabeça do seu marido, tendo ainda lhe deitado aos mãos ao arrancar-lhe um fio em ouro amarelo, com uma cruz e uma medalha com a imagem de “Cristo”, que este tinha ao pescoço, metendo-o ao bolso”.

E se as declarações dos assistentes não corroboram, minimamente, a tese que o ora recorrente esgrime no seu recurso, o mesmo sucede com os depoimentos das testemunhas A. F. e J. S. que aquele invoca em abono da sua tese.

Na verdade, a testemunha A. F., ouvida a fls. 57/58 (e à qual já fizemos menção anteriormente), sobre este assunto limitou-se a dizer, sem qualquer explicação, que “o Sr. F. M. apresentava ferimentos na zona do pescoço até à orelha, bem como uma marca no pescoço de lhe terem arrancado o fio que este trazia ao pescoço”.

Ao passo que a testemunha J. S. (ao qual também já fizemos referência anteriormente), quando inquirido a fls. 59/60 nada de concreto revelou sobre o alegado roubo, apenas tendo feito alusão a ferimentos que o ofendido F. M. apresentava no pescoço.

Ora, sendo estes os únicos meios de prova produzidos sobre esta concreta questão, apenas podemos afirmar que os mesmos se revelam extremamente frágeis, vagos, imprecisos e inexactos, não resultando de tais provas a convicção da forte probabilidade ou possibilidade razoável de que qualquer um dos arguidos é o responsável pelos factos que a propósito o assistente lhes imputa e, concomitantemente, uma possibilidade razoável de a qualquer um deles vir a ser aplicada, por força desses indícios, uma pena ou uma medida de segurança.

Tanto basta para se concluir, como se concluiu, pela improcedência do recurso, nesta parte.
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1.4. Tal como a arguida T. S., cometeram os demais arguidos um crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo Artº 191º do Código Penal?

Outrossim, como já se disse, quanto a este ilícito, a fls. 425/327 o Ministério Público preferiu despacho de arquivamento, por ausência de indícios suficientes acerca da verificação e autoria dos factos contantes da queixa, integradores, em abstracto, do crime em causa.

E de tal arquivamento, como se viu, reagiu o assistente através do seu requerimento de abertura de instrução, pugnando no sentido de todos os arguidos deverem ser pronunciados pela prática desse crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo Artº 191º do Código Penal.

Tese que o Mmº JIC aceitou apenas parcialmente, mais concretamente quanto à arguida T. S., pronunciando-a pela prática, em autoria material, do referido crime, pelos factos contantes do Artº 44º (na parte em que se refere, que no dia 27 Novembro, a arguida T. S., sem qualquer autorização ou consentimento, entrou no logradouro dos ofendidos anexo à habitação, o qual se encontra vedado ao público por um portão, bem sabendo que os ofendidos não autorizavam a referida entrada, desrespeitando a privacidade dos ofendidos. Assim, agiu livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal).

Insistindo agora o assistente, em sede recursória, pela pronúncia dos demais arguidos, V. L., M. F., C. S., C. F. e J. C., pela prática desse ilícito criminal.

Também neste particular aspecto a decisão a proferir passa, uma vez mais, pela análise da verificação, ou não, da existência de indícios suficientes a que anteriormente se aludiu, cujas considerações jurídicas, mutatis mutandis, novamente aqui damos por inteiramente reproduzidas.

Devendo a nossa atenção centrar-se, pois, na análise das provas que para o efeito o recorrente convoca no seu recurso, maxime na sua conclusão XLVII, a saber, declarações dos assistentes e depoimentos das testemunhas Maria (fls. 55), A. F. (fls. 57) e J. S. (fls. 59).
Porém, antes de mais, há que fazer uma caracterização sumária do ilícito criminal em causa.

A este propósito dispõe o Artº 191º, do Código Penal:

“Quem, sem consentimento ou autorização de quem de direito, entrar ou permanecer em pátios, jardins ou espaços vedados anexos a habitação, em barcos ou outros meios de transporte, em lugar vedado e destinado a serviço ou a empresa públicos, a serviço de transporte ou ao exercício de profissões ou actividades, ou em qualquer outro lugar vedado e não livremente acessível ao público, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 60 dias”.

Quanto a este tipo legal de crime, o bem jurídico protegido, como diz Manuel da Costa Andrade (18), é "a inviolabilidade de um conjunto heterogéneo de espaços que se estendem por um contínuo numa perspectiva de privacidade/publicidade”.

Consistindo o tipo objectivo de ilícito na entrada ou permanência, sem consentimento ou autorização de quem de direito, em espaços diversificados, indicados no preceito legal em causa, que estão fisicamente limitados por uma barreira que seja necessário ultrapassar para entrar (muro, sebe, rede portão) podendo mesmo tratar-se de uma barreira descontínua, “desde que não perca o carácter de uma protecção física”.

Obviamente que, para se concluir que a conduta preenche a factualidade típica, haverá que analisar, por exemplo, as características do espaço em questão, o seu destino, a forma ou contexto em que ocorre a entrada ou permanência, o "padrão das pessoas normalmente autorizadas" a entrar ou a permanecer naquele espaço, o tipo de exigências do titular do bem jurídico protegido para o efeito.

No que tange ao tipo subjectivo do ilícito, exige-se a verificação do dolo, em qualquer uma das modalidades previstas no Artº 14º do Código Penal.

Ora, voltando ao caso vertente, perscrutando os aludidos elementos probatórios, entendemos que os mesmos são manifestamente insuficientes para se poder imputar aos arguidos supra identificados o ilícito penal em causa.

Com efeito, acerca desta questão, das declarações dos ofendidos, a que já aludimos anteriormente, de relevante apenas se extrai que, naquele dia 27 de Novembro de 2017, pelas 19H00, um grupo de oito pessoas, quatro do sexo masculino e outras quatro do sexo feminino, entraram no quintal ou logradouro da sua propriedade, ao passo que as testemunhas supra identificadas, Maria, A. F. e J. S. nada de concreto revelaram sobre o assunto.

Assim, perante este circunstancialismo, somos forçados a concluir não estarem minimamente indiciados os pressupostos típicos do ilícito penal em apreciação, não permitindo a parca prova produzida concluir pela existência de índicos suficientes da prática deste ilícito por banda dos arguidos V. L., M. F., C. S., C. F. e J. C..

Ademais, se bem interpretamos os factos sub-judice, descritos no libelo acusatório, cremos poder afirmar com bastante segurança que os arguidos apenas se introduziram no logradouro da habitação dos assistentes com vista à consumação do crime de ofensa à integridade física, e não com a intenção de violarem o direito de privacidade do assistente, ora recorrente.

Nestas circunstâncias, e mau grado o esforço argumentativo do recorrente, o recurso não pode deixar de improceder, também, nesta parte.

III. DISPOSITIVO

Por tudo o exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo assistente F. M., confirmando, consequentemente, a douta decisão recorrida.

Custas pelo assistente/recorrente, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça (Artºs. 515º, nº 1, al. b), do C.P.Penal, 1º, 2º, 3º, 8º, nº 9, do Reg. Custas Processuais, e Tabela III anexa ao mesmo), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

(Acórdão elaborado pelo relator, e por ele integralmente revisto, com recurso a meios informáticos - Artº 94º, nº 2, do C.P.Penal)
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Guimarães, 11 de Março de 2019

(António Teixeira)
(Nazaré Saraiva)


1. Diploma ao qual pertencem todas as disposições legais a seguir citadas, sem menção da respectiva origem.
2. Cfr. fls. 327/330.
3. Todas as transcrições a seguir efectuadas estão em conformidade com o texto original, ressalvando-se a correcção de erros ou lapsos de escrita manifestos, da formatação do texto e da ortografia utilizada, da responsabilidade do relator.
4. In “Código Penal Anotado”; 2º Volume; Manuel Leal-Henriques e Manuel Simas Santos; Rei dos Livros; 1996; pág. 494
5. Cfr., neste sentido, Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, 3ª Edição, pág. 347, e o Acórdão de fixação de jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que ainda hoje mantém actualidade.
6. In “Direito Processual Penal Português, Do Procedimento (Marcha do Processo), Universidade Católica Editora, Volume 3, 2015, pág. 170 e sgts.,
7. Que tem consagração constitucional, no Artº 32º do diploma fundamental.
8. Neste sentido, Germano Marques da Silva, ibidem, pág. 164.
9. Está em causa o designado princípio da “vinculação temática e da vinculação dos poderes de cognição do Tribunal”, como bem refere o Mmº JIC no seu despacho, a fls. 541.
10. No dia 3 de Janeiro de 2017, conforme auto de interrogatório de arguido, constante de fls. 34, nos termos do qual declarou: “Que os factos descritos no auto de denúncia não correspondem à verdade, pois só esteve por duas vezes na casa dos ofendidos, acompanhada por outras pessoas, isto entre os meses de Agosto e Setembro do ano de 2016, em que todos participaram numa sardinhada. Desde essa data a depoente nunca mais se deslocou à residência dos ofendidos. Esclarece que no dia 27 do mês de Novembro do ano passado não esteve na residência dos ofendidos nem faz a mínima ideia de quem teria sido os autores dos factos, assim como desconhece por completo a identidade dos supostos agressores. Afirma que tudo isto não passa de uma tentativa de vingança por parte dos ofendidos, principalmente do F. M., pois este já há algum tempo que tem vindo a assediar a depoente, referindo que esta não ia para a Suíça porque ele não deixava, e que até já lhe tinha bloqueado o bilhete de avião, pois esta iria ser dele. Facto que a depoente sempre recusou tais pretensões do F. M.”.
11. In “Código Penal Português” Anotado e Comentado - 14ª Edição - 2001 - pág. 444 e sgts.
12. In “O Código Penal de 1982”, Vol. 2, Rei dos Livros, 1986, em anotação ao Artº 132º, pág. 23 a sgts.
13. São apenas estas que estão em causa no presente recurso.
14. In “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, págs. 36/37.
15. Na redacção em vigor à data dos factos, sendo certo que a alteração que esse preceito legal foi introduzida pela Lei nº 8/2017, de 3 de Março, limitou-se a acrescentar e a fazer referência ao roubo de “animal”.
16. Conceição Ferreira da Cunha, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Coimbra Editora, 1999, Tomo II, em anotação ao Artº 210º.
17. Neste sentido, também, o Ac. do S.T.J., de 15 de Fevereiro de 1995, in CJ Ac.STJ, I, 216.
18. In “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Coimbra Editora, 1999, Tomo II, em anotação ao Artº 191º.