Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5281/17.8T8GMR-B.G1
Relator: JOSÉ MOREIRA DIAS
Descritores: INCIDENTE DE COMUNICABILIDADE DA DÍVIDA EXEQUENDA
TÍTULO EXECUTIVO
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA INSTÂNCIA EXECUTIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).

1- O incidente de comunicabilidade da dívida exequenda, previsto no art. 741º do CPC, é um incidente declarativo destinado a assegurar ao exequente a comunicabilidade da dívida ao cônjuge do executado, nos casos em que instaure contra o último execução, em que o título executivo não seja uma sentença e quando não disponha de título executivo contra esse cônjuge do executado, possibilitando-lhe que alegue (e se necessário, isto é, caso o cônjuge do executado não aceite essa comunicabilidade da dívida exequenda, prove) factos dos quais decorram que, em função da lei substantiva aplicável, a dívida exequenda é comum dos cônjuges (do cônjuge executado e daquele contra quem é deduzido o incidente).

2- Trata-se de um caso de extensão da eficácia subjetiva do título executivo dado à execução ao cônjuge do executado, em que o incidente é acessório e dependente da execução instaurada pelo exequente contra o executado (cônjuge executado).

3- O título executivo em relação ao cônjuge do executado é composto pelo complexo documental, formado pelo título executivo que o exequente apresenta à execução e pela declaração do cônjuge do executado contra quem foi deduzido o incidente, declarando que aceita a comunicabilidade da dívida exequenda, ou nos casos em que este recuse essa comunicabilidade, pela decisão judicial proferida no incidente, transitada em julgando, decretando essa comunicabilidade, pelo que extinta a execução instaurada pelo exequente contra o executado (cônjuge executado), por decisão transitada em julgado, proferida nos autos de oposição à execução intentados pelo executado, que julgue procedente a exceção da inexequibilidade do título executivo contra aquele ou por via de procedência de exceção substantiva quanto à dívida exequenda, deixa de existir título executivo contra o cônjuge do executado, impondo-se julgar extinta a execução contra o último por impossibilidade superveniente da instância executiva.

4- Tendo, por acórdão transitado em julgado, proferido nos autos de oposição à execução instaurados pelo executado sido declarada procedente a exceção da inexequibilidade do título executivo quanto àquele, encontrando-se pendente, na fase de recurso, o incidente de comunicabilidade da dívida deduzido pelo exequente contra o cônjuge do executado, impõe-se julgar extinto o incidente por impossibilidade superveniente da lide, com a consequente extinção da instância recursiva.
Decisão Texto Integral:
Recorrente: M. C..
Recorrido: Condomínio Fórum ....
*
Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I- RELATÓRIO

Condomínio Fórum ..., representada pela sua administradora, com sede na Av. … Felgueiras, instaurou execução para pagamento de quantia certa contra J. C. e M. C., com domicílio profissional na Praça … Vizela, dando à execução as atas das assembleias de condóminos de 15/02/2017, 06/03/2013, 04/06/2014, 18/06/2014, 17/03/2015 e 22/02/2016, com vista à cobrança coerciva da quantia de 6.080,15 euros de quotas de condomínio e fundo de reserva em dívida, 750,00 euros a título de penalidade pelo atraso no pagamento, 492,07 euros de juros de mora vencidos, à taxa de 4% ao ano, desde a data de vencimento de cada uma das quotas mensais e fundo de reserva em dívida até 27/09/2017 e, bem assim os juros de mora vincendos.

Em 13/09/2018, os executados J. C. e M. C. deduziram oposição à execução mediante embargos, invocando:

a- a exceção da ilegitimidade passiva da executada M. C., sustentando que esta não figura nas atas que servem de título executivo à execução como devedora, sequer foi notificada para pagar as quantias reclamadas;
b- a exceção da inexequibilidade dos títulos executivos dados à execução, alegando que as atas das assembleias de condomínio dadas à execução não constituem título executivo bastante para exigir o pagamento aos embargantes das quantias nelas referidas uma vez que nelas não se fixa o montante das contribuições devidas ao condomínio, o prazo do pagamento, sequer a quota-parte de cada condomínio, limitando-se essas atas a constatar o valor global da alegada dívida, por declaração feita pelo administrador em assembleia de condóminos de que o condómino deve esse valor global, sem que se fixe ao condómino o prazo de pagamento e sem que se encontre junta aos autos qualquer deliberação a estabelecer o FCR, o fundo de promoção e marketing, sequer a penalidade peticionados, além de que os executados deixaram de ocupar a fração em causa em agosto de 2017, entregando-a à locadora livre de pessoas e bens, pela que a exequente nunca lhes poderia imputar quaisquer quantias relativas ao mês de setembro de 2017 e meses subsequentes.

Após contestação, prolação de despacho saneador e realização de audiência final, proferiu-se sentença em 04/05/2019, julgando os embargos de executado parcialmente procedentes e determinando a extinção da execução relativamente à embargante M. C. e determinando o prosseguimento da instância executiva quanto ao embargante C. L., no que respeita à quantia de 6.080,15 euros, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, desde a data de vencimento até efetivo e integral pagamento.

Inconformado com o assim decidido, o executado e embargante J. C. interpôs recurso de apelação daquela sentença para o presente Tribunal da Relação de Guimarães, imputando-lhe erro de direito quanto à decisão de mérito nela proferida, na parte em que ordenou o prosseguimento da execução quanto ao mesmo, pugnando no sentido de que a execução seja declarada extinta também quanto ao próprio.

Por requerimento entrado em Juízo em 22/05/2019, o exequente Condomínio Fórum ..., deduziu incidente de comunicabilidade da dívida executiva contra M. C..

Para tanto alega, em síntese, que a requerida é casada no regime da comunhão de adquiridos com o executado J. C.; que a dívida exequenda resulta da falta de pagamento de prestações de condomínio vencidas no período de novembro de 2013 a setembro de 2017 referentes à fração “AG”; que o executado J. C. desenvolvida nessa fração a atividade de comércio a retalho de mobiliário e artigos elétricos e de iluminação, com intuito lucrativo e com cujos proventos provia ao sustento do seu agregado familiar, integrado pela requerida, que também trabalhava nesse estabelecimento.

A requerida M. C. declarou não aceitar a comunicabilidade da dívida executiva, sustentando que tendo a requerente (exequente) instaurado a execução contra aquela e o executado C. L. e tendo a requerida sido absolvida da instância executiva por sentença transitada em julgado, a comunicabilidade da dívida exequenda já não poderá ocorrer nos presentes autos;
Invocou a inexequibilidade das atas da assembleia de condóminos dadas à execução para nelas servirem de título executivo com os mesmos fundamentos que já alegara em sede de oposição à execução mediante embargos;
Alegou que os encargos do condomínio reclamados na execução têm de ser imputados ao locador, Banco ..., considerando que o executado J. C. mais não é que um mero locatário financeiro da fração autónoma “AG”;
Impugnou parte dos factos alegados pela requerente, sustentado que a atividade comercial exercida na fração “AG” pelo seu marido e executado J. C. nunca foi lucrativa dado que as despesas dessa atividade sempre foram superiores às receitas, o que originou a acumulação de dívidas, forçando ao encerramento do estabelecimento comercial, vivendo a requerida e o executado marido desde sempre da ajuda dos respetivos pais, nunca tendo a requerida trabalhado no estabelecimento comercial em causa, sequer tendo conhecimento do incumprimento do marido, do qual apenas tomou conhecimento quando foi citada para a execução, passando-lhe toda a atividade comercial do marido totalmente ao lado, nunca tendo participado ou sido convocada para as assembleias de condomínios.
Conclui pedindo que o incidente seja julgado totalmente improcedente e que seja absolvida do pedido.

Apreciados os requerimentos probatórios apresentados, designou-se data para a produção da prova apresentada pelas partes e admitida.

Produzida a prova, por sentença proferida em 29/10/2019, julgou-se procedente o incidente e determinou-se o prosseguimento da execução também contra a requerida M. C., constando essa sentença da seguinte parte dispositiva:

“Nestes termos julgo procedente o presente incidente de comunicabilidade da dívida, prosseguindo a execução nos termos do disposto no artigo 741º, n.º 5 do CPC, também contra a requerida M. C..
Custas pela requerida”.

Irresignada com o assim decidido, a requerida M. C. interpôs o presente recurso de apelação em que apresenta as seguintes conclusões:

1ª - Na opinião da recorrente, a sentença de que se recorre enferma de uma incorreta interpretação e aplicação das seguintes normas: artigo 703º,1, CPC; artigo 10º,4 e 5 do CPC; artigo 6º, 1 do DL 268/94 de 25-10; artigo 363º, nº 2 do CC; artigo 1424º CC; artigo 10º, alínea b) do DL Nº 149/95 de 24/06;
2ª – Desde logo, como a recorrente teve oportunidade de alegar nos autos e conforme acórdão posterior à decisão recorrida, proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, ainda não transitado, as atas das assembleias de condóminos dadas à execução pelo exequente/recorrido, não constituem título executivo bastante para exigir o pagamento à recorrente das quantias nelas referidas.
3º - Por isso, o tribunal a quo devia ter indeferido o requerimento executivo em causa, pois o título apresentado pelo exequente/recorrido não cabe na previsão da al. d) do nº 1 do art.º 703º do CPC, pelo que não podia valer como título executivo e, por consequência, deviam ser julgados procedentes os embargos à execução na sua totalidade, julgando-se a execução extinta também quanto ao recorrente. Ao assim não julgar, o tribunal a quo violou ainda o disposto nos n.º 4 e 5 do art.º 10.º do Código de Processo Civil.
4º - Preceitua o n.º 1 do art.º 6º do DL n.º 268/94, de 25.10, que “A ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.
5º - É manifesto que o legislador veio atribuir força executiva à ata da assembleia de condóminos, permitindo ao condomínio a instauração de ação executiva contra o proprietário da fração (condómino) devedor, relativamente à sua contribuição para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, na proporção do valor da sua fração, nos termos do art.º 1424.º do C. Civil, ficando dispensado de recorrer ao processo de declaração a fim de obter o reconhecimento desse crédito.
6º - Mas nem toda a ata é considerada título executivo, pois que a lei só o reconhece àquela que “tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio”.
7º - Há quem advogue, de forma restritiva, que apenas são títulos executivos as atas em que estejam exaradas as deliberações da assembleia de condóminos que tiverem procedido à fixação dos montantes das contribuições devidas ao condomínio, fixando-se prazo de pagamento e a quota-parte de cada condómino, argumentando-se que a assembleia de condóminos quando reconhece que o condómino está em dívida com determinado valor reconhece apenas que ele deixou de liquidar a contribuição anteriormente fixada, dentro do prazo estabelecido para o efeito, ou seja, não fixa a contribuição que será devida ao condomínio, antes se limita a constatar a existência dessa dívida e, consequentemente, não constitui título executivo.
8º - Outros advogam que basta que a ata inclua a deliberação da mesma assembleia onde se procedeu à liquidação dos montantes em dívida por cada condómino.
9º - Ponderando os argumentos de ambas as posições, o recorrente considera que o que melhor se adequa ao espírito da lei é o primeiro, desde logo por a fonte da obrigação pecuniária do condómino derivar da aprovação em assembleia de condóminos, consubstanciada na respetiva ata, que aprova e fixa o valor a pagar, correspondente à sua quota-parte para as despesas comuns, e não da declaração feita pelo administrador em assembleia de condóminos de que o condómino deve determinada quantia, ao que se acrescenta ser esse o sentido da última parte do segmento normativo do n.º 1 do art.º 6.º do D.L. 268/94, de 25 de Outubro, ao referir “constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.
10º - No caso concreto, de cada uma das atas dadas à execução, resulta apenas o valor global da alegada dívida, por declaração do administrador (ou melhor, do “representante da Administração do Condomínio”, como ali se lê), sendo que as mesmas nem sequer fixam, desde logo, o prazo de pagamento, impugnando-se, nessa medida, o facto provado constante no artigo 17º da sentença recorrida.
11º - Por outro lado, não se encontra junta a competente deliberação a estabelecer o fundo comum de reserva, nem o fundo de promoção e marketing peticionadas. Acresce notar que a remessa dos alegados valores em dívida para os relatórios e contas deliberados e aprovadas nas assembleias de condóminos em causa não alteram a posição do recorrente, na medida em que estes, pelas considerações acima efetuadas, também não constituem títulos executivos.
12º - Assim, face ao exposto, das atas resulta apenas o valor global da dívida e não mais que isso, pelo que, pelas razões expostas, as mesmas não constituem título executivo.
13º - Por dever de patrocínio, dá-se aqui por reproduzido e integrado para os devidos efeitos legais, o citado Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido sobre o caso dos autos e que revogou a sentença proferida nos embargos de executado, destacando-se aqui o sumariado nesta parte:
2- As normas que prevêem títulos executivos avulsos têm carácter excecional.
3- A ata da assembleia geral de condóminos como título executivo, sendo constitutivo de um crédito do condomínio, à luz do seu elemento literal a respetiva obrigação não deve ser incerta, inexigível ou ilíquida, e, por tudo isto, a própria quantidade da prestação não pode ser indeterminável, como sucede no presente caso (anotação da recorrente).

SEM PRESCINDIR:

II
14º - Mesmo que assim se não entendesse, sempre se alega que, face à prova produzida, todos encargos do condomínio reclamados ao recorrente nos autos devem ser imputados à LOCADORA (entidade bancária), considerando o contrato de locação financeira existente nos autos a fls. 157 e seguintes.
14-Aº – Na verdade, no âmbito do contrato de locação financeira que tem por objeto fração autónoma em causa, cabe ao locatário por força do disposto no artigo 10º nº 1 alínea b) do DL 149/95, de 24 de Junho, a obrigação de pagar as despesas necessárias à fruição das partes comuns do edifício e dos serviços de interesse comum.
15º – No entanto, e perante o condomínio, no caso do locatário financeiro não proceder a esse pagamento, a responsabilidade cabe ao locador financeiro enquanto proprietário da fração autónoma e condómino em conformidade com o disposto no artigo 1424º do Código Civil.
16º - Não estando em causa desconsiderar as características específicas do contrato de locação financeira, entende o recorrente, no entanto, que a norma do referido artigo 10º alínea b) tem apenas eficácia inter partes e não erga omnes.
17º - O legislador expressamente aponta para uma eficácia inter partes do diploma pelo que, ressalvando o devido respeito por entendimento contrário, consideramos que a norma em questão se aplica na relação locador/locatário, na qual, por força da lei, é o locatário que responde pelas despesas correntes perante o locador.
18º - Assim, o artigo 10º ao enunciar que é obrigação do locatário financeiro pagar, em caso de locação de fração autónoma, as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum reporta-se à relação entre os contraentes, sendo certo que o diploma (o Decreto-Lei n.º 149/95) visa regular o regime da locação financeira e as relações o locador e o locatário; já os artigos 1420º e seguintes do Código Civil, onde se insere o referido artigo 1424º, visam regular os direitos e encargos dos condóminos, resultando deste artigo que é o condómino, ou seja o proprietário (pois quem assume a qualidade de proprietário de fração autónoma será, por inerência, considerado condómino do prédio) o responsável pelo pagamento das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum.
19º - Ainda que sobre o locatário, no âmbito do contrato de locação financeira, recaia a obrigação de pagar as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum, perante o condomínio, terceiro relativamente ao contrato de locação, o responsável em última análise (caso o locatário não pague voluntariamente) será sempre o locador e não o aqui recorrente/locatário.
20º - O responsável pelas despesas de condomínio, perante o condomínio, é quem figura como proprietário e este é o locador e não o locatário/recorrente; de facto, o locador financeiro do ponto de vista jurídico é o único proprietário da fração autónoma pois que, independentemente da fruição do imóvel pelo locatário, este apenas poderá vir a adquirir no final do contrato de locação financeira.

Nestes termos, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida, nos termos das articuladas conclusões.
*
A apelada contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação e apresentando as conclusões que se seguem:

A – Não merece qualquer censura a douta sentença recorrida.
B – As atas dadas à execução são título executivo, cumprindo todos os requisitos de que depende a atribuição de força executiva às atas das assembleias de condóminos.
C - Expressamente prevêem o montante das contribuições devidas ao condomínio, qualquer que seja o entendimento sobre o significado a atribuir à expressão “contribuições devidas”.
D – Na verdade, qualquer que seja o entendimento que se deve atribuir à expressão “contribuições devidas”, as atas dadas à execução cumprem os requisitos de exequibilidade.
E - Com efeito, há quem entenda que a ata deverá liquidar o somatório das prestações vencidas e passadas, o que sucede porquanto, de cada uma delas consta o relatório e contas onde é referido o valor em dívida pelo condómino da fração AG à data do fecho de contas, em 31 de dezembro de cada exercício que findou, sendo que também o relatório e contas e consequentemente, esse quadro com os condóminos relapsos é objeto de votação, deliberação, cumprindo assim o estipulado pelo art. 6.º do DL. n.º 268/94.
F – Para os que entendem que são título executivo apenas as atas que aprovam os valores em dívida, as despesas a suportar pelos condomínios, dito de outra forma, as que aprovam os orçamentos das despesas peticionadas, sejam quotas ordinárias, seja o fundo comum de reserva, também foram juntas todas as atas que aprovam os orçamentos referentes às várias prestações peticionadas nos autos executivos.
G – Ou ainda para aqueles que entendem que a ata é título executivo quando aprove um valor global em dívida desde que acompanhada de todas aquelas onde as várias parcelas que compõem tal valor global foram aprovadas, também essa situação se verifica nos autos, aliás, em decorrência das alegações E e F.
H – Advogando a tese da Recorrente que a lei só reconhece força executiva àquela(s) ata(s) que tiver(em) deliberado a criação das contribuições em dívida, por ser(em) esta(s) ata(s) que faz(em) nascer a obrigação(ões) serão títulos executivos aquelas atas que aprovem os orçamentos cujo pagamento das quotas partes referentes ao executado são peticionadas, o que sucede nos presentes autos.
I – Expressamente, foi fixado o prazo de pagamento, sendo que, conforme constam das atas, o valor a pagar mensalmente foi distribuído aos Srs. Condóminos, pelo que, se nenhum outro expressamente tivesse sido fixado sempre se entenderia como data de vencimento o último dia de cada mês nos termos da al. a) do art. 279.º do C.C.
J - Não corresponde minimamente à verdade que não tenha sido junta qualquer deliberação a estabelecer o FCR (fundo comum de reserva); ou do fundo de promoção e marketing. Com efeito, basta ler as várias atas dadas à execução.
L – O Recorrido não consegue sequer perceber a alegação de que das atas resulta apenas o valor global da dívida, quando o Recorrido/exequente juntou todas as atas que aprovaram os orçamentos, os quais por sua vez determinaram a quota parte mensal da Recorrente, em termos de quota ordinária, fundo comum de reserva e fundo de promoção e marketing (x12), ao mesmo tempo que rejeitam que o relatório e contas possa valer como uma deliberação constitutiva de força executiva e que esta seja uma mera declaração do administrador. Será que as atas após o relatório e contas não deliberaram mais nada? Será que uma específica ata de uma reunião especificamente convocada para aprovar o valor em dívida de uma fração e onde se descrevessem discriminadamente as prestações em divida e respetivos valores parciais e total não seria uma ata onde continuaria a mesma a resultar de uma mera declaração do administrador?
M – O douto Acórdão proferido nos presentes autos, como já supra se explicou, não consagra nem aplicou corretamente a doutrina propugnada, nem teve em conta os factos dados como provados.
N – Em abstrato, concorda-se com a doutrina e sumário do douto acórdão, porém, ressalvado o devido respeito, este fez uma incorreta análise dos títulos executivos dados à execução, negligenciando por completo que, na tese do mesmo, “contribuições em dívida” significariam contribuições que vierem a ser devidas, e estas apenas resultam e podem resultar da aprovação dos orçamentos.
O – Porém, o douto acórdão deteve-se exclusivamente nos relatórios e contas cuja força executiva havia rejeitado, negligenciando por completo as deliberações que aprovaram os vários orçamentos, para além de ter extraído conclusões não alicerçadas em quaisquer factos.
P - Não se concorda com a posição de que o único responsável pelo pagamento das prestações devidas ao condomínio seja o locador financeiro.
Q - Primeiro, o locador financeiro adquire o imóvel dado em locação financeira por indicação do locatário, desresponsabilizando-se por quaisquer ónus, defeitos, vícios de facto ou jurídicos que possam incidir sobre o imóvel dado em locação, desligando-se do mesmo.
R - Em segundo lugar, e como é sabido, a responsabilidade do pagamento das prestações de condomínio está a cargo daquele que usa ou tem a possibilidade de usar a fração autónoma, uso efetivo ou potencial que estará na esfera do locatário financeiro.
S - Em terceiro lugar, e ao contrário do que sucede no regime do arrendamento urbano em que a transferência da responsabilidade do pagamento de condomínio é uma mera possibilidade contratual que depende da sua efetiva contratação, e perante a qual o condomínio é um mero terceiro, sendo-lhe inoponível tal convenção das partes; no regime legal da locação financeira, a obrigação do pagamento das despesas de condomínio impende sobre o locatário financeiro.
T - Em quarto lugar, a questão de grande parte da jurisprudência não desonerar (e bem) o locador financeiro da obrigação de pagar condomínio não se confunde com a questão sobre quem é o responsável pelo pagamento de condomínio.
U - Na verdade, o que vem sendo dito (e muito bem) é que o locador financeiro, enquanto proprietário do imóvel, apenas ficará desonerado da obrigação de pagar o condomínio se e na medida em que tal obrigação tiver sido cumprida pelo locatário financeiro, cumprimento este que poderá ser voluntário ou coercivo.
V - Com efeito, dizer-se que o cumprimento do locatário exonerará o locador financeiro não significa dizer que o locatário financeiro não seja responsável por tal pagamento em tal hipótese, ou se trate de uma responsabilidade alternativa, porquanto, quer locador quer locatário financeiros são responsáveis perante o condomínio pelo pagamento das prestações devidas.
X - O condomínio exequente tem assim dois níveis para proceder à cobrança das despesas devidas ao condomínio, ou demanda o locatário financeiro ao abrigo do art. 10.º do DL. 149/95 ou demanda o locador financeiro ao abrigo do regime do C.C.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deve a douta sentença recorrida ser confirmada, com as legais consequências.
*
Entretanto, por acórdão proferido por esta Relação de Guimarães em 07/11/2019, transitado em julgado, nos autos de oposição mediante embargos acima identificados, de que apelante e apelada dão nota, respetivamente, nas suas alegações e nas contra-alegações de recurso cujas conclusões se acabam de transcrever, julgou-se procedente o recurso de apelação interposto pelo executado e embargante J. C. e julgou-se extinta a execução também quanto a este.

Nessa sequência, a 1ª Instância proferiu o despacho que se segue:
“Uma vez que o Tribunal da Relação de Guimarães declarou extinta a execução relativamente ao embargante J. C. o Tribunal considera que tal decisão acarreta a extinção da execução relativamente a M. C..
Assim sendo, o Tribunal considera que se mostra inútil a apreciação do recurso pelo Tribunal superior, devendo ser declarada a inutilidade superveniente da presente lide.
De todo o modo, notifique as partes para, querendo, e no prazo de 5 dias, se pronunciarem, advertindo-as de que nada dizendo, o Tribunal considerará que nada tem a opor”.

Notificados desse despacho, a apelante M. C. nada disse.

Por sua vez, a apelada Condomínio Fórum ... opôs-se a que fosse declarada extinta a instância recursiva, nos termos que se seguem:

1 - O Recorrido opõe-se a que a execução seja declarada extinta relativamente à executada M. C., por inutilidade superveniente da lide.
2 – Não considerando que seja inútil a apreciação pelo Tribunal Superior do recurso interposto.
3 – Com efeito, o douto acórdão proferido no apenso A assentou em vários erros de facto, na leitura e interpretação dos títulos executivos, desde logo, porque defende a tese de que são títulos executivos as atas que deliberam o montante a pagar, ou seja, aquelas que aprovam os orçamentos e posteriormente, debruça-se exclusivamente sobre os relatórios e contas das várias atas cuja eficácia e força executiva havia rejeitado.
4 – Por outro lado, o Venerando Tribunal negou a possibilidade da ata que deliberou que um condómino em dado momento deve um determinado montante ser título executivo, defendendo ao invés que apenas as atas que consagrem as “contribuições devidas” entendidas como contribuições que vierem a ser devidas, são título executivo, para logo de seguida defender que a ata tem que conter inequivocamente o valor a pagar, o que é contraditório entre si (porque cada uma das parcelas peticionadas no requerimento executivo encontrava-se aprovada em cada uma das atas juntas como título executivo, designadamente, nos seus orçamentos, os quais fazem parte integrante da ata, como até o próprio Tribunal da Relação reconheceu, ninguém defendendo a necessidade prévia de se realizar uma assembleia de condóminos apenas com o intuito de declarar a divida atual de um condómino, circunstância que redundaria no tipo de ata cuja força executiva foi negada, para além de outras objeções que nas contra-alegações e teve oportunidade de expor mais detalhadamente).
5 – Acresce que o Venerando Tribunal da Relação efetuou considerações e contabilidade sobre os relatórios e contas com base num raciocínio, sem contudo, ponderar outras variáveis que poderiam e influíram decisivamente na elaboração dos relatórios e contas, tendo desde logo arrancado de um pressuposto errado de que o valor do ano de 2013 não se encontrava justificado e que todos os valores seguintes padeciam do mesmo problema, quando relativamente ao ano de 2013, só se peticionavam duas mensalidades (novembro e dezembro), tendo sido junto a ata que aprovou o orçamento para o ano de 2013,
6 – circunstâncias que se encontram devidamente esclarecidas nas contra-alegações do recurso do apenso B, em virtude da Recorrente ter transcrito e alicerçado a sua tese no acórdão proferido, o que permitiu ao Recorrido esclarecer os equívocos em que laborou o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.
7 – Não tendo sido interposto recurso do douto acórdão já proferido no apenso A apenas e só por falta de alçada.
8 – O recurso no apenso B não respeita sequer às mesmas partes em que foi proferido o acórdão no apenso A, sendo que tal acórdão, para além dos equívocos em que laborou, não representa mais do que uma das teses jurídicas existentes relativamente à força executiva das atas de condomínio, havendo, por esse facto, desde logo, interesse em continuar o recurso.
9 – A Recorrente passou a ser parte principal com o deferimento do incidente de comunicabilidade.
10 – Com a decisão por inutilidade superveniente da lide, a Recorrente/Embargante e Executada principal iria obter o efeito pretendido com a procedência do recurso, sem que a sentença em 1.ª instância lhe tivesse sido favorável nem o recurso interposto tivesse sido provido.
11 – Note-se ainda que os embargos de executado, ainda que sejam um incidente declarativo enxertado na ação executiva, na prática, representam uma contestação ao pedido exequendo, daí que, mesmo no caso de falta de contestação, não se considerem confessados os factos articulados pelo embargante que estejam em contradição com o requerimento executivo.
12 – Assim, a lide principal é a ação executiva, e o que está em causa é a tutela do direito do exequente, assim, aquela inutilidade da lide deverá ser apreciada do lado do Exequente e não do executado.
13 – Por outro lado, o douto acórdão proferido em recurso da decisão proferida no apenso A, ainda que padeça de inúmeros erros na leitura dos títulos executivos (como supra notámos) e portanto, tenha assim sido efetuada uma errónea aplicação do Direito aos factos, não tendo sido alvo de interposição de recurso apenas e só porque o mesmo não era processualmente admissível, tem os seus efeitos circunscritos ao apenso em que foi proferido, aí produzindo os efeitos de caso julgado, destruindo a execução apenas e só relativamente a um executado.
14 – É certo que, no presente recurso, coloca-se novamente a questão da existência de título executivo, mas, com o devido respeito, não se pode ter a certeza de que desfecho será idêntico, até porque existem conceções jurídicas completamente distintas (não descurando a errada leitura que foi efetuada dos títulos executivos).
15 – Acresce que, tendo a Recorrente lançado mão, e transcrito mesmo algumas passagens da fundamentação do douto acórdão proferido no recurso do apenso A, permitiu ao Recorrente explicar os vários erros de facto em que foi elaborado o referido acórdão.
16 – Pelo que crê o Recorrido que a apreciação dos factos, e mais concretamente, dos títulos executivos (enxertada a errónea leitura dos mesmos, com a explicação que em sede de contra-alegações foi possível efetuar-se) irá determinar uma solução/decisão jurídica diferente.
17 – Por outro lado ainda, foi proferida uma decisão no presente apenso (B), a qual tinha total autonomia relativamente ao apenso A, sentença que produziu os seus efeitos na ordem jurídica, e apenas por via do recurso pode ser alterada, em virtude de se ter esgotado o poder jurisdicional do douto Tribunal a quo.
18 – Aliás, o facto de já existir uma decisão que havia sido desfavorável ao executado J. C., em 1.ª instância, não impediu a executada M. C. de usar idêntica argumentação postulando uma nova decisão do mesmo Tribunal, a qual obviamente, se pronunciou sobre todas as questões levantadas pela embargante, não se tendo (e bem) o douto Tribunal escudado no facto de tal questão já ter sido apreciada no apenso A, para aí remetendo, denotando assim a autonomia que existia, existiu e que continua a existir entre os apensos.
19 – A prolação da sentença que julgasse a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide só é possível até à prolação da sentença, sob pena de se inverter, sem um segundo juízo de um tribunal superior, a matéria decisória, com a agravante da questão de fundo (existência de titulo executivo) deixar de poder ser discutida, passando tão somente a discutir-se o acerto da decisão de extinção por inutilidade superveniente da lide.
20 – Pelo exposto, deverá o recurso ser recebido e remetido ao Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

Nessa sequência, a 1ª Instância ordenou a subida do recurso a esta Relação, com os seguintes fundamentos:

Fls. 95 e seguintes: Considerando a posição assumida pelo requerente, que se opôs à declaração da inutilidade superveniente da lide, e não pretendendo o Tribunal, de modo algum, coarctar o legitimo direito ao recurso que assiste às partes, profere-se o seguinte despacho:
Fls. 84 e seguintes: Por a decisão ser recorrível (art. 629º, nº 1, do CPC, “ex vi” do disposto no artigo 853º, nº1, do CPC), por ter legitimidade (art. 631º nº 1 do CPC), admito o presente recurso, que é de apelação [art. 644º, nº1, al. a), do CPC, “ex vi” do disposto no artigo 853º, nº1, do CPC], com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito devolutivo [art. 645º, nº1, al. a), 647º, nº 1, do CPC, “ex vi” do disposto no artigo 853º, nº1, do CPC].
Notifique e subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Guimarães (art. 641º, nº1, do CPC)”.
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
*
II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
No seguimento do que se caba de dizer, as questão que se encontra submetida à apreciação desta Relação resume-se em saber se a sentença recorrida, que julgou procedente o incidente de comunicabilidade da dívida exequenda suscitada pela apelada, determinando o prosseguimento da execução também contra a apelante M. C., padece de erro de direito em virtude de, contrariamente ao decidido nessa sentença, na perspetiva da apelante, as atas das assembleias de condóminos dadas à execução não constituem título executivo para exigir o pagamento àquela das quantias nelas referidas e por ser sobre o proprietário locador que recai o ónus de pagar os encargos do condomínio quando a fração se encontra dada em locação financeira, como é o caso do presente.
No entanto, antes de se apreciar essas questões, suscita-se a seguinte questão prévia, que consiste em determinar os reflexos jurídicos decorrentes do trânsito em julgado do acórdão proferido por esta Relação de Guimarães em 07/11/2019, que julgou procedente a apelação interposta pelo executado J. C. nos autos de oposição à execução mediante embargos, revogando a sentença proferida nesses autos de oposição, que julgou parcialmente procedente os embargos, determinando a extinção da execução relativamente à ora apelante M. C. (sentença essa que, nessa parte, transitou em julgado, dado que a ora apelada dela não recorreu), mas que tinha ordenado o prosseguimento da execução quanto ao executado J. C., no que respeita à quantia de 6.080,15 euros, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, desde a data de vencimento de cada uma das prestações de condomínio em dívida até efetivo e integral pagamento, acórdão esse que julgou igualmente extinta a execução quanto ao executado e aí apelante J. C..
*
A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na sentença recorrida, a 1ª Instância julgou provada a facticidade que se segue:

1. A exequente deu à execução o documento de fls. e seguintes dos autos principais, respeitante à ata nº 14, respeitante à Assembleia Geral de Condóminos do condomínio exequente, realizada no dia 06-03-2013, que foi convocada e reuniu quórum deliberativo.
2. Foi deliberado e aprovado o relatório e contas relativo ao período de 01/01/2012 a 31/12/2012 nos termos do qual a fração AG era devedora da quantia de € 3.117,51, bem como foi aprovado o orçamento relativo ao período de 01/01/2013 até 31/12/2013, nos termos do qual deveria pagar a quantia mensal de € 101,15 a título de quota ordinária e a quantia de € 10,12/mês a título de fundo comum de reserva, bem como a quantia mensal de € 31,45 relativa ao fundo de promoção e marketing.
3. Foi ainda dado à execução o documento de fls. e seguintes dos autos principais, respeitante à ata nº 15 e nº 16, respeitante à Assembleia Geral de Condóminos do condomínio exequente, realizada no dia 04-06-2014, com continuação em 18-06-2014, que foi convocada e reuniu quórum deliberativo.
4. Foi deliberado aprovar o relatório e contas relativo ao período de 01/01/2013 a 31/12/2013 nos termos do qual a fração AG era devedora da quantia de € 4.624,81, bem como foi aprovado o orçamento relativo ao período de 01/01/2014 até 31/12/2014, nos termos do qual deveria pagar a quantia mensal de € 101,15 a título de quota ordinária e a quantia de € 10,12/mês a título de fundo comum de reserva, bem como a quantia mensal de € 31,45 relativa ao fundo de promoção e marketing.
5. Foi ainda dado à execução o documento de fls. e seguintes dos autos principais, respeitante à ata nº 17, respeitante à Assembleia Geral de Condóminos do condomínio exequente, realizada no dia 17-03-2015, que foi convocada e reuniu quórum deliberativo.
6. Foi deliberado aprovar o relatório e contas relativo ao período de 01/01/2014 a 31/12/2014 nos termos do qual a fração AG era devedora da quantia de € 4.729,95, bem como foi aprovado o orçamento relativo ao período de 01/01/2015 até 31/12/2015, nos termos do qual a executada deveria pagar a quantia mensal de € 106,75 a título de quota ordinária e a quantia de € 10,68/mês a título de fundo comum de reserva, bem como a quantia mensal de € 31,45 relativa ao fundo de promoção e marketing.
7. Foi ainda dado à execução o documento de fls. e seguintes dos autos principais, respeitante à ata nº 18, respeitante à Assembleia Geral de Condóminos do condomínio exequente, realizada no dia 22-02-2016, que foi convocada e reuniu quórum deliberativo.
8. Foi deliberado aprovar o relatório e contas relativo ao período de 01/01/2015 a 31/12/2016 nos termos do qual a fração AG era devedora da quantia de € 6.260,63, bem como foi aprovado o orçamento relativo ao período de bem como foi aprovado o orçamento relativo ao período de 01/01/2016 até 31/12/2016, nos termos do qual a executada deveria pagar a quantia mensal de € 114,56 a título de quota ordinária e a quantia de € 11,46/mês a título de fundo comum de reserva, bem como a quantia mensal de € 31,45 relativa ao fundo de promoção.
9. Foi ainda dado à execução o documento de fls. e seguintes dos autos principais, respeitante à ata nº 19, respeitante à Assembleia Geral de Condóminos do condomínio exequente, realizada no dia 15-02-2017, que foi convocada e reuniu quórum deliberativo.
10. Foi deliberado aprovar o relatório e contas relativo ao período de 01/01/2016 a 31/12/2016 nos termos do qual nos termos do qual a fração AG era devedora da quantia de € 6.667,20, bem como foi aprovado o orçamento relativo ao período de 01/01/2017 até 31/12/2017, nos termos do qual os executados deveriam pagar a quantia mensal de € 114,56 a título de quota ordinária e a quantia de € 11,46/mês a título de fundo comum de reserva, bem como a quantia mensal de € 31,45 relativa ao fundo de promoção e marketing.
11. O executado J. C., devidamente convocado para o efeito, não esteve presente nem se fez representar na reunião, tendo-lhes sido, porém, entregue a ata com cópia das deliberações.
12. Em 31-08-1992, o executado J. C. e a requerida M. C., contraíram casamento, um com o outro, sem convenção antenupcial. 13. Na fração autónoma integrante da exequente (e cuja falta de pagamento das quantias devidas ao exequente no período de novembro de 2013 a setembro de 2017 supramencionadas deu origem à execução apensa), o cônjuge da requerida desenvolvia a sua atividade de comércio (compra e venda) de material elétrico e iluminação, com intuito lucrativo.
14. Nos termos do contrato de locação financeira imobiliária que incidiu sobre a fração AG todas as despesas relativas ao condomínio são da responsabilidade do locatário (executado J. C.).
15. Também com os rendimentos da atividade do executado J. C., e com o produto da venda dos artigos e serviços prestados que realizava na fração autónoma AG, o executado e a requerida proviam ao sustento, habitação e educação do seu agregado familiar.
16. A requerida também trabalhava na loja do marido.
17. As obrigações decorrentes do contrato de locação financeira foram avalizadas pela requerida.
18. Em 2 de novembro de 2017, a requerida reiniciou a mesma atividade do executado, seu marido.
19. Devido à acumulação de dívidas, o cônjuge da requerida teve de encerrar o estabelecimento comercial.
20. A requerida não foi convocada para participar nas reuniões de condomínio.
21. No apenso de embargos de executado, a requerida foi julgada parte ilegítima.
*
E julgou como não provados os factos que se seguem:

Não se provou, com relevância para a decisão da causa, a restante factualidade alegada, designadamente que a atividade comercial exercida pelo executado nunca foi lucrativa; o cônjuge marido e a requerida sempre viveram da ajuda dos familiares; a requerida desconhecia a relação contratual entre o executado e a exequente; o comércio do marido “passava-lhe totalmente ao lado” e que só teve conhecimento do incumprimento do cônjuge marido quando foi citada para a execução.
*
B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

B.1- Questão prévia.

Tendo por acórdão proferido por esta Relação em 07/11/2019, nos autos de oposição à execução mediante embargos intentados pelos executados J. C. e pela aqui apelante M. C., onde por sentença proferida em 04/05/2019, a oposição à execução já tinha sido julgada procedente quanto à aqui apelante M. C. e onde foi declarada extinta a execução quanto à última, sentença essa que, nessa parte, transitou em julgado, sido julgada procedente a apelação intentada pelo executado e aí embargante J. C., declarando também, quanto a ele, extinta a execução, aresto esse que transitou em julgado, urge indagar das consequências jurídicas do transito em julgado desse acórdão no presente incidente de comunicabilidade da dívida exequenda suscitada pela aqui apelada, determinando se esse trânsito acarreta, conforme escreveu a 1ª Instância no despacho que proferiu em observância do princípio do contraditório, “a inutilidade superveniente da lide” ou antes, eventualmente, a impossibilidade superveniente da lide relativamente ao presente incidente ou se, conforme pretende a apelada, esse trânsito em julgado nenhum reflexo tem no andamento do presente incidente, não tornando, designadamente, inútil o presente recurso, em virtude de pretensamente o acórdão proferido por esta Relação nos autos de oposição mediante embargos assentar em vários erros de facto e de direito, não representando mais do que uma das teses jurídicas existentes relativamente à força executiva das atas de condomínio; por a apelante ter passado a ser parte principal com o deferimento do incidente de comunicabilidade da dívida exequenda e por existir autonomia entre o presente incidente de comunicabilidade da dívida e os autos de oposição mediante embargos onde foi proferido o identificado aresto.

A este propósito diremos que se impunha à 1ª Instância, após ter observado o contraditório sobre a questão dos reflexos jurídicos do trânsito em julgado do mencionado aresto, tomar posição definida sobre os reflexos jurídicos decorrente do trânsito em julgado desse acórdão no âmbito do presente incidente de comunicabilidade da dívida exequenda à apelante, independentemente da posição que foi assumida sobre essa questão pela apelante, até porque os tribunais encontram-se submetidos ao princípio da legalidade estrita.

Não o tendo feito, observado que está o contraditório das partes sobre essa concreta questão, cumpre a esta Relação operar essa apreciação, uma vez que independentemente da posição que sobre a mesma foi adotada pela apelada, caso o trânsito em julgado desse acórdão opere a inutilidade superveniente da lide quanto ao presente incidente ou, antecipe-se desde já, conforme nos parece ser o caso, a impossibilidade superveniente da lide quanto àquele, tal obstará ao conhecimento da presente apelação, sob pena de se estar a praticar um ato inútil e como tal proibido por lei (art. 130º do CPC).
Posto isto, incumbe referir que numa sociedade democrática, ninguém está isento à crítica, a qual, de resto, é salutar uma vez que propícia a reflexão sobre os múltiplos pontos de vista em que determinada questão é suscetível de ser perspetivada e, nessa medida, contribui decisivamente para melhorar a solução que venha a ser adotado quanto às várias questões que carecem de solução.
A crítica é ainda fator de incentivo para quem tem a responsabilidade de decidir sobre as questões que lhe são submetidas se sentir responsabilizado e incentivado a apetrechar-se, técnica, científica e intelectualmente, com todos os conhecimentos e dados que lhe permita tomar a decisão o mais acertadamente possível.
Como tal, enquanto órgãos de soberania, os tribunais não podem, sequer devem estar, sequer estão, imunes à crítica, designadamente, dos cidadãos, destinatários das suas decisões, a quem naturalmente assiste o direito de criticar as decisões judiciais, de exercerem o seu direito legítimo ao recurso, tendo em vista a sindicância dessas decisões pelas instâncias superiores e cujo labor é, em grande parte, público.
Com efeito, a atividade dos tribunais é pública, publicidade essa que se manifesta, desde logo, na publicidade do processo e da audiência final.
Diremos mesmo que a atividade dos tribunais é daquelas que, salvo o devido respeito por entendimento contrário, é das mais sindicadas, como não poderia deixar de ser.
Na verdade, essa sindicância é desde logo feita pelas próprias partes, pelos respetivos causídicos, pelo público e pelos órgãos de comunicação em geral, a quem assiste o direito de, nos termos definidos no CPC, assistir às audiência e ter acesso aos processos, dada a natureza pública dos mesmos, além de que essa sindicância é realizada pelas instâncias superiores em sede de recurso.
Acresce dizer que independentemente da publicidade das audiências de julgamento e dos processos e do direito das partes ao recurso, naturalmente que aos cidadãos assiste, no exercício do seu direito fundamental e constitucionalmente tutelado da liberdade de expressão, o direito de criticar as decisões judiciais, ainda que transitadas em julgado.
Noutro prisma, incumbe referir que sendo o Direito uma ciência social, e como tal uma ciência dita de “não exata”, naturalmente que a interpretação da Lei e a sua aplicação ao caso concreto, além de variar em função da concreta sociedade histórica e do concreto momento histórico em que o aplicador daquele é chamado a interpretá-lo e a aplicá-lo, essa interpretação e aplicação, a maioria das vezes, não é tarefa fácil e linear, não admirando por isso, que sobre a mesma Lei e sobre a mesma questão jurídica se assista, as mais das vezes, a várias correntes doutrinais e jurisprudenciais, de que são exemplo as questões tratadas nos autos de oposição à execução, onde conforme dá nota apelante e apelada nas suas alegações e contra-alegações de recurso apresentadas no âmbito dos presentes autos, mas igualmente nos autos de oposição à execução, não existe unanimidade de pontos de vista a propósito dos requisitos de exequibilidade das atas das assembleias de condomínio.
Dir-se-á que se essas diferenças doutrinais e jurisprudenciais acerca da interpretação e aplicação da Lei é fator de incompreensão por parte dos leigos, os quais naturalmente, quando se dirigem a um causídico ou a um tribunal almejam e pretendem que lhes sejam dadas resposta e soluções concretas, precisas e uniformes sobre essas questões e para o problema que submetem a julgamento, assim como quando recorrem a um técnico de uma ciência dita de exata ou natural, designadamente, a um médico, esperam que lhes seja dada uma resposta concreta, precisa e exata sobre a questão que motiva o recurso a esse técnico, nomeadamente quanto ao problema de saúde que o afeta e que pretendem ver prontamente curado, onde a natureza objetiva própria dessas ciências faria esperar um maior grau de objetividade e de certeza do que aquele que se verifica nas ciências sociais, por natureza, menos certas e objetivas, a verdade é que, conforme resulta das regras da experiência da vida, mesmo nas ciências ditas naturais e exatas, são raras as vezes as situações em que se obtêm respostas concretas, unívocas, objetivas e precisas, quer porque a questão suscitada apresenta contornos de complexidade que fogem ao campo de perceção do leigo, mas que naturalmente não podem, sequer devem, escapar ao olhar do técnico e de serem por ele ponderadas na resposta a dar à questão que lhe é colocada ou na solução que tem de adotar para a resolução do concreto problema com que se vê confrontado, quer porque a evolução do ramo dessa concreta ciência não permite dar ainda respostas ou soluções seguras, cabais, certas, objetivas e unívocas.
Se essa incompreensão é natural e compreensível nos leigos, já mais problemática é quando essa postura é adotada pelos próprios técnicos, os quais naturalmente não podem, sequer devem ignorar, a multiplicidade das facetas em que um concreto problema pode ser perspetivado, as limitações do conhecimento do ramo de ciência em que se insere e da própria capacidade e do conhecimento humano, assim como o caráter menos objetivo de determinados ramos da ciência, como é claramente o caso do Direito, onde a complexidade da maioria das questões que nele são colocadas raramente permitem dar respostas objetivas e unívocas, até porque, reafirma-se, sobre a mesma questão jurídica, frequentes vezes, existem várias correntes doutrinais e jurisprudenciais.
Diremos que condição para a existência de uma sociedade democrática é que existam procedimentos claramente estipulados na Lei, a que todos se encontram subordinados e com que, por isso, com cuja aplicação podem contar e cuja observância é condição de segurança e de estabilidade.
No Direito e mais concretamente, no ramo do direito cível, esses procedimentos encontram-se explanados principalmente no CPC.
Com efeito é no CPC que se estabelecem os tipos de processo existentes, sejam declarativos ou executivos, as regras procedimentais a observar em cada um desses tipos processuais, as condições de recorribilidade (ou não) das decisões judiciais proferidas e a noção do trânsito em julgado, quer na sua vertente formal, quer material.
Como é sabido entre juristas, a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação (art. 628º do CPC).
Conforme também é sabido entre juristas, o caso julgado pode ser formal, também designado de externo ou de simples preclusão ou pode ser material ou interno.
O caso julgado formal é aquele que se forma em relação a sentenças ou despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual (art. 620º, n.º 1 do CPC) e significa que essas sentenças ou despachos que versam apenas sobre a relação processual, logo que transitem em julgado, por não admitirem recurso ordinário, sequer reclamação, obstam a que essa questão processual não possa mais ser decidida de forma diversa naquele mesmo processo.
O caso julgado formal não obsta, porém, que essa questão processual possa ser decidida em termos diversos num outro processo, pelo mesmo ou por outro tribunal.
Com efeito, como já referia Manuel Andrade no longínquo ano de 1979, não provendo essas decisões que decidam apenas sobre a relação processual sobre os bens litigados, isto é, sobre o fundo da causa (mérito), entendeu o legislador que não existe inconveniente de maior na possibilidade dessa decisão meramente processual ser desrespeitada num outro processo (1).

Diversamente é o caso julgado material ou interno, o qual recai sobre sentenças que versam sobre o fundo da causa e, portanto, sobre os bens discutidos no processo, definindo a relação ou situação jurídica deduzida em juízo, isto é sobre o mérito.
Essas sentenças de mérito, logo que transitem em julgado, não admitindo recurso ordinário, sequer reclamação, operam caso julgado material, o que significa que a definição que deram à relação controvertida se impõe a todos os tribunais e a todas e quaisquer outras autoridades, quando lhe sejam submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (ação destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm de acatar a decisão tomada pelo tribunal quanto a essa concreta decisão, julgando em conformidade, sem nova discussão (2), pelo que essa questão de mérito assim decidida não mais poderá ser discutida perante qualquer outro tribunal entre os mesmos litigantes e tendo por objeto a mesma relação jurídica, isto é, os mesmos sujeitos, pedido e causa de pedir, passando o decidido a ter força obrigatória geral dentro e fora do processo.
Deriva do que se vem dizendo que independentemente do direito à crítica que assista à apelada “Condomínio Fórum ...”, quanto ao que ficou decidido no acórdão desta Relação de 07/11/2019, que julgou procedente a apelação que tinha sido interposta pelo executado e embargante J. C. da sentença proferida pela 1ª Instância em 04/05/2019, nos autos de oposição à execução, acórdão esse que julgou procedente essa apelação e que declarou extinta a execução, também quanto a esse executado e, bem assim, do seu inconformismo em relação ao assim decidido e dos erros de facto e de direito que lhe assiste o direito de continuar a imputar a esse aresto, o certo é que este transitou em julgado, não podendo, por conseguinte, esta ignorar esse trânsito e dos reflexos jurídicos dele decorrentes.

Vejamos:

A apelada “Condomínio Forum …”, instaurou ação executiva para pagamento de quantia certa, contra J. C. e M. C., dando à execução várias atas da assembleia de condóminos.
Os executados deduziram oposição à execução mediante embargos.
Não obstante não exista, a propósito desta concreta questão unanimidade de pontos de vista doutrinais e jurisprudenciais sobre a natureza da oposição à execução, cremos que o entendimento maioritário, e que é aquele que sufragamos, é no sentido de que a oposição à execução constitui uma verdadeira ação declarativa, que corre por apenso aos autos de execução, em que o executado suscita questões de conhecimento oficioso, alega factos novos, apresenta novos meios de prova e levanta questões de direito que estejam a sua disponibilidade (ex: prescrição ou compensação que não tenha invocado antes da ação executiva – arts. 303º e 848º, n.º 1 do CC), com vista a obter a extinção da execução e em que o pedido é precisamente a extinção total ou parcial da execução (art. 732º, n.º 4 do CPC) (3), ou dito por outras palavras, a oposição à execução é o meio processual pelo qual o executado exerce o seu direito de defesa perante o pedido do exequente e em que o pedido é a extinção parcial ou total da execução (4).
Não obstante a procedência do pedido de oposição à execução seja, em princípio, estritamente processual, na medida em que opera a extinção da execução, operando, por conseguinte, caso julgado formal, não convém esquecer que nos termos do n.º 5 do art. 732º do CPC, “para além dos efeitos sobre a instância executiva, a decisão de mérito proferida nos embargos de execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda”, o que significa que o legislador atual, estendeu à sentença de mérito proferida nos autos de oposição que julgue extinta a execução com fundamento na inexistência, invalidade e/ou inexigibilidade da obrigação exequenda, os efeitos do caso julgado material, de modo que o exequente/embargado não só verá extinta essa concreta execução, como ficará impedido de instaurar nova execução contra os mesmos executados embargantes, com base nesse título executivo cuja obrigação que titula foi julgada inexistente, inválida e/ou inexigível contra os embargantes, sequer poderá discutir a existência, validade ou exigibilidade dessa obrigação noutra ação, seja a título principal ou prejudicial.
No caso presente, por sentença proferida nos autos de oposição à execução em 04/05/2019, foi julgada procedente a oposição quanto à ora apelante M. C. e a execução foi declarada extinta quanto a esta executada, ora apelante.
Essa sentença transitou em julgado, o que significa que contrariamente ao pretendido pela apelada e exequente “Condomínio Fórum ...”, M. C., deixou de ter a qualidade jurídica de executada em consequência do trânsito em julgado dessa sentença, jamais podendo aquela exequente instaurar execução contra a identificada M. C. com base nas atas de condóminos que servem de título à execução julgada extinta, por a isso se opor o trânsito em julgado dessa sentença.
É certo que entretanto, por requerimento entrado em juízo em 13/09/2018, na sequência precisamente daquela sentença, que julgou procedente a oposição à execução deduzida por M. C., declarando extinta a execução contra esta, a exequente Condomínio Fórum ... veio deduzir incidente de comunicabilidade da dívida exequenda contra a identificada M. C., nos termos do disposto no art. 741º do CPC, na qualidade de cônjuge do outro executado, J. C., alegando factos que, uma vez provados, de acordo com a lei substantiva, levaria a que se concluísse que o crédito exequendo consubstancia uma dívida comum de ambos os cônjuges, isto é, do executado J. C., contra quem a execução instaurada prosseguiu os seus termos legais, não obstante este ter interposto recurso dessa sentença, e da requerida M. C..
Precise-se que o incidente de comunicabilidade da dívida suscitado pelo exequente a que alude o mencionado art. 741º do CPC, é um mecanismo processual em que o legislador da reforma de 2003 veio solucionar aquelas situações em que o exequente apenas dispõe de título executivo contra um dos cônjuges, mas em que por força da lei substantiva, essa dívida exequenda é da responsabilidade de ambos os cônjuges.
Trata-se de um verdadeiro incidente declarativo destinado a assegurar a comunicabilidade da dívida ao cônjuge do executado nos títulos executivos subscritos apenas por um dos cônjuges e que possibilita ao exequente a possibilidade de estender a execução ao outro cônjuge em relação ao qual não possua título executivo, mas que de acordo com a lei substantiva, seria igualmente responsável pelo pagamento da dívida, por se tratar de dívida comum, facultando-se ao exequente a possibilidade de alegar fundadamente, tanto no requerimento executivo como em requerimento autónomo autuado por apenso até ao início das diligências para venda ou adjudicação, que a dívida, constante de título executivo diverso da sentença é comum (n.º 1 do art. 741º do CPC).
O incidente tem como pressuposto que o título executivo não seja uma sentença.
Na verdade, sendo o título executivo uma sentença, não é admissível o recurso ao incidente em causa em virtude do exequente ter podido, na ação declarativa que instaurou e onde obteve o título executivo dado à execução (a sentença, transitada em julgado) de ter instaurado essa ação declarativa contra o cônjuge do demandado, pelo que se não o fez, sib imputet, tendo-se precludido o seu direito a ver apreciada judicialmente a questão da comunicabilidade da dívida ao cônjuge não demandado e de, em sede de execução, tendo por título a sentença condenatória do cônjuge demandado, de recorrer ao incidente do art. 741º do CPC (5).
O outro requisito para o recurso ao incidente seja admissível é que a execução tenha sido instaurada contra um dos cônjuges – “movida execução apenas contra um dos cônjuges”.
Nesses casos, mediante a dedução do incidente, o exequente convida o cônjuge do executado, em relação ao qual não dispõe de título executivo, mas em relação ao qual, em função dos factos alegados pelo mesmo no requerimento mediante o qual deduz o incidente, em função do direito substantivo aplicável a esses factos, a dívida exequenda seria também da sua responsabilidade, por se tratar de uma dívida comum dos cônjuges, a declarar, no prazo de 20 dias, se aceita a comunicabilidade dessa dívida, baseado nos fundamentos alegados, com a cominação de que, se nada disser, a dívida considera-se comum, sem prejuízo da oposição à execução que deduza (art. 741º, nºs 2 e 3, al. a) do CPC).
A não declaração expressa pelo cônjuge de que não aceita a comunicabilidade da dívida, ou mediante requerimento de separação de bens ou prova da pendência de processo de separação, constitui automaticamente um título executivo extrajudicial contra aquele, que passa, com base nele, a ser também executado (6), passando a dívida a ser comum (n.º 2).
O cônjuge do executado poderá declarar que não aceita a comunicabilidade da dívida.
Nesses casos, segue-se instrução, discussão e julgamento, nos termos gerais dos incidentes da instância (arts. 741º, n.º 1 e 4, 742º, n.º 2 e 785º, n.º 2 do CPC), findo o qual o juiz decide (7).
Se a dívida foi julgada como sendo comum, a execução prossegue também contra o cônjuge não executado, cujos bens próprios podem ser nela subsidiariamente penhorados e se antes da penhora dos bens comuns tiverem sido penhorados bens próprios do executado inicial, este pode requerer a respetiva substituição por bens comuns (n.º 5 do art. 741º).
Já se a dívida foi julgada como não sendo comum e tiverem sido penhorados bens comuns, o cônjuge não executado deve, no prazo de 20 dias após o trânsito em julgado da decisão, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa de que já a requereu, sob pena da execução prosseguir sobre os bens comuns (n.º 6 do art. 741º do CPC).
Note-se que a decisão final que vier a recair sobre a natureza comum ou não da dívida exequenda apenas faz caso julgado dentro do processo executivo, por força do n.º 2 do art. 91º do CPC (8).
Por outro lado, o recurso ao incidente em causa tem como pressuposto que existia um dívida do cônjuge executado, em relação ao qual o exequente possua título executivo, que não uma sentença judicial, mas em relação à qual, face aos factos alegados (e que venham a ser provados no incidente), em função das regras substantivas aplicáveis a esses factos alegados e provados, deva ser considerada comum do executado e do respetivo cônjuge contra quem o incidente tenha sido deduzido, e que se encontre pendente a execução contra esse cônjuge, executado inicial, posto que, de contrário, não existe dívida exequenda a comunicar/estender ao cônjuge do executado.
Tal significa que o incidente em causa é acessório e dependente não só da existência de título executivo contra o cônjuge primitivo, em relação a quem a execução foi instaurada, como também da pendência da execução movida contra esse cônjuge inicial, pelo que desaparecido essa execução, desaparece o fundamento legal do incidente e da comunicabilidade da dívida ao respetivo cônjuge, nela determinada, ainda que por decisão transitada em julgado que, em sede desse incidente, declarou a divida exequenda comunicada ao cônjuge do executado.
Aliás, o mecanismo previsto no art. 741º do CPC é precisamente um incidente da ação executiva, o que significa que esse incidente não pode subsistir sem a subsistência da execução de que é incidente, de que é acessório e dependente, até porque, reafirma-se, tratando-se de um incidente que visa proporcionar ao exequente, que disponha apenas de título executivo contra o executado, contra quem instaurou a execução, a invocação da comunicabilidade da dívida, pressupõe a existência da dívida exequenda contra o cônjuge contra quem a execução foi instaurada pelo exequente e a pendência/subsistência dessa execução.
Ora, naturalmente que vindo, em sede de oposição à execução, por decisão transitada em julgado, a julgar procedente a exceção da inexequibilidade do título executivo contra o primitivo executado e a determinar a extinção da execução contra este, em relação ao qual a exequente dispunha de título executivo, como aconteceu nos autos, ou vindo a julgar procedente, por decisão transitada em julgado, outra causa de extinção da execução contra o executado originário, nomeadamente, por inexistência, invalidade ou outra causa substantiva de extinção da dívida, naturalmente que deixa de existir dívida do cônjuge executado suscetível de ser comunicada ao respetivo cônjuge.
Noutra perspetiva, na esteira daquela que é a posição de Rui Pinto (9), o incidente em causa reconduz-se a um fenómeno de extensão da eficácia extrajudicial do título executivo que o exequente dispunha contra o cônjuge executado ao cônjuge deste, em que o título executivo contra o cônjuge do executada é formado pelo título executivo que o exequente apresentou à execução e pela decisão judicial de comunicação da dívida ao cônjuge não executado e, inerentemente, da extensão da responsabilidade subjetiva pela dívida, pelo que desaparecido o título executivo contra o cônjuge primitivo executado (contra quem a execução foi intentada pelo exequente), deixa de existir título executivo contra o cônjuge do último contra quem foi deduzido o incidente e que viu nele estendida a extensão da eficácia extrajudicial do título executivo que o exequente dispunha contra o seu cônjuge.
Logo, nos casos em que instaurado o incidente contra o cônjuge do executado, este declare aceitar a natureza comum da dívida ou nos casos em que este recuse essa comunicabilidade, mas venha a ser proferida, no incidente, decisão judicial que declare essa mesma comunicabilidade da dívida exequenda ao último, ainda que essa decisão transite em julgado, sempre que venha a ser proferida decisão, transitada em julgado, que julgue extinta a execução contra o seu cônjuge, primitivo executado, desaparece automaticamente o fundamento da comunicabilidade da dívida ao cônjuge daquele contra quem foi instaurado o incidente e que viu esse incidente julgado procedente, por decisão transitada em julgado, deixando de existir, quanto a ele, título executivo, impondo-se, nesses casos, julgar extinta a execução por impossibilidade superveniente da lide contra o mesmo, com todas as consequências daí decorrentes.
Com efeito, o título executivo que antes existia contra o cônjuge do primitivo executado e que era constituído pelo complexo documental, formado pelo título executivo que o exequente apresentou à execução que intentou contra o cônjuge primitivo executado, o qual era o único que figurava como devedor do crédito exequendo nesse título executivo e contra quem, por isso, foi instaurada a execução, e pela decisão judicial transitada em julgado de comunicação da dívida ao cônjuge deste, que estendeu ao último subjetivamente essa execução, que antes existia, deixou de existir em consequência da decisão judicial, transitada em julgado, que julgou inexistir título executivo contra o cônjuge, primitivo executado.
Transpondo o que se acaba de referir para o caso dos autos, contrariamente ao pretendido pela apelada e exequente Condomínio Fórum ..., o incidente de comunicabilidade da dívida que deduziu contra a cônjuge do primitivo executado, a aqui apelante M. C., não se encontra findo, uma vez que da sentença proferida pela 1ª Instância que julgou procedente esse incidente, foi interposto o presente recurso de apelação, pelo que esta não figura ainda como executada, o que, para a sorte destes autos, seria, aliás, totalmente indiferente – vide fundamentos supra.
Neste contexto, não há que se julgar extinta a execução contra a apelante M. C. por impossibilidade superveniente da lide, mas antes julgar extinto o próprio incidente de comunicabilidade da dívida que a exequente (apelada) contra ela deduziu, por impossibilidade superveniente da lide, por via do trânsito em julgado do acórdão proferido por esta Relação de Guimarães, que julgou procedente a exceção da inexequibilidade do título executado contra o cônjuge daquela, primitivo executado, nos autos de oposição à execução.
Logo, o caso dos autos é uma nítida situação de extinção da instância quanto ao incidente em causa por impossibilidade superveniente da lide quanto ao cônjuge do primitivo executado em relação ao qual foi deduzido o incidente com o objetivo de lhe estender subjetivamente a execução intentada contra o seu marido, por via da alegada natureza de dívida comum do crédito exequendo.
Resulta do que se vem dizendo, improcederem todos os fundamentos invocados pela apelada que, na sua perspetiva, impediam que se julgasse extinto o presente incidente que deduziu contra a apelante M. C., impondo-se julgar extinto esse incidente por impossibilidade superveniente da lide, com a consequente e inerente impossibilidade superveniente da lide quanto ao recurso de apelação interposto pela apelante M. C., até porque, como é sabido, os processos judiciais destinam-se a dirimir conflitos entre litigantes, conflito esse que, no caso, deixou de existir, e não a solucionar questões jurídicas abstratas, insuscetíveis de se projetarem no conflito que lhe é submetido a julgamento, papel esse que cabe à Doutrina e as Universidades de Direito, mas nunca aos Tribunais.
*
*
Decisão:

Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores desta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar extinto o incidente de comunicabilidade da dívida deduzido pela apelada Condomínio Fórum ... contra a apelante M. C., por impossibilidade superveniente da lide, com a inerente impossibilidade superveniente da presente lide recursiva.
*
Custas em ambas as instâncias pela apelada Condomínio Fórum ..., uma vez que a impossibilidade superveniente da lide do incidente de comunicabilidade lhe é totalmente imputável, dado que foi ela que deduziu o incidente em causa, quando não dispunha de título executivo contra o cônjuge da apelada, conforme, entretanto, veio a ser decidido por acórdão desta Relação, transitado em julgado, que julgou procedente a exceção da inexequibilidade do título executivo contra o executado J. C., e uma vez que todos os fundamentos que aduziu que, na sua perspetiva, eram impeditivos que se julgasse extinto o presente incidente da comunicabilidade da dívida que deduziu contra a apelante, se mostram improcedentes (arts. 527º, n.ºs 1 e 2 e 536º, n.º 3 do CPC).
*
Guimarães, 23 de abril de 2020
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores:

Dr. José Alberto Moreira Dias (relator)
Dr. António José Saúde Barroca Penha (1º Adjunto)
Dr. José Manuel Alves Flores (2º Adjunto)


1. Domingos de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, pág. 304.
2. Domingos de Andrade, ob. cit., pág. 305.
3. Lebre de Freitas, “A Ação Executiva À Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 6ª ed., Coimbra Editora, págs.193 e 194.
4. Rui Pinto, “A Ação Executiva”, AAFDL Editora, 2018, págs.365 a 369, onde se lê que que “quanto ao conteúdo (…) o direito de defesa corporiza-se num pedido do executado na extinção da execução (art. 732º, n.º 4) com fundamentos que para os títulos diversos da sentença têm, em geral, o teor próprio da contestação, mas que, na oposição à execução de sentença, além de mais restritos, se aproximam dos fundamentos do recurso de revisão por ilegalidade e das ações de reabertura do contraditório, isto é, dos meios de defesa contra uma decisão judicial. Processualmente a defesa do executado não integra o procedimento de execução: tem a natureza de uma petição inicial que impulsiona uma ação declarativa, incidental à execução, fisicamente correndo por apenso. Nela o autor é o executado e o réu o exequente. No final a sentença ditará a procedência ou improcedência do pedido de extinção da execução do autor-executado, parte passiva da execução. Trata-se de uma contra-ação (…), dotada de autonomia de instância, mas acessória da ação executiva, porquanto justificada pela sua estrita função de defesa de uma pretensão executiva: sem execução não há oposição à execução. Desta acessoriedade decorre, ainda, tratar-se de uma ação especial, pelo objeto e pelo procedimento. (…) é uma ação declarativa constitutiva processual e, acessória e eventualmente, uma ação de simples apreciação da existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda”. No mesmo sentido de que a oposição à execução é uma ação de natureza declarativa, enxertado no processo no processo executivo, por via do qual o executado requer ao tribunal a improcedência total ou parcial da execução vide Marco Carvalho Gonçalves, “Lições de Processo Civil Executivo”, 2016, Almedina, págs. 195 e 196.
5. Rui Pinto, ob. cit., pág. 525.
6. Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 257.
7. Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 258.
8. Rui Pinto, ob. cit., pág. 528.
9. Rui Pinto, ob. cit., pág. 528, onde escreve que nos casos de comunicação da dívida ao cônjuge terceiro, o título executivo contra o cônjuge “é um complexo documental, formado pelo título executivo diversa de sentença que o exequente apresentou à execução e pela decisão judicial de comunicação da dívida ao cônjuge não executado e, inerentemente, de extensão da responsabilidade subjetiva pela dívida. Efetivamente, a decisão judicial de comunicação da dívida nada declara quanto à existência e valor da obrigação exequenda, pelo que só por si não constitui título executivo. E, por seu turno, a comunicação da dívida não altera, pela via processual, o conteúdo do negócio que a formaliza; não constitui um suprimento da falta de uma declaração negocial, se quisermos. Não: a comunicabilidade dá expressão ao que já decorre da lei, isto é, ao que resulta da verificação de uma causa legal de extensão da responsabilidade pela dívida”, acrescentando na nota 1564, dessa pág. 528, que essa é a posição de Maria José Capelo, “quando escreve que «concedeu-se não só ao exequente, mas também ao executado, a possibilidade de alargar o âmbito subjetivo do título», estando em causa «um fenómeno de extensão da eficácia do título extrajudicial»”.