Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
396/14.7T8PRT.G1
Relator: PEDRO ALEXANDRE DAMIÃO E CUNHA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE GRUPO
CONTRATO DE MÚTUO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: “I. O contrato de seguro de grupo, na modalidade de seguro de vida, quando coligado com um contrato de mútuo (empréstimo à habitação), destina-se a garantir o pagamento do empréstimo contraído pelos mutuários (pessoas seguras), junto do Banco (tomador/beneficiário), intervindo a Seguradora como obrigada a pagar a este o capital mutuado, no caso do mutuário segurado falecer.
II – Esse direito de crédito eventualmente existente sobre a Seguradora, nunca chega a integrar o património da pessoa segura (nem dos seus herdeiros), cabendo a sua titularidade ao Banco, enquanto beneficiário do contrato de seguro celebrado.
III. Não existindo obrigação de capital, a partir do momento em que ocorre o sinistro, porque a Seguradora obrigou-se a liquidar o capital em divida nessa data, não pode, para futuro, subsistir a obrigação de pagamento de juros remuneratórios.
IV. Assim, tendo o Banco/ mutuante continuado a cobrar à pessoa segura (aos seus herdeiros), após o sinistro, as prestações relacionadas com o empréstimo, terá que proceder à sua devolução.
V. Nesta circunstâncias, o Banco/ mutuante está também obrigado a restituir os juros remuneratórios vincendos, após aquela data, uma vez que estes juros só se mantêm, na medida em que exista e enquanto exista a obrigação de capital.”
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO Nº 396/14.7T8PRT.g1

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Comarca de Braga- Guimarães- Instância (Juízo) Central-1ª Secção execução-J1

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Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.

Recorrente: AA;

Recorrida: BB e CC;

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BB, por si e na qualidade de herdeira da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de DD, e CC, na qualidade de herdeiro do falecido acima identificado, instauraram a presente acção declarativa com processo comum contra AA, e EE.
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Objecto do litígio
Os Autores, invocando a existência dos contratos de seguro do ramo vida, titulados pelas apólices nºs 16.XXXXX, 15.XXXXX e 18.XXXXX, vieram deduzir os seguintes pedidos:
A. Condenar-se a 1ª Ré, AA, a reconhecer que todas as dívidas existentes em 04.12.2013 emergentes dos contratos de mútuo hipotecário nº 541 010445297, de 25.07.1997, e nº 0040.00490656740, de 29.07.2008, celebrados entre a mesma e DD e mulher BB se extinguiram nessa mesma data, em virtude do óbito nesse dia verificado da pessoa segura nas apólices/certificados de seguro nºs 16.XXXXX e 18.XXXXX, DD;
B. Condenar-se a 1ª Ré, a reconhecer que por culpa sua não foram alegadamente pagos os prémios dos seguros de vida referentes às apólices/certificados de seguro nºs 16.XXXXX e 18.XXXXX, em que figurava como pessoa segura DD;
C. Condenar-se a 1ª Ré, a reconhecer que nem nas datas de assinatura das propostas de adesão aos seguros de grupo a que se referem as apólices/certificados de seguro nºs 16.XXXXX e 18.XXXXX, nem posteriormente àquelas, entregou às pessoas seguras DD e BB quaisquer documentos, nomeadamente as Condições Gerais, Particulares e Especiais, referentes aos seguros de vida que subscreveram, nem tão-pouco lhes foram lidas e explicadas as cláusulas e condições por que haveriam de reger-se os referidos contratos de seguro de vida;
D. Condenar-se a 1ª Ré a reconhecer que jamais deu o seu consentimento expresso, por escrito, à 2ª Ré para a anulação/resolução dos contratos de seguros a que se referem as apólices/certificados de seguro nºs 16.XXXXX e 15.XXXXX;
E. Condenar-se a 1ª Ré, caso se prove que procede de culpa sua a alegada anulação/resolução das apólices/certificados de seguro nºs 16.XXXXX e 15.XXXXX, no pagamento aos Autores das indemnizações previstas nas mesmas, correspondentes à diferença (remanescente) entre o saldo de € 26.663,21 da dívida à 1ª Ré, em 04.12.2013, evidenciado pelos contratos de mútuo hipotecário nºs 541 010445297, de 25.07.1997 e nº 0040.00490656740”, de 29.07.2008, e o valor de € 50.903,83 correspondente à soma dos capitais seguros pelas duas sobreditas apólices/certificados, ou seja, uma indemnização global de € 24.240,62, a que acrescem juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal de 4% ao ano, até efectivo e integral pagamento, computando-se os primeiros à data da propositura da acção em € 600,37;
F. Condenar-se a 1ª Ré a restituir aos Autores, todas as quantias, a liquidar em execução de sentença, acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, até efectivo e integral pagamento, que a partir de 04.12.2013 foram debitadas na conta de depósitos à ordem nº 0000.03266632001 31 ou noutras tituladas ou co-tituladas pela 1ª Autora, referentes às amortizações mensais dos empréstimos à habitação titulados pelos contratos (mútuo com hipoteca) nº 541 010445297, de 25.07.1997, e nº 0040.00490656740, de 29.07.2008;
G. Condenar-se a 1ª Ré a restituir aos Autores todas as quantias, a liquidar em execução de sentença, acrescidas dos juros de mora à taxa legal até efectivo e integral pagamento, que a partir de 04.12.2013 foram debitadas na conta de depósitos à ordem nº 0000.0326663200131, referentes ao pagamento de prémios do seguro de vida de DD, titulado pela apólice/certificado de seguro nº 15.XXXXX;
H. Condenar-se a 1ª Ré, caso resulte provado que a alegada anulação/resolução da apólice de seguro de vida nº 18.XXXXX, em que figurava como pessoa segura DD, procede de culpa da mesma, a indemnizar os herdeiros legais do de cujus DD, aqui Autores, pela quantia de € 25.000,00, correspondente ao capital seguro, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento, computando-se os vencidos à data da propositura da acção em € 619,18;
I. Condenar-se a 2ª Ré, EE, a reconhecer que jamais, até 04.12.2013, comunicou a 1ª Ré, nos termos da lei, a sua intenção de proceder à resolução dos contratos de seguro titulados pelas apólices/certificados de seguro nºs 16.XXXXX e 15.XXXXX, em que figuravam como pessoas seguras DD e BB, instando aquela a comunicar-lhe por escrito se era sua intenção proceder ao pagamento dos prémios alegadamente em dívida;
J. Condenar-se a 2ª Ré a reconhecer que à data do óbito de DD, em 04.12.2013, as apólices/certificados de seguro nºs 16.XXXXX, 15.XXXXX e 18.XXXXX, se encontravam válidas e plenamente eficazes;
K. Condenar-se a 2ª Ré a reconhecer que não comunicou validamente às pessoas seguras constantes das três apólices/certificados de seguro nºs 16.XXXXX, 15.XXXXX e 18.XXXXX a sua intenção e efectivação da resolução dos respectivos contratos;
L. Condenar-se a 2ª Ré no pagamento aos Autores das indemnizações previstas nas apólices/certificados de seguro nºs 16.XXXXX e 15.XXXXX, correspondentes à diferença (remanescente) entre o saldo de € 26.663,21 da dívida à 1ª Ré evidenciado pelos contratos de mútuo hipotecário nºs 541 010445297, de 25.07.1997 e nº 0040.00490656740”, de 29.07.2008, em 04.12.2013, e o valor de € 50.903,83 correspondente à soma dos capitais seguros pelas sobreditas apólices/certificados, ou seja, uma indemnização global de € 24.240,62, a que acrescem juros de mora vencidos e vincendos taxa legal de 4% ao ano, computando-se os primeiros à data da propositura da acção em € 600,37;
M. Condenar-se a 2ª Ré, caso se prove ter sido ilicitamente resolvido o contrato de seguro de vida a que se refere a apólice nº 18.XXXXX, sem que para tanto tivesse concorrido qualquer espécie de culpa da 1ª Ré, no pagamento aos Autores da indemnização correspondente ao montante do capital seguro, de € 25.000,00, acrescido dos juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal de 4% ao ano, até efectivo e integral pagamento, computando-se os primeiros, à data da propositura da acção em € 619,18.
N. Subsidiariamente, e ante a hipótese meramente académica de improcedência dos pedidos supra formulados, deverá condenar-se a 2ª Ré, por enriquecimento sem causa, no pagamento aos Autores da quantia de € 75.903,83, correspondente ao somatório dos capitais contratados para os seguros de vida titulados pelas apólices/certificados de seguros nºs 16.XXXXX, 15.XXXXX e 18.XXXXX, acrescida de juros de mora à taxa legal, calculados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
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Citadas as Rés contestaram, requerendo que a presente acção fosse julgada não provada e improcedente, por não provada, alegando, na essência, ter existido comunicação adequada das cláusulas contratuais e que os Autores tiveram conhecimento quer da falta de pagamento dos prémios, quer da interpelação para a falta de pagamento e da resolução. Mais alegou a segunda Ré que pagou à primeira Ré o montante de € 7.469,77 ao abrigo do contrato de seguro nº 15.XXXXX, o qual não foi resolvido por falta de pagamento do prémio de seguro.
Terminaram pedindo a improcedência da acção e, para o caso de se considerar a resolução ineficaz, a 2ª Ré veio ainda deduzir pedido reconvencional contra a Autora pedindo a condenação desta a pagar àquela os prémios de seguro que teriam sido pagos se os seguros não tivessem sido resolvidos, até à data do sinistro, que perfazem a quantia de € 2.965,32.
Notificados, os Autores apresentaram a Réplica, na qual deduziram a excepção peremptória da prescrição do direito da Ré reconvinte EE e pediram que seja julgada totalmente improcedente, porque não provada, a reconvenção deduzida pela referida Ré, absolvendo-se os Autores do pedido reconvencional formulado a título subsidiário.
Vieram ainda reduzir o pedido formulado na petição inicial pelo montante de € 7.469,77 que a 2ª Ré já pagou à 1ª Ré.
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Foi realizada a audiência prévia, no âmbito da qual foram admitidos a redução do pedido e o pedido reconvencional, após o que foi elaborado despacho saneador, fixado o objecto do litígio e foram enunciados os temas de prova.
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Apreciados todos os requerimentos probatórios, designou-se dia para a audiência final, à qual se veio a proceder com inteira observância das formalidades legais, como consta da respectiva acta.
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De seguida, foi proferida a sentença que constitui o objecto do presente Recurso, onde o Tribunal de 1ª Instância conclui com a seguinte decisão:
“…III. Decisão:
Pelo exposto:
A) julgo parcialmente procedente a acção e, em consequência:
A. condena-se o AA, a reconhecer que todas as dívidas existentes em 04.12.2013 emergentes dos contratos de mútuo hipotecário nº 541 010445297, de 25.07.1997, e nº 0040.00490656740, de 29.07.2008, celebrados entre a mesma e DD e mulher BB se extinguiram nessa mesma data, em virtude do óbito nesse dia verificado da pessoa segura nas apólices/certificados de seguro nºs 16.XXXXX e 15.XXXXX, DD;
B. condena-se o Banco Réu a restituir aos Autores, todas as quantias, a liquidar posteriormente, acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, até efectivo e integral pagamento, que a partir de 04.12.2013 foram debitadas na conta de depósitos à ordem nº 0000.03266632001 31 ou noutras tituladas ou co-tituladas pela 1ª Autora, referentes às amortizações mensais dos empréstimos à habitação titulados pelos contratos (mútuo com hipoteca) nº 541 010445297, de 25.07.1997, e nº 0040.00490656740, de 29.07.2008;
C. condenar-se a Ré EE a reconhecer que à data do óbito de DD, em 04.12.2013, a apólice/certificado de seguro nº 16.XXXXX se encontrava válida e plenamente eficaz, por não ter comunicado validamente às pessoas seguras constantes da apólice/certificado de seguro nºs 16.XXXXX a sua intenção e efectivação da resolução do respectivo contrato;
D. condena-se a 2ª Ré no pagamento ao banco Réu do valor da indemnização prevista na apólice/certificado de seguro nº 16.XXXXX em dívida à 1ª Ré ao abrigo do contrato de mútuo hipotecário nº 541 010445297, de 25.07.1997, no valor de € 19.139,44 (dezanove mil cento e trinta e nove euros e quarenta e quatro cêntimos);
absolvendo as Rés do restante peticionado.
(…)
B) julgo parcialmente procedente a reconvenção, deduzida a título subsidiário e, em consequência, condeno os Autores a proceder ao pagamento à 2ª Ré da quantia de 1.081,33 (mil e oitenta e um euros e trinta e três cêntimos). “.
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É justamente desta decisão que o Recorrente AA. veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“1ª- O presente recurso apenas tem por objecto os dois segmentos da douta sentença referentes aos pontos 2 e 3 da decisão, ou seja, a condenação do banco apelante a reconhecer que os contratos de empréstimo se extinguiram com o óbito do mutuário marido e a restituir aos Autores todas as quantias por si recebidas após o óbito do referido mutuário.
2ª- A douta sentença “a quo” nos dois pontos da decisão de que se recorre, reproduziu na íntegra os pedidos formulados pelos AA nas alíneas A e F do pedido, sem que na fundamentação de facto ou de direito se tenha pronunciado sobre estas duas questões.
3ª- A única referência que é feita na sentença sobre esta matéria, é a que consta no final do capítulo D - Direito, onde diz o seguinte ”Impendendo sobre a seguradora a obrigação de pagar ao banco o capital em dívida no momento da morte, este nada mais pode exigir dos segurados a partir daquele momento, devendo ser restituídos aos Autores os valores pagos a título de prestações do aludido empréstimo. Com efeito, obtendo o pagamento do total do capital em dívida a partir daquela data, fica com o capital totalmente pago”.
4ª- Tendo em consideração esta fundamentação, não poderia a douta sentença ter condenado o banco a reconhecer, por um lado, a extinção dos contratos de mútuo na data do óbito e a restituir todas as quantias por si recebidas após essa data.
5ª- Os juros remuneratórios devidos no âmbito dos contratos de mútuo e que estão englobados nas prestações pagas pelos mutuários, não estão abrangidos pelas coberturas dos seguros de vida celebrados por estes (ver matéria de facto constante dos pontos 5 e 10 dos Factos Provados).
6ª- A douta sentença não podia condenar o banco mutuante a reconhecer que a partir da data do óbito nada mais é exigível à mutuária sobreviva e aos herdeiros do mutuário falecido, bem como a restituir todos os montantes por si recebidos após esse óbito, incluindo-se aqui os juros remuneratórios não cobertos pelo seguro, sem fundamentar em sede do direito essa decisão.
7ª- A douta decisão, na breve fundamentação sobre esta questão, refere expressamente o capital, quando diz que “obtendo o pagamento do capital em dívida (…) fica com o capital totalmente pago”, não podendo daí extrapolar-se para a obrigação do banco de restituir os juros remuneratórios por si cobrados após o óbito de um dos mutuários e em execução do contrato de mútuo.
8ª- Os fundamentos utilizados na douta sentença, estão em oposição com a decisão ou, quando muito, estamos perante uma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível.
9ª- Na sua contestação, mais propriamente nos arts. 37º a 43º desse articulado, o Réu, aqui apelante, alegou e fundamentou que o banco mutuante não deve ser responsabilizado pelo pagamento dos juros remuneratórios vencidos após o óbito do mutuário marido.
10ª- A douta sentença não se pronunciou sobre esta matéria, deixando assim de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
11ª- A douta sentença está pois ferida de nulidades que importa sanar.
12ª- Os contratos de mútuo outorgados entre a apelada e o seu falecido marido e o apelante só se extinguem com o pagamento integral do capital mutuado.
13ª- A morte de um dos mutuários, não extinguiu automaticamente esses contratos, mantendo-se as obrigações emergentes dos mesmos na esfera jurídica da outra mutuária e dos herdeiros do mutuário falecido.
14ª- Até ao pagamento integral do capital mutuado a efectuar pela seguradora, o banco credor tem direito a receber dos mutuários as prestações que entretanto se foram vencendo, nas quais se incluem os juros remuneratórios que, conforme as condições contratuais do seguro de vida, não estão cobertos pelas garantias do seguro.
15ª- A indemnização a pagar pela seguradora corresponde ao montante do capital em dívida e não inclui os juros remuneratórios vencidos até à data do pagamento ao banco do referido capital.
16ª- O banco apelante não foi responsável por qualquer atraso na reclamação do sinistro junto da seguradora, não lhe sendo pois imputável o facto da seguradora apenas ter procedido ao pagamento do capital em dívida para além da data do óbito do segurado.
17ª- A existir qualquer dano proveniente dessa dilação temporal, o mesmo teria de ser imputado à seguradora que recusou, por sua iniciativa, o pagamento do capital seguro.
18ª- O apelante apenas está obrigado a restituir aos apelados os montantes que recebeu dos mesmos a título de capital e não o montante respeitante aos juros remuneratórios.
19ª- A douta sentença ao ter decidido como decidiu não fez uma correta aplicação do disposto no art. 762º do CC.
Nestes termos deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta sentença da 1ª instância em conformidade. “
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Foram apresentadas contra-alegações, onde os Recorridos pugnam pela improcedência do Recurso.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, o Recorrente coloca as seguintes questões que importa apreciar:
I)-Nulidade da sentença;
II)- Saber se até ao pagamento integral do capital mutuado a efectuar pela seguradora, o Banco credor tem direito a receber dos mutuários as prestações que entretanto se foram vencendo, na parte respeitante aos juros remuneratórios.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença proferida em 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
“A. Factos Provados
1. Em 04.12.2013, no Hospital de Braga, sito na freguesia de S. Vítor, da mesma cidade, faleceu DD, conforme certidão de fls. 72 e 73 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2. O referido DD faleceu no estado de casado com a Autora BB e deixou como descendente o Autor CC, conforme certidão do procedimento simplificado de habilitação de herdeiros e registos constante de fls. 74 a 75 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
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3. Através do documento denominado “TÍTULO PARTICULAR (Lei de 16 de Abril de 1874 e Decreto de 7 de Janeiro de 1876) CONTRATO Nº. 541 010445297 (COM HIPOTECA)”, outorgado em 25.07.1997, a Companhia Geral de Crédito Predial Português, S.A., que posteriormente adoptou a firma AA, declarou dar de empréstimo a DD e BB, a quantia de 8.000.000$00 (oito milhões de escudos), a que corresponde € 39.903,83, para construção ou beneficiação do imóvel implantado ou a implantar no prédio identificado no referido contrato exclusivamente destinado à sua habitação própria permanente, conforme documentos de fls. 60 a 71 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
4. Neste apenas ficou acordado, na cláusula 16ª, que “O imóvel hipotecado será seguro em companhia seguradora aceite pela “IC” e, só com o seu prévio acordo, poderá o “Devedor” alterá-lo ou anulá-lo.”
5. Com o propósito de assegurar o pagamento do capital mutuado em dívida, no caso de morte ou incapacidade permanente dos mutuários, o aludido falecido DD e a Autora BB, em 19.08.1997, subscreveram aos balcões da aludida Companhia Geral de Crédito Predial Português, SA um documento denominado “CRÉDITO À HABITAÇÃO VIDA GRUPO; DECLARAÇÃO INDIVIDUAL DE ADESÃO”, impresso em papel timbrado da Mundial Confiança, Companhia de Seguros, conforme documento de fls. 83 a 85 e cujo teor se dá por reproduzido para todos os legais efeitos.
6. Consta da aludida proposta, para além do mais, os seguintes dizeres:
“Tomador do seguro: Crédito Predial Português
Coberturas contratadas:
- Morte ou invalidez total e permanente
- Capital (valor do crédito): 8.000.000$00
- Duração do empréstimo: 25 anos
7. E ainda: “DECLARAÇÃO DE AUTORIZAÇÃO DE DESCONTO:
Autorizo o CRÉDITO PREDIAL PORTUGUÊS a transferir, para a conta do TOTTA SERVIÇOS Nº 5077087/001 o valor do seguro apresentado pela COMPANHIA DE SEGUROS MUNDIAL CONFIANÇA, S.A.; da minha conta à ordem nº 3.266.632/001”, sendo esta seguida da assinatura de DD.
8. Este seguro foi, em 2001, transferido para a Ré seguradora, o que foi comunicado à Autora e falecido marido pelo banco Réu.
9. Previamente à adesão ao seguro, os colaboradores do banco informaram a Autora e o falecido marido dos riscos cobertos e dos prémios a pagar.
10. A Autora e o falecido marido sabiam que o capital seguro correspondia ao capital em dívida no empréstimo e que o prémio seguro era pago mensalmente por débito da sua conta à ordem.
11. O prémio respeitante ao mês de Dezembro de 2008 não foi pago por não existir saldo suficiente na conta à ordem da Autora e do falecido marido.
12. Na sequência, por carta datada de 15.01.2009, a Ré seguradora enviou apenas ao falecido marido da Autora uma interpelação para pagamento do montante em dívida, no prazo de 30 dias, sob pena de resolução do contrato de seguro, referindo que o prémio poderia ser pago por cheque à ordem da Ré seguradora, conforme documento de fls. 280 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
13. Não tendo sido efectuado qualquer pagamento, por carta registada, datada de 16.02.2009, a Ré seguradora comunicou apenas ao falecido marido da Autora, a resolução do contrato de seguro com a apólice 16.XXXXX, com efeitos a partir de 24.02.2009, conferindo a possibilidade de reposição do mesmo mediante pagamento do valor em dívida até 16.08.2009, conforme documentos de fls. 281 e 482 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
14. O falecido marido da Autora recepcionou, pelo menos, as declarações para efeitos de IRS referentes à apólice nº 16100263, relativas aos anos fiscais de 2005 e 2006 que lhe foram remetidas pela Ré seguradora, conforme documentos de fls. 91 a 94 dos presentes autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
15. Logo após a verificação do óbito de DD, foi dado conhecimento ao banco Réu a ocorrência do sinistro, tendo este dado conhecimento de tal facto à Ré seguradora em 13.12.2013.
16. A 1ª Ré continuou a debitar mensalmente na conta de depósitos à ordem da Autora e do falecido marido as prestações mensais do empréstimo aludido em 3, ascendendo estas a montante não concretamente apurado.
17. À data do falecimento do dito DD o capital do empréstimo em dívida era de € 19.193,44, sendo que o valor dos prémios entre Dezembro de 2008 e Dezembro de 2013 ascenderia à quantia de € 1.081,33.
18. Em resposta a uma comunicação da Autora, através de carta datada de 28.03.2014, a Ré seguradora veio dizer que “Somos a informar que as comunicações referidas no Decreto Lei nº 72/2008 de 16 de Abril, art. 204º, nº 1, foram efectuadas, abstendo-se o Beneficiário irrevogável da respectiva resposta, de acordo com a referida norma.”.
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19. Através de um outro documento denominado “TÍTULO PARTICULAR, CONTRATO Nº. 0040.00490656740” celebrado e outorgado em 29.07.2008, o AA declarou dar de empréstimo a DD e BB, a quantia de € 11.000,00 (onze mil euros) para “liquidação integral de igual importância actualmente em dívida, emergente do empréstimo hipotecário nº. 0000.10445297541 concedido ao «Mutuário» em 1997/08/25 pela IC”, conforme documento de fls. 95 a 104 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
20. Consta do número dois da Cláusula décima-segunda do citado documento que, “O «Mutuário» declara ter conhecimento que constitui sua obrigação subscrever apólice de seguro de vida que tenha a “IC” como beneficiária, cobrindo, os riscos de morte e invalidez absoluta e definitiva ou outros riscos, por acidente e/ou doença, consoante o que tiver acordado com a “IC”, e até ao limite do capital e nas condições constantes do presente contrato.”
21. O nº 4 da citada cláusula prevê que “Em caso de incumprimento das obrigações identificadas na presente Cláusula, pode a “IC” efectuar, por conta do «Mutuário», os pagamentos que se mostrem em falta, debitando os respectivos custos na conta de depósitos à ordem acima identificada, bem como, em caso de sinistro, receber em seu nome as indemnizações a que houver lugar.”.
22. O nº 5 da Cláusula em apreço estipula que “Os aludidos seguros só poderão ser alterados ou anulados por intermédio da “IC” ou com o seu prévio acordo.”.
23. Dando satisfação ao estipulado na referida cláusula décima-segunda, DD e BB outorgaram, em 05.06.2008, aquando das negociações para a contracção de novo empréstimo de € 11.000,00, um documento denominado “SEGURO DE VIDA GRUPO – CRÉDITO À HABITAÇÃO; BOLETIM DE ADESÃO”, constando do seu canto superior esquerdo o logótipo e a firma “Santander Totta”, e ao pé de página o logótipo e a firma “Seguros Santander Totta – Entidade responsável pelas Coberturas e Garantias”, conforme documento de fls. 105 a 109 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
24. Contém, ainda e além do mais, o referido documento os seguintes dizeres:
“TOMADOR DO SEGURO: AA.”
“Dados do(s) Empréstimo(s):
- Nº Processo 004010490656740
- Valor Inicial Empréstimo € 11.000,00
- Duração: 168 meses”
“Beneficiários:
Do capital seguro, a EE. entregará ao AA., o capital em dívida.
O remanescente, se existir, a favor de:”.
“As pessoas seguras renunciam expressamente à alteração da cláusula beneficiária e o AA. aceita expressamente o benefício que foi feito a seu favor.”
25. Mais consta do aludido documento que:
“O Capital inicial Seguro é igual ao valor inicial do empréstimo, multiplicado pelo coeficiente da percentagem atribuída a cada Pessoa Segura, no caso da opção MULTITITULAR (a escolher na página seguinte – Opções de Adesão e Definições).”, tendo sido assinalada a quadrícula “DUAS CABEÇAS”.
26. Anexa ao referido “Boletim de Adesão” encontra-se uma “Autorização de Transferência Bancária”, datada do mesmo dia, com os seguintes dizeres: “Por débito da conta abaixo indicada queiram proceder ao pagamento das importâncias correspondentes ao seguro contratado na EE N.I.B. XXXX; Data: 05.06.2008; Colaborador: FF; Balcão: Barroselas.”, seguidos das assinaturas dos aludidos DD e BB.
27. Tal seguro deu lugar à emissão do certificado de seguro nº 339364, constando do certificado emitido, com data de 16.12.2013 o seguinte:
“Empréstimo associado: 31004000490656740;
1ª Pessoa segura: DD;
2ª Pessoa segura: BB;
Beneficiários:
i) Capital em dívida do empréstimo contraído pelas Pessoas Seguras, à data da ocorrência: AA.
QUE EXPRESSAMENTE ACEITA O BENEFÍCIO;
Capital remanescente ao capital em dívida à data da ocorrência:
OS HERDEIROS LEGAIS, EM CONJUNTO, NA PROPORÇÃO DO RESPECTIVO TÍTULO SUCESSÓRIO.
e) Garantias e Valores Seguros:
Morte 7.469,77 €
Invalidez Total e Permanente por Doença ou acidente 7.469,77 €
O Capital Seguro é igual ao valor do empréstimo em dívida à data de efeito acima indicada, multiplicado pelo coeficiente da percentagem atribuída à Pessoa Segura em referência, sendo, durante a vida do contrato, no máximo o capital constante do boletim de adesão que serviu de base à emissão deste contrato. O AA., informará a Seguradora sobre a evolução do capital em dívida do empréstimo, que multiplicado pelo referido coeficiente resultará no capital seguro que será actualizado com periodicidade anual.
Fazem parte do presente contrato, este Certificado Individual bem como as Condições Gerais, Condições Especiais e as declarações das Pessoas Seguras no Boletim de Adesão.”, conforme documento de fls. 116 a 117 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
28. Previamente ao preenchimento do referido boletim de adesão, os funcionários do banco Réu informaram a Autora e o falecido marido das condições do contrato, mormente no que respeita às coberturas e exclusões, capital seguro e pagamento de prémios.
29. Após a Ré seguradora ter aceite o seguro enviou ao falecido marido da Autora a respectiva apólice e condições gerais e especiais do mesmo, conforme carta de fls. 320 a 327 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
30. A Autora e o seu falecido marido bem sabiam que o capital seguro correspondia ao capital em dívida do empréstimo.
31. Tendo recebido a participação do sinistro, a Ré seguradora, por carta de 30.01.2014, dirigida à Autora, solicitou o certificado de óbito em que constasse a causa da morte, para que a Ré seguradora pudesse avaliar se o sinistro se encontrava ou não no âmbito das coberturas contratadas, conforme documento de fls. 333 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
32. Por carta datada de 25.08.2014, a Ré seguradora solicitou ao mandatário da Autora, novamente o envio do certificado de óbito, conforme documento de fls. 334 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
33. Em 03.09.2014, a Ré seguradora reiterou o pedido e informou que o seguro de vida titulado por esta apólice se encontrava em vigor, conforme documento de fls. 335 e 336 e cujo teor se dá por reproduzido para todos os legais efeitos.
34. E, em 05.09.2014, a Ré seguradora requereu junto da Conservatória o respectivo certificado, que foi recebido em 15.09.2014, com a causa da morte: neoplasia do recto em estado terminal, conforme documentos de fls. 337 a 339.
35. Em 24.09.2014, a Ré seguradora informou o mandatário da Autora que o sinistro foi aceite, e que iria proceder ao pagamento ao banco do capital seguro e em dívida à data do sinistro, que era de € 7.469,77, conforme documento de fls. 340 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
36. Após o falecimento do marido da Autora, a Ré debitou na conta de depósitos da Autora e do falecido marido relativamente à apólice 15.XXXXX, em 2.01.2014 o valor de € 17,14 e, em 2.02.2014 o valor de € 17.14.
*
37. Em 26.07.2006, o falecido DD firmou com o EE. um acordo denominado “SEGURO DE VIDA INDIVIDUAL PLANO PROTECÇÃO”, com duração de um ano e seguintes, com o capital de € 25.000,00, o qual deu lugar à emissão da apólice nº 18.XXXXX, conforme documentos de fls. 286 a 312 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
38. Consta da respectiva proposta, para além do mais, os seguintes dizeres:
“Autorização de Transferência Bancária:
Por débito da conta indicada queiram proceder ao pagamento da importância correspondente à apólice contratada com o EE N.I.B. XXXX Data de efeito: 26.07.2006”, seguida das assinaturas do aludido DD.
39. E consta da referida apólice:
Beneficiário: os herdeiros legais, em conjunto, na proporção do respectivo título sucessório;
Seguro principal: 25.000,00 €;
Garantias Complementares:
- Invalidez total e permanente 25.000,00 €;
- Morte por acidente 25.000,00 €;
- Morte p/ acid. Circulação 25.000,00 €.
Prémios:
- Fraccionamento mensal 22,78 €
40. O nº 2 das Condições Gerais da apólice refere como Coberturas Principais:
a) Morte;
b) Sobrevivência;
c) Qualquer combinação dos riscos a) e b).
41. Previamente à subscrição do referido boletim, os funcionários do balcão do banco Réu informaram o falecido marido da Autora das condições do contrato, nomeadamente no que respeita às coberturas, capital seguro e pagamento de prémios.
42. Após ter aceite o seguro, a Ré seguradora, em 28.07.2006, enviou ao falecido marido da Autora a respectiva apólice e condições contratuais do mesmo, conforme documento de fls. 289 a 312 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
43. O pagamento dos prémios relativos aos meses de Abril, Maio e Junho de 2009 não foi efectuado por falta de provisão da conta bancária da Autora e marido.
44. Na sequência, em 03.06.2009, a Ré seguradora enviou ao marido da Autora, uma interpelação para pagamento, no prazo de 30 dias, sob pena de resolução do contrato de seguro, referindo que os prémios poderiam ser pagos por cheque à ordem daquela, conforme documento de fls. 313 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
45. Por carta registada, datada de 6.07.2009, a Ré seguradora comunicou ao falecido marido da Autora a resolução do contrato de seguro com efeitos a partir de 14.07.2009, conforme documentos de fls. 314 e 481 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
46. Foram enviadas ao marido da Autora as declarações para efeitos de IRS do pagamento dos prémios desta apólice relativas aos anos fiscais de 2008 e 2009 (referentes aos prémios de Janeiro a Março), conforme documentos de fls. 318 e 319 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
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B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

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Comecemos por analisar a primeira questão apresentada pelo Recorrente como fundamento do Recurso.
1-Nulidade da sentença
Entende a Recorrente que:
2ª- A douta sentença “a quo” nos dois pontos da decisão de que se recorre, reproduziu na íntegra os pedidos formulados pelos AA nas alíneas A e F do pedido, sem que na fundamentação de facto ou de direito se tenha pronunciado sobre estas duas questões. (…)
7ª- A douta decisão, na breve fundamentação sobre esta questão, refere expressamente o capital, quando diz que “obtendo o pagamento do capital em dívida (…) fica com o capital totalmente pago”, não podendo daí extrapolar-se para a obrigação do banco de restituir os juros remuneratórios por si cobrados após o óbito de um dos mutuários e em execução do contrato de mútuo.
8ª- Os fundamentos utilizados na douta sentença, estão em oposição com a decisão ou, quando muito, estamos perante uma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível.”



Importa conhecer dos vários vícios suscitados.
O primeiro refere-se à alegada omissão de pronúncia – art. 615º, al. d)- do CPC.
Decidindo.
Segundo o disposto no art. 615º, n.º 1 al. d), do CPC é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
A previsão deste art. 615º, n.º 1 al. d) está em consonância com o comando do n.º 2 do art. 608.º do mesmo Código, em que se prescreve que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
No entanto, importa não confundir questões colocadas pelas partes, com os argumentos ou razões, que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões neste ou naquele sentido. As questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
Coisa diferente das questões a dirimir/decidir são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões no sentido do art. 608.º, n.º 2 do CPC; Assim, se na apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este não se pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui uma qualquer nulidade da decisão por falta de pronúncia(1).
A não apreciação de algum argumento ou razão jurídica invocada pela parte pode, eventualmente, prejudicar a boa decisão sobre o mérito das questões suscitadas; Porém, daí apenas pode decorrer um, eventual, erro de julgamento (error in iudicando), mas já não um vício (formal) de omissão de pronúncia.
Feito este enquadramento, cabe referir que a decisão recorrida não padece do aludido vício, na estrita medida em que, tal como o Recorrente, aliás, admite, a sentença contém na sua fundamentação de direito a pronúncia sobre os questionados pedidos.
Na verdade, o Tribunal, de uma forma- é certo- sintética, pronuncia-se sobre a questão que o Recorrente considera, neste momento, ter omitido a pronúncia.
Na verdade, o Tribunal pronuncia-se sobre esta questão nos seguintes termos:
“Atento todo o supra explanado, deve a Ré seguradora pagar ao banco Réu a quantia necessária para amortização do empréstimo celebrado em 1997 à data do falecimento do segurado DD.
E impendendo sobre a seguradora a obrigação de pagar ao banco o capital em dívida no momento da morte, este nada mais pode exigir dos segurados a partir daquele momento, devendo ser restituídos aos Autores os valores pagos a título de prestações do aludido empréstimo.
Com efeito, obtendo o pagamento do total do capital em dívida a partir daquela data, fica com o capital totalmente pago.
Estes quantitativos, contudo, terão de ser liquidados posteriormente, por se desconhecer com exactidão os valores em questão, nos termos do disposto no art.º 609º, do NCPC.
Acresce dizer ainda que, a partir da data em que tenha sido pago o capital, deixa de existir a obrigação do pagamento dos prémios de seguro, pois, com o pagamento do capital de seguro o contrato de seguro celebrado entre as partes este deixa de ter objecto.
Ora, assim sendo e visto que quanto ao contrato com a apólice nº 15.XXXXX, apesar de ter sido já pago o capital em dívida à data do óbito do segurado em data anterior à propositura da presente acção, o certo é que foram cobrados indevidamente dois prémios de seguro após a ocorrência do dito falecimento, pelo que esses montantes deveriam também ser restituídos aos Autores, mas pela Ré seguradora que os recebeu e não pelo banco Réu conforme pedido.
Do que deixamos dito, decorre necessariamente a procedência, ainda que parcial, dos pedidos formulados pelos Autores.
*
Por aqui já se vê que a nulidade invocada não tem fundamento, uma vez que o Tribunal Recorrido se pronunciou em concreto sobre a questão colocada pelo Recorrente.
Naturalmente que ao ora Recorrente assiste o direito de discordar da ponderação efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância e da sua interpretação do quadro legal aplicável, assim como de esgrimir a sua discordância através de recurso, mas o que não pode dizer é que o Tribunal recorrido omitiu a pronúncia sobre a questão que aqui enuncia novamente.
Assim, e em conclusão, pode-se dizer que, quando muito, a questão que o Recorrente pretende colocar, não contendendo, como resulta do exposto, com a nulidade da decisão por omissão de pronúncia (vício formal), pode passar pela afirmação de que o Tribunal Recorrido ao decidir da forma como decidiu cometeu um eventual erro de julgamento (error in judicando), que não consente ou sustenta a invocação da pretensa nulidade.
Nesta medida, tem que se concluir que a invocação da nulidade da decisão proferida, com este fundamento, improcede totalmente.
*
A segunda nulidade invocada radica no âmbito do art. 615º, n.º 1 al. c) do CPC.
Com efeito, segundo o disposto no art. 615º, n.º 1 al. c) do CPC, é «nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.»
Quanto à primeira hipótese (contradição entre os fundamentos e a decisão), ela bem se compreende, pois os fundamentos de facto e de direito, que justificam a decisão, funcionam, na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a mesma, como premissas lógicas necessárias para a formação do silogismo judiciário.
Tratar-se-á, portanto, dito de outra forma, de a conclusão (decisão) decorrer logicamente das premissas argumentativas expostas na decisão, sendo esta última consequência lógica daquelas.
Assim sendo, existirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença (ou do despacho) apenas quando os respectivos fundamentos conduzam logicamente a conclusão diferente da que na mesma resulta enunciada.
Por outro lado, quanto à segunda hipótese (obscuridade ou ambiguidade da sentença ou do despacho), ela ocorrerá sempre que a sentença (ou o despacho) seja obscuro ou ambíguo, ou seja, quando contenha algum passo cujo sentido não seja inteligível, ou quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes, não se sabendo o que o juiz quis dizer, na primeira situação, e hesitando-se entre dois sentidos diferentes e, porventura, opostos, na segunda.
Em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade; se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe ao certo qual o pensamento do juiz.
Neste sentido, o despacho/sentença será obscuro quando contenha algum passo cujo sentido seja ininteligível e será ambíguo quando alguma passagem se preste objectivamente a interpretações diferentes.
Ora, nesta matéria, e ponderando a argumentação exposta pelo ora Recorrente, é patente, a nosso ver, que o sobredito vício não existe.
Com efeito, ponderados, de forma conjugada todos e cada um dos fundamentos de facto e de direito invocados na sentença, afigura-se-nos que se alcança, de forma clara e linear, que a decisão proferida colhe perfeito apoio lógico na argumentação ali avançada.
Ora, sendo assim, como é, estamos em crer, e assim o julgamos que, não só não existe uma qualquer contradição, ambiguidade ou obscuridade no acórdão proferido, pois que a sua decisão decorre logicamente das suas premissas argumentativas e da interpretação do quadro legal aplicável, sendo ela absolutamente clara quanto a essa interpretação e aplicação do regime legal aplicável, ainda que possa essa sua aplicação ser discutível ou possa não merecer a concordância do Recorrente.
Significa, portanto, que a decisão recorrida em apreço não sofre da alegada contradição entre os fundamentos nele expostos e a decisão final nele contida (bem pelo contrário), assim como não sofre de qualquer ambiguidade ou obscuridade, sendo ela clara e linear quanto à interpretação e aplicação do regime legal convocado e quanto ao seu sentido decisório.
Improcede, pois, a arguição da nulidade.
*
*
Entremos, de seguida, então na questão principal que o Recorrente levanta no recurso que interpõe, ou seja, a questão de saber se até ao pagamento integral do capital mutuado a efectuar pela Seguradora, o Banco credor tem direito a receber dos mutuários as prestações que entretanto se foram vencendo, na parte respeitante aos juros remuneratórios.
Na verdade, e conforme decorre do exposto, o Tribunal recorrido, com a fundamentação já atrás respigada, entendeu que:
A. o Banco Réu (…devia ser condenado) a reconhecer que todas as dívidas existentes em 04.12.2013 emergentes dos contratos de mútuo hipotecário nº 541 010445297, de 25.07.1997, e nº 0040.00490656740, de 29.07.2008, celebrados entre a mesma e DD e mulher BB se extinguiram nessa mesma data, em virtude do óbito nesse dia verificado da pessoa segura nas apólices/certificados de seguro nºs 16.XXXXX e 15.XXXXX, DD;
B. o Banco Réu (…devia ser condenado) a restituir aos Autores, todas as quantias, a liquidar posteriormente, acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, até efectivo e integral pagamento, que a partir de 04.12.2013 foram debitadas na conta de depósitos à ordem nº 0000.03266632001 31 ou noutras tituladas ou co-tituladas pela 1ª Autora, referentes às amortizações mensais dos empréstimos à habitação titulados pelos contratos (mútuo com hipoteca) nº 541 010445297, de 25.07.1997, e nº 0040.00490656740, de 29.07.2008;
Insurge-se o Recorrente contra esta condenação por considerar que:
“14º Até ao pagamento integral do capital mutuado a efectuar pela seguradora, o banco credor tem direito a receber dos mutuários as prestações que entretanto se foram vencendo, nas quais se incluem os juros remuneratórios que, conforme as condições contratuais do seguro de vida, não estão cobertos pelas garantias do seguro.
15ª- A indemnização a pagar pela seguradora corresponde ao montante do capital em dívida e não inclui os juros remuneratórios vencidos até à data do pagamento ao banco do referido capital.
16ª- O banco apelante não foi responsável por qualquer atraso na reclamação do sinistro junto da seguradora, não lhe sendo pois imputável o facto da seguradora apenas ter procedido ao pagamento do capital em dívida para além da data do óbito do segurado.
17ª- A existir qualquer dano proveniente dessa dilação temporal, o mesmo teria de ser imputado à seguradora que recusou, por sua iniciativa, o pagamento do capital seguro.
18ª- O apelante apenas está obrigado a restituir aos apelados os montantes que recebeu dos mesmos a título de capital e não o montante respeitante aos juros remuneratórios.
19ª- A douta sentença ao ter decidido como decidiu não fez uma correta aplicação do disposto no art. 762º do CC.”
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Vejamos, então, se se pode dar razão ao Recorrente.
Se bem entendemos a posição do Recorrente, este apenas questiona a condenação de que foi alvo na parte em que a decisão recorrida o condenou a restituir “o montante respeitante aos juros remuneratórios”.
É muito importante fazer esta restrição do objecto do recurso, pois que, tanto quanto parece, o Recorrente não põe, assim, em causa a parte da decisão recorrida que o condenou a restituir aos Recorridos o montante correspondente a capital (amortização do capital em divida) - nas prestações pagas, a partir de 04.12.2013 e que foram debitadas na conta dos Recorridos.
Com efeito, é do conhecimento geral que, no âmbito dos empréstimos à habitação, a prestação paga mensalmente tem duas componentes principais: amortização do capital em divida e pagamento dos juros remuneratórios.
Conforme decorre do exposto, no entanto, o Recorrente apenas questiona que tenha que restituir esta segunda componente das prestações indevidamente debitadas na conta dos Recorridos.
Como iremos ver à frente, a questão que o Recorrente coloca, tem sido já abordada pela Jurisprudência, mas sempre na perspectiva da ponderação da restituição integral das prestações pagas após o óbito da pessoa segura (ou da sua não restituição).
Nessa medida, o presente Tribunal irá começar por abordar a questão também nessa perspectiva geral, não deixando, no entanto, de ponderar na parte final a (mais) específica questão colocada pelo Recorrente.
Vejamos, então, o enquadramento jurídico que deve ser dado ao caso concreto.
Não se mostra posto em causa que os segurados (os mutuários) subscreveram um seguro de grupo de vida.
Conforme bem refere a decisão recorrida, quando os contratos em causa foram celebrados, o seguro de grupo estava definido pelo art.1º al. g) do DL 176/95, de 26 de Julho, como “o seguro de um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo de interesse comum”.
No entanto, o art. 6º do DL n.º 72/2008, de 16.04, que aprovou a nova Lei do Contrato de Seguro, revogou o citado art. 1º do DL n.º 176/95 e nos termos do seu art. 2º a nova Lei aplica-se aos contratos celebrados anteriormente mas que vigorem à data em que entrou em vigor (01.01.2009).
O actual art. 76º da LCS, define o contrato de seguro de grupo como aquele que cobre riscos de um conjunto de pessoas ligadas ao tomador por um vínculo que não seja o de segurar.
Por outro lado, “o seguro de vida vincula a entidade seguradora à realização da prestação acordada se a pessoa segura falecer antes do termo do contrato de crédito.
Cobre, portanto, o risco de morte da pessoa segura…”(2).
No caso concreto, decorre da matéria de facto provada que, entre as partes, foi celebrado um contrato de seguro de grupo contributivo, na modalidade de seguro de vida de crédito à habitação.
Esse contrato de seguro garantia o pagamento do capital devido ao Recorrente/Banco Réu – tomador do seguro e beneficiário – por via da concessão de crédito à habitação à aqui Autora e seu falecido marido (mútuo) – aderentes/pessoas seguras - estando garantidos pela 2ª Ré- Seguradora - os riscos de morte ou de invalidez dos mutuários, a liquidação ao mutuante (1ª Ré) do montante em dívida, do capital e juros vencidos.
Assim, nesse contrato de seguro, os segurados não são verdadeiramente partes, nem sequer beneficiários directos, mas meros aderentes, nos termos da apólice, pessoas “sujeitas aos riscos que, nos termos acordados, são objecto do contrato” (3).
Com efeito, “… do ponto de vista dos interesses em jogo, saliente-se que a finalidade última do financiador- ao realizar o seguro de grupo e ao impor a adesão do consumidor/mutuário- é a de assegurar a restituição do dinheiro emprestado perante a verificação do sinistro que prejudique o normal pagamento do empréstimo. É, pois, o dador do crédito que fica a coberto dos vários riscos incluídos no seguro…”(4).
Ora, é pacífico que, por força do contrato de seguro celebrado, em virtude do falecimento do marido da Autora (uma das pessoas seguras no contrato), a liquidação do valor do capital em dívida relativo à quantia mutuada (mútuo), passa a recair sobre a 2ª Ré (seguradora) e, não já, sobre os aderentes/pessoas seguras, neste caso, sobre a Autora (e herdeiros do falecido), sendo que o titular desse direito de crédito é o Banco Financiador.
Com efeito, tem-se entendido que, no seguro de vida, aquando da morte da pessoa segura, “…por efeito da designação beneficiária surge directamente no património do beneficiário um direito de crédito sobre o capital seguro….”(5).
Assim, em consequência desta configuração jurídica do contrato de seguro, nestes casos, o direito de crédito eventualmente existente sobre a Seguradora, nunca chega a integrar o património da pessoa segura (nem dos seus herdeiros).
Na verdade, no caso do art. 81º da LCS, “… o beneficiário é o terceiro… a quem por via de estipulação contratual tenha sido atribuída a titularidade de um direito de exigir, para si próprio, a prestação do segurador, após a verificação do sinistro- tipicamente após a morte da pessoa segura num seguro de vida ou de acidentes pessoais…”(6)
Destas considerações, decorre que, apesar das alterações introduzidas pela LCS, no regime de seguro de grupo, manteve-se, assim, a estrutura triangular que o caracteriza, ou seja, a existência de três sujeitos de direitos distintos: o segurador; o tomador do seguro e as pessoas que a ele estão ligadas por um vínculo que não seja o seguro e o segurado, não tendo a lei tomado posição sobre a natureza jurídica desse tipo de seguro(7).
Sobre a natureza do contrato de seguro de grupo, no Ac. do STJ de 05.03.2013(8), consta: “A arquitectura do seguro de grupo revela uma estrutura triangular: o tomador celebra um contrato com o segurador, com vista a que a este adiram os membros de um determinado grupo, tornando-se então segurados. A adesão pressupõe o cumprimento de deveres de informação relativa ao conteúdo do contrato, que estão primacialmente a cargo do tomador de seguro, podendo também ser pactuado entre tomador e segurador que seja este último a cumpri-los.".
Noutra perspectiva, tem-se salientado que parece mais correcto considerar que nos encontramos aqui perante não um único contrato, mas sim uma pluralidade de contratos.
De um lado, o celebrado entre o segurador e o tomador; de outro, as várias relações jurídicas contratuais que a adesão e a respectiva aceitação pelo segurador (art. 88.º da LCS) vêm estabelecer entre o segurador e cada um dos segurados.
Em sentido similar, refere o Ac. do STJ de 05.05.2011(9) que: “Caracterizámo-lo como de seguro de grupo cujas especificidades decorrem de uma relação "triangular"- assim apelidada no Acórdão deste Tribunal de 29.10.2009, proc nº2157/06, in Base de Dados da dgsi. pt -, originariamente, estruturada no acordo entre a Seguradora e o tomador do seguro que este estende e alarga a todos os interessados que manifestem vontade de a ele aderirem, sem que essa adesão "envolva nova e autónoma relação de seguro" ou implique que os respectivos aderentes sejam partes em tal contrato - cfr também o Acórdão deste Tribunal de 10.05.2007, proc nº07B1277 na referenciada Base de Dados.”
Ainda sobre a natureza do contrato de seguro vida, o Ac. do STJ de 03.02.2009(10), decidiu: “I - O contrato de seguro de vida, quando coligado com o contrato de crédito ao consumo, destina-se a garantir o pagamento do empréstimo contraído pelo mutuário, junto da financiadora, intervindo a entidade seguradora como obrigada a pagar a esta o capital mutuado, no caso do mutuário segurado falecer antes de determinada data, isto é, antes do termo do contrato de crédito. II - A prestação prometida pela seguradora (ora interveniente principal), na hipótese de morte da pessoa segura (no caso, o mutuário de quem a ora embargante é viúva), não se destina a esta, mas antes à tomadora do seguro (a financiadora, ora exequente/embargada), que é também, simultaneamente, sua beneficiária. III - A entidade financiadora, a favor de quem a seguradora se obriga a efectuar a prestação, pagando as importâncias seguras, não é terceiro estranho ao benefício, mas uma das partes contratuais, o que exclui a qualificação da situação como um contrato a favor de terceiro. IV - Sendo a tomadora do seguro e o segurado entidades distintas está-se em presença de um seguro por conta de outrem, em que a tomadora do seguro contratou em nome próprio, mas no interesse de um terceiro.”
No caso concreto, tendo em consideração a referida estrutura – triangular-, tem que se considerar, assim, que o Recorrente Banco (mutuante) não pode assumir a postura de estar totalmente alheado da relação que se estabelece entre o segurador e os segurados, até porque a adesão ao seguro é efectuada através do mutuante/ tomador que não é um mero beneficiário do contrato de seguro.
Aqui chegados, podemos então dizer que, decorre da configuração jurídica das relações jurídicas atrás explanadas, que, tendo o mutuante/Recorrente (1ª Ré) continuado a cobrar aos AA., após o sinistro (falecimento do marido da Autora), as prestações relacionadas com o empréstimo, tal cobrança não é devida, porquanto, nos termos contratuais, a obrigação de liquidação desses valores incumbia à Ré seguradora, e não já aos AA..
Na verdade, como se referiu, após o falecimento da pessoa segura, surge directamente no património do Banco Recorrente um direito de crédito sobre o capital seguro que este pode exercer, na qualidade de beneficiário, sobre a Seguradora.
Nesta conformidade, surge, como uma evidência, que o Recorrente/ Banco Réu, por força do direito de crédito que passou a ser detentor sobre a Seguradora, terá que proceder à devolução daquelas quantias indevidamente cobradas, porquanto tem direito, como se referiu, a reaver da Seguradora o valor ainda em dívida relativamente à quantia mutuada.
A única hipótese que poderia aqui permitir ao Recorrente/ Banco Réu a cobrança dessas quantias seria, pois, a de se ter verificado algum tipo de incumprimento por parte dos AA. das obrigações que sobre si recaíam no âmbito do contrato celebrado.
Ora, assim sendo, que obrigações impendiam, então, sobre os AA.?
Naturalmente, e antes de mais, informar o Banco Réu, tomador e beneficiário do seguro, do falecimento do marido da Autora/mutuário.
E, depois, sendo-lhes solicitado, enviar os documentos que sejam da sua responsabilidade, a fim de habilitar a seguradora a proceder à liquidação das importâncias seguras.
O resto das obrigações incumbia ao Recorrente/Banco Réu, enquanto beneficiário do contrato de seguro celebrado, e, assim, detentor do direito de crédito sobre o capital seguro.
Ora, no caso concreto, é manifesto que não pode ser imputado aos AA. qualquer incumprimento contratual (o atraso na liquidação é imputável à conduta da 2ª Ré, conforme decorre da presente acção)
Destas considerações, decorre, assim, que era ao Banco Réu/Recorrente, como parte no contrato de seguro, que cabia a obrigação de solicitar à Seguradora (2ª Ré), a outra parte naquele contrato, o cumprimento das obrigações derivadas do mesmo.
E impendendo sobre a seguradora a obrigação de pagar ao Banco Réu o capital em dívida, no momento da morte do marido da Autora, obviamente que o Recorrente nada podia exigir dos AA., a partir daquele momento(11).
Por um lado, obtendo o pagamento do total do capital em dívida, a partir de data do óbito, o Banco Réu fica com o capital totalmente pago.
Por outro lado, também nada há a pagar a título de juros remuneratórios- entrando aqui na questão mais específica que o Recorrente coloca no presente recurso.
Importa efectuar aqui algumas distinções prévias.
Como é sabido, os juros remuneratórios têm uma finalidade remuneratória, correspondente ao prazo do empréstimo do dinheiro pelo tempo que o credor se priva do capital por o ter cedido ao devedor por meio de mútuo, exigindo uma remuneração por essa cedência.
Distinguem-se estes juros, quer dos juros compensatórios, quer dos juros moratórios, quer dos juros indemnizatórios.
Assim, os juros compensatórios destinam-se a proporcionar ao credor um pagamento que compense uma temporária privação do capital que ele não deveria ter suportado.
Os juros moratórios têm uma natureza indemnizatória dos danos causados pela mora, visando recompensar o devedor pelos prejuízos em virtude do retardamento no cumprimento da obrigação pelo devedor.
E, por último, os juros indemnizatórios são aqueles que se destinam a indemnizar os danos por outro facto praticado pelo devedor.
Feitas estas distinções, pode-se concluir que os juros remuneratórios, aqui concretamente em causa, visam remunerar (retribuir) o capital e preencher, em termos económicos, a diferença entre o facultar desse capital, no caso por uma instituição de crédito devidamente autorizada para o efeito, em determinado momento, e vir a dispor dele só depois.
Ora, a questão que se coloca, no caso concreto, é justamente a de saber se, considerando-se integralmente paga a quantia de capital em divida no momento do óbito da pessoa segura, se devem manter os juros remuneratórios previstos no contrato de mútuo (juros remuneratórios vincendos).
Ora, a resposta a esta pergunta não pode deixar de ser negativa.
Na verdade, como é do conhecimento geral, os juros, quaisquer que sejam, constituem um rendimento do capital, logo a obrigação respectiva está intrinsecamente dependente de uma obrigação de capital, ou, para sermos mais expressivos, não se concebem sem uma obrigação de capital(12).
Assim, como diz o Prof. Antunes Varela(13) “… a obrigação de juros pressupõe a divida de capital, visto os juros constituírem o rendimento do capital ou a remuneração da sua cedência e, nesse aspecto, pode considerar-se uma obrigação acessória…”.
Nesta conformidade, “… sem a obrigação de capital, a obrigação de juros não pode constituir-se, dispondo depois de constituída, apenas de alguma autonomia (art.º 561º do Código Civil)(14), mas mantendo ambas forte conexão, sendo além do mais, uma obrigação por sua própria natureza temporária que vai nascendo ou surgindo à medida do decurso do próprio tempo, (Vaz Serra, Obrigações de Juros, in BMJ, nº55, 162) visto no caso dos juros remuneratórios assumir ou ter como escopo retribuir ao credor o preço do capital disponibilizado durante esse período de tempo e como tal exprimindo o rendimento financeiro do mesmo (neste sentido, em especial, o ac. deste Supremo de 12/09/2006, proc. n.º 2338/06).”(15).
Destas considerações, decorre, assim, de uma forma inequívoca, que não existindo obrigação de capital, a partir do momento em que ocorre o sinistro, porque a Seguradora obrigou-se a liquidar o capital em divida nessa data, não pode, para futuro, subsistir a obrigação de pagamento de juros remuneratórios que o Recorrente aqui pretende manter.
Ou seja, vencida a obrigação de capital, com o óbito da pessoa segura, deixa de haver lugar a remuneração pela indisponibilidade desse mesmo capital, remuneração essa em que, como vimos, consiste os juros remuneratórios.
Os juros remuneratórios pressupõem, pois, a manutenção da disponibilidade do capital na esfera jurídica do mutuário, pelo que, deixando o capital de estar em divida, com a liquidação da Seguradora ao seu beneficiário/mutuante, cessa, obviamente, o direito ao recebimento dos juros remuneratórios correspondentes.
Na verdade, que isto é assim, decorre, de uma forma linear, do facto do mutuante não poder usufruir das vantagens da liquidação do capital em divida à data do óbito, e, ao mesmo tempo, pretender usufruir dos juros remuneratórios desse mesmo capital que deixou de estar cedido ao mutuário.
Recordemos que, como se referiu atrás, a função dos juros remuneratórios é justamente “… preencher em termos económicos a diferença entre o facultar desse capital em determinado momento e vir a dispor dele só depois…”.
Ora, o Banco Recorrente com o óbito da pessoa seguro passou a dispor do capital que havia mutuado, pelo que, nesse momento, tem que cessar também a obrigação de pagamento de juros remuneratórios que só existe enquanto o Banco não dispunha do capital.
Conclui-se, pois, que os juros remuneratórios, enquanto rendimento de uma obrigação de capital, proporcional ao valor desse mesmo capital e ao tempo pelo qual o mutuante dele está privado, cumprem a sua função na medida em que exista e enquanto exista a obrigação de capital.
Nesta sequência, pode-se afirmar que o vencimento de juros remuneratórios pressupunha que continuassem a ser devidas as prestações acordadas em razão da existência ainda de capital (mutuado) em dívida.
Ora, a partir do momento do falecimento da pessoa segura, já não são devidas as prestações no âmbito do contrato de mútuo, mas apenas o capital que resta- obrigação esta a cargo da seguradora e que esta teria que satisfazer.
Logo, deixando de existir a dívida de capital, obviamente, a dívida correspondente aos juros remuneratórios do empréstimo à habitação deixa, também, de ter sustentação jurídica, nos termos expostos.
Ou seja, só podem existir juros remuneratórios, se continuar a subsistir a dívida de capital.
Ora, se a dívida de capital, no caso concreto, corresponde ao montante em dívida à data do óbito da pessoa segura, e essa quantia será paga pela Seguradora nos termos do contrato de seguro, surge como uma evidência que, a partir dessa data, não pode o Recorrente/ Banco Réu cobrar juros remuneratórios.
É certo que, no caso concreto, a Seguradora não procedeu, de imediato, à liquidação da aludida quantia de capital em dívida, conforme era sua obrigação contratual.
Mas importa dizer que os aqui AA. nada têm que ver com esse atraso da Seguradora, que não lhes é, como já se referiu, imputável.
Assim, se o Banco Réu continuar a entender que deverá ser “compensado” por esse atraso na liquidação, deverá dirigir a sua pretensão contra a Seguradora(16), reclamando os correspondentes juros de mora (v. as distinções atrás efectuadas), não incumbindo aos AA. a dedução dessa pretensão contra a Seguradora, não só porque não têm que pagar, a título de juros remuneratórios, quaisquer quantias ao Recorrente Banco, após o óbito da pessoa segura, mas também porque, como se referiu, nem sequer são verdadeiramente partes no contrato de seguro celebrado (sendo, antes, o Banco Réu, como se referiu, o titular do direito de crédito sobre o capital seguro).
Destas considerações, decorre, assim, que não constitui obstáculo a tudo isto, a alegação do Recorrente de que, “…conforme as condições contratuais do seguro de vida, os juros remuneratórios não estarão cobertos pelas garantias do seguro…”
E a razão é simples.
É que, como se evidenciou, estes juros remuneratórios não são devidos, por terem deixado de ter como pressuposto uma dívida de capital (que foi ou devia ter sido paga pela Seguradora), sendo os AA. totalmente alheios a qualquer vicissitude ocorrida no contrato de seguro- que não lhes é imputável.
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Aqui chegados, importa, pois, concluir pela improcedência do presente Recurso.
Nestes termos, e por força dos dispositivos legais citados, conclui-se, assim, pela improcedência do Recurso Interposto, e, em consequência, impõe-se manter integralmente a sentença recorrida.
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III-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente a apelação da 1ª Ré, confirmando-se a sentença proferida.
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Custas pelo Recorrente (artigo 527.º nº 1 do CPC);
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Guimarães, 16 de Fevereiro de 2017

(Dr. Pedro Alexandre Damião e Cunha)

(Dra. Maria João Marques Pinto de Matos)

(Dra. Elisabete de Jesus Santos de Oliveira Valente)
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1 Vide, neste sentido, por todos, AC STJ 8.02.2011, MOREIRA ALVES, e AC RG de 24.11.2014, FILIPE CAROÇO, ambos in www.dgsi.pt .
2 Gravato Morais, in “ Contratos de crédito ao consumo”, pág. 364.
3 Ver, sobre esta questão, o ac. do STJ de 10-5-07 e da RP de 16.7.2007 (relator: Abílio Costa), in dgsi.pt, Gravato Morais in “Contratos de Crédito ao Consumo”, págs. 363 e ss..
4 Gravato Morais in “Contratos de Crédito ao Consumo”, pág. 367.
5 Margarida Lima Rego, in “Contrato de seguro e terceiros. Estudo de direito civil”, pág. 497.
6 Margarida Lima Rego in “Seguros colectivos e de grupo” (col. Temas de Direito dos seguros- coord. Margarida Lima Rego), pág. 438.
7 v., neste sentido, Pedro Romano Martinez, in” LCS, Anotado”, de, pág. 263.
8 (relator: Gabriel Catarino), in dgsi.pt;
9 In CJ, T. II, pág. 58.
10 In Dgsi.pt (Relator: Hélder Roque).
11 V., no sentido do aqui decidido, entre outros, os acs da RP 16.7.2007 (relator: Abílio Costa), da RL 26.2.2015 (relator: Carla Mendes), da RL 26.3.2015 (relator: Alexandrina Branquinho) e da RL de 8.3.2016 (relator: Dina Monteiro). Em sentido contrário, em sede de acção executiva, v., por ex., o ac. da RP de 5.3.2015 (relator: Leonel Serôdio), in Dgsi.pt e o Ac. do STJ de 27.10.2009, (relator: Garcia Calejo), publicado CJ , tomo III, pág. 106 a 110, onde se decidiu: “I- O seguro de vida funciona como reforço da garantia resultante da hipoteca ficando o banco mutuante a gozar de duas garantias, uma resultante da hipoteca e outra proveniente do seguro de vida, ainda que esta somente quando o sinistro previsto se concretiza. II - O segurador garante a obrigação do mutuário, no caso de verificação do sinistro, mas essa obrigação de garantia não se substitui à obrigação assegurada, podendo, por isso, o mutuante exigir do mutuário ou, no caso de morte, dos seus herdeiros o cumprimento da obrigação de restituição das quantias mutuadas e da remuneração acordada. III - Daí que, os mutuários ou, no caso de morte, os seus herdeiros não possam, enquanto executados, opor à execução a existência de seguro de vida válido, sem embargo de poderem demandar o segurador exigindo dele a indemnização correspondente.” - este Acórdão tem, no entanto, um importante voto de vencido do Juiz Conselheiro Hélder Roque, que entendeu que:“ transferindo-se para a seguradora a responsabilidade pelo saldo em dívida à entidade mutuante, como beneficiária do seguro, no âmbito do contrato do mútuo hipotecário, por morte do mutuário, que apresentava como um risco coberto pelo seguro, à data da sua ocorrência, a embargante-opoente já não é responsável pelo pagamento da quantia mutuada, mas antes a seguradora (nos termos do disposto pelo art. 458º, "a contrario", do Código Comercial, aplicável) ”.
12 Almeida Costa in “Direito das Obrigações”, pág 751.
13 In “Das obrigações em geral”, Vol. I, pág. 828 e 832;
14 Sobre alguns exemplos de autonomia do crédito de juros, v. Antunes Varela, In “Das obrigações em geral”, Vol. I, pág. 832, exemplos que não têm aplicação no caso concreto.
15 Ac. do Stj (de Uniformização de Jurisprudência) de 25 de Março de 2009 (relator: Cardoso de Albuquerque), in dgsi.pt, onde se decidiu: ““No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao art.º 781º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados. ”.
16 Entende-se que “… a obrigação do segurador (vence-se) no prazo de 30 dias após a data do apuramento do sinistro (art. 104º da LCS), sob pena da sua constituição em mora (nos termos gerais dos arts. 799º, nº 1, 804º, nº 2 e 805º do CC)”-Engrácia Antunes, in “Dos contratos comerciais em especial”, pág. 718. Pedro Romano Martinez e outros, in “LCS anotado”, pág. 324 (anotação de Alves Brito).