Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
326/08.5TBPVL.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
IMÓVEL
PRIVAÇÃO DO USO DE IMÓVEL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/06/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1) A privação do gozo de uma coisa pelo titular do respectivo direito constitui um ilícito que a nossa ordem jurídica prevê como fonte da obrigação de indemnizar;
2) A simples privação ilegal do uso já integra um prejuízo de que o proprietário deve ser compensado, em última análise, com recurso às regras da equidade.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
A) Os autores M.. e marido, A.., vieram intentar acção com processo comum, na forma sumária contra os réus A.. e mulher, M.., onde concluem pedindo, a final, a condenação dos réus a reconhecerem o direito de propriedade plena à autora sobre o prédio denominado “Souto de São Bento” e a retirarem deste as construções, lixo e materiais aí depositados, as alfaias agrícolas e viaturas aí estacionadas, arbustos plantados, bem como a executarem a parte destruída do muro delimitador, restituindo-o à sua condição primitiva, ou pagarem todas as despesas que estes tiverem de efectuar para reporem o prédio no estado em que se encontrava, à data da ocupação, a liquidar em execução de sentença.
Pedem ainda a condenação dos réus no pagamento aos autores da quantia de €2.500,00, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, acrescida da indemnização no montante de €150,00 mensais a partir de 19 de Junho de 2008 até entrega efectiva, quantias acrescidas de juros de mora desde o vencimento até efectivo pagamento.
Pedem igualmente a condenação dos réus no reconhecimento do direito de propriedade da autora sobre o prédio denominado “Campo do Mando” e a reconhecerem que, por via de denúncia feita pelos autores, o contrato de arrendamento celebrado cessa a 1 de Novembro de 2008, devendo proceder à entrega do arrendado livre e devoluto de pessoas e bens.
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Face ao falecimento do réu A.., foram julgados habilitados como seus sucessores M.., C.. e D...
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O réu C.. apresentou contestação e deduziu pedido reconvencional onde termina entendendo dever a acção ser julgada não provada e improcedente, absolvendo-se o réu dos pedidos e ser a reconvenção julgada provada e procedente e, por via dela, serem os autores condenados a pagar ao réu a quantia de €6.750,00, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento e custas.
Os autores M.. e marido, A.. vieram responder à contestação e contestar a reconvenção, concluindo como na petição inicial relativamente ao prédio rústico, denominado “Souto de São Bento”, sendo que relativamente ao denominado “Campo do Mando”, devem os réus ser condenados:
- a reconhecer que, o contrato de arrendamento cessou, por via da caducidade, operada, com os fundamentos alegados nos n.ºs 7, 8 e 9, deste articulado e, consequentemente, a entregar o arrendado aos autores, livre de pessoas e coisas ou, subsidiariamente,- a reconhecer que o contrato de arrendamento cessa em 01 de Novembro de 2010, por via da denúncia efectuada pelos autores e, consequentemente a entregar a estes o arrendado, livre de pessoas e coisas.
Entende ainda dever o pedido reconvencional ser julgado não provado e improcedente, com as legais consequências e condenar-se o réu, como litigante de má-fé, nos termos do supra item 33.º.
Foi elaborado despacho saneador, realizou-se julgamento e foi proferida sentença onde se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência condenar os réus a reconhecerem o direito de propriedade plena à autora sobre o prédio denominado “Souto de São Bento” e a retirarem deste as construções, lixo e materiais aí depositados, as alfaias agrícolas e viaturas aí estacionadas, arbustos plantados, bem como executarem a parte destruída do muro delimitador, restituindo-o à sua condição primitiva, ou pagarem todas as despesas que estes tiverem de efectuar para reporem o prédio no estado em que se encontrava, à data da ocupação, a liquidar em execução de sentença e condeno os réus no pagamento aos autores da quantia de €100,00 mensais a partir de 24 de Agosto de 2007 até entrega efectiva, quantias acrescidas de juros de mora, desde o vencimento até efectivo pagamento.
Foi ainda decidido condenar os réus no reconhecimento do direito de propriedade da autora sobre o prédio denominado “Campo do Mando” e a reconhecerem que, por via de denúncia feita pelos autores, o contrato de arrendamento celebrado cessou a 1 de Novembro de 2010, devendo proceder à entrega do arrendado livre e devoluto de pessoas e bens.
Foi igualmente decidido absolver os réus do peticionado quanto à indemnização por danos não patrimoniais e julgar a reconvenção improcedente, por não provada, e, em consequência, absolver os autores.
B) Inconformados com a decisão, vieram os réus C.. e M.. interpor recurso que foi admitido como sendo de apelação, com efeito devolutivo (fls. 235).
Nas alegações de recurso dos apelantes, são formuladas as seguintes conclusões:
I. No quesito 5º da Base Instrutória deveria ter sido dado como provado apenas que “tal facto impede os autores de usarem o prédio, face à prova produzida na audiência de discussão e julgamento, aos elementos constantes do processo e aos padrões de normalidade.
II. A testemunha dos autores A.. afirma categoricamente que o prédio só serve para a construção e nada mais, sendo certo que não sabemos sequer se é possível a construção no prédio rústico.
III. A testemunha dos autores, E.., afirma que o prédio só serve para a construção ou para vender carvalhos e nada mais.
IV. A testemunha A.., filha dos autores, refere que o prédio poderia ter sido arrendado para uma oficina, para um bate-chapas, para uma bomba de gasolina ou para um depósito de materiais, mas não tem a certeza, dependendo do destino que se lhe poderia dar.
V. A filha dos autores atira para o ar um valor mensal entre € 300,00 e € 500,00 mensais, que dependeria do fim do negócio. Mas não existe nada de minimamente concreto, é tudo hipotético, tanto mais que, no caso dos autos, estamos perante um prédio rústico, onde pode nem sequer ser possível construir, quanto mais instalar um negócio, que dependeria sempre de autorizações das entidades competentes, como é sabido.
VI. Não faz qualquer sentido, com o devido respeito, dar como provado que os autores deixaram de receber os frutos dum prédio rústico, que não é de cultivo, sem a alegação de factos minimamente concretos, e em face das regras da experiência e do senso comum, sabendo-se da dificuldade em arrendar prédios urbanos, quanto mais rústicos, se tal for legalmente possível, no actual contexto de crise económica.
VII. No caso da privação do uso dum imóvel, só haverá lugar a indemnização se alegada e provada, pelo seu proprietário, a frustração de um propósito efectivo e real, e não meramente abstracto e hipotético, de proceder à sua utilização, os termos em que o faria e o que auferiria, não fora a ocupação, o que não é o caso dos autos.
VIII. Na verdade, “em face de padrões de normalidade, não se pode presumir o uso do imóvel, pelo que apenas haverá lugar a indemnização pela privação do uso, desde que se aleguem e provem factos que exteriorizem o prejuízo na esfera patrimonial do dono do imóvel”.
IX. É preciso atender às especificidades de cada caso concreto.
X. Ora, nestes autos, temos que atender à passividade dos recorridos que durante cerca de 30 anos perante a ocupação do prédio nada fizeram, ao facto de não se ter alegado, e muito menos provado, que o prédio rústico permite a construção ou o arrendamento para determinado tipo de negócio, ao facto do prédio contíguo dos recorrentes estar arrendado aos recorridos por 20 rasas de milho por ano, ou seja a € 5,00 a rasa de milho, por € 100,00 anuais, ao facto dos recorridos, com a ocupação do prédio pouparem na despesa que teriam para limpar o seu prédio de mato, uma vez que este se situa ao lado do prédio urbano dos recorrentes.
XI. Quanto às custas é preciso não esquecer que os recorrentes nunca puseram em causa o direito de propriedade dos recorridos sobre os prédios, que a denúncia do contrato de arrendamento não fez cessar o contrato de arrendamento em 01 de Novembro de 2008, e que o mesmo só cessou em 01 de Novembro de 2010, ou seja, nesta parte, improcederam os pedidos das alíneas h) e i) da petição inicial.
XII. Por isso, a condenação nas custas deve ser fixada em 25% para os recorrentes e 75% para os recorridos.
XIII. Assim, deve ser julgado procedente o presente recurso, absolvendo-se os recorrentes da indemnização aos recorridos, fixando-se as custas em conformidade.
XIV. A douta decisão recorrida violou o disposto nos artigos 483º, 563º, 564º, todos do Código Civil e o artigo 446º do Código de Processo Civil.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência ser revogada a douta sentença e substituída por outra que absolva os recorrentes do pedido de pagamento aos recorridos da quantia de €100,00 (cem euros) mensais a partir de 24 de Agosto de 2007 até entrega efectiva, quantias acrescidas de juros de mora desde o vencimento até efectivo pagamento, e devem ser fixadas as custas, na proporção do decaimento que deverá ser de 25% para os recorrentes e 75% para os recorridos.
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C) Os autores e apelados M.. e marido A.. apresentaram resposta onde entendem dever ser negado provimento ao recurso.
D) Foram colhidos os vistos legais.
E) As questões a decidir neste recurso são as de saber se:
1) Deverá ser alterada a matéria de facto provada;
2) Deverá haver lugar à indemnização por privação de uso de coisa imóvel;
3) Deverá ser alterada a proporção da condenação em custas.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
A) Na 1.ª Instância foi dada como provada a seguinte matéria de facto:
1. A autora é dona e legítima possuidora de dois prédios rústicos, um denominado “Campo do Mando” com 6.900 m2 e outro denominado “Souto de São Bento” com 5.000 m2, sitos em .., Póvoa de Lanhoso, descritos na Conservatória do Registo Predial de Póvoa de Lanhoso sob os n.ºs .. e .., de Santo Emilião e inscritos na correspondente matriz sob os artigos .. e .., respectivamente.
2. No dia 1 de Novembro de 1981, por contrato verbal, a mãe da autora, T.., deu de arrendamento aos réus, pelo prazo de um ano, renovável por sucessivos períodos iguais, o prédio rústico “Campo do Mando”, para estes o agricultarem por si e através de pessoas do seu agregado familiar, e pela renda anual de 20 rasas de milho em casa do senhorio, no último dia do período contratual ou suas renovações.
3. Os réus, depois deste, sem autorização dos proprietários, aproveitando-se do facto de o prédio rústico “Souto de São Bento” se encontrar contíguo ao imóvel arrendado e à sua casa de habitação,
4. (…) ocuparam-no, aí arrecadando alfaias agrícolas e estacionando viaturas, plantando arbustos, construindo cortes para animais e arrecadações, abrindo na estrema sul, parte confinante com o prédio de A.., uma cancela para circulação entre os dois prédios e derrubaram um muro em pedra a poente e a sul.
5. Tal facto impede os autores de usarem o prédio, deixando de receber os correspondentes frutos, de montante não concretamente apurados, não superiores a €150,00 mensais.
6. Nesta circunstância, através de notificação avulsa assinada a 09 de Julho de 2007, intimaram os réus para, no prazo de 45 dias procederem à desocupação do aludido prédio, entregando-o aos autores, livre e desimpedido de pessoas e coisas.
7. Até à presente data os réus não procederam à entrega do prédio, tendo o réu marido remetido carta registada datada de 31 de Julho de 2007 referindo que seria devolvido no final da renovação de contrato, por se tratar de apenas um prédio objecto do arrendamento.
8. A situação só se arrastou por todo este tempo devido à complacência da autora e da sua irmã, M.., falecida em 06 de Fevereiro de 2007.
9. A actuação dos réus causa aos autores incómodos, preocupações e irritações, tendo de recorrer a tribunal.
10. A 09 de Julho de 2007 os autores através da mesma notificação judicial avulsa, denunciaram o contrato de arrendamento para o termo da sua última renovação, não se opondo os réus à mesma.
11. Os réus construíram no prédio “Souto” vários anexos, um alpendre para arrecadação e colocação de cimento no piso, suportando montante não concretamente apurado mas inferior a €5.000,00.
12. Existem algumas árvores, no prédio rústico denominado “Souto de São Bento“, e os réus plantaram árvores e videiras, no prédio rústico denominado “Campo do Mando”, no montante não concretamente apurado, mas inferior a €750,00.
13. O réu A.. faleceu a 04 de Julho de 2008, não tendo sido comunicado tal facto à autora.
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B) O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (artigos 660.º n.º 2, 684.º n.º 2 e 3 e 690.º n.º 1 e 2, correspondendo a este último preceito, actualmente, o artigo 685.º-A, todos do Código de Processo Civil).
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C) Por força do disposto no artigo 712.º do Código de Processo Civil, é possível modificar-se a decisão da matéria de facto quando:
a) Constem do processo todos os elementos que tiverem servido de base à decisão sobre a matéria de facto;
b) Tenha havido gravação dos depoimentos prestados e tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida, nos termos do disposto no artigo 685.º-B do Código de Processo Civil;
c) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; ou
d) Se o recorrente apresentar documento superveniente novo que, só por si, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
O artigo 685.º-B do Código de Processo Civil impõe ao recorrente, quando pretenda impugnar a decisão relativa à matéria de facto, sob pena de rejeição do recurso, a obrigação de especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
No entanto, na situação referida na alínea b), quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
Nesta hipótese, incumbe ao recorrido, sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, proceder, na contra-alegação que apresente, à indicação dos depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente, podendo, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
Conforme se refere no Acórdão do STJ de 28/05/2009, disponível na Base de Dados do Ministério da Justiça, “após a entrada em vigor do Dec-Lei 183/2000, a reapreciação das provas em que assentou a parte impugnada da decisão implica que a Relação ouça as gravações dos depoimentos sobre os pontos impugnados, sem prejuízo de, oficiosamente, atender a quaisquer outros elementos de prova que hajam servido de fundamento à decisão sobre esses pontos.
E, assim, essa reapreciação tem, quanto aos pontos sobre que incide – relativamente aos quais o recorrente deverá fundamentar, de modo inequívoco, as razões por que discorda da decisão da 1.ª instância, e apontar com precisão os elementos ou meios probatórios que, a seu ver, impõem decisão diversa – a amplitude de um novo julgamento em matéria de facto, como bem acentua Amâncio Ferreira, podendo a Relação, no uso da sua liberdade de convicção probatória, aderir ou não aos fundamentos e à decisão da 1.ª instância: a liberdade de julgamento a que alude o n.º 1 do artigo 655.º vale também na reapreciação a fazer pela Relação.
Isso mesmo se extrai igualmente do acórdão do Supremo Tribunal, de 07.06.2005, na parte que ora se transcreve:
À Relação impõe-se declarar se os pontos de facto impugnados foram bem ou mal julgados e, em conformidade com esse julgamento, manter ou alterar a decisão proferida sobre os mesmos.
Nessa medida, poderemos mesmo dizer que o tribunal de recurso actua como tribunal de substituição relativamente ao tribunal recorrido, regime que se revela aceitável como decorrência do concurso dos pressupostos a que alude o n.º 1 do artigo 712.º, a colocar a 2.ª instância de posse dos mesmos elementos probatórios de que dispunha a 1.ª instância.
Quer seja na 1.ª instância, quer seja na Relação, a questão é sempre de valoração das provas produzidas em audiência ou em documentos de livre apreciação.
Vigoram, em ambos os casos, para os julgadores desses tribunais, as mesmas regras e os mesmos princípios, dos quais avulta o da livre apreciação da prova ou sistema da prova livre (...) consagrado no artigo 655.º n.º 1, do CPC.
Significa isto que a prova há-de ser sempre apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas na sociedade do seu tempo, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica, tudo se resolvendo, afinal, na formulação de juízos e raciocínios que, tendo subjacentes as ditas regras, conduzem a determinadas convicções reflectidas na decisão dos pontos de facto sob avaliação.”
O artigo 685.º-A do Código de Processo Civil impõe ao recorrente, quando pretenda impugnar a decisão relativa à matéria de facto, sob pena de rejeição do recurso, a obrigação de especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Conforme se refere no Acórdão do STJ de 09/10/2008, disponível em www.dgsi.pt, “o artigo 690.º-A do Código de Processo Civil foi aditado pelo Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, com a justificação de que “a consagração desta nova garantia das partes no processo civil” – referia-se o legislador à “garantia do duplo grau de jurisdição” – “implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”.
O legislador tirava esta decorrência da forma como é concebido o recurso relativo à decisão de facto.
Escreveu-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 39/95 que, como se refere no acórdão recorrido, “a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.
Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.”
Neste mesmo sentido refere o Dr. Abrantes Geraldes em Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2.ª Edição, pag.137, que “foram recusadas soluções que se pudessem reconduzir a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretos pontos de facto controvertidos relativamente aos quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pela parte recorrente.”
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Os apelantes discordam da apreciação feita pelo tribunal a quo da matéria dada como provada no ponto 5) da sentença, onde consta que “tal facto impede os autores de usarem o prédio, deixando de receber os correspondentes frutos, de montante não concretamente apurados, não superiores a €150,00 mensais”, entendendo os apelantes que apenas se deveria considerar provado que “tal facto impede os autores de usarem o prédio”, tratando-se do designado Souto de S. Bento.
Para fundamentar a sua decisão, o tribunal a quo baseou-se no depoimento da testemunha A.., filha dos autores, que referiu que “as oportunidades de negócio envolvendo o referido prédio se frustraram não devido à ocupação dos réus, mas pelo facto de os proprietários estarem a residir no estrangeiro, impedindo-os, no entanto, de lhes dar outro destino, nomeadamente para arrendamento para negócio por €300,00 a € 500,00 por mês.”
No que se refere aos depoimentos prestados em audiência, a testemunha A.. apenas refere a possibilidade de o terreno em causa poder ser utilizado para construção, não referindo valores e a testemunha E.. referiu que o imóvel se podia arrendar, que se podiam vender carvalhos ou eucaliptos, além de se poder construir.
Quanto ao depoimento da testemunha A.., filha dos autores, referiu a potencialidade do imóvel para ser arrendado para várias finalidades, oficina, bate-chapas, bomba de gasolina ou depósito de materiais, referindo valores de renda entre €300,00 e €500,00.
Efectivamente, relativamente a este último depoimento, que é o único que se refere a valores, trata-se de uma opinião, não se vendo que a mesma esteja alicerçada em factos devidamente comprovados, dado que não se pode comprovar a possibilidade do aproveitamento do prédio para os fins indicados, dado que poderá, até, suceder que naquela zona nem sequer seja legalmente possível construir qualquer edificação ou ser feita a utilização comercial ou industrial da mesma.
Daí que se entenda que a resposta a dar à matéria do ponto 5) dos factos provados deva ser: provado apenas que “tal facto impede os autores de usarem o prédio”.
Assim sendo é a seguinte a matéria de facto provada:
(..)
5. Tal facto impede os autores de usarem o prédio.
(..)
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Entendem os apelantes que ainda que não se seguisse a posição que defendem, não podiam ser condenados a pagar aos recorridos a quantia de €100,00 mensais, importando apurar se a privação de uso do prédio confere aos recorridos o direito a serem indemnizados.
A questão da ressarcibilidade da privação de uso tem sido discutida sobretudo a propósito dos veículos automóveis.
A este propósito refere-se no Acórdão desta Relação de Guimarães de 29/03/2011, proferido na Apelação n.º 2444/03.7TBGMR.G1, relatado pela Desembargadora Eva Almeida, que “a indemnização do dano de privação do uso de veículo automóvel encontra-se sobejamente debatida na nossa jurisprudência, embora não tenha obtido uma resposta uniforme quanto à sua natureza.
Na doutrina, sustentam a reparabilidade do dano de privação do uso, António dos Santos Abrantes Geraldes, Indemnização do Dano de Privação do Uso, Almedina, Coimbra, 2001, págs. 30 e ss., págs. 316 e 317, Luís Manuel Teles Menezes Leitão, Direito das Obrigações, 2ª edição, vol. I, Almedina, Coimbra, págs. 316 e 317 e nota (657) e Júlio Gomes, RDE, nº 12, 1986, págs. 169 e ss..
Entendemos e não estamos sós (acórdãos da Relação do Porto, processos 1070/04.8TBMDL.P1,2247/08.2TBMTS.P1,134/06.8TBARC.P1,1020/07.7TBVNG.P1 e n.º 3986/06.8TBVFR.P1 – da Relação de Lisboa proc. n.º 8457/2007-7- da Relação de Guimarães, processos 880/08.1TBGMR.G1 e 8860/06.5TBBRG.G1 – todos em www.dgsi.pt), que o uso de bens de consumo duradouro, como uma habitação ou um veículo automóvel, tem um valor e que a privação desse uso é indemnizável.”
Conforme se refere no Acórdão do STJ de 13/09/2012, disponível no endereço www.dgsi.pt, “a privação do gozo de uma coisa pelo titular do respectivo direito constitui um ilícito que a nossa ordem jurídica prevê como fonte da obrigação de indemnizar, pois que impede o respectivo proprietário de dela dispor e fruir as utilidades próprias da sua natureza, artigos 483.º n.º 1 e 1305.º do Código Civil.”
Deixamos exposta a assertiva exposição do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03/11/2003, relatado pelo, então Desembargador Abrantes Geraldes, na apelação n.º 683/2003-7, disponível na mesma base de dados mencionada, onde se refere que “o ressarcimento da privação do uso de um bem, como dano autónomo de natureza patrimonial, é questão que, malgrado a sua frequência na sociedade, permanece bastante arredada da discussão doutrinal ou judiciária em torno dos pressupostos da responsabilidade civil…
A respeito dela se divisam duas concepções antagónicas:
Uma, no sentido de que a indemnização exige que o lesado prove a concreta existência de prejuízos decorrentes do não recebimento de rendas que o imóvel lhe teria proporcionado caso o mesmo não estivesse ocupado pelos réus (acórdão da Relação do Porto de 17/10/1984).
A outra, assumida na sentença, assente no pressuposto de que a simples privação ilegal do uso já integra um prejuízo de que o proprietário deve ser compensado, em última análise, com recurso às regras da equidade (Cfr. Ac. do STJ, de 9-5-96, in BMJ 457º/325 (e na CJSTJ, tomo II, pág. 61), onde se assumiu o ressarcimento dos danos da privação determinados com recurso à equidade, afirmando-se textualmente o direito de indemnização correspondente ao “dano traduzido em não poder manter o uso (da máquina) sem a devida reposição”, apesar de não se provarem factos relativamente às perdas concretamente verificadas em consequência do não uso. No mesmo sentido cfr. o Ac. do STJ, de 9-5-02, na Revista nº 935/02 (Rel. Faria Antunes), quando conclui que "o simples uso constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação consubstancia um dano que deve ser indemnizado, como contrapartida da perda da capacidade de utilização normal durante o período da privação" (www.stj.pt)).
A questão genericamente enunciada aflora mais frequentemente em sede de acidentes de viação de que resulta para o lesado a privação do uso de veículos. Porém, a vida real comporta outras situações onde a mesma irrompe, designadamente quando uma das partes incumpre a obrigação de entrega à outra da coisa vendida (responsabilidade contratual) ou quando, como no caso concreto, alguém retém ilegitimamente um imóvel pertencente a outrem.
A resposta que tem sido dada parte basicamente da aplicação da teoria da diferença:
- Quando a indemnização é negada alega-se a falta de prova de uma diferença patrimonial entre a situação constatada no momento da decisão e a que existiria se não ocorresse o evento;
- Inversamente, a afirmação é sustentada pela constatação naturalística de que a privação do uso de uma coisa, inibindo o proprietário ou detentor de exercer sobre a mesma os inerentes poderes, constitui uma perda patrimonial que deve ser considerada, tudo se resumindo à detecção do método mais adequado para a quantificação da indemnização compensatória.
Contra a admissibilidade da indemnização do dano da privação do uso invoca-se frequentemente a sua natureza abstracta, contraposta ao facto de a responsabilidade civil exigir a produção de um dano concreto cuja medida serve para quantificar a indemnização.
É um facto que só os danos concretos merecem ser ressarcidos.
Todavia, isso não significa que o chamado "dano da privação do uso" deva incluir-se na categoria do dano abstracto, sob pena de se afrontarem juízos assentes em padrões de normalidade.
Esta integração é contrariada pela simples verificação de que a impossibilidade de fruição de um bem próprio, em consequência de uma actuação ilícita de outrem, determina um corte temporal no legítimo direito de fruição.
Reportando-se a privação a um determinado período e sendo o direito de propriedade também integrado pelo direito de fruição, aquela traduz-se, em termos práticos, num corte temporalmente definido e naturalmente irrecuperável nesse poder de fruição.
Quanto às dificuldades suscitadas pela adopção da teoria da diferença, como critério determinativo da indemnização, podem ser superadas se se evidenciar que o plano da quantificação não deve confundir-se com o da ressarcibilidade em que, por ora, nos situamos.
No percurso metodológico da aplicação da lei este situa-se a montante, sendo reflexo da mera perda, ainda que temporária, dos poderes de fruição; já a quantificação comporta uma mera operação material, situada a jusante, destinada a avaliar, em termos pecuniários, o desequilíbrio patrimonial causado pela privação.
A simples invocação das regras da experiência quando se estabelece a comparação entre a situação do proprietário que manteve intacto o seu poder de fruição e a de um outro que dele seja privado temporariamente permite concluir que não existe entre ambas uma equivalência substancial.
Verificando-se uma lacuna de natureza patrimonial, correspondente à fatia de poderes de que o proprietário ficou privado, é com naturalidade que deve ser encarada a atribuição de uma compensação monetária, face à constatação de que o simples reconhecimento da ilegitimidade da privação e a condenação na restituição do bem são insuficientes para repor a situação do lesado no estado em que se encontraria caso não tivesse existido tal privação.
Uma vez que o sistema atribui ao lesado o direito à reconstituição natural da situação, a recomposição da situação danosa reclama que, pela única via então possível, ou seja, pela atribuição de um equivalente pecuniário, o lesado consiga ser reintegrado.
Dito de outro modo, se a privação do uso do bem durante um determinado período origina a perda das utilidades que o mesmo era susceptível de proporcionar e se tal perda não pode ser reparada mediante a forma natural de reconstituição, impõe-se que o responsável compense o lesado na medida equivalente.
A prova da ocorrência de danos concreta e directamente imputáveis à privação é solução que se justifica quando o lesado pretenda obter o ressarcimento dos lucros cessantes, pelos “benefícios que deixou de obter”, nos termos do art. 564.º, n.º 1, do Código Civil.
Porém, não se esgotam aí as possibilidades de ressarcimento que abarca também, com os danos emergentes, no segmento normativo referente ao “prejuízo causado“, a privação do uso.
Considerando que o direito de propriedade integra, como um dos seus elementos fundamentais, o poder de exclusiva fruição, e que isso envolve até o direito de não usar, (é este o sentido que vem sendo trilhado pela jurisprudência, como o revelam o Ac. do STJ, de 6-6-01, in CJSTJ, tomo II, pág. 124, onde se considerou a indemnização correspondente ao valor de uso de um andar “independentemente da prova de qualquer dano sofrido pelos proprietários do andar, sendo bastante a demonstração de que o seu ocupante o usa sem título legítimo”, e o Ac. da Rel. do Porto, de 6-6-91, in CJ, tomo III, pág. 173, onde se atribuiu uma indemnização pelo facto de o comodatário não ter entregue o prédio ao proprietário, apesar de não se ter provado que este o teria arrendado. Em sentido oposto, cfr. o Ac. do STJ, de 29-6-93, cujo sumário foi recolhido de www.cidadevirtual.pt/stj (Rel. Santos Monteiro), com a justificação de que o proprietário não provara que quisera arrendar o imóvel e que só o não conseguira pela recusa de restituição) a privação do uso reflecte o corte definitivo e irrecuperável de uma “fatia” desses, justificando-se, assim, o ressarcimento que supra a modificação negativa que a privação do uso determina na relação entre o lesado e o seu património.
A análise mais detalhada do problema foi da iniciativa de Júlio Gomes que num Estudo intitulado “O Dano da Privação do Uso” na Rev. de Direito e Economia, ano XII (1986), págs. 169 a 239) deixou subentendida a adesão à valoração autónoma daquele dano no âmbito da nossa ordem jurídica (noutro local assume, com mais clareza, uma posição favorável ao ressarcimento da privação do uso, como contrapartida da perda da “capacidade de decisão exclusiva quanto à utilização do bem” durante o período de privação - in O Conceito de Enriquecimento, pág. 278).
Ainda que a questão permaneça algo adormecida na doutrina e na jurisprudência nacionais, a tese que assumimos é defendida expressamente assumida por Menezes Leitão ([In Direito das Obrigações, vol. I, pág. 297, onde defende que, “entre os danos patrimoniais, incluiu-se naturalmente a privação do uso das coisas ou prestações, como sucede no caso de alguém ser privado da utilização de um veículo seu ou ser impedido de realizar uma viagem turística que tinha contratado. Efectivamente, o simples uso constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano”).
E numa época em que a globalização também se reflecte no modo como são regulamentados certos institutos jurídicos, ganha especial relevo o modo como a questão tem sido abordada noutros quadrantes jurídicos.
Ora, na Alemanha, perante textos legais inconclusivos e face às dificuldades de superação dos obstáculos impostos à integração da privação do uso na categoria de danos de natureza não patrimonial, a jurisprudência alemã avançou com a sua ressarcibilidade a título de danos patrimoniais, atribuindo ao seu titular um quantitativo correspondente ao valor comercial ou corrente do uso de que o lesado tenha ficado privado (Júlio Gomes, “O Dano da Privação do Uso”, pág. 177).
Também assim, em Itália, (Cfr. Lagostena Bassi e L. Rubini, in La Responsabilitá Civile (La Liquidazione del Dano), tomo III, págs. 98 e 99. Também Giovanna Visintini considera que a privação do uso de veículos deve integrar-se nos lucros cessantes, ao menos quando sejam utilizados no exercício de uma actividade profissional ou de uma empresa - in Tratado de la Responsabilidad Civil, II vol., ed. Astrea, 1999, pág. 219), França, (Cfr. Philipe le Torneau, in Droit de la Responsabilité, ed. Dalloz, 1998, pág. 403]) Espanha (Cfr. Jaime Santos Briz, in La Responsabilidad Civil, ed. Montecorvo, 5 ª ed., págs. 360 e 361. José Alfredo Caballero Gea, a respeito de acidentes de viação, evidencia que a maioria das decisões tem acolhido favoravelmente pretensões indemnizatórias, designadamente quando está em causa a privação de veículo de transporte colectivo, de veículos pesados de mercadorias ou de taxis, situações em que tem sido julgada suficiente a probabilidade de ocorrência de danos, presumindo a sua existência, atenta a natureza dos veículos e a função que exercem (in Las Responsabilidades Penal y Civil del Accidente de Circulación, 7ª ed., Dykinson, Madrid, 1998, págs. 602 e segs.) e Reino Unido (Júlio Gomes, in O Conceito de Enriquecimento, págs. 275 a 277.
Num outro local (Revista de Direito e Economia já referida, pág. 234), o mesmo autor dá notícia de que o ressarcimento da privação do uso é generalizadamente recusado na Áustria, ao passo que na Holanda as soluções encontradas são favoráveis).
Em suma, desde que a violação do direito de propriedade, acompanhada da privação do uso, constituem facto ilícito deve, em regra, conceder-se ao lesado a correspondente indemnização (num recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29-3-2001, cujo sumário está acessível através de www.cidadevirtual.pt/stj/jurisp (Rel. Sousa Inês), refere-se que “a ocupação ilícita de uma fracção autónoma causadora de dano para o proprietário, que consiste em ter sido temporariamente privado do gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso e fruição, origina ... a obrigação de indemnizar”.
Subjaz a este aresto a consideração de que a mera privação do uso e fruição constitui um dano de natureza patrimonial, separando a questão da quantificação dos prejuízos.
O mesmo entendimento foi adoptado no Ac. do STJ, de 11-7-00, in BMJ 499/220, onde se refere explicitamente, a respeito da retenção de uma parte de um prédio relativamente à qual caducara o contrato de arrendamento, que “a ocupação abusiva constitui de per si um prejuízo que o proprietário sofre, um dano”, ainda que se tenha rejeitado qualquer indemnização por ausência de elementos referentes ao valor locativo da referida parte).
A medida do ressarcimento pode variar de acordo com os reflexos casuisticamente imputáveis ao evento.
Mas, salvo situações excepcionais resultantes de factos concretamente apurados, àquela situação de carência corresponderá a atribuição de uma compensação monetária.
Discorda-se, assim, da tese assumida no Ac. da Rel. de Évora, de 26-10-00, in CJ, tomo IV, pág. 266, a respeito de uma situação semelhante à dos autos, em que se negou o direito de indemnização ao proprietário de uma fracção autónoma ilegitimamente ocupada por terceiro, com fundamento na falta de alegação dos danos que, em concreto, teriam resultado da privação do uso.
Aliás, como acaba por se reconhecer na mencionada decisão, sempre a situação encontraria eco nas regras do enriquecimento sem causa, solução preconizada muito justamente pelos diversos autores que se têm debruçado sobre a ingerência ou intervenção de uma pessoa nos direitos ou bens alheios (entre estes autores, cumpre destacar Pereira Coelho que na sua obra O Enriquecimento e o Dano afirma que mesmo fora dos quadros da responsabilidade civil, que impõe a existência de um dano, “o titular do direito poderá ainda, com base nos princípios do enriquecimento sem causa, exigir ao interventor o enriquecimento deste, até ao limite do valor de uso feito ...” (pág. 67), sendo “justo que o interventor pague ao titular do direito os bens alheios que utilizou, restituindo-lhe o valor objectivo do uso” (pág. 70).
No mesmo sentido cfr. o Ac. do STJ, de 23-3-99, in CJSTJ, tomo I, pág. 172, onde se considerou, de acordo com as regras do enriquecimento, que o proprietário tem o direito de ser indemnizado pelo valor dos frutos obtidos ilegitimamente à sua custa ou pelo valor de uso ou valor de exploração.
E ainda o Ac. do STJ, de 28-2-02, na Revista nº 283/02 (Rel. Quirino Soares), onde se refere que a "ilícita privação do uso e fruição do prédio pode ser causa de responsabilidade civil se priva o respectivo proprietário do exercício efectivo daqueles poderes, ou pode constituir obrigação de restituir por enriquecimento sem causa, ... caso não haja lugar a responsabilidade civil, por inexistência de dano (o que acontecerá, p. ex., se, em todo o caso, o titular não usaria nem fruiria o prédio" (www.stj.pt)).
Do exposto resulta que a privação de uso de imóvel deverá ser objecto de indemnização e, não obstante se ter alterado a resposta à matéria constante do ponto 5) da sentença, afigura-se-nos que, pelos precisos motivos apontados na sentença em recurso, se deverá manter, com recurso à equidade, um montante indemnizatório fixado de €100,00, desde 24 de Agosto de 2007 até entrega efectiva do prédio, ascendendo ao montante €4.400,00, em Abril de 2011.
Por último, no que se refere à repartição das custas, foi decidido na 1.ª Instância condenar as partes nas custas, na proporção do decaimento que se fixou em 95% para os réus e 5% para os autores (artigo 446º, n.º1 do C.P.C.).
Afirmam os apelantes que nunca puseram em causa o direito de propriedade dos recorridos sobre os prédios, que a denúncia do contrato de arrendamento não fez cessar o contrato de arrendamento em 01 de Novembro de 2008 e que o mesmo só cessou em 01 de Novembro de 2010, ou seja, nesta parte, improcederam os pedidos das alíneas h) e i) da petição inicial, pelo que entendem que a condenação nas custas deve ser fixada em 25% para os recorrentes e 75% para os recorridos.
Conforme consta do artigo 446.º do Código de Processo Civil,
“1 - A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condenará em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.
2 - Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
3...
Importa atentar que, relativamente aos pedidos formulados pelos autores constantes acima referidos em I. A), a acção procedeu na sua maior parte e apenas não procedeu e, nessa parte, foram os réus absolvidos do peticionado quanto à indemnização por danos não patrimoniais, no montante de €1.000,00.
Dizem os apelantes que nunca puseram em causa o direito de propriedade dos recorridos sobre os prédios.
Importa notar que para que os autores pudessem fazer valer os seus direitos teriam de invocar o título que os legitimava a deduzir as pretensões respectivas e, no caso, passavam nomeadamente pela sua qualidade de proprietários dos prédios, pelo que, independentemente de os réus impugnarem ou não o direito de propriedade dos autores sobre o prédios, os réus deram causa à acção e, como tal, sobre os mesmos recai a obrigação de pagarem as custas.
Afirmam os apelantes que a denúncia do contrato de arrendamento não fez cessar o contrato de arrendamento em 01 de Novembro de 2008 e que o mesmo só cessou em 01 de Novembro de 2010, ou seja, nesta parte, improcederam os pedidos das alíneas h) e i) da petição inicial.
Sendo verdade que o contrato de arrendamento cessou em 01/11/2010 e não em 01/11/2008, como havia sido peticionado, não se pode afirmar que o pedido nessa parte improcedeu, uma vez que o mesmo procedeu, embora em data posterior, o que não permite afirmar o decaimento da pretensão dos autores, mas apenas o diferimento do momento dessa cessação.
Pelo exposto, entende-se adequado manter a condenação em custas, nos termos decididos na 1.ª Instância.
Do exposto resulta que a apelação terá de improceder e, em consequência, confirmar-se o decidido na douta sentença recorrida.
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D) Em conclusão:
1) A privação do gozo de uma coisa pelo titular do respectivo direito constitui um ilícito que a nossa ordem jurídica prevê como fonte da obrigação de indemnizar;
2) A simples privação ilegal do uso já integra um prejuízo de que o proprietário deve ser compensado, em última análise, com recurso às regras da equidade.
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III. DECISÃO
Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a douta sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
Notifique.
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Guimarães, 06/11/2012
Figueiredo de Almeida
Ana Cristina Duarte
Fernando Freitas